quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A CÓLERA DOS IMBECIS

“Derrotar o Olavo de Carvalho” tornou-se, entre milhares de estudantes universitários – e, horresco referens, alguns professores --, uma obsessão incurável e a glória máxima a que aspiram.

Depois das investidas ferozes contra o meu “O Imbecil Coletivo”, em 1997, nas quais só conseguiram exemplificar o que eu dizia no livro, os mais destacados intelectuais de esquerda preferiram entrar num mutismo preventivo, para não se expor a novos e mais catastróficos vexames. O único dentre eles que voltou a tocar no assunto OIavo de Carvalho foi o Ricardo Mussi, mas veio falando de mim num tom respeitoso que revelava algum bom-senso e contrastava com a presunção louca daqueles primeiros e desastrados críticos. Depois, vendo que a intelectualidade nacional não podia me fornecer um antagonista à altura, decidiram importar um, o prof. Alexandre Duguin, que também não conseguiu se sair muito bem mas teve ao menos a hombridade de reconhecer que o debate fôra “duríssimo”, contrastando, nisso, com a empáfia histriônica daqueles que saiam com o bumbum esfolado jurando que haviam batido com ele no meu pé.

Até hoje a situação está mais ou menos assim. Quem tem alguma reputação evita arriscá-la num confronto que se revelou letal para seus antecessores Leandro Konder, Emir Sader, Carlos Nelson Coutinho, Alaor Café e muitos outros. Só quem ainda ousa falar de mim com ares de superioridade desafiadora são precisamente indivíduos que não têm reputação nenhuma e que esperam angariar alguma por meio de uma disputa suicida, como jovens pistoleiros desmiolados nos filmes de faroeste.

Esses saem vencedores de algum modo, porque são tão numerosos que se torna impossível responder-lhes a todos, de maneira que sempre haverá um ou outro que passe a ostentar no seu currículo imaginário a glória de ter afugentado o oponente mais velho que lhe recusou uma resposta ou não chegou nem mesmo a tomar ciência do desafio.

“Derrotar o Olavo de Carvalho” tornou-se, entre milhares de estudantes universitários – e, horresco referens, alguns professores --, uma obsessão incurável e a glória máxima a que aspiram. Lamentavelmente nunca sugerem alguma questão específica a ser debatida, preferindo conceder-me a dupla honra de ser ao mesmo tempo debatedor e assunto do debate.

Mas, precisamente porque aquilo que os move é o ódio ao oponente e não o interesse genuíno por algum tópico de discussão, quase todos entram em campo contestando algo que imaginam que eu disse, e não o que eu realmente disse. O empenho guerreiro que colocam em furar as bolhas de sabão que eles mesmos sopraram é a reprodução exata da fúria com que um peixinho beta investe contra sua própria imagem no espelho.

Não é que apenas me julguem sem ter lido meus livros. É que se recusam terminantemente a lê-los e consideram mesmo ofensiva a sugestão de que deveriam fazê-lo antes de me julgar. É como se vissem nesses livros uma ameaça sinistra da qual devem fugir por todos os meios, um poder de persuasão diabolicamente irresistível, de cujo contato devem preservar suas almas para não corromper -- vade retro! -- a pureza da sentença condenatória que já assinaram.

Na verdade, a adivinhação paranóica de poderes malignos já evoluiu para a conjeturação de como me enviar para a cadeia, não importa por qual crime inexistente ou impossível. O sr. Sebastião Nery sugeriu, tempos atrás, “falsidade ideológica”, porque dou cursos de filosofia sem possuir “diploma de filósofo”, ainda que, em vez de ostentar um título falso como o fez a nossa presidenta (v., http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/depois-de-post-casa-civil-muda-curriculo-de-dilma-mas-cade-a-dissertacao/), eu me gabe publicamente de não possuir nenhum nem havê-lo desejado jamais. O sr. Paulo Ghiraldelli informa a um estupefato mundo que meus alunos vêm à minha casa não para estudar, e sim para satisfazer os meus instintos lúbricos de velho sátiro, e até pagam para isso, tão irresistíveis são as minhas artes de sedução. Um tal sr. Alexandre Melo, cuja página do Facebook acabou aliás sendo fechada por isso, raciocina na mesma direção e insinua que se trata de crime de pedofilia, infelizmente sem explicar aos perplexos leitores como se pratica esse delito com pessoas adultas.

São só três exemplos no meio de centenas. Sob os risos de inumeráveis leitores, cada um se degrada e se esculhamba entre gemidos de prazer masoquista, afogando-se mais e mais na latrina onde pretendia me depositar.

Como explicar essa descida voluntária da inteligência esquerdista até abismos de autodestruição onde o próprio Satanás teria alguma dificuldade de respirar?

A hipótese que me ocorre é a seguinte. Até os anos 60 a esquerda era uma minoria insatisfeita em luta contra o establishment acomodado. Tinha, por isso, alguma mobilidade intelectual, seguia o debate cultural mais amplo e, no mínimo para se posicionar contra, lia atentamente os livros de seus adversários locais e internacionais.

À medida que foi se concentrando na luta e depois no exercício do poder, fechou-se em si própria, numa busca obsessiva de autoconfirmação e na reiteração de chavões necessários ao adestramento da militância animalizada, e simplesmente perdeu o pé no mundo da alta cultura. Já não entende o que se fala fora dos seus círculos internos, e, não entendendo, reage com a impulsividade cega e louca de quem nada tem a dizer, só a maldizer. O melhor que tem a objetar ao autor de alguma idéia que lhe desagrada é ensejar que vá preso ou morra.

Não tenho dúvida de que, mais cedo ou mais tarde, passarão do desejo à ação, como sempre fizeram em todos os países que governaram e fazem ainda naqueles em que mandam.

Georges Bernanos já dizia que nada no mundo se compara à cólera dos imbecis.

Por: Olavo de carvalho Publicado no Diário do Comércio. Do site: http://www.midiasemmascara.org/


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A LUTA DE CLASSES NO BRASIL


Garoto amarrado ao poste: caso de "justiça com as próprias mãos" que gerou uma grande polêmica. / Yvonne Bezerra de Mello/DCpress

A luta de classes, no Brasil, não é entre operários e patrões. É entre o lumpenproletariat que Marx abominava e a maioria da população, especialmente a classe média, aí incluída uma boa parcela do operariado, se não ele todo.

Cada uma dessas facções tem seus aliados permanentes. A primeira tem, acima de tudo, o governo e os partidos de esquerda que o dominam. Aí mesclados, vêm logo os intelectuais acadêmicos e os estudantes universitários.

Destes últimos, cinquenta por cento, segundo um cálculo otimista (v. http://blog.portalexamedeordem.com.br/blog /2012/11/pesquisador-conclui-que-mais-de-50-dos-universitarios-sao-analfabetos-funcionais/), são considerados analfabetos funcionais.

Excluídos irremediavelmente da alta cultura, e não tendo a menor idéia de que são vítimas de si mesmos, encontram no ódio projetivo à sociedade o alívio de uma culpa recalcada no mais fundo do seu inconsciente. Sentem por isso uma afinidade instintiva com os bandidos, drogados, narcotraficantes, prostitutas, prostitutos e outros marginais.

A terceira faixa de aliados do lumpen são as ONGs, as fundações bilionárias e os organismos internacionais, que não cessam de nos impor leis e regulamentos que praticamente inviabilizam a ação da polícia e desarmam a população, a qual assim não tem meios de defender-se nem de ser defendida.

