sábado, 11 de janeiro de 2014

CAPITALISMO - A GRANDE INVENÇÃO DA HUMANIDADE

A era das trevas, a era da veneração do estado — mais especificamente, a sangrenta era do comunismo, do nacional socialismo, do fascismo e do planejamento central — infelizmente não ficou restrita apenas aos livros de história. Os fenômenos ocorridos nos últimos cinco anos ao redor do mundo mostram que a liberdade e o bem-estar da humanidade estão sob sério risco de voltar a ser esmagadas pelos governos. E o que é pior: dessa vez, planeja-se um ataque coordenado em escala mundial.

Nunca foi tão necessário conscientizar as pessoas da realidade e reafirmar nossa lealdade à liberdade humana, que é a base da prosperidade e da própria civilização. Para isso, é necessário o repúdio geral e incondicional a todas as forças ideológicas que se opõem a ela.

Os primeiros ataques empreendidos pelos inimigos da liberdade vieram ainda no início do século XX, com a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Bolchevique. Esses dois eventos acabaram com a esperança e o ânimo de toda uma geração de liberais clássicos, pois interromperam de forma sangrenta e dolorosa séculos de progresso rumo à paz e à liberdade. Aqueles homens entenderam algo que hoje nós próprios ainda não entendemos: os momentos da história humana caracterizados pelo conforto, pela segurança e pela prosperidade infelizmente são raros.

E a realidade é que, para as massas, a história do último milênio foi uma história de fome, escassez e doenças. Na Inglaterra do século XII, por exemplo, ocorria uma crise de inanição generalizada a cada 14 anos. Do século XIII ao século XVII, a escassez de alimentos aparecia a cada 10 anos. Já nos dias de hoje, quando se fala em 'tempos difíceis', isso nada tem a ver com surtos de fome, inanição e doenças letais — exceto em países da África, onde não há nem resquícios de capitalismo. Esses episódios, comuns àquela época, mataram dezenas de milhões, e obrigaram as pessoas a comer cachorros e cascas de árvores.

E mesmo aqueles que não sofriam com a fome também não viviam com conforto. Para a maioria das pessoas, as casas eram minúsculas, com um buraco em seus tetos de junco e palha para permitir que a fumaça saísse. As cidades tinham apenas uma bomba d'água, que era a fonte de toda a cidade. A rede sanitária era precária, e surtos de lepra, escorbuto e tifóide eram coisas comuns e esperadas. As pessoas se consideravam abençoadas quando seu filho conseguia sobreviver ao primeiro ano de vida, e eram muito poucos os adultos que passavam dos 30 anos de idade.

Oportunidade econômica era algo desconhecido, assim como a ideia de se ter uma prosperidade material em contínuo avanço. A primeira ruptura nessa longa história de sofrimento aconteceu com o surgimento das sociedades comerciais da Espanha e do norte de Itália, e depois com a revolução industrial na Grã-Bretanha. As pessoas passaram então a fugir em manada do interior rural em direção às fábricas. Hoje os historiadores dizem que as condições de trabalho nessas fábricas eram deploráveis, com longas e duras horas de trabalho. Sim, mas qual o padrão de comparação? As condições eram ruins comparadas a quais outras? A alternativa para a maioria das pessoas era viver como um indigente ou como uma prostituta — ou morrer de fome nas áreas rurais.

Muito pouca atenção é dada aos heróicos proprietários das primeiras fábricas. Eles geralmente eram pessoas humildes, que incorreram em enormes riscos empresariais e que reinvestiam seus lucros na expansão das fábricas, em benefício dos trabalhadores.

Eles conseguiram abrir suas fábricas mesmo sob forte oposição das elites já estabelecidas, que não queriam concorrência e que os acusavam de estar enchendo a cidade de "gentalhas" e "ralés". O único apoio intelectual que esses empreendedores tinham vinha dos economistas liberais clássicos, que perceberam que essa iniciativa empreendedorial representava liberdade e prosperidade para o homem comum.

O que estava sendo produzido nessas fábricas? Não eram bens para a nobreza, mas vestuários e equipamentos utilizados pelas pessoas comuns para melhorar sua vida diária. Como disse Mises, essa foi a primeira vez na história em que a produção em massa foi feita para as massas.

A população da Inglaterra dobrou no século seguinte à Revolução Industrial — prova evidente de que tal revolução expandiu dramaticamente o padrão de vida das pessoas comuns. Em nossa geração também pudemos testemunhar uma extraordinária evolução da livre iniciativa sempre e onde quer que a liberdade tenha sido permitida. Apenas considere que, em 1900, a expectativa média de vida no mundo era de 30 anos. Hoje, essa média é maior que 65. É isso o que explica o extraordinário aumento da população global.

Mas qual foi a causa fundamental dessa revolução? O desenvolvimento econômico, que nos trouxe alimentos abundantes, boa nutrição, saneamento e um grande avanço medicinal. E, no entanto, analise nosso comportamento atual: simplesmente assumimos que restaurantes, bares, lanchonetes e supermercados com enormes variedades são coisas comuns, que sempre existiram e sempre existirão. Ficamos irritados quando acaba o estoque de picanha do supermercado, e sequer tocamos na alface que já murchou na prateleira. Deveríamos ter em mente que somos apenas a terceira ou a quarta geração na história do mundo que tem acesso rotineiro a essas coisas "banais" todos os dias do ano.

E qual é, por sua vez, a causa de todo esse desenvolvimento econômico? Essa tão vilipendiada instituição chamada capitalismo, uma palavra que significa nada mais do que liberdade de gerir a sua propriedade, de fazer trocas voluntárias e de inovar. O capitalismo se mostrou o mais espetacular motor do progresso humano, e sua expansão foi a maior ideia dos últimos séculos. Todo o conforto material de que desfrutamos hoje devemos à economia de mercado, que talvez seja o menos compreendido e mais atacado alicerce da vida civilizada.

Mas por que o capitalismo, a economia de mercado e a liberdade, com todos os seus benefícios intrínsecos e óbvios, precisam de uma implacável e inflexível defesa intelectual? Por causa de declarações como esta:

A legitimidade do capitalismo global como sendo o sistema dominante de produção, distribuição e trocas será erodida ainda mais, até o nervo central de seu sistema...; embora os vilões já tenham sido abundantemente apontados, todo o problema central está na dinâmica desse sistema capitalista global, desregulado e voltado para as finanças.

As palavras acima são do sociólogo e economista Walden Bello, mas em nada diferem das palavras normalmente proferidas por Paul Krugman, Joseph Stiglitz, acadêmicos, intelectuais e por todos à esquerda, à direita e ao centro. Certamente, essa convicção de que o problema está no sistema de mercado é acolhida gostosamente por todos os burocratas que atualmente regulam a economia e provavelmente por quase todos os professores universitários mundiais.

"O capitalismo precisa de consciência", dizem em uníssono, pois de outra forma acabará sendo consumido pela "ganância destrutiva" dos capitalistas. Alan Greenspan, o responsável-mor pela crise financeira, concorda entusiasmadamente, acrescentando que quando a ganância torna-se "infecciosa", ela desestabiliza os mercados. 

"Esse capitalismo desregulamentado tem de acabar", esperneia a mídia, sempre desnorteada, exigindo que os governos e seus bancos centrais assumam o controle (o qual nunca abandonaram) e apliquem regulamentações punitivas ao mercado, dando-lhe uma "consciência" e acabando com essa "ganância infecciosa".

A maior regulação das economias e dos mercados financeiros é apenas o começo. Os gastos governamentais e as dívidas dos governos ao redor do mundo estão em franco descontrole. Clamores por mais protecionismo já estão sendo atendidos em vários países. O estado policial já está atacando os indivíduos que ousam manter sua segurança e privacidade. Países que até então zelavam pela privacidade de seus habitantes — como a Suíça — foram abertamente ameaçados pelas grandes potências, que consideram intolerável a ideia de sigilo bancário, e tiveram de ceder à ameaça. Com a arrecadação não acompanhando o aumento dos gastos, políticos ameaçam colocar na cadeia empresários sob qualquer suspeita de 'sonegação', que nada mais é do que o pecado supremo de querer manter para si os frutos de seu próprio trabalho.

Vamos deixar de lado nesse artigo todas as evidências (relatadas aqui e aqui) de que o atual colapso econômico é uma consequência óbvia da intervenção governamental na moeda, nos juros, nos mercados de crédito, bem como da própria regulação dos mercados financeiros. Em vez de nos centrarmos nessas obviedades, vamos nos concentrar apenas nas críticas e protestos feitos pelos que defendem mais regulamentações. 

Eles dizem não querer erradicar a economia de mercado e nem substituí-la pelo socialismo; eles querem apenas melhorá-la, deixá-la mais transparente, torná-la mais honesta e salvá-la de si própria. Essa é a argumentação favorita dos moderados, que se dizem a favor do mercado, mas contra um capitalismo sem controles. (A óbvia contradição entre mais controle estatal e mais honestidade e transparência é algo que aparentemente lhes escapa).

A pergunta fundamental que deve ser feita a essas pessoas é: vocês acreditam que o capitalismo é maculado pelos pecados dos indivíduos — sendo que, nesse caso, nenhum sistema social poderia ser melhor, uma vez que todos são compostos por indivíduos pecaminosos —, ou vocês acreditam que há um pecado intrínseco ao capitalismo em si e que este pode ser suprimido pelo estado?

A resposta deles é óbvia. Afinal, se estamos falando de pecados individuais, o mercado foi brutal em sua punição. Da mesma forma que, durante a expansão artificial fomentada pelo crédito fácil, as pessoas ignoraram preocupações básicas como histórico de crédito, viabilidade dos investimentos e rentabilidade das empresas, tão logo a expansão chegou ao fim e deu-se início à recessão, o mercado logo se prontificou a fazer uma caça àquelas empresas e pessoas que cometeram erros, que investiram no que não deveriam e que deram dinheiro para quem não podia pagar. O grande problema é que este expurgo não pôde ser completado em decorrência das intervenções governamentais e de seus infindáveis programas de socorro, tanto por meio do aumento dos gastos quanto por meio da redução dos juros.