Em seguida, vem a grande mídia, que, mesmo onde discorda do governo em algum ponto de seu específico interesse, não deixa de fazer eco passivo aos mesmos critérios de julgamento moral que orientam os governantes, aplaudindo, por exemplo, a senadora Benedita da Silva quando esta se debulha em lágrimas por um bandidinho estapeado e amarrado a um poste e não diz uma palavra quanto à menina queimada viva no Maranhão ou, mais genericamente, quanto aos setenta mil brasileiros assassinados por ano.

O alto clero católico, por meio da CNBB, comunga dos sentimentos da senadora Benedita. Vêm, por fim, os patrões, os capitalistas, os burgueses. Estes não costumam pronunciar-se de viva voz nessas questões, mas, como aliados e colaboradores ao menos passivos do governo, dão sustentação econômica e psicológica à política pró-lumpenproletariat.

A outra facção – isto é, o restante da população brasileira – encontra apoio em mais ou menos uma dúzia de jornalistas, radialistas e blogueiros execrados pelo restante da sua categoria profissional, entre os quais eu mesmo, o Reinaldo Azevedo, a Rachel Sheherazade, o Felipe Moura Brasil, o Rodrigo Constantino, a Graça Salgueiro.

Tem também algum respaldo – tímido – nas polícias estaduais, em alguns púlpitos evangélicos isolados e ainda em dois ou três parlamentares, como Jair Bolsonaro e Marcos Feliciano, que na Câmara Federal imitam João Batista pregando aos gafanhotos. That’s all, folks.

Nada pode caracterizar melhor a presente situação do que a total inversão das proporções, em que os nominalmente desamparados recebem todo amparo do establishment enquanto a população inerme se torna a imagem odienta do opressor capitalista.

No caso do garoto amarrado no poste, a reação indignada contra os populares que ousaram "fazer justiça com as próprias mãos" partiram especialmente de pessoas que, quatro décadas atrás, faziam exatamente isso.

Entretanto, ninguém, no parlamento ou na mídia, terá a coragem de espremer a presidente Dilma na parede com a pergunta: Quando você assaltava bancos estava cometendo uma injustiça ou fazendo justiça com as próprias mãos? Tertium non datur.

No entender do nosso governo, só quem tem o direito e até o dever de fazer justiça com as próprias mãos quando acha que a Justiça falha são os terroristas de esquerda, como José Genoíno e a própria Dilma. Esses têm o direito até de condenar à morte e executar a sentença. Os outros têm a obrigação de aceitar resignadamente o homicídio, o roubo, o estupro como se fossem fatalidades da natureza.

Mais significativo ainda é que, quando a Rachel Scheherazade, com lógica inatacável, explicou a agressão ao delinquentezinho como reação espontânea e quase inevitável de uma população desprovida de proteção estatal, os mesmos que criaram essa situação tenham saído gritando "Apologia do crime! Apologia do crime!", como se eles próprios não viessem há décadas fazendo a apologia dos terroristas que um dia, sentindo cambalear muito menos do que hoje a ordem legal, tomaram a justiça nas suas próprias mãos.

Todas as idéias e atitudes do grupo pró-lumpen, especialmente as dos professores e estudantes universitários, explicam-se por dois fatores igualmente endêmicos: o analfabetismo funcional e o fingimento histérico. Ambos, intimamente associados, deformam o sentido de todas as comunicações verbais e invertem a ordem da realidade. À aliança de marginais, governo, ONGs, capitalistas, igreja, mídia e intelectuais, chamam "povo oprimido". Ao restante, denominam "minoria privilegiada".

De todas as classes que compõem a sociedade brasileira, só uma ainda não tomou partido nessa guerra: as Forças Armadas. Seu silêncio pode tanto refletir uma indecisão perplexa quanto um ódio contido.

Na primeira hipótese, quando acabará a indecisão? Na segunda, ódio a quem? As Forças Armadas são o fiel de balança. O futuro depende inteiramente delas. 
Por Olavo de Carvalho Diário do Com;ercio


NA UCRÂNIA APARECE A MÃO DO VERDADEIRO PUTIN

A coragem dos manifestantes acabou obrigando ao presidente amigo de Putin a dar alguns passos aparentemente para trás. Mas os amantes da Ucrânia não acham confiáveis as propostas de quem usa os métodos da KGB.


No dia 22 de janeiro, dia da festa da unidade nacional, dois manifestantes pela liberdade foram mortos no centro de Kiev, capital da Ucrânia, por balas disparadas por franco-atiradores num caso e tiro de pistola em outro.

No mesmo dia o jornalista Igor Lutsenko e o alpinista Youri Verbinski foram sequestrados pela polícia, levados para fora da cidade, surrados com extrema violência.

Igor acordou na neve e conseguiu chegar até uma aldeia. Youri foi encontrado morto na floresta.

Na Praça da Independência um manifestante foi desnudado e seviciado pela polícia que fez questão de fotografá-lo num estado humilhante.

Um jornalista filmou a cena que percorreu o mundo pela Internet.

Estas e muitas outras violências que fogem a qualquer critério de lei ou moral despertou o velho espectro da repressão da KGB que martirizou a Ucrânia.

O escritor Andrei Kourkov se perguntou nas páginas do jornal pro-socialista “Le Monde” se, à luz dos procedimentos do governo de Viktor Yanukovych, a Ucrânia não estava se encaminhando para virar novamente um protetorado russo.

O dinheiro e as promessas do senhor todo-poderoso do Kremlin, Vladimir Putin, entraram decisivamente nesta virada que nos faria retroceder décadas na História, rumo aos piores momentos da falida URSS.

Para Andrei Kourkov, o “navio Ucrânia” está sendo levado para a Rússia. E isso o que os manifestantes da Praça Maidan de Kiev não querem.

Enquanto as Berkout – tropas especiais da polícia – batem nos estudantes, Yanukovich premia seus amigos, viaja a Moscou e até a China.

O governo da pequenina Malta teve a coragem de se recusar a acolhê-lo, enquanto presidente de um país que o repudia.

A coragem dos manifestantes acabou obrigando ao presidente amigo de Putin a dar alguns passos aparentemente para trás. Mas os amantes da Ucrânia não acham confiáveis as propostas de quem usa os métodos da KGB.

Não conseguindo convencer, o Parlamento ucraniano tentou manietar os manifestantes e lhes passar uma venda na boca: proibiu as reuniões públicas.

200 mil ucranianos responderam se aglomerando patrioticamente na Praça da Independência.

Na revista “Forbes” (24.01.2014), o colunista Melik Kaylan bradou em alto e bom som: “Por que ninguém esta dizendo o óbvio? ‘Putin desestabilizou Ucrânia’”.

Kaylan relembrou a longa ficha dos ardis e montagens montados pelo ex-coronel da KGB Vladimir Putin contra os EUA.

E após apontá-lo como o verdadeiro instigador da deriva da Ucrânia rumo a “nova-URSS” concedeu a Putin o título de o “Maior Senhor da Desordem” da nossa época.

Há 15 anos, o presidente russo que sonha restaurar a grandeza sinistra da URSS vem aprontando contra os EUA e o Ocidente.

Um colega de Kaylan na revista “Forbes” escreveu em seu blog matéria intitulada: “Putin está puxando todas as cordas e Obama está deixando fazer”.