Não importa se o problema foi ganância, erro ou apenas um mau prognóstico, os mercados são implacáveis. A bancarrota será o resultado. Os governos podem apenas postergar o inexorável. Que estejam utilizando dinheiro dos pagadores de imposto para tentar adiar os problemas e salvar empresas com boas conexões políticas é algo que, além de imoral, trará resultados maléficos mais pra frente. Nenhuma instituição — e certamente não o governo — tem um maior desejo de se corrigir a si própria do que o mercado.

Entretanto, se você acredita que há algum pecado no cerne do capitalismo, então de fato não faz sentido permitir que o mercado se policie a si próprio. Você certamente irá querer deixar tal serviço para políticos e burocratas. A consequência será inevitável: uma vez que os reguladores estiverem livres para "corrigir" a economia de mercado, não haverá fim à quantidade de falhas e defeitos que a classe política — para proveito próprio — irá descobrir e tentar corrigir.

O resultado final serão mercados restringidos e aleijados até o ponto em que não conseguirão fazer o que supostamente devem fazer. Na melhor das hipóteses, teremos uma sociedade imóvel, burocratizada e paralisada, com escassez de inovações e oportunidades, tendo de sustentar um estado assistencialista improdutivo e recheado de corrupção política. Isso, por sua vez, irá infectar toda a mentalidade das pessoas, encorajando uma atitude de dependência e de resignação, algo contrário ao espírito empreendedor, que é o que traz desenvolvimento.

E isso — a cultura da dependência — é também um dos maiores problemas da atualidade, gerado justamente pela difusão de ideias anticapitalistas e estatizantes. Por exemplo, dentre as principais objeções à idéia de uma sociedade de mercado está a de que os mais incapazes serão deixados para trás, ficarão pobres e não terão ninguém para cuidar deles. Uma resposta fácil a essa questão seria dizer que a caridade privada poderia cuidar disso; no entanto, quando olhamos ao nosso redor, vemos as instituições beneficentes fazendo apenas tarefas comparativamente pequenas. O setor simplesmente não é grande o suficiente para cuidar da parte que o governo se omite em fazer.

É aqui que se requer imaginação. O problema é que as atividades do governo inibem as atividades privadas e reduzem os serviços do setor privado para níveis menores do que seriam em um livre mercado. Antes da era do assistencialismo, as instituições de caridade do século XIX formavam uma vasta operação cujo tamanho era comparável ao das maiores indústrias. Elas se expandiam de acordo com as necessidades. Eram em grande parte supridas por igrejas através de doações, e a questão ética estava lá: todos davam uma porção do orçamento familiar para o setor caritativo. Uma freira como Madre Cabrini chegou a cuidar de um verdadeiro império beneficente.

E então veio a era progressista, e a ideologia mudou. A caridade passou a ser considerada um bem público, algo a ser estatizado. O estado começou a invadir um território até então reservado ao setor privado. E à medida que o assistencialismo estatal cresceu durante o século XX, o tamanho comparativo do setor privado diminuiu. Vejam a situação trágica de Europa, justamente o continente que deu à luz aos serviços de caridade. Hoje, poucos europeus doem para a caridade porque todos têm a crença de que esse é um serviço para o governo. Além do mais, tendo que pagar impostos abusivos, realmente não sobra muito para doações.

Parece absurdo ter de dizer isso, mas a legitimidade do capitalismo não está em questão. Não fosse a misteriosa persistência desse viés anticapitalista, já estaria perfeitamente claro para todos que as únicas instituições que devem ser seriamente questionadas atualmente são os governos (reguladores, tributadores, burocráticos e protecionistas) e seus bancos centrais — estes, os causadores da bagunça; aqueles, os inibidores da recuperação.

Pense bem na histeria que vivenciamos nos últimos cinco anos, a quem direcionaram a culpa e a quem pediram soluções, e você terá a perfeita definição de um mundo às avessas. É algo não apenas incrível, como também assustador. A economia de mercado criou uma prosperidade incomensurável e, década após década, século após século, gerou miraculosos feitos de inovação, produção, distribuição e coordenação social. Ao livre mercado devemos toda a nossa prosperidade material, todo o nosso tempo de lazer, nossa saúde e longevidade, nossa enorme e crescente população e praticamente tudo o que chamamos de vida em si. O capitalismo, e apenas o capitalismo, salvou a humanidade da pobreza degradante, das enfermidades desenfreadas e da morte prematura.

Na ausência da economia capitalista e de todas as suas instituições essenciais, a população mundial iria, com o passar do tempo, definhar até uma pequena fração do seu tamanho atual, sendo que o que sobrasse da raça humana seria sistematicamente reduzido à subsistência, comendo apenas o que pudesse ser caçado ou acumulado. Mesmo a instituição que é em si a fonte da palavra civilização — a cidade — depende das trocas e do comércio, e não poderia existir sem isso.

E isso é apenas para mencionar os benefícios econômicos do capitalismo. Mas o sistema também é uma expressão de liberdade. Ele não é exatamente um sistema social; ele é o resultado natural de uma sociedade em que os direitos individuais são respeitados, em que as famílias, os negócios e toda forma de associação podem se desenvolver sem coerção, roubo, guerra e agressão.

O capitalismo puro protege o fraco do forte, e garante liberdade de escolha e de oportunidade para as massas que antes não tinham outra opção senão viver em um estado de dependência em relação àqueles que detinham os poderes políticos.

Compare o histórico do capitalismo com o do estado, que, apenas no século passado, matou centenas de milhões de pessoas com seus campos de concentração, suas guerras e com a fome provocada tanto pela economia planejada quanto deliberadamente, como estratégia política. E o próprio histórico do tipo de planejamento central que agora está sendo imposto ao mundo é totalmente abismal.

Sempre que o estado tentou erradicar alguma coisa — desemprego, pobreza, drogas, ciclos econômicos, analfabetismo, crime, terrorismo —, ele acabou gerando mais daquilo, muito mais do que seria gerado caso ele não tivesse feito absolutamente nada.

O estado nunca criou nada de bom. Foi o mercado quem criou tudo. Mas se a economia entra em recessão e o desemprego sobe, o que acontece? Os principais intelectuais se assanham e saem propagando novamente que a Revolução Bolchevique foi uma ótima ideia, ainda que os resultados não tenham sido bem aqueles que os idealistas desejavam. Todos começam a dizer que devemos repensar todas as bases da própria civilização.

Em toda sociedade há ganância, fraude e roubo. Nas sociedades socialistas, quando esse tipo de comportamento é denunciado — não obstante a regra nestas sociedades seja a luta contínua e sanguinária pelo poder —, poucos se importam. Alguns até atribuem isso aos resquícios de pensamento capitalista. Agora, quando esses vícios são denunciados em economias relativamente livres, a gritaria é inevitável: acabem com a liberdade de troca e coloquem o estado no comando!

Por fim, voltando à pergunta original: por que o capitalismo, a economia de mercado e a liberdade, com todos os seus benefícios intrínsecos e óbvios, precisam de uma implacável e inflexível defesa intelectual?

Considere a descrição que Ludwig von Mises fez da cultura intelectual predominante em 1931, quando o mundo ia se afundando na depressão econômica:

O sistema econômico capitalista, que é o sistema social baseado na propriedade privada dos meios de produção, é hoje rejeitado unanimemente por todos os governos e partidos políticos. Mas nenhum acordo foi feito em relação a qual sistema econômico deve substituí-lo no futuro. Muitos, embora nem todos, veem o socialismo como o objetivo final. Eles teimosamente rejeitam o resultado do exame científico da ideologia socialista, o qual demonstrou a impossibilidade econômica do socialismo. Eles se recusam a aprender com os experimentos socialistas da Rússia e de outros países europeus.

Entretanto, considerando-se os objetivos das atuais políticas econômicas, parece haver um completo acordo entre as partes. A finalidade é um arranjo econômico que supostamente represente uma solução conciliatória, um "meio-termo" entre socialismo e capitalismo. Não há a intenção de abolir a propriedade privada dos meios de produção; a propriedade privada poderá continuar existindo, embora sendo regulada, controlada e tributada, e tendo suas aplicações direcionadas pelo governo e por outros agentes do aparato coercivo do governo. Com relação a esse sistema intervencionista, a ciência econômica demonstra com indiscutível lógica que ele é contrário à razão; demonstra que essas intervenções, que objetivam moldar o sistema, jamais poderão cumprir os objetivos que seus proponentes esperam alcançar, e que cada intervenção terá consequências inesperadas e indesejáveis.

Após Mises ter escrito isso, o fascismo se intensificou na Itália e o Terceiro Reich começou seu programa de extremo intervencionismo, militarismo e protecionismo na Alemanha. O New Deal chegou aos EUA e tudo terminouem uma guerra mundial e em um holocausto. Quanto você acha que as coisas realmente mudaram de lá pra cá? O ódio ao mercado deve ser retaliado com a defesa da liberdade, em todas as gerações. Não é nenhum exagero dizer que nossas vidas dependem disso.

Por: Lew Rockwell  presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

DÍVIDAS GOVERNAMENTAIS X DÍVIDAS DE INDIVÍDUOS E EMPRESAS

Paul Krugman e outros defensores do aumento dos gastos governamentais alegaram recentemente que comparar a dívida do governo à dívida de um indivíduo ou de uma empresa é errado. Ao contrário dos moralistas, que não querem aumentar as dívidas a serem pagas pelas gerações futuras, Krugman e seus aliados alegam que a dívida governamental per se não representa nenhum fardo para as gerações futuras como um todo. Afinal, nossos descendentes irão "dever para eles próprios" — ao menos se desconsiderarmos a dívida externa, é claro. Sendo assim, quaisquer impostos que forem aumentados ou criados para pagar o serviço desta dívida (juros e amortizações) irão simplesmente fluir para os bolsos daqueles cidadãos que estiverem de posse dos títulos da dívida. Com isso, Krugman argumenta que a "dívida nacional" não é apenas um passivo, mas também um ativo. Quanto maior a dívida, portanto, mais rico o país. Um argumento que já seria o bastante para encerrar esta discussão é o fato de que, quanto maior a dívida, maiores os gastos do governo apenas com os juros desta dívida. E maiores ainda serão os gastos para amortizar os títulos vincendos. Isto faria com que uma enorme fatia dos impostos arrecadados fosse utilizada apenas para pagar encargos da dívida. Tal situação equivaleria a uma maciça transferência de renda de pagadores de impostos para portadores de títulos. Alguns iriam ganhar, outros iriam perder. Como sempre disse Murray Rothbard, a frase "nós devemos a nós mesmos" possui profundas implicações: tudo depende de se você faz parte do "nós" ou do "nós mesmos". Mas há outros problemas também. Um deles é que tal ponto de vista krugmaniano ignora o fato de que déficits do governo retiram recursos do setor produtivo, desviando-os para ineficientes gastos estatais. Quando o governo incorre em déficits e emite títulos para financiar estes déficits, tais títulos são comprados por empresas ou por indivíduos que, caso contrário, poderiam estar aplicando seu capital em investimentos produtivos. Desta forma, déficits governamentais retiram recursos de investimentos privados e os desviam para gastos escolhidos de acordo com politicagem. Déficits, portanto, fazem com que as gerações futuras tenham à sua disposição uma menor oferta de tratores, escavadeiras, máquinas, ferramentas e outros equipamentos, reduzindo assim sua capacidade de produzir mais bens. Consequentemente, estas futuras gerações estarão potencialmente mais pobres. Além deste efeito negativo sobre o investimento físico em bens de capital, o economista James Buchanan demonstrou que existe uma rota completamente independente por meio da qual os atuais déficits orçamentários de um governo podem empobrecer as gerações futuras. Uma vez que entendemos que "a nação" é composta por diferentes indivíduos que surgem em vários pontos distintos do espaço e do tempo, que vivem durantes períodos de tempo variáveis e não homogêneos, e então morrem, dizer que "nós devemos para nós mesmos" é uma completa falácia. Repetindo, Buchanan aponta para um efeito que vai muito além do fato de que os déficits governamentais de hoje tendem a reduzir o investimento privado. Mesmo se supuséssemos que todo o déficit governamental atual fosse pago por meio de uma redução no consumo privado — de modo que estaríamos deixando para as futuras gerações o mesmo estoque de bens de capital —, ainda assim nossos descendentes (como um todo) estariam em pior situação (relativamente mais pobres, ou menos ricos do que poderiam) em decorrência desta política de déficits. Para entender como isto funciona, imagine que o governo atual — isto é, no ano de 2012 — anuncie que irá gastar $100 bilhões dando uma festa de arromba. Tudo o mais constante, as pessoas vivas em 2012 irão adorar este surto maciço de consumo. No entanto, se o governo impusesse tributos sobre as pessoas em 2012 para pagar por esta festa, elas certamente iriam se revoltar. E nenhum governo quer isso. Muito mais confortável é apenas emitir títulos da dívida, que serão voluntariamente comprados por algumas pessoas no presente, e jogar o fardo do pagamento dos juros e do principal para as gerações futuras. Mais especificamente, suponha que o governo, em vez de elevar impostos, emita títulos que irão vencer daqui a cem anos, e os quais serão vendidos agora àquelas pessoas que oferecerem os melhores preços de compra. Supondo que os investidores confiem no governo e que a taxa de juros nominal de longo prazo seja acordada em 4,7%, o governo irá então emitir uma nota oficial com a seguinte declaração: "No ano de 2112, o governo irá fazer uma contagem de quantos pagadores de impostos existem no país. Ato contínuo, o governo irá tributar cada um destes x cidadãos com um imposto per capita de $10 trilhões/x. Esta receita tributária de $10 trilhões assim coletada será entregue a todas as pessoas que porventura estejam de posse deste pedaço de papel naquele momento." O valor de $10 trilhões nada mais é do que $100 bilhões com juros de 4,7% ao ano durante cem anos. Neste exemplo, a dívida será quitada — juros e principal — de uma só vez em 2112. Ou seja, o governo em 2012 irá levantar, via emissão de dívida, $100 bilhões — o valor presente descontado do pagamento de $10 trilhões que só irá ocorrer daqui a cem anos — e com isso pagar por sua festança. Neste cenário, um leigo estaria correto em dizer que a atual geração fez a sua farra e jogou toda a conta para os infelizes cidadãos de 2112. Os pagadores de impostos em 2112 terão de entregar $10 trilhões para alguns de seus concidadãos. No entanto, esta observação ainda não encerra por completo a análise. O motivo é que aquelas pessoas que em 2112 estiverem em posse dos títulos da dívida, e que portanto estarão recebendo os $10 trilhões, não irão receber este dinheiro de graça. Ao contrário, tais pessoas compraram estes títulos alguns anos atrás e pagaram por eles o valor presente descontado de $10 trilhões. Portanto, quando fazemos a contabilidade corretamente, entendemos que, além de os pagadores de impostos em 2112 serem claramente prejudicados (afinal, terão de pagar $10 trilhões em impostos), esta sua perda não se traduz em um ganho idêntico para os portadores dos títulos. É por isso que esta geração como um todo estará mais pobre em decorrência da festança que as pessoas de 2012 deram. Esta conclusão crítica merece ser enfatizada. Considere um indivíduo que está de posse de um dos títulos da dívida (cujo valor de face é de $1.000) em 2112. Talvez esta pessoa tenha comprado este título de outra pessoa no ano anterior (em 2111) por $955. Ao receber os $1.000, ela estará auferindo juros de 4,7%. Os $1.000 que ele receber em 2112 não irão constituir um ganho líquido para esta pessoa, pois a maior fatia destes $1.000 — isto é, os $955 — será apenas a devolução do principal que ele pagou no ano anterior. O real benefício para esta pessoa em toda esta operação seria ele receber uma taxa de juros mais alta do que a que ele receberia caso emprestasse seus $955 para o setor privado. Portanto, esta pessoa poderia considerar que toda esta operação de tributar-e-distribuir em 2112 lhe valeu, por exemplo, apenas $5. É a este benefício líquido de $5 (aproximadamente) para o portador do título que os $1.000 em impostos coletados deve ser contrastado. Em outras palavras, o pagador de impostos individual (responsável por um décimo-bilionésimo da fatura de $10 trilhões) ficará com $1.000 a menos, ao passo que o portador do título para quem o dinheiro é transferido irá ganhar apenas $5. Agora, se nos concentrarmos em um outro portador de título — por exemplo, alguém que tenha comprado o título no ano de 2085 —, então seu ganho seria maior do que $5, pois ele auferiu taxas de juros acima das de mercado por um período mais longo. Ainda assim, a única maneira de uma perda de $1.000 para um pagador de impostos ser identicamente contrabalançada por um ganho de $1.000 para um portador de título seria se este portador houvesse adquirido o título gratuitamente. Isto poderia acontecer com crianças que herdam títulos de seus pais. Mas é só. Qualquer outra pessoa que utilize dinheiro próprio para adquirir uma fatia daquele enorme título de $10 trilhões não irá obter ganhos idênticos às perdas dos pagadores de impostos. Seu ganho será muito menor. Logo, o grupo "pessoas vivas em 2112" estará coletivamente mais pobre em decorrência deste esquema. Por outro lado, consideremos a geração original, aquele que deu a festança. Sim, houve investidores em 2012 que tiveram de reduzir seus gastos em um total de $100 bilhões em decorrência de terem comprado os títulos emitidos pelo governo. Porém, à medida que o tempo foi passando, eles poderiam ter vendido seus títulos (um ativo financeiro) para investidores mais jovens, e utilizar os fundos assim conseguidos para financiar suas aposentadorias. Assim, os investidores de 2012, se considerarmos sua renda vitalícia, de fato não perderam nada com este negócio, o qual foi totalmente voluntário para eles. Para resumir: em 2012, várias pessoas vivas ganharam e ninguém perdeu, ao passo que, em 2112, as pessoas vivas sofreram perdas que sobrepujaram os ganhos totais. E isto é verdade mesmo se considerando que, em 2112, "as pessoas deviam $10 trilhões para elas mesmas". Déficits orçamentários nada mais são do que um enorme esquema de roubo que ocorre ao longo do tempo por meio do mercado financeiro e de títulos. Déficits orçamentários permitem que os cidadãos de hoje financiem benesses governamentais jogando a conta para gerações futuras, as quais não têm nenhum poder de influência nas decisões

ALMA REPTILIANA EM 2014

Por que, depois de tantas provas de que muitas religiões são uma farsa e alguns de seus ministros são uns picaretas, elas ainda dominam a vida da maioria dos seres humanos? Uma resposta possível está na Pré-História e em nossa "alma reptiliana".

Sou daquele tipo de pessoa que não acredita que mudamos muito nos últimos tempos; para dizer a verdade, acho que, quando pensamos na humanidade, a Pré-História deveria ser mais levada a sério do que surtos como a Revolução Francesa ou coisas passageiras como eleições democráticas.

Ou melhor, a Revolução Francesa deveria ser lida como mais um surto da violência natural que caracteriza toda manifestação de multidões desde o Paleolítico. Gostamos de matar e pronto. E a ideia de "um mundo melhor" é tão metafisica quanto os milenarismos medievais ou o monte Olimpo de Zeus.

Voltemos às religiões. Fenômeno mais essencial do que a política (aliás, só quando vira religião a política reúne multidões, como os fanáticos que creem na política como salvação), e, mais determinante, a religião deita raízes, como tudo mais de humano, na força que de fato nos forma, o desejo, que em nós é atávico como nosso cérebro réptil. E o réptil em nós goza no desejo.