O resultado, acrescenta Kaylan, é que a Ucrânia está sendo levada por Yanukovich para voltar a ser um outro satélite de Moscou, com um homem com punho de ferro e língua de serpente instalado no Kremlin.

Nada disto deveria espantar. Espanta o mato de silêncio com que a mídia ocidental encobre a manobra do xará de Lênin.

Mas a Ucrânia não está se deixando engolir. E a coragem do povo ucraniano proporciona os meios para o mundo livre derrotar Putin em Kiev e nas cidades que estão se insurgindo contra um crime de lesa-pátria.

Assim o dá a entender editorial do influente grupo Bloomberg de Nova Iorque.

Na França, o jornal “Le Monde” e a revista “Le Nouvel Observateur”; que alimentavam cálidas simpatias por Putin, parecem ter se rendido às evidências.

“Le Monde” publicou um longo relato das brutalidades da repressão policial que podem ser lidas e visualizadas no link deste parágrafo.

“Le Monde” cita matérias publicadas sobre a mesma criminosa repressão por grandes órgãos do Ocidente, como o Wall Street Journal, a BBC, Francetvinfo ou ainda fontes ucranianas como o KyivPost ou o Ukraïnska Pravda, além de vídeos difundidas pelas redes sociais, e médicos que praticaram a autópsia no corpo das vítimas.


A perseguição anticristã do atual governo da Ucrânia
O governo ucraniano em mais um gesto que o assemelha à "nova URSS" de Putin, ameaçou declarar ilegal a Igreja greco-católica ucraniana.

Seu "crime" seria prestar serviços religiosos aos manifestantes opositores que ocupam a praça central de Kiev.

O ministério da Cultura enviou uma carta ao arcebispo Sviatoslav Shevchuk, acusando a seus sacerdotes de "violar a lei" ao prestar serviços religiosos fora dos templos.

"A violação desta lei pode dar lugar a procesos judiciais para por fim às atividades" das organizações religiosas, segundo a carta cujo facsimile foi publicado no site Ucrainska Pravda.

Não só os prelados da Igreja Católica, mas também os ortodoxos da igreja ligada ao Patriarcado de Kiev, prestam serviços religiosos várias vezes por dia na Praça da Independência da capital ucraniana, conhecida localmente como Maidan.

Também o fazem a seu modo, imams dos tártaros da Criméia, território ucraniano.

(Nota do IPCO: somente a Igreja católica foi notificada pelo governo. Dom Sviatoslav Shevchuk, arcebispo mor do rito greco-católico ucraniano,já acusou a igreja Ortodoxa russa de ter sido um instrumento de Stalin para acabar com o catolicismo na Ucrânia.)

Opositores ao governo 
Esta praça está ocupada desde novembro por manifestantes que protestam contra a decisão do presidente Viktor Yanukovich de recusar um pacto com a União Europeia, em benefício de vínculos mais estreitos com a Rússia.

A Igreja greco-católica ucraniana, que observa o rito bizantino, está em comunhão com o Papa, e estava proibida quando a Ucrânia formava parte da União Soviética.

Desde a independência do país, em 1991, a Igreja greco-católica se transformou na terceira mais importante do país.

Sua respeitabilidade e ascendência moral sobre o conjunto do país vem crescendo continuadamente. (Fonte:Infocatólica | Tradução: Edson Oliveira - IPCO; Divulgação: Blog Flagelo Russo.)
Por: Luis Dufar edita o blog Flagelo Russo. Do site: http://www.midiasemmascara.org/

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A ARGENTINIZAÇÃO DO SETOR ELTÉTRICO

Na esteira do desalento com a inconsequência da atuação do governo, vem-se disseminando o temor de que o País acabe transformado numa imensa Argentina. Embora o pesadelo seja compreensível, não faltam bons argumentos para convencer os mais pessimistas de que ainda falta muito para que a Brasília de Dilma se converta na Buenos Aires de Cristina. Mas há que se reconhecer que, em certas áreas, a argentinização vem avançando de forma assustadora. Um bom exemplo é o do setor elétrico.

Esse é um setor em que, há muitos anos, o governo se tem permitido ser particularmente irracional. Em meados de 2003, a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, apresentou uma proposta de reestruturação do setor elétrico que simplesmente não fazia sentido. Entre "pontos inegociáveis" e delírios voluntaristas, a proposta mostrava completo descaso por incentivos e fatores de risco que pautam decisões de investimento no setor. Bem mais de um ano se passou até que, com o País mais uma vez convertido em custoso navio-escola, especialistas de fora do governo conseguissem convencer a ministra a transformar a proposta em algo menos rudimentar.

Mas o vezo voluntarista e o desprezo pelo mercado não puderam ser eliminados. E, não tendo conseguido construir um ambiente regulatório que engendrasse tarifas módicas naturalmente, o governo vem, já há algum tempo, tentando assegurar modicidade tarifária na marra. No caso das hidrelétricas da Amazônia, fixou tarifas arbitrariamente baixas e, depois, despejou sobre os projetos de investimento todo o dinheiro público que se fez necessário para torná-los "viáveis".

Há cerca de um ano e meio, preocupado com a inflação, o governo decidiu reduzir tarifas de energia. Poderia ter diminuído a carga tributária que incide sobre as tarifas. Mas preferiu partir para a redução de preços pagos aos produtores de energia, por meio de truculenta antecipação do vencimento dos contratos de concessão. Até hoje o setor não se recuperou da desorganização deflagrada por essa intervenção.

Tendo conseguido impor expressiva redução tarifária, o governo logo se deu conta de que tal redução estava fadada a ser revertida, em decorrência da necessidade de repassar aos consumidores os custos de operação das usinas térmicas. E, para evitar que isso ocorresse, permitiu-se, mais uma vez, adotar solução flagrantemente populista: repassar a conta das térmicas para o Tesouro.

Ter tudo isso em mente ajuda a perceber com mais clareza o entalo em que agora se meteu o Planalto. A precariedade do suprimento de energia elétrica com que hoje conta o País se tornou evidente. E a probabilidade de que um racionamento se torne necessário já passou a ser preocupante.

Em condições normais, caberia ao governo reconhecer o problema e adotar medidas preventivas de racionalização da demanda, como elevação de tarifas e estímulos à conservação de energia. O grande problema é que, a sete meses e meio das eleições, o governo se recusa terminantemente a reconhecer a simples existência do problema. E é fácil perceber por quê. Tendo feito o que bem entendeu no setor por 11 anos, a presidente não tem a quem culpar. É a única e exclusiva responsável pelo quadro de precariedade da oferta de energia que hoje se vê. A palavra de ordem, portanto, é não admitir, sob nenhuma hipótese, que o problema sequer exista. Negar, negar e negar.

Salta aos olhos que essa negação, conjugada com a aposta desesperada nas águas de março, é estratégia altamente arriscada. E, até que saiba o desfecho da aposta, o governo estará exposto a grande desgaste. Para evitar que o custo de operação das térmicas seja repassado aos consumidores, o Tesouro terá de arcar com gastos da ordem de R$ 18 bilhões em 2014. Se, num surto de inconsequência, o governo decidir ir em frente com o repasse desse custo para o Tesouro, quando o País se defronta com um quadro de oferta de energia tão precário, o escandaloso populismo da decisão deverá marcar alarmante escalada no processo de argentinização do setor.