Em nós, o desejo é metafísico, isto é, desejamos um mundo imaterial e eterno, no qual a força dos deuses é nossa, e nela não somos os miseráveis que somos. E para ter esse mundo nos fazemos ainda mais miseráveis, porque nosso pensamento e nossas ideias servem a esse desejo, e não o contrário. Por isso, seguimos picaretas de todos os tipos, que dizem representar os deuses, os santos, os espíritos que controlariam nossos destinos, fracassos e sucessos. No fundo, querem dinheiro, sempre dinheiro.

Não somos seres de razão, somos seres de desejo. É na Pré-História que encontramos a melhor compreensão de nossa "natureza", e não em teorias escritas em gabinetes sofisticados. Em cada um de nós vive um Australopithecus pronto a romper seu exílio em nossas maneiras afetadas de civilizados.

A religião, em grande parte, "organiza os delírios" de nossa mente animal e irracional. Em nós, a razão é superficial como espuma. Mas, diga-se, uma espuma que deve ser cultivada a todo custo.

Para além da chamada "escolha racional" (teoria muito comum hoje em estudos das religiões), teoria esta baseada no utilitarismo inglês que afirma que os seres humanos escolhem racionalmente buscando a redução do mal-estar e a otimização do bem-estar (por isso a religião, na sua hegemonia, seria um modo de escolha que diminui nosso mal-estar), a "inconsciência religiosa" se mantém, em grande parte, graças à estrutura mental pré-histórica.

É fácil imaginar nossos ancestrais apavorados sob o domínio de figuras xamânicas que cuspiam fogo enquanto afirmavam que pragas, doenças e guerras assolariam a vida do bando — o óbvio e ululante, claro. Ou, no caso de desejarem combater essas maldições, eles deveriam matar bichos, matar pessoas, comer comidas sagradas, entoar sons repetitivos, dançar ritmos extáticos, fazer sexo com o sacerdote. Enfim, há um risco de reptilização da fé.

Quando passo diante de um desses templos nos quais as pessoas erguem as mãos e gritam pelo Espírito Santo ou qualquer outra entidade suposta, ouço nossa ancestralidade berrando em plena luz do dia. Pensar que há algo de diferente entre o pré-histórico e nós nisso é confundir o cenário com a dramaturgia que na realidade define os personagens e sua ação.

Claro, hoje, afetados de todos os tipos se dizem contra sacrifícios animais e contra guerras, mas, em dois minutos, pulariam na jugular de quem fosse contra suas pautas de santidade. A verdade do homem não está no que ele diz, mas no que ele faz em nome do que ele diz.

As religiões evoluíram, como tudo mais em nós. Produziram grandes e belos sistemas teológicos e morais. Não nego. Mas o número de pessoas que se submetem a reptilização da fé é enorme, pouco importa o quão inteligentes sejam em outras áreas, ainda creem, em 2014, na capacidade de interpretação desses picaretas do mundo dos espíritos.
PorL Luiz Felipe Pondé  Folha de SP

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

QUATRO MIL ANOS DE CONTROLE DE PREÇOS


Comentário do IMB:

A economia brasileira opera como se estivesse separada em dois compartimentos. Há aqueles setores em que o governo interfere muito e há aqueles setores em que ele interfere bastante. 

Interferência estatal existe em cada canto da economia, pois o governo está sempre tributando e regulando — isto é, confiscando dinheiro e impondo normas incompreensíveis e impossíveis de serem obedecidas integralmente. No entanto, naqueles setores em que o governo interfere menos, ou seja, nos quais ele se limita a tributar e impor ordens, raramente se ouviu falar em problemas de escassez. Quando foi que você ouviu falar de crise na indústria de lápis? Ou na indústria de papelão? Ou na indústria de sorvetes? Na indústria de parafusos? E na indústria de eletrônicos, então? Quando foi que você ouvir falar de escassez no setor alimentício? Quando foi que um restaurante a quilo deixou de abrir porque não havia comida? 

Nestes setores, oferta e demanda, por mais oprimidas que sejam pelos impostos e regulamentações do governo, conseguem se mover sincronizadamente, e o consumidor jamais temeu qualquer tipo de escassez nestas áreas.

É justamente naqueles setores em que o governo faz sua interferência mais violenta — isto é, por meio decontrole de preços —, que a escassez e o desabastecimento são a regra, e não a exceção. 


Antes de tudo, é necessário entender que a escassez não é necessariamente a completa ausência de um produto. Há várias formas de escassez. A escassez explícita é aquela vista atualmente no setor da saúde pública, em que faltam medicamentos e atendimentos, e as consultas têm de ser agendadas com até um ano de antecedência. 

Mas há também outros graus de escassez. Por exemplo, um engarrafamento é uma escassez. Um bem (rua) está sendo ofertado a preço zero para uma demanda (carros) que tende ao infinito. Um aeroporto congestionado, em que aviões chegam a ficar uma hora esperando autorização para decolar, é outro exemplo de escassez: a administração do aeroporto é estatal e não sabe praticar discriminação de preços, cobrando tarifas mais altas para as companhias aéreas operarem em horários de pico, e mais baixas para horários de menos demanda. E o setor privado é proibido de construir aeroportos para suprir essa demanda.

Operadoras de celulares que não entregam o prometido ou cujas ligações vivem caindo são outro exemplo de escassez. O governo, por meio de sua agência reguladora, fechou o mercado para apenas algumas poucas empresas, impedindo que grandes empresas estrangeiras (Vodafone, Verizon, AT&T Mobility, T-Mobile, Orange, entre outras) venham operar aqui. É a agência reguladora que decide quem pode e quem não pode operar no Brasil, um arranjo que vai totalmente contra a ideia de livre mercado e livre concorrência.

Nos últimos anos, é o setor energético quem está na mídia. Riscos de apagão e de desabastecimento de gasolina são fenômenos que assombram o brasileiro a cada dois anos em média. E isso não deveria ser surpresa alguma: são dois setores sob completo controle do governo; dois setores cujos preços dos serviços são diretamente decretados pelo governo, e cuja oferta, embora não seja monopolista em teoria, o é na prática. 

Por exemplo, se uma empresa quiser prospectar petróleo aqui no Brasil e nos vender, ela não pode. Os preços cairiam muito, e preços baixos afetariam as receitas da Petrobras, que é uma empresa utilizada para fins políticos. Ademais, após mais de 40 anos de monopólio (quebrado apenas em 1997), a Petrobras já se apossou das melhores jazidas do país. Nem tem como alguém concorrer. É como você chegar atrasado ao cinema: os melhores assentos já foram tomados, e você terá de se contentar com os piores.

Após ter pomposamente declarado autossuficiência em 2006, a Petrobras não pára de aumentar suas importações de petróleo, o que mostra que a estatal é incapaz até mesmo de controlar sua oferta.

No setor elétrico, o controle estatal faz com que o país mais bem dotado de recursos hídricos no mundo (recurso este que gera energia barata) tenha uma das contas de energia mais caras do mundo. Óbvio. Dado que se trata de um setor extremamente regulado e sem livre concorrência, o resultado não poderia ser outro. Não apenas a conta é alta, como há constantes riscos de apagão por escassez de oferta. É necessária uma incompetência alarmante para se chegar a um arranjo em que falta oferta mesmo quando se cobra um dos preços mais altos do mundo. 

Há coisas que apenas um monopólio estatal pode fazer por você.

A seguir, um sucinto relato do histórico dos controles de preços ao longo da história humana, uma praga que aparentemente nunca terá fim. Como perfeitamente sintetizou Roberto Campos, "Como as damas balzaquianas, de vida airada, o tabelamento de preços rejuvenesce à medida que se esquecem as experiências passadas. É a teoria dos que não têm teoria."

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O argumento contra os controles de preços não é meramente um exercício acadêmico, algo restrito aos manuais de economia. Há um histórico de quatro mil anos de catástrofes econômicas causadas pelos controles de preços. Este histórico está parcialmente documentado em um excelente livro intitulado Forty Centuries of Wage and Price Controls (Quarenta Séculos de Controles de Preços e Salários), de Robert Schuettinger e Eamon Butler, publicado originalmente em 1979.

Os autores começam citando Jean-Philippe Levy, autor de The Economic Life of the Ancient World, que observou que no Egito, durante o século III a.C., "havia uma verdadeira onipresença do estado" na regulação da produção e da distribuição de grãos. "Todos os preços foram congelados por decreto em todos os níveis". Este "controle assumiu proporções assustadoras. Havia um exército de burocratas que inspecionavam diariamente o cumprimento do decreto".

Os agricultores egípcios ficaram tão enfurecidos com esse controle de preços, que vários deles simplesmente abandonaram suas fazendas. Ao final do século, "a economia egípcia havia entrado em colapso, junto com sua estabilidade política".

Na Babilônia, 4.000 anos atrás, o Código de Hamurabi continha uma barafunda de regulamentações e controle de preços. "Se um homem contratar um camponês, deverá dar a ele oito gurs (unidade de medida hamurábica) de cereais por ano"; "Se um homem contratar um boiadeiro, deverá dar a ele seis gurs de cereais por ano"; "Se um homem alugar um barco de seis toneladas, deverá pagar um sexto de um shekel de prata por dia por esse aluguel". E os decretos não paravam mais.

Tais imposições "sufocaram o progresso econômico no império por vários séculos", como mostram os registros históricos. Assim que estas leis foram implementadas, "houve um acentuado revés na prosperidade das pessoas".

A Grécia antiga também impôs controle de preços sobre cereais e estabeleceu "um exército de fiscalizadores nomeados para a função de estabelecer o preço do cereal em um nível que o governo ateniense julgasse justo". Esse controle de preços grego inevitavelmente levou à escassez de cereais. Por sorte, vários empreendedores corajosamente conseguiram se esquivar destas leis ignaras e, com isso, salvaram milhares da inanição. Não obstante a imposição de pena de morte para aqueles que desobedecessem às leis de controle de preços, tais leis "eram praticamente impossíveis de serem impingidas". A escassez criada pelo controle de preços criou grandes oportunidades de lucro no mercado negro, para a grande sorte do povo grego.

Em 293 d.C., o imperador romano Diocleciano gerou uma grande inflação de preços ao aumentar enormemente a quantidade de dinheiro em circulação. Em seguida, ele "estipulou um teto de preços para carnes, cereais, ovos, roupas e outros bens, e instituiu a pena de morte para qualquer um que vendesse seus artigos a um preço maior do que o estabelecido". Os resultados, como Schuettinger e Butler explicam em seu livro citando um historiador antigo, foram que "as pessoas simplesmente pararam de colocar seus bens à venda no mercado, dado que elas não mais poderiam obter um preço sensato por eles. Isso aumentou tão acentuadamente a escassez, que, após a morte de várias pessoas, a lei foi finalmente revogada."

Já em épocas mais modernas, foi por muito pouco que o exército revolucionário de George Washington não morreu de fome no campo de batalha graças ao controle de preços sobre alimentos que havia sido instituído pelo governo da Pensilvânia e por outros governos coloniais. A Pensilvânia impôs controle de preços especificamente sobre "aquelas mercadorias imprescindíveis para o exército", criando uma desastrosa escassez de tudo que o exército mais necessitava. O Congresso Continental sabiamente adotou uma resolução anti-controle de preços no dia 4 de junho de 1778, a qual dizia: "Considerando que já foi descoberto pela experiência que limitações impostas aos preços das mercadorias não apenas são ineficazes para o objetivo proposto, como também são igualmente geradoras de consequências extremamente maléficas, fica resolvida a recomendação aos vários estados para que revoguem ou suspendam todas as leis limitando, regulando ou restringindo o preço de qualquer artigo". 

Ato contínuo, escreveram Schuettinger and Butler, "Já no outono de 1778, o exército já estava suficientemente bem provido como resultado direto dessa mudança de política".

Os políticos franceses repetiram os mesmos erros após sua revolução, instituindo a "Lei de Maximum" em 1793, a qual impôs controle de preços sobre cereais e, depois, sobre uma longa lista de vários outros itens. Previsivelmente, "em algumas cidades francesas, as pessoas estavam tão mal alimentadas, que estavam literalmente caindo pelas ruas por desnutrição". Uma delegação representando várias províncias escreveu para o governo em Paris que, antes da lei do controle de preços, "nossos mercados estavam bem providos; porém, tão logo congelamos os preços do trigo e do centeio, estes cereais nunca mais foram vistos. Os outros tipos que não estão submetidos ao controle de preços são os únicos que podem ser encontrados à venda".

O governo francês se viu então obrigado a abolir sua maléfica lei de controle de preços após ela ter literalmente dizimado milhares de pessoas. Quando Maximiliem Robespierre estava sendo carregado pelas ruas de Paris a caminho de sua execução, a plebe gritava "Lá vai o maldito Maximum!" Se ao menos essa lição fosse aprendida por políticos contemporâneos...

Ao final da Segunda Guerra Mundial, os planejadores centrais americanos haviam se tornado ainda mais totalitários em termos de política econômica do que os nazistas derrotados. Durante a ocupação americana da Alemanha, no pós-guerra, os "planejadores" americanos se mostraram muito entusiasmados com os controles econômicos impostos pelos nazistas, inclusive o controle de preços. Desnecessário dizer que eram estes controles econômicos que estavam impedindo a recuperação econômica alemã. O notório nazista Hermann Goering chegou até mesmo a passar um sermão no correspondente de guerra americano Henry Taylor sobre o assunto. Como relatado por Schuettinger e Butler, Goering disse:


Todas as coisas que a sua América está fazendo no campo econômico estão nos causando vários problemas. Vocês estão tentando controlar os preços e os salários das pessoas — ou seja, o trabalho das pessoas. Se você faz isso, você inevitavelmente tem de controlar a vida das pessoas. E nenhum país pode fazer isso pela metade. Eu tentei e não deu certo. Tampouco pode um país fazer isso integralmente, indo até as últimas consequências. Eu tentei isso também e, de novo, não deu certo. Vocês não são melhores planejadores do que nós. Eu imaginava que seus economistas haviam lido e estudado o que ocorreu aqui.

Os controles de preços foram finalmente abolidos na Alemanha, em 1948, pelo Ministro da Economia Ludwig Erhard. A abolição ocorreu de uma só vez, em um domingo, quando as autoridades de ocupação americanas estavam ausentes de seus escritórios, incapazes de impedi-lo. Tal revogação produziu o "milagre econômico alemão". [Veja todos os detalhes do milagre alemão neste artigo].

Nos EUA, controles de preços foram a causa da "crise energética" da década de 1970 e dos apagões na Califórnia na década de 1990 (apenas os preços do setor de geração de energia foram desregulamentados na Califórnia; os controles foram mantidos no setor de transmissão e distribuição). 


[No Brasil, as destruições e os sofrimentos causados pelos controles de preços estão bem documentados aqui].

Atualmente, Argentina e Venezuela nos fornecem os mais atualizados, didáticos e escabrosos exemplos. Na Venezuela, por exemplo, falta até papel higiênico.


Ao longo de mais de quatro mil anos, ditadores, déspotas e políticos de todos os naipes viram nos controles de preços uma forma suprema de prometer ao público "alguma coisa em troca de nada". Com o gesto de uma mão, uma piscada de olhos e o movimento de uma caneta, eles prometem que irão deixar tudo milagrosamente mais barato. E o povo sempre acredita. 

Por mais de quatro mil anos, os resultados têm sido exatamente os mesmos: escassez e desabastecimento, várias vezes com consequências catastróficas; deterioração da qualidade do produto; proliferação dos mercados negros, nos quais os preços são maiores do que seriam em um mercado livre e os subornos são desenfreados; destruição da capacidade produtiva daquelas indústrias cujos preços são controlados; distorções grosseiras dos mercados [no Brasil do Plano Cruzado, carro usado era mais caro do que carro novo]; criação de burocracias tirânicas e opressivas para fiscalizar o controle de preços; e uma perigosa concentração de poder político nas mãos destes burocratas controladores de preços.

E é isso que os economicamente ignorantes querem criar sempre que pedem ao governo que intervenha nos preços de um determinado setor da economia. 


Tradução de Leandro Roque

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A DIFERENÇA ENTRE A BUROCRACIA ESTATAL E A ECONOMIA DE MERCADO


Qual é a diferença mais notável entre o funcionamento do governo e o da economia de mercado? Ludwig von Mises nos forneceu uma resposta surpreendente, uma resposta que ele explicou em detalhes em seu sensacional livro Liberalismo — Segundo a Tradição Clássica, publicado no longínquo ano de 1927. Mises disse que a diferença toda estava na contabilidade, isto é, no cálculo de custos.

Dentro das burocracias não-comerciais do governo, tudo é um jogo de adivinhação. Você não sabe exatamente o quanto deve gastar em quê; você não sabe se há algum objetivo racional naquilo que você está fazendo; você não sabe se este ou aquele plano será bem-sucedido ou se irá fracassar completamente; você não sabe onde cortar gastos caso tenha de fazê-lo; e você não sabe quais seções e quais pessoas estão fazendo um bom trabalho e quais não estão. O setor público é um setor que, inevitavelmente, por pura lógica econômica, sempre funciona às escuras, sem ter a mínima ideia do que faz, e sempre tendo de fingir que está fazendo tudo certo.

Por quê? Porque o governo não opera de acordo com os sinais de preços emitidos pelo mercado. Ele não opera segundo a lógica do sistema de lucros e prejuízos. Como ele não tem acesso aos sinais de preços, ele não é capaz de calcular lucros e prejuízos. Por conseguinte, ele não tem uma bússola que possa guiá-lo em suas ações. Ele não tem como avaliar e estimar a real valia econômica de qualquer coisa que faça. Seus investimentos nunca poderão ser feitos da maneira correta, seus serviços nunca serão prestados de maneira satisfatória, sempre haverá desperdício de recursos e gritante ineficiência. Esta é uma realidade inevitável. Não se trata de ideologia; é pura ciência econômica. 

Por não ter esta racionalidade, as burocracias estatais sempre acabam seguindo os caprichos do governo do momento, preocupadas exclusivamente em satisfazer as demandas de políticos que visam apenas sua autopromoção e sua reeleição. Consequentemente, as burocracias estatais sempre estarão sob os auspícios de uma gente cujo horizonte temporal é de no máximo quatro anos, e inevitavelmente se transformarão em fábricas de desperdício, ineficiência, confusão e ressentimento.

Já nas empresas privadas que operam em ambiente de livre concorrência a situação é diferente. No mundo do comércio, os sinais de preços emitidos pelo mercado comandam as decisões. O sistema de lucros e prejuízos mostra como os recursos escassos estão sendo empregados. Se corretamente, os consumidores recompensam as empresas propiciando-lhes grandes lucros; se erroneamente, os consumidores punem as empresas impondo-lhes prejuízos. Uma expansão ou um corte nos investimentos é algo que será guiado pelo balancete das empresas. Os empregados são produtores que são valorados, e não explorados. Não interessa se a empresa é grande ou micro: ela estará sempre em busca da lucratividade. E a lucratividade sempre será, em última instância, determinada pela decisão voluntária dos consumidores.

Para ver como algo aparentemente simples possui ramificações muito mais complexas do que se poderia imaginar a princípio, peguemos o exemplo de um restaurante chique. A estrutura de produção deste restaurante não se resume apenas à coordenação entre os garçons e a cozinha. É necessário haver uma administração voltada exclusivamente para o controle dos estoques de todos os alimentos e de todas as bebidas. Como não é possível saber com antecedência o que os clientes irão ordenar de seu variado menu, o estoque de alimentos e bebidas tem de ser vasto e plenamente adaptável às súbitas alterações de gosto e interesse de seus clientes. Tal controle de estoque não seria possível de ser planejado sem preços de mercado, sem a contabilidade e sem o sistema de lucros e prejuízos.