Por: Rogério L. Furquim Werneck é economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de Economia da PUC-Rio.  O Estado de SP

PT NÃO GOSTA DO JUDICIÁRIO INDEPENDENTE

A ‘vaquinha’ patrocinada pelos petistas e seus asseclas violou explicitamente a decisão do STF 

O Partido dos Trabalhadores, que teve suas lideranças históricas condenadas no processo do mensalão, é incansável. Quer porque quer desmoralizar o Supremo Tribunal Federal. O PT não gosta do Judiciário independente. O partido fez de tudo para dificultar o andamento da Ação Penal 470. Pressionou ministros e insinuou até chantagem. Depois desqualificou as condenações. E transformou as prisões em espetáculo de “resistência”. Em seguida, forjou convites fantasiosos de trabalho desacreditando os postulados do regime semiaberto. Deu — para o bem da democracia — tudo errado.

O alvo seguinte foi o presidente do STF, o ministro Joaquim Barbosa. É o mais odiado pelos marginais do poder, feliz expressão do ministro Celso de Mello. Desde 2012 sofre ataque cerrado dos petistas e dos seus aliados, dos blogs sujos que infestam a internet — e que são financiados com dinheiro público. É injuriado e caluniado sistematicamente pelo Ministério da Verdade petista.

Recentemente, Barbosa passou por mais uma situação extremamente constrangedora, quando da abertura dos trabalhos legislativos. E a ofensiva continua: no último sábado, o ex-presidente Lula, com a grosseria habitual, voltou a atacá-lo. O sinhozinho de São Bernardo do Campo não perdoa a independência do ministro Barbosa. Mais ainda: sonha que o STF seja uma repartição do Palácio do Planalto, uma espécie de Suprema Corte ao estilo cubano.

Para os policiais da verdade, o ministro Barbosa não pode tirar férias. Quando o fez, teve os repórteres nos seus calcanhares. Privacidade, zero. E até com certa ironia foram descritos os presentes que comprou em Paris. No fundo estava implícito que negro brasileiro deveria levar daqui um berimbau (e por que não um pandeiro?). É o velho racismo cordial, tão nosso como a jabuticaba.

Os petistas e seus sequazes aproveitaram o momento para desviar a atenção pública dos crimes cometidos pelos apenados. Construíram uma versão de que eram inocentes e que estavam sendo perseguidos por Barbosa. Como se o processo do mensalão e as condenações fossem da sua exclusiva responsabilidade. Como se os seus substitutos legais na presidência não pudessem dar andamento às decisões de rotina da Ação Penal 470.

Dias depois o foco foi dirigido ao ex-deputado João Paulo Cunha. Deu diversas entrevistas, atacou o tribunal, principalmente, claro, o ministro Barbosa. O sentenciado chegou a promover almoço em frente ao prédio da Suprema Corte. Fez de tudo para achincalhar o STF.

Mas os petistas são insaciáveis: agora tentam desqualificar o cumprimento de uma das penas — a de multa. Muito citado durante o julgamento do mensalão, o jurista Claus Roxin defende que não “se pode aprender a viver em liberdade e respeitando a lei, através da supressão da liberdade; a perda do posto de trabalho e a separação da família, que decorrem da privação de liberdade, possuem ainda maiores efeitos dessocializadores. O desenvolvimento político-criminal deve, portanto, afastar-se ainda mais da pena privativa de liberdade. Em seu lugar teremos, principalmente, a pena de multa, e é em especial no seu uso que reside a tendência à suavização de que falei acima (‘Estudos de Direito Penal’, Renovar, 2008, pp.18-19)”.

Portanto, multa é uma pena. No caso da liderança petista, a pena de multa foi acrescida à privação da liberdade. Assim, neste caso, uma não está dissociada da outra. A nossa Constituição é muito clara quando determina que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (artigo 5º, XLV) e a multa é uma das formas da individualização da pena (artigo 5º, XLVI,c). E, no Código Penal, o valor da multa está vinculado às condições econômicas do réu.

A “vaquinha” patrocinada pelos petistas e seus asseclas violou explicitamente a decisão do STF, a Constituição e o Código Penal. É absolutamente ilegal. Os petistas saudaram como uma manifestação de solidariedade. Até aí, nenhum problema. Afinal, o respeito ao ordenamento jurídico nunca foi uma característica do PT. O mais terrível foi encontrar até um ex-presidente do STF respaldando esta chicana. E mais: os ministros da Suprema Corte silenciaram — ou quando se pronunciaram foi sobre a forma da doação, que é importante, mas marginal frente à gravidade da questão central.

Contudo, nem sempre é possível controlar todas as variáveis de um projeto criminoso de poder, outra feliz expressão do decano do STF. Henrique Pizzolatto percebeu — ainda na fase processual — que tinha sido jogado ao mar pela liderança petista. Logo ele, o homem de 73 milhões de reais. Não quis representar o papel de mordomo, como nas velhas tramas cinematográficas. Resolveu com seus próprios meios fugir do país. Foi preso. Sabe muito. Deve ter medo, principalmente se recordar os acontecimentos de Santo André.

Vale destacar que foram os milionários desvios do fundo Visanet, oriundos do Banco do Brasil, a principal fonte de recursos do mensalão, como ficou comprovado no julgamento. Sem este dinheiro, não teria havido a compra de apoio parlamentar. E quem foi o organizador deste peculato? Henrique Pizzolatto. Mas teve a colaboração de comparsas, como é possível constatar no relatório final da CPMI dos Correios, e que não foram indiciados pelo procurador-geral Antonio Fernando de Souza, em 2007.

O governo brasileiro, obviamente, prefere que Pizzolato permaneça na Itália. O pedido de extradição é para inglês ver. Hoje, ele é o elo mais fraco entre os sentenciados petistas. E se romper com a lei da omertà poderá ser o homem-bomba da campanha presidencial. Por: MARCO ANTONIO VILLA  Publicado:11/02/14 - 0h00

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

TOMOU A PÍLULA VERMELHA, JÁ ERA


Simples: se o Brasil é hoje o que é, é em grande parte devido a esse apego à felicidade baseada na ignorância. Não há nada mais agradável do que viver num sonho, e o brasileiro é o campeão mundial de viver sonhando.

Anatole France disse que “a ignorância é a condição necessária da felicidade dos homens.”

Às vezes, conversando com minha esposa, nos questionamos sobre nosso comportamento nas redes sociais. De um bom tempo para cá temos focado nossas postagens de Facebook e Twitter em praticamente um assunto: política. De vez em quando sai uma foto de algum felino ou canino aqui de casa, mas no geral é política e mais política. E por ver tantas pessoas que vivem felizes e saltitantes Facebook afora, sempre prontas a disseminar mensagens bonitinhas e otimistas, a gente acaba pensando: o pessoal deve nos achar um casal de chatos.

Mas afinal, vivemos uma época propícia para comemorações? É melhor se cercar de pessoas que não falam de política, e que preferem não se envolver com essa “coisa suja”? Para mim é impossível pensar nisso e não lembrar do filme Matrix. Impossível não imaginar que viver hoje, no Brasil, ignorando a situação do país e o governo que pesa suas mãos sobre cada um de nós, equivale a viver na Matrix, num sonho controlado, num simulacro de democracia. No filme, um dos meus preferidos de todos os tempos, Neo é chamado a uma decisão que mudaria sua vida para sempre, uma decisão sem volta: se tomasse a pílula azul acordaria no dia seguinte sem nenhuma lembrança do ocorrido. Se tomasse a vermelha, já era. Movido por uma profunda inquietação com o mundo em que vivia e por um sentimento constante de não pertencimento, ele toma a pílula vermelha, que o leva a descobrir que não passava de um escravo manipulado pelas máquinas, criado e mantido vivo para fornecer o que elas precisavam.