Além da coordenação entre os chefs e os cozinheiros, e entre os cozinheiros e os garçons, a estrutura de produção deste restaurante se estende para muito além de suas paredes. A comida tem de vir de todos os cantos do mundo. Diversos meios de transporte têm de ser utilizados para fazer com que a comida chegue ao estabelecimento. Mas não é possível servir comidas e bebidas se não houver agricultura, criação de gado e plantio de ervas e temperos em lugares remotos do mundo. E a coordenação não pára por aí. Ela ainda volta no tempo — décadas e às vezes até séculos — para as primeiras sementes plantadas nos vinhedos que produziram os vinhos, e os primeiros centeios que produziram os uísques e as demais bebidas servidas no restaurante. E a tecnologia que possibilita tudo isso é relativamente nova, desde a refrigeração até a comunicação digital entre a cozinha e o maître. Nada disso seria possível sem o sistema de preços, que permite a contabilidade de custos e determina se há ou não lucratividade em qualquer uma das etapas envolvidas neste processo.

Este mecanismo extraordinariamente complexo — muito mais complicado do que qualquer operação já tentada por qualquer burocracia estatal — tem de funcionar harmoniosamente para todos os clientes que aparecerem no restaurante em qualquer momento. E se ninguém aparecer? Se isso acontecer com muita frequência, todo o investimento entra em colapso. Todo o planejamento, todos os gastos, todas as habilidades envolvidas se revelarão um grande desperdício. O mercado enviou seu sinal: o empreendimento não estava empregando recursos escassos da maneira mais eficiente possível. O que determina se este empreendimento será pujante e lucrativo ou se ele desaparecerá rapidamente é simplesmente a decisão do consumidor de comer lá ou não. Não há ninguém apontando armas para ninguém, não há coerção, não há chantagem. Há apenas um empreendimento implorando para poder servir seus clientes.

Se você propusesse a criação de algo assim para uma pessoa que jamais houvesse visto algo parecido em operação, ela nunca iria acreditar que tal coisa pudesse funcionar. Muito menos existir.

É por tudo isso, escreveu Mises, que o cálculo monetário e a contabilidade de custos constituem as mais importantes ferramentas intelectuais do empreendedor capitalista. Mises celebrou a famosa declaração de Goethe, que havia dito que o método contábil das partidas dobradas foi "uma das mais admiráveis invenções da mente humana."

Uma vez vislumbrado todo este processo, fica fácil entender por que vivenciamos recorrentemente o fenômeno dos ciclos econômicos. Fica mais fácil entender por que empresas privadas muitas vezes parecem fazer coisas tão insensatas e imprudentes quanto o governo; por que elas também tomam decisões irracionais; por que elas também produzem burocracias; por que elas também seguem o capricho de políticos; por que elas também passam por ciclos de expansão e contração.
Mises explicou isso, neste mesmo livro. A causa de tudo é aquilo que ele chamou de intervencionismo. Quanto mais o governo regula, intromete, tributa, erige barreiras, produz inflação, confisca, proíbe e todo o resto, mais a iniciativa privada se torna sujeita à mesma irracionalidade que permanentemente assola o governo. As intervenções do governo no mercado, por menores que aparentemente sejam, provocam distúrbios no sistema de preços, afetando toda a contabilidade de custos das empresas. As intervenções estatais podem tanto fazer com que empreendimentos insustentáveis repentinamente aparentem ser lucrativos (sem que realmente o sejam), como também pode fazer com que empreendimentos genuinamente lucrativos se tornem rapidamente insolventes. O governo expande até a iniciativa privada os mesmos males que o acometem.

A descrição feita por Mises em 1927 é interpretada hoje como se ele estivesse de posse de alguma bola de cristal. Tudo se torna mais claro assim que você passa a ver o mundo da mesma maneira que ele. Basta analisar a realidade atual.

Oito anos atrás, estimulados pela expansão artificial do crédito feita por seus respectivos bancos centrais, os mercados imobiliários da Europa e dos EUA estavam a pleno vapor, com preços e lucros em contínua ascensão, o que gerava vários milionários por minuto. Parecia que o mundo havia entrado em uma nova era de prosperidade e de riqueza infinita para todos. E então, da noite para o dia, tudo ruiu. Depois de cinco anos, ainda há cadáveres por todos os lados. Várias empresas quebradas, bancos zumbis com seus balancetes contaminados e as economias totalmente letárgicas.

Os governos e os bancos centrais ao redor do mundo estão hoje completamente perdidos. Praticamente todas as semanas, um figurão do alto escalão de algum governo ou banco central vem a público anunciar uma nova medida intervencionista, e sempre termina seu anúncio dizendo que "agora vai!". E tudo só piora. E quase ninguém entende por quê.

O desconhecimento das obras de Mises é algo que continuará afetando nossa prosperidade e nosso bem-estar muito mais do que você pode imaginar.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

PELO CAPITALISMO, PARA OS POBRES


Uma coisa é dizer aos ricos que eles devem cuidar dos pobres", escreveu John Stuart Mill, "outra coisa é dizer aos pobres que os ricos devem cuidar deles". O senso de responsabilidade dos ricos para com os pobres não pode substituir o senso de responsabilidade que os pobres devem ter para com eles próprios.

Não se deve confundir responsabilidade com culpa. Montesquieu dizia que um povo "empobrecido pela dureza do governo" se tornava "incapaz de grandes atos porque sua pobreza fazia parte da sua escravidão". O pobre não pode responder pela sua própria vida e a de sua família sem antes ter a propriedade sobre a caneta e a folha de respostas.

A legislação brasileira não dá ao pobre a propriedade sobre sua própria casa, a burocracia o impossibilita de se tornar seu próprio patrão, a legislação trabalhista joga sua força de trabalho para o escanteio da informalidade e o sistema tributário faz com que ele tenha que pagar preços escandinavos em produtos de qualidade subsaariana.

"Entre as coisas a serem feitas", também dizia Mill, "a mais óbvia é remover todas as restrições e todos os obstáculos artificiais que os sistemas legal e fiscal lançam sobre as tentativas das classes trabalhadoras de melhorar sua própria condição".

Essas coisas começavam a ser feitas quando Mill escrevia na Inglaterra do século XIX. Duzentos anos depois do início do século de Mill, escreve Deirdre McCloskey em A Dignidade da Burguesia,

O mundo sustenta uma população mais de seis vezes e meia maior. E contra a expectativa maltusiana pessimista de que o crescimento populacional seria um problema, o cidadão médio hoje ganha e consome quase dez vezes mais bens e serviços do que o fazia em 1800. O salário real por pessoa no mundo está dobrando a cada geração, e essa tendência está acelerando. A fome mundial nunca esteve com taxas tão baixas, e continua caindo. A alfabetização e a expectativa de vida nunca estiveram tão altas, e continuam subindo. A liberdade está avançando. A escravidão está recuando e, em particular, a escravidão das mulheres. Nos países mais ricos, como a Noruega, o cidadão médio ganha 45 vezes mais do que ganhava em 1800, estupendos U$137 ao dia. O meio ambiente — uma preocupação de uma burguesia bem de vida — está melhorando nesses países ricos.

Meus amigos socialistas olham para os ricos europeus e dizem que o capitalismo está colocando o mundo na miséria. Não sei nem por onde começar: se explicando que as políticas do welfare-state que causam crises não podem ser uma manifestação do capitalismo ao mesmo tempo em que são uma alternativa ao capitalismo, ou se mostrando que uma Europa em crise continua oferecendo um padrão de vida bastante superior a um Brasil em ritmo de Copa.

Em vez disso, convido meus amigos a se preocuparem menos com os países ricos e prestarem mais atenção no que está acontecendo com os países pobres. Nos últimos vinte anos, a pobreza mundial caiu pela metade. Esse é um acontecimento inédito na história humana. Eu olho para a Ásia e a África e vejo um capitalismo tirando o mundo da miséria.

Não é só o ambiente institucional que precisa mudar para enriquecer os pobres. Também temos que mudar o que Tocqueville chamava de "hábitos da mente" e que McCloskey chama de "conversa ética", ou "hábito dos lábios". Antes de haver a revolução industrial, houve a revolução retórica. As pessoas pararam de menosprezar o comércio e o empreendedorismo e passaram a admirar e exercitar as virtudes burguesas.

A conversa ética do nosso país precisa mudar. Se jogarmos os pobres contra o capitalismo, como vamos esperar que eles tenham um padrão de consumo capitalista? Afinal, o que querem aqueles que dizem aos pobres que o dinheiro é a raiz de todo o mal? Que os pobres fiquem longe do dinheiro, ou seja, permaneçam pobres? Ou estão ensinando que só se deixa de ser pobre pela prática do mal?

Professores de universidades públicas gostam de ensinar aos filhos dos ricos o pensamento proletário. Melhor fazem os professores de cursos técnicos quando ensinam aos filhos dos pobres as práticas burguesas, com lições em empreendedorismo e produtividade.

Por: Diogo Costa é presidente do Instituto Ordem Livre e professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG. Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute e para a Atlas Economic Research Foundation em Washington DC. Seus artigos já apareceram em publicações diversas, como O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Diogo é Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis e Mestre em Ciência Política pela Columbia University de Nova York. Seu blog: http://www.capitalismoparaospobres.com

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O QUE REALMENTE É A "SOCIEDADE"


O ser humano nasce em um ambiente socialmente organizado. Somente nesse sentido é que podemos aceitar quando se diz que a sociedade — lógica e historicamente — antecede o indivíduo. Com qualquer outro significado, este dito torna-se sem sentido ou absurdo. O indivíduo vive e age em sociedade. Mas a sociedade não é mais do que essa combinação de esforços individuais.

A sociedade em si não existe, a não ser por meio das ações dos indivíduos. É uma ilusão imaginá-la fora do âmbito das ações individuais. Falar de uma existência autônoma e independente da sociedade, de sua vida, sua alma e suas ações, é uma metáfora que pode facilmente conduzir a erros grosseiros.