A pílula vermelha é dureza… Muito tempo atrás um grande amigo meu me deu um livro, o primeiro volume de “História da Filosofia”, do Giovanni Reale. Na primeira página uma breve dedicatória, que jamais esqueci, e que me marcou demais:

“O conhecimento da realidade traz a verdade. A verdade liberta. O preço da liberdade? A solidão. Boa sorte.”

Ele não poderia estar mais certo. Os anos seguintes, de estudo e de aprofundamento na filosofia e na política, me abriram os olhos para a realidade em que eu vivia. Embora sempre achasse que o Brasil tinha inúmeros defeitos, a preferência por não vasculhar as notícias diariamente, e focar minha atenção muitas vezes em assuntos totalmente diversos, o que incluía minhas muitas atribuições religiosas na igreja em que congregava, me permitia continuar vivendo na “Matrix” e nela ser feliz. Ali eu era a personificação dos dizeres de Anatole France: a minha ignorância me proporcionava felicidade. Mas a inquietação que levou Neo a tomar aquela pílula foi a mesma que me levou a começar a ler, estudar, e descobrir em que situação eu realmente vivia.

Com o tempo a dedicatória profética de meu amigo se cumpriu: a intelectualidade fortalecida deu origem a uma visão de mundo muito mais realista. As camadas de verniz e tinta que escondiam a realidade foram retiradas, como num minucioso trabalho de restauração, e o que eu vi por baixo delas não foi uma obra de arte maravilhosa, e sim um retrato cru e inóspito do Brasil em que eu vivia. Ao mesmo tempo, tudo o que eu escutava de outras pessoas tinha que passar por mais e mais etapas de validação – já não era possível aceitar nenhuma informação sem uma dose considerável de análise e estudo. E eu vou te contar algo importante sobre isso: sobram pouquíssimas pessoas em sua lista de “gente com opinião a respeitar” depois que você começa a passar todos os discursos pela peneira da razão. É justamente daí que vem a solidão da verdade, pois a maioria das pessoas prefere viver no sonho, na simulação, no auto-engano, na ignorância.

Aonde quero chegar? Simples: se o Brasil é hoje o que é, é em grande parte devido a esse apego à felicidade baseada na ignorância. Não há nada mais agradável do que viver num sonho, e o brasileiro é o campeão mundial de viver sonhando. A simpatia e a alegria dos brasileiros, que são cantadas e entoadas como nossa maior virtude, são fruto de nossa maior fraqueza: a recusa em ver a verdade. Desde frases populares como “Deus é brasileiro” até canções que dizem “Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, o brasileiro nasce, cresce, reproduz-se e morre achando que o seu país é o que há de melhor no mundo, e que viver aqui é ser abençoado, é ser especial, é ser o topo da pirâmide mundial de felicidade. Em outras palavras, o brasileiro nasce, cresce, reproduz-se e morre acreditando em mentiras e vivendo um sonho dirigido.

Os últimos dois anos foram muito atípicos a meu ver: por um lado o governo petista se avolumou e tomou uma posição de ataque às liberdades individuais, principalmente a de expressão; por outro, parece que muita gente anda tomando a pílula vermelha (por favor não confunda esse vermelho com o do PT) e acordando do sonho dirigido. Não falo aqui dos bocós que foram para as ruas no meio do ano passado sem a menor ideia do que estava acontecendo, mas das pessoas que têm partido para o engajamento intelectual, que têm se preparado para o debate de ideias, que têm povoado a internet com bons artigos, que têm escrito livros, que têm lutado por ideais e princípios justos. Muitos, como eu, que já haviam se conformado com a solidão intelectual permanente, passaram a conhecer outros solitários, e mais outro, e mais um ali, e assim por diante. É por isso que tem sido mais fácil encarar a batalha contra o comunismo no Brasil, por causa dos amigos que tenho feito. E os chamo de amigos, mesmo não conhecendo pessoalmente alguns deles, mas de uma maneira mais aristotélica: acreditamos nas mesmas coisas, buscamos as mesmas virtudes, abominamos os mesmos males.

Espero estar vivendo um momento único para o Brasil, um momento de construção de uma base intelectual que oxalá acomodará futuros líderes a combater a praga comunista que nos assola. A esquerda tem hoje muito dinheiro, principalmente pela sua presença tentacular em todas as esferas do poder público, mas a hegemonia intelectual ela já não tem mais. A acomodação já fez ruir muitos impérios na história da humanidade, e novas forças, forjadas em condições desfavoráveis, conseguiram reverter o curso de governos que pareciam imbatíveis. Tudo isso me dá esperança. Pode não ser muita, mas é esperança. E, como no dito popular, ela é a última que morre.
Por: Flavio Quintela, escritor, edita o blog Maldade Destilada. Do site: http://www.midiasemmascara.org/

domingo, 16 de fevereiro de 2014

PARA QUE SERVE A DIREITA?

Eis a função histórica que cabe à palavra “direita”. Direi que é a de um bode expiatório? Não, porque para sacrificar um bode expiatório é preciso um bode, não apenas a palavra que o designa.



Os dados da situação são bastante claros. Quando o mesmo governo que prepara, estimula e financia arruaças emite um decreto que lhe permite usar as Forças Armadas para reprimi-las, e quando, ao mesmo tempo, as autoridades e os arruaceiros se acusam mutuamente de “direitistas”, está na hora de o cidadão avisado lembrar-se, caso já os conheça, dos versos de Antonio Machado:

“A distinguir me paro
las voces de los ecos,
y escucho solamente,
entre las voces, una.”

Essa voz única é a da esquerda nacional – o único movimento político que existe, o único que tem um projeto, ainda que confuso, e os meios de ação para executá-lo. A “direita”, de tanto esvaziar-se ideologicamente, de tanto renunciar a toda identidade própria, de tanto se amoldar servilmente aos valores, critérios e conveniências de seus inimigos, parece ter alcançado finalmente o seu ideal: desmaterializou-se por completo e hoje não tem mais substancialidade que a de um mero nome feio, um xingamento usado nas discussões internas da esquerda.

Essa condição só não equivale à perfeita inexistência porque esse nome feio tem uma função histórica a cumprir, e a tem cumprido de maneira exemplar. Sem ele, a esquerda, que domina praticamente sem oposição o Estado, a cultura, a mídia, a educação e a mente da sociedade, tendo mesmo a seus pés todos os antigos oligarcas regionais que um dia personificaram a “direita”, não teria como explicar para si mesma e para a opinião pública por que ainda não conseguiu, com tantos recursos e defrontando-se com tão pouca ou nula resistência organizada, criar neste país o paraíso de paz e prosperidade socialistas que ela promete há sete décadas. Não teria como explicar os setenta mil homicídios anuais, a distribuição orgiástica de favores milionários aos altos funcionários e amigos do governo, a corrupção ampliada até à escala do indescritível, o crescimento galopante do consumo de drogas, a desordem e o medo generalizados, os horrores e abjeções da educação nacional e o endividamento-monstro de um povo a quem todos os dias se diz que não deve se preocupar, porque tem todas as contas pagas (v. http://dinheiropublico.blogfolha.uol.com.br/2013/08/31/juros-da-divida-consomem-tanto-dinheiro-publico-quanto-a-educacao/).