É inútil perguntar se é a sociedade ou o indivíduo o que deve ser considerado como fim supremo, e se os interesses da sociedade devem ser subordinados aos do indivíduo ou vice-versa. Ação é sempre ação de indivíduos. O elemento social ou relativo à sociedade é a orientação específica das ações individuais. A categoriafim só tem sentido quando referida à ação.

A teologia e a metafísica da história podem discutir os fins da sociedade e os desígnios que Deus pretende realizar no que concerne à sociedade, da mesma maneira que discutem a razão de ser de todas as outras partes do universo. Para a ciência, que é inseparável da razão — instrumento evidentemente inadequado para tratar de problemas desse tipo —, seria inútil envolver-se em especulações desta natureza.

Sociedade é ação concertada, cooperação.

A sociedade é a consequência do comportamento propositado e consciente. Isso não significa que os indivíduos tenham firmado contratos por meio dos quais teria sido formada a sociedade. As ações que deram origem à cooperação social, e que diariamente se renovam, visavam apenas à cooperação e à ajuda mútua, a fim de atingir objetivos específicos e individuais. Esse complexo de relações mútuas criadas por tais ações concertadas é o que se denomina sociedade. Sociedade é divisão de trabalho e combinação de esforços. Por meio da colaboração e da divisão do trabalho, o homem substitui uma existência isolada — ainda que apenas imaginável — pela existência conjunta. Por ser um animal que age, o homem torna-se um animal social.

No quadro da cooperação social podem emergir, entre os membros da sociedade, sentimentos de simpatia e amizade e uma sensação de comunidade. Esses sentimentos são a fonte, para o homem, das mais agradáveis e sublimes experiências. Elevam a espécie animal homem às alturas de uma existência realmente humana; são o mais precioso adorno da vida. Entretanto, esses sentimentos são fruto da cooperação social e só vicejam no seu quadro; não precederam o estabelecimento de relações sociais e não são as sementes de onde estas germinam.

Os fatos fundamentais que fizeram existir a cooperação, a sociedade e a civilização, e que transformaram o animal homem em um ser humano, é o fato de que o trabalho efetuado valendo-se da divisão do trabalho é mais produtivo que o trabalho solitário, e o fato de que a razão humana é capaz de perceber esta verdade. Não fosse por isso, os homens permaneceriam sempre inimigos mortais uns dos outros, rivais irreconciliáveis nos seus esforços para assegurar uma parte dos escassos recursos que a natureza fornece como meio de subsistência. Cada homem seria forçado a ver todos os outros como seus inimigos; seu intenso desejo de satisfazer seus próprios apetites o conduziria a um conflito implacável com seus vizinhos. Nenhum sentimento de simpatia poderia florescer em tais condições.

Alguns sociólogos têm afirmado que o fato subjetivo original e elementar na sociedade é uma "consciência da espécie". Outros sustentam que não haveria sistemas sociais se não houvesse um "senso de comunidade ou de propriedade comum". Podemos concordar, desde que estes termos um pouco vagos e ambíguos sejam corretamente interpretados. Podemos chamar de consciência da espécie, senso de comunidade ou senso de propriedade comum, o reconhecimento do fato de que todos os outros seres humanos são virtuais colaboradores na luta pela sobrevivência, pois são capazes de reconhecer os benefícios mútuos da cooperação, ao passo que os animais não têm essa faculdade.

Entretanto, não devemos esquecer que são os dois fatos essenciais acima mencionados que fazem existir tal consciência ou tal senso de existência. Em um mundo hipotético, no qual a divisão do trabalho não aumentasse a produtividade, não haveria sociedade. Não haveria qualquer sentimento de benevolência e de boa vontade.

O princípio da divisão do trabalho é um dos grandes princípios básicos da transformação cósmica e da mudança evolucionária. Os biologistas tinham razão em tomar emprestado da filosofia social o conceito de divisão do trabalho e em adaptá-lo a seu campo de investigação.

Existe divisão do trabalho entre as várias partes de qualquer organismo vivo. Mais ainda: existem, no reino animal, colônias integradas por seres que colaboram entre si; tais entidades, formadas, por exemplo, por formigas ou abelhas, costumam ser chamadas, metaforicamente, de "sociedades animais". Mas não devemos jamais nos esquecer de que o traço característico da sociedade humana é a cooperação propositada; a sociedade é fruto da ação humana, isto é, apresenta um esforço consciente para a realização de fins.

Nenhum elemento desse gênero está presente, ao que se saiba, nos processos que resultaram no surgimento dos sistemas estruturais e funcionais de plantas e de corpos animais ou no funcionamento das sociedades de formigas, abelhas e vespas. A sociedade humana é um fenômeno intelectual e espiritual. É a consequência da utilização deliberada de uma lei universal que rege a evolução cósmica: a maior produtividade gerada pela divisão do trabalho.

Como em todos os casos de ação, o reconhecimento das leis da natureza é colocado a serviço dos esforços do homem desejoso de melhorar suas condições de vida.

A cooperação humana

A cooperação humana é diferente das atividades que ocorreram sob as condições pré-humanas no reino animal e daquelas que ocorriam entre pessoas ou grupos isolados durante as eras primitivas. A faculdade humana específica que distingue o homem do animal é a cooperação. Os homens cooperam. Isso significa que, em suas atividades, eles preveem que as atividades incorridas por outras pessoas irão produzir certas coisas que possibilitarão os resultados que eles objetivam com seu próprio trabalho.

O mercado é uma situação, ou um conjunto de situações, em que eu dou algo para você a fim de receber em troca algo de você. Um ditado em latim, há mais de 2.000 anos, já apresentava a melhor descrição do mercado: do ut des — dou algo para que assim você também dê. Eu contribuo com algo de modo que você contribua com algo mais. Com base nisso desenvolveu-se a sociedade humana, o mercado, a cooperação pacífica entre os indivíduos. E cooperação social significa divisão do trabalho.

Os vários membros, os vários indivíduos de uma sociedade não vivem suas próprias vidas sem qualquer ligação ou conexão com outros indivíduos. Graças à divisão do trabalho, estamos constantemente associados a terceiros: trabalhando para eles e recebendo e consumindo o que eles produziram para nós. Como resultado, temos uma economia baseada nas trocas e que consiste totalmente na cooperação entre vários indivíduos. Todo mundo produz, não apenas para si próprio, mas para outras pessoas também, na expectativa de que essas outras pessoas irão produzir para ele. Esse sistema requer atos de troca.

A cooperação pacífica, as conquistas pacíficas dos homens, são todas efetuadas e realizadas no mercado. Cooperação necessariamente significa que as pessoas estão trocando serviços e bens, sendo estes últimos os produtos dos serviços. São essas trocas que criam o mercado. O mercado representa precisamente a liberdade de as pessoas produzirem, consumirem e determinarem o que deve ser produzido, em qual quantidade, com qual qualidade e para quem esses produtos devem ir. Um sistema livre sem um mercado é impossível. O mercado é a representação prática desse sistema livre.

Tem-se aquela ideia de que as instituições criadas pelo homem são (1) o mercado, que é a livre troca entre indivíduos, e (2) o governo, uma instituição que, na mente de muitas pessoas, é algo superior ao mercado e poderia existir na ausência do mercado. A verdade é que o governo — que representa necessariamente o recurso à violência, pois não passa de um poder policial com seu correspondente aparato de compulsão e coerção — não pode produzir nada. Tudo que é produzido de bom é produzido somente pelas atividades desempenhadas por indivíduos, e é disponibilizado no mercado com o intuito de se receber algo benéfico em troca.

É importante lembrar que tudo o que é feito, tudo que o homem já fez, tudo que a sociedade já fez, é o resultado da cooperação e dos acordos voluntários. A cooperação social entre os homens — e isso significa o mercado — é o que cria a civilização. E foi essa cooperação que permitiu todas as melhorias ocorridas nas condições humanas, melhorias essas que podemos usufruir hoje.

Por: Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

O BRASIL NA ARMADILHA DA RENDA MÉDIA


Introdução

A armadilha da renda média ocorre quando um país emergente entra em um período de estagnação após ele ter completado a sua "decolagem" e ter superado a armadilha da pobreza e a armadilha malthusiana. Tendo chegado ao nível da renda média, a trajetória do crescimento econômico efetuada durante a decolagem deixa de ser sustentável. 

Durante a fase da decolagem, a mão-de-obra barata alimenta uma rápida expansão econômica em decorrência da migração que ocorre das áreas rurais para as cidades industriais. Nesta fase, a economia cresce pela migração, pela aglomeração e pela acumulação de capital. As taxas de crescimento econômico são altas porque a mão-de-obra é abundante e barata, e a acumulação de capital ainda gera altos retornos.

As taxas de crescimento começam cair quando a mão-de-obra se torna menos abundante e o retorno marginal do capital se torna marginalmente menor.

O Brasil representa um caso em que a entrada na armadilha da renda média resultou em políticas erradas que pioraram a situação.

O conceito da armadilha da renda média

Como dito, o termo "armadilha da renda média" denota a situação de uma economia emergente quando ela entra em um nível de renda média e não mais sai dele. Atualmente, o Banco Mundial define a faixa entre US$1.036 e US$4.085 per capita como "baixa renda média" e entre US$4.086 e US$12.615 como "alta renda média".

De acordo com o tipo do cálculo do Banco Mundial, o Brasil chega bem perto do limite da categoria dos países de alta renda, mas ainda está na faixa da renda média alta.


Classificação 

Renda nacional per capita em US$ 

Países representativos selecionados


Alta renda 

> 12.616 

Suíça (82.730)


Renda média alta 

4.086-12.615 

Brasil (11.630)


Renda média baixa 

1.036-4.085 

Paraguai (3.290)


Renda baixa 

< 1.035 

Congo (200)


Tabela 1: Faixas da renda segundo classificação do Banco Mundial — Fonte: Banco Mundial

Estar preso na faixa da renda média significa que o país é incapaz de prosseguir o seu caminho de crescimento, aquele que ele vinha mantendo durante a fase da decolagem. Em vez de manter um crescimento moderado, o país cai em uma fase de crescimento fraco, como mostra a figura abaixo.