Eis a função histórica que cabe à palavra “direita”. Direi que é a de um bode expiatório? Não, porque para sacrificar um bode expiatório é preciso um bode, não apenas a palavra que o designa. Na medida em que xingam uma à outra de direitistas, a esquerda “de cima” e a esquerda “de baixo” -- personificadas simbolicamente pela presidente Dilma e pelos Black Blocks --, sem sacrificar nada mais que um verbete de dicionário, se absolvem e se isentam da obrigação de enxergar a miséria e a vergonha que, em nome de um socialismo que nem sabem dizer qual seja, têm espalhado por toda parte. O que quer que ambas façam de errado, de torpe, de criminoso, vai para a conta de uma “direita” que, não existindo, também nada paga pelos crimes que lhe imputam.

Mas o apelo a essa prestidigitação vocabular não funcionaria, não teria credibilidade nem mesmo para esses artistas do auto-engano que são os militantes de esquerda, se não houvesse no quadro nacional algumas coisas que, sem ser a direita política, podem fazer as vezes dela ad hoc.

A primeira dessas coisas é a burguesia. Ela existe e, como dizia Marx, tem interesses objetivos a defender. O fato de que essa classe só se relacione com as autoridades na base dos afagos e beijinhos, de que portanto veja com horror a mera sugestão de combatê-lo no campo político, deve, nesse quadro, ser negligenciado para que se possa proclamar, com o sr. Leonardo Boff, que “os atores da direita estão bem posicionados institucionalmente e politicamente” e que para desalojá-los é preciso dar todo apoio à sra. Dilma Rousseff, ou, com o deputado psolista Ivan Valente, que pela mesmíssima razão é preciso denunciar a presidente como uma reencarnação do general Médici. As duas hipóteses funcionam igualmente bem: a única força política existente se absolve dos seus pecados, e a inexistente, é claro, também nada paga por eles.

A segunda coisa que se parece vagamente com uma direita política são os jornalistas e blogueiros que criticam ao mesmo tempo o governo e os arruaceiros, a esquerda oficial e a oficiosa. Sem nenhuma conexão partidária, sem subsídios de qualquer espécie e sem nenhum plano nem mesmo hipotético de tomada do poder, eles são uma oposição meramente cultural sem meios nem desejo de ação política. Mas, como dizem o que pensam, e o que pensam ecoa alguma insatisfação popular difusa, é claro que as duas esquerdas apontam neles a arma polêmica do interesse capitalista e advertem que são “uma ameaça às liberdades civis”. Dessa maneira a esquerda governante é dispensada de explicar sua aliança promíscua com a burguesia, a esquerda arruaceira dispensada de explicar sua aliança promiscua com o governo, e a burguesia assegurada de que tudo o que faça de ruim em parceria com o governo será debitado na conta de jornalistas sem um tostão furado no bolso, que desprezam tanto a ela quanto ao governo. Ficam assim tranqüilizadas as consciências esquerdistas de cima e de baixo, bem como as de seus aliados burgueses, felizes de que aqueles que não a representam de maneira alguma sejam apontados como seus representantes e castigados no lugar dela sob esse pretexto. Esse é o único papel histórico da “direita” hoje em dia: ser o nome do mal e isentar de culpas aqueles que o praticam. A indústria brasileira de alucinógenos verbais é uma das maravilhas da tecnologia moderna.

Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio. Do site: http://www.midiasemmascara.org/

MACONHA: A ERVA DANINHA DAS INSTITUIÇÕES

O juiz Frederico Maciel considera que quem não usa maconha é culturalmente atrasado e oferece um novo conceito de igualdade, que, para ele, é o direito de poder usar todas as drogas.


A absolvição de um traficante que transportava droga no estômago para dentro de um presídio mostra que a ação da maconha no organismo pode ser menos perigosa do que seu efeito nas instituições.

“O pacote é para saldar dívida de droga de um cara que vai morrer no pavilhão se não fizer o pagamento até as cinco da tarde.”
Drauzio Varella, em “Carcereiros”.

Historicamente, o Judiciário brasileiro sempre foi visto como uma torre de marfim, composto por juízes absolutamente alheios às misérias do povo. A exemplo do antigo lavrador, que ao entrar na sala do patrão amarfanhava o chapéu com as mãos calosas mantendo os olhos humildes nas alpercatas corroídas, também o cidadão comum se encolhe diante da toga, suando sob o terno desconfortável que lhe serve de passaporte no tribunal. As vestes sisudas e a linguagem empolada da Justiça são mais do que suficientes para intimidar a gente simples, que se revolta com esses ritos, por ver neles uma explícita opção preferencial pelos ricos.

Mas o brasileiro que lastimava a arrogância da magistratura nativa era feliz e não sabia. O Judiciário finalmente está saindo de sua torre de marfim – não para fazer Justiça dentro da lei, atendendo aos anseios da maioria do povo, mas para fazer demagogia com a própria toga, cedendo aos gritos da turba minoritária que se recusa a sair das ruas. Todos os dias pelo Brasil afora, em nome de um direito que não está nas leis mas apenas na ideologia dos magistrados, sentenças judiciais cerceiam o direito de ir e vir de todos os cidadãos em nome da liberdade de manifestação de uma minoria, que, estimulada pelo próprio Judiciário, perdeu a noção de limites. Que o digam as cotidianas depredações do patrimônio público e privado em todo o País, especialmente a queima de ônibus, que já se tornou uma epidemia urbana.

Um exemplo de decisão que subverte as leis e inverte valores foi proferida em Brasília em 9 de outubro do ano passado, mas só agora se tornou nacionalmente conhecida. O juiz substituto Frederico Ernesto Cardoso Maciel, da 4ª Vara de Entor­pe­centes do Distrito Federal, por entender que a maconha não deveria estar incluída entre as drogas ilícitas, absolveu o réu Marcos Vinicius Pereira Borges, que havia sido preso em flagrante ao tentar entrar no Com­plexo Penitenciário da Papuda com 52 porções da droga no estômago. O Ministério Público recorreu da decisão e, na quinta-feira, 30, os juízes da Terceira Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal reformaram a decisão de primeira instância, condenando o réu a 2 anos e 11 meses de detenção, em regime semiaberto, além de multa.

Mas o fato de ter sido revogada em segunda instância não torna menos grave a decisão do juiz singular. Mesmo porque não se trata de um ato isolado, mas de um sintoma da época. A maconha – po­dem anotar – acabará sen­do legalizada pelo Supremo Tri­bunal Federal (STF), sem passar pela aprovação de lei no Con­gresso, que seria o correto. O uso de drogas envolve fatores sociais e humanos de extrema complexidade, que não podem ser decididos apenas por 11 cabeças co­roadas. Mas, pelo que se percebe da plêiade de intelectuais influentes que defendem a maconha, começando pelo ex-presidente Fernando Henrique Car­do­so, a tendência é que o Supremo faça como o juiz de Brasília e considere que fumar maconha é um sagrado direito constitucional. E o que é mais grave: a maconha é apenas o pretexto – o objetivo é legalizar todas as drogas, inclusive drogas pesadíssimas como o crack, que, aliás, já foi legalizado na prática. Se isso ocorrer, ação da maconha no organismo será menos daninho do que seu efeito nas instituições.

Com a maconha no estômago
Para absolver o homem que tentou entrar com maconha no presídio da Papuda, o juiz Frederico Maciel reconhece que a conduta praticada e confessada pelo acusado, além de comprovada materialmente, “parece se adequar” àquela descrita na Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, que trata da política nacional sobre drogas, especificamente os artigos 33, que trata do tráfico de en­torpecentes, e o artigo 40, que agrava a pena quando o tráfico é realizado nas dependências ou imediações de escolas, hospitais, presídios etc. “Contudo, no meu entender, há inconstitucionalidade e ilegalidade nos atos administrativos que tratam da matéria”, afirma o juiz em sua decisão, investindo contra a portaria da Anvisa (Agência Na­cional de Vigilância Sanitária) que serve de regulamentação à referida lei.

Escreve o magistrado: “Com efeito, o art. 33, caput, da Lei 11.343/06 é classificado pela doutrina do Direito Penal como norma penal em branco o que, em brevíssima síntese, é aquela que depende de um complemento normativo, a fim de permitir de forma mais rápida a regulamentação de determinadas condutas”. Ora, a regulamentação de uma lei não tem nada a ver com pressa, mas com esclarecimento. Se uma norma fala genericamente em “drogas”, como é o caso da lei em questão, só se pode saber se alguém é traficante esclarecendo dois pontos: que substância ele está transportando e se essa substância é considerada droga ilícita à luz de outros documentos oficiais, já que a própria lei não especifica quais são as drogas proibidas. O parágrafo único do artigo 1º da Lei 11.343 dei­xa isso claro: “Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.

Em seguida, o magistrado afirma: “O Ministério da Saúde, por meio da Portaria 344/1998, com o objetivo de complementar a norma do art. 33, caput, da lei 11343/06, estabeleceu um vastíssimo rol de substâncias sujeitas à controle e, sem qualquer justificativa constante na referida portaria, na lista F, proibiu, entre outras, o THC”. Registre-se que essa crase antes de “controle” é uma das muitas incorreções gramaticais que aparecem na curta sentença de apenas duas páginas. Mais grave, ainda, são os equívocos jurídicos da sentença, começando pelo fato de que o juiz atribui ao Ministério da Saúde uma portaria que é da Anvisa. Apesar de vinculada ao Minis­té­rio da Saúde (instância também política), a Anvisa é ou deve ser exclusivamente técnica. Trata-se de uma agência reguladora com independência administrativa, autonomia financeira e estabilidade de seus dirigentes.

Drogas e consenso científico
Além disso, como é que a Portaria 344, de 12 de maio de 1998, editada no governo Fer­nando Henrique Cardoso, poderia ter como objetivo regulamentar uma lei que só seria promulgada oito anos depois, em 23 de agosto de 2006, em pleno governo Lula? Primeiro, a lei, depois, sua regulamentação, e não o contrário, obviamente. Por não atentar para essas datas, apesar de citá-las como apêndices das normas, é que o juiz acusa de ser discricionária a portaria que elenca as drogas ilícitas, acreditando que a listagem das drogas foi feita para regulamentar a lei, quando, na verdade, as normas da Vigi­lância Sanitária devem atender, primeiramente, o consenso científico em torno da matéria. São como as portarias do Conselho Federal de Medicina, que se enquadram no arcabouço legal do País, mas dispõem de autonomia técnico-científica; afinal quem define a etiologia de uma doença e a enquadra na CID (Clas­sificação Internacional de Doenças) não é o Legislativo, mas a comunidade médica.

O preâmbulo da Portaria 344 deixa isso claro ao informar que as normas por ela estabelecidas têm origem, entre outras fontes, na Convenção Única sobre Entor­pe­centes, de 1961, na Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, e na Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988. Desconsiderando todo esse aporte técnico-científico, o juiz tratou a portaria da Anvisa como um ato arbitrário, sem pé nem cabeça: “O ato administrativo, em especial o discricionário restritivo de direitos, diante dos direitos e garantias fundamentais e também dos princípios constitucionais contidos no art. 37 da Constituição da República de­vem ser devidamente motivados, sob pena de permitir ao Admi­nis­trador atuar de forma arbitrária e de acordo com a sua própria vontade ao invés da vontade da lei”. (Re­pa­rem na falta da vírgula depois de “Re­pública” e no erro de concordância, pois o ato administrativo, sin­gular, é o sujeito do verbo “dever”.)

Com base nessa premissa, o juiz afirma: “A Portaria 344/98, indubitavelmente um ato administrativo que restringe direitos, carece de qualquer motivação por parte do Estado e não justifica os motivos pelos quais incluem a restrição de uso e comércio de várias substâncias, em especial algumas contidas na lista F, como o THC, o que, de plano, demonstra a ilegalidade do ato administrativo. Sem motivação, tal norma fica incapaz de poder complementar a norma penal do art. 33, caput, da lei 11343/06”. Ora, a referida norma não é mero ato administrativo que restringe direitos: ela é o “Regulamento Téc­ni­co sobre Substâncias e Me­di­ca­mentos Sujeitos a Controle Es­pe­cial”. Todos os remédios controlados são também regulamentados por essa portaria, que tem 110 artigos e vários apêndices; por isso, é um absurdo um juiz dizer que a mes­ma “carece de qualquer motivação”, ao mesmo tempo em que a acu­sa de não justificar a inclusão das substâncias em sua lista, como se fosse possível – e necessário – re­produzir numa portaria os tratados científicos sobre cada psicotrópico.

Desastre lógico e gramatical
Mas o juiz Frederico Maciel não se contenta em querer saber mais sobre psicotrópicos do que os técnicos da Anvisa – ele também se arvora a filosofar. E incorre num desastre lógico e gramatical. Eis o que escreve: “Ademais, ainda que houvesse qualquer justificativa ou motivação expressa do órgão do qual emanou o ato administrativo restritivo de direitos, a proibição do consumo de substâncias químicas deve sempre atender aos direitos fundamentais da igualdade, da liberdade e da dignidade humana. Soa incoerente o fato de outras substâncias entorpecentes, como o álcool e o tabaco, serem não só permitidas e vendidas, gerando milhões de lucro para os empresários dos ramos, mas consumidas e adoradas pela população, o que demonstra também que a proibição de outras substâncias entorpecentes recreativas, como o THC, são fruto de uma cultura atrasada e de política equivocada e violam o princípio da igualdade, restringindo o direito de uma grande parte da população de utilizar outras substâncias”.

Reparem outra vez na concordância, aliás, na discordância: o magistrado escreve “são fruto de uma cultura atrasada”, sendo que o sujeito dessa frase é “a proibição”. Além disso, a frase “milhões de lucro para os empresários dos ramos” não é digna da pena de um magistrado; quando muito caberia numa redação do Enem. Outra afirmação desrespeitosa é dizer que o álcool e o tabaco são substâncias entorpecentes “consumidas e adoradas pela população”. Segundo o Relatório Bra­sileiro sobre Drogas de 2010, editado pela Presidência da Re­pública, 18,4% dos brasileiros relataram consumo de tabaco no mês; 19,2% no ano e 44% na vida. Já o consumo de álcool foi de 38,3% no mês, 49,8% no ano e 74,6% na vida. Ou seja, não se pode dizer que a maioria da população brasileira consome e adora essas drogas, mesmo porque até muitos bêbados e fumantes não adoram seus respectivos vícios: sabem que se trata de um mal, apenas não conseguem largá-los.