Figura 1 - A linha verde mostra a trajetória de um crescimento sustentado; a linha vermelha sólida mostra a entrada na armadilha da renda média; e a linha vermelhada tracejada mostra uma trajetória de crescimento insustentável.

A armadilha da renda média significa que o país não consegue alterar sua estratégia de crescimento, saindo de um modelo acumulativo e imitativo e indo para um modelo de economia competitiva, empresarial e inovadora.

Imitar as economias pioneiras gera altos retornos somente quando a distância entre a economia emergente e os países avançados é grande. Quando a distância diminui, a imitação torna-se mais difícil e mais arriscada. O futuro é desconhecido e exige experimentação para se descobrir qual tecnologia irá funcionar. Esta trajetória envolve um constante processo de tentativa e erro, o qual requer habilidades muito mais sofisticadas do que a mera imitação de tecnologias maduras.

Quanto mais a economia emergente avança e se aproxima do grupo das economias pioneiras, mais este país em desenvolvimento deve se engajar em uma busca ativa pela próxima tecnologia. No entanto, dado que os governos dos países emergentes sempre tendem a manter suas intervenções sobre a economia, a transição para uma economia competitiva e moderna encontra uma inflexível resistência da parte do poderoso aparelho de funcionários das empresas estatais e da classe política. Muitas vezes, a decolagem de um país em desenvolvimento vem junto com uma ampliação da atividade estatal. O típico efeito colateral deste crescimento é um agigantamento do setor público, o qual acaba funcionando como uma barreira quando o país alcança a faixa da renda média, impedindo-o de entrar na faixa da alta renda.

Preso na armadilha

Os países emergentes caem na armadilha de renda média porque, em vez de abraçar o capitalismo inovador, acabam ficando presos a um sistema econômico estatista e arcaico. Não é raro que a velha elite passe a explorar o medo da população em relação à "tempestade perene da destruição criativa" (Schumpeter) do capitalismo dinâmico.

Porém, ao renunciar à destruição criativa, esta economia em desenvolvimento também acaba por rechaçar a prosperidade, e passa alimentar a ilusão de que é possível enriquecer dentro de um sistema estático. Na realidade, os países em desenvolvimento que permanecem com um capitalismo de estado não apenas não ganham prosperidade, como também perdem a estabilidade quando inevitavelmente descambam no círculo vicioso do declínio econômico, o que faz com que o sistema político comece a oscilar entre o autoritarismo e o populismo. Vide Argentina e Venezuela, por exemplo.

O desenvolvimento econômico é uma corrida de maratona com obstáculos. O primeiro obstáculo consiste em saber superar a barreira que surge quando a baixa renda passa a limitar a poupança e os investimentos, e consequentemente a acumulação de capital. O segundo grande obstáculo é a armadilha malthusiana, que ocorre quando a população aumenta, mas a renda per capita não sobe. Foi a Revolução Industrial quem quebrou este padrão da estagnação. Parte do mundo saiu da armadilha da pobreza. Com o avanço da Revolução Industrial a taxa de reprodução diminuiu ao passo que a produtividade econômica aumentou. A armadilha malthusiana desapareceu com a transição demográfica e pavimentou o caminho para um grande aumento dos níveis de renda.

Um pequeno grupo de países pioneiros liderou este permanente processo de inovação. Sucessivas revoluções industriais durante os últimos dois séculos levaram a ganhos cada vez maiores de produtividade.

No entanto, enquanto um grupo de economias prosperou, muitas outras ficaram para trás. Mesmo hoje, ainda há uma multidão de países presos na armadilha da pobreza e na armadilha malthusiana. Um outro grupo de países que conseguiu obter a decolagem e superar a armadilha malthusiana — como o Brasil — se encontra preso na armadilha de renda média. Apenas alguns países conseguiram realizar a façanha de alcançar os pioneiros e se tornar membros do clube dos países de alta renda.

O caso do Brasil

Quando o crescimento econômico baseado na acumulação de capital e na imitação tecnológica terminou, o Brasil ainda não havia adquirido a capacidade de competir com os países de alta renda em termos de tecnologia, produtividade e habilidades. Nesta fase, o Brasil não mudou a sua estratégia de crescimento. Em vez de promover uma economia empreendedorial de inovação, o Brasil implantou uma política de forte protecionismo. Como consequência, o país experimentou fases de crescimento artificial que se degeneraram em recessões e altas taxas de inflação. Na maioria das vezes, o Brasil pagou o preço de seu crescimento artificial com longos períodos de estagflação.

Após um crescimento moderado na década de 1990 — consequência inevitável de seus fortes e necessários ajustes econômicos —, e um crescimento mais robusto na década de 2000, o Brasil pós-2010 adentrou uma nova fase de debilidade econômica. Em vez de pular para frente, a economia brasileira recuou. Desde o começo dos anos 1990, a média da taxa de crescimento econômico do Brasil é de apenas 3%, o que significa que o país já se encontra novamente, e há um bom tempo, em uma armadilha da renda média. 

Para conseguir alcançar as economias avançadas, o Brasil precisaria apresentar uma taxa média de crescimento do PIB per capita de 4,2% durante os próximos 50 anos. Só assim será possível alcançar o nível médio dos países de alta renda da OCDE. Igualmente, seria necessária uma taxa de crescimento econômico per capita de 4,7% para se chegar no nível da renda dos Estados Unidos.

Entre as economias emergentes, apenas a China consegue apresentar uma taxa de crescimento per capita suficiente para alcançar os níveis dos países ricos. O Brasil, com uma taxa de 1% durante o período de 1980 até 2011, está bem fora desta expectativa. A China, no entanto, ainda está na fase de decolagem, e dificilmente conseguirá manter suas atuais altas taxas de crescimento econômico. Não se deve excluir a possibilidade de que a China também caia na armadilha da renda média, como já ocorreu com outros países emergentes na Ásia. Desta forma, no futuro, ao ter sua taxa de crescimento econômico reduzida, a China inevitavelmente irá reduzir sua contribuição para o crescimento econômico do Brasil.

Para sair da armadilha da renda média, o Brasil teria de fazer uma grande transformação em sua economia, deixando de ser uma economia acumulativa e imitadora e se tornando uma economia inovadora. Para sair da armadilha da renda média, o Brasil teria de fazer uma mudança fundamental em sua estratégia econômica. Em vez de uma transformação de cima para baixo, a economia precisa florescer de baixo para cima. Esta mudança requer a liberalização dos entraves regulatórios e burocráticos que hoje incidem sobre o setor empreendedor. Redução da carga tributária e eliminação do pesadelo burocrático são imprescindíveis. O setor estatal deve abandonar seu intervencionismo ad hoc, o qual cria incertezas, em prol de uma política que se limite a oferecer segurança jurídica e institucional, e que facilite o empreendedorismo.

Porém, não apenas hoje, mas já por décadas, o Brasil pratica uma política macroeconômica errada para lidar com a armadilha da renda média. Em vez de liberar a economia, o estado cria cada vez mais controles e regulamentações. Em vez de promover uma economia empreendedorial, o Brasil se dedica a fortalecer ainda mais seu sistema de capitalismo de estado. Em vez de abandonar as políticas macroeconômicas de cunho dirigista, o país intensifica seu intervencionismo já extremado.

Adotar políticas fiscais e monetárias expansionistas na tentativa de sair da armadilha da renda média apenas agrava a situação. Falando em termos de teoria do crescimento econômico, ambas estas políticas levam a economia a um desequilíbrio entre poupança, investimentos, gastos e taxa de câmbio. Uma atividade econômica que exceda este ponto de "crescimento equilibrado" é insustentável. Sem o progresso tecnológico para compensar este hiato, a economia recua. Ainda pior será a situação se o governo apresentar déficits orçamentais, os quais geram uma redução da taxa nacional de poupança. Neste caso, em consequência de um crescimento artificial gerado pelos estímulos monetários e fiscais, a economia cairá abaixo de seu nível anterior de renda.

O grande erro desta política econômica está em confundir as consequências do crescimento econômico com suas causas. A política macroeconômica que o Brasil adotou para lidar com a armadilha da renda média sofre do mesmo erro que Mises já havia denunciado ao recorrer à alegoria do mestre de obras que tenta construir uma casa em um tamanho que excede a real quantidade de insumos ao seu dispor. Este erro de cálculo não apenas faz com que a construção da casa não seja concluída, como também faz com que a casa nem sequer possa ficar de um tamanho menor do que aquele originalmente projetado. 

Conclusão

Países de renda média, após superarem a armadilha da pobreza e a armadilha malthusiana, enfrentam o esgotamento da mão-de-obra barata. Um país emergente cai na armadilha da renda média quando, simultaneamente, perde sua capacidade de competir com os países de baixa renda em termos de preços e, ao mesmo tempo, ainda não possui a capacidade de competir com os países de alta renda em termos de tecnologia. A continuidade da ingerência do estado na economia faz com que estes países caiam no regresso.

Tentar sair da armadilha recorrendo a políticas de estímulo monetário e fiscal não apenas não funciona, como na realidade pavimenta o caminho para o endividamento público, e gera ainda mais debilidade econômica no longo prazo. O caso do Brasil e seus famosos "vôos de galinha" mostra como o país sofre de recorrentes ciclos de expansão econômica artificial seguida de contração.

Para continuar a crescer, o país tem de ter progresso tecnológico. No entanto, se o país recorre a déficits orçamentários e a inflações monetárias, a tragédia econômica está programada. Para obter maiores níveis de produtividade, o Brasil teria de abandonar o atual sistema de capitalismo de estado, o qual foi escolhido como o caminho para a decolagem. Para sair da armadilha da renda média, o Brasil tem de abrir sua economia para o capitalismo empreendedorial da destruição criativa. 

Por: Antony Mueller, doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha (FAU) e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde ele atua também no Centro de Economia Aplicada. Antony Mueller é fundador do The Continental Economics Institute (CEI) e mantém em português os blogs Economia Nova e Sociologia econômica.