O juiz considera que quem não usa maconha é culturalmente atrasado e oferece um novo conceito de igualdade, que, para ele, é o direito de poder usar todas as drogas. Também faz uma inegável apologia da substância ativa da maconha: “O THC é reconhecido por vários outros países como substância entorpecente de caráter recreativo e medicinal, diante de seu baixo poder nocivo e viciante e ainda de seu poder medicinal para a saúde do usuário, sem mencionar que em outros o seu uso é reconhecido como parte da cultura”. Ora, senhor juiz, que país legalizou a maconha por reconhecer “seu poder medicinal para a saúde do usuário?”. Todo país que legaliza a maconha não o faz por razões medicinais, mas por pragmatismo: dos males o menor, acreditam, ao comparar o uso da droga com o custo para combatê-la.

Além disso, nenhuma substância entorpecente é, em si mesma, de caráter recreativo, como o magistrado afirma a respeito da maconha. Algo que modifica funções do cérebro não pode ser tratado como brincadeira. Até mesmo o tabaco e o álcool, drogas legais, podem gerar dependência e crise de abstinência. O caráter recreativo não é da droga, mas do uso. Se o sujeito fuma um ou outro cigarro só em festas, para acompanhar os amigos, ele faz um uso recreativo da droga; mas se é um fumante inveterado que acende um cigarro no outro e não abandona o vício nem por recomendação médica, então é ele um dependente, para quem o tabaco não é passatempo, mas vício. É claro que há drogas que geram mais dependência, como o crack e o tabaco, e outras que geram menos dependência, como a própria maconha. Mas uma droga leve, dependendo da intensidade do uso, pode se tornar pesada.

Males que a maconha provoca
O opúsculo “Drogas Psi­co­tró­picas”, do Cebrid (Centro Brasi­lei­ro de Informações sobre Dro­gas Psicotrópicas), afirma que há certo exagero sobre os aspectos maléficos da maconha e destaca seus efeitos medicinais no combate a náuseas e vômitos motivados pela medicação anticâncer e também na epilepsia. Mesmo assim, o informativo deixa claro que a maconha tem efeitos perniciosos, afetando a noção de espaço e de tempo e especialmente a memória de curto prazo. “Sob a ação da maconha, a pessoa erra grosseiramente na discriminação do tempo, tendo a sensação de que se passaram horas quando na realidade foram alguns minutos; um túnel com 10m de comprimento pode parecer ter 50 ou 100m”, afirma o Cebrid, que recomenda às pessoas sob efeito de maconha não realizarem tarefas que dependam de “atenção, bom senso e discernimento”, como dirigir carro e operar máquinas.

Ainda sobre a maconha, o Cebrid também alerta: “Aumen­tando-se a dose e/ou dependendo da sensibilidade, os efeitos psíquicos agudos podem chegar até a alterações mais evidentes, com predominância de delírios e alucinações”. Já em 1845, o psiquiatra francês Moreau de Tors (1804-1884) associou o uso da maconha à ocorrência de sintomas psicóticos. Em 1987, o médico sueco Sven Andréasson e sua equipe publicaram uma pesquisa com 45.570 militares, ao longo de 15 anos de acompanhamento, e chegaram à conclusão de que o uso pesado da maconha (50 ocasiões nesse período) foi relacionado a um risco seis vezes maior de desencadeamento da esquizofrenia em relação aos não usuários.

A maconha pode sim causar dependência e pesquisa do psiquiatra britânico Stanley Zammit (no detalhe) com mais de 50 mil pessoas constatou que o uso da erva aumenta o risco de desenvolver esquizofrenia.

Como as conclusões desse estudo foram questionadas, o psiquiatra britânico Stanley Zammit fez uma pesquisa com 50.087 indivíduos chegando à mesma conclusão da pesquisa anterior – o uso de maconha está associado a um risco maior de desenvolvimento da esquizofrenia. Poste­rior­mente, em artigo publicado na revista “The Lancet”, em ju­lho de 2007, Zammit, juntamente com outros pesquisadores, fez uma revisão sistemática das pesquisas sobre o assunto e corroborou os resultados de pesquisas anteriores: “Podemos concluir que agora existe evidência suficiente para alertar os jovens que o uso de cannabis pode aumentar o seu risco de desenvolver uma doença psicótica mais tarde na vida”.

Dando de ombros para o conhecimento acumulado de psiquiatras, bioquímicos e outros cientistas que estudam os efeitos das drogas psicotrópicas, o juiz prefere se apegar a decisões políticas de países que liberaram a maconha e até à opinião do ex-presidente Fernando Henri­que Cardoso, citado como autoridade em sua sentença, apesar de não lhe mencionar o nome. “Não é por outro motivo que os estados americanos da Califórnia, Wa­shington e Colorado e os Países Baixos, dentre vários outros, permitem não só o uso recreativo e medicinal da droga como também a sua venda, devidamente regulamentada, e outros países permitem so­mente o uso, como Espanha, dentre outros, e o Uruguay está praticamente a ponto de, a exemplo desses ou­tros entes do Direito Interna­cio­nal, regulamentar a venda e o uso do THC”, afirma o magistrado.

Ora, se a maconha fosse tão inofensiva como acredita o juiz, por que razão apenas alguns Estados norte-americanos a liberaram e por que em todos os locais em que isso ocorreu tenta-se controlar sua venda, inclusive na Holanda e no Uruguai (que não se escreve com “y” num texto em português)? O próprio juiz manda incinerar a droga apreendida no final de sua sentença, numa prova de que, no íntimo, ele sabe que sua decisão é problemática. Ocorre que o ativismo judicial, além de querer tomar o lugar do parlamento, também se arvora a ser o feitor do povo brasileiro, a quem acusa de ter uma “cultura atrasada”. Aliás, o juiz Fre­derico Maciel – que é bem pago por esse povinho de “cultura atrasada” – faria mais pelo avanço de nossa cultura se cuidasse melhor do idioma de Vieira, Eça e Machado.

Todavia, ainda que se reconheça que a maconha pode ser usada de forma recreativa, é óbvio que o caso julgado pelo juiz jamais poderia ser considerado dessa forma. O que pode haver de recreativo no ato de engolir 52 poções de maconha para depois vomitá-las dentro de um presídio? Sem contar que esse “aviãozinho” só poderia estar a serviço de um traficante com muito poder na cadeia. Justamente o tipo de traficante que cobra com a morte as dívidas de drogas ou então comuta a pena capital em pena sexual, exigindo que a mulher, a irmã ou a filha do viciado inadimplente pague com o próprio corpo a vida imprestável do pai. Talvez seja isso o que se possa considerar o “caráter recreativo da maconha” – pela ótica de um traficante, claro, jamais pela ótica de um juiz.
Publicado no Jornal Opção.
Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista. Do site: http://www.midiasemmascara.org/


sábado, 15 de fevereiro de 2014

A ERVA DANINHA

Que tal nesse início de 2014 todos os motoristas de automóveis privados deixarem seus carros em casa e irem de ônibus para o trabalho e para a faculdade? Ah! Melhor ainda: levar e buscar seus filhos na escola.

Que tal tomar de assalto o busão para também terem o direito de usar as faixas de ônibus da cidade? Faixas estas que destruíram o já frágil equilíbrio do trânsito de nossa cidade.

Claro, cara-pálida, que um bom transporte coletivo é essencial para uma cidade como São Paulo. Isso nada tem a ver com essas faixas sem planejamento prévio. Quando se tem um bom transporte coletivo, as pessoas usam menos o carro. Aqui, o transporte coletivo é domínio dos mais pobres, porque eles não podem comprar carros. Quando podem, compram feito loucos.

Resolver o problema do transporte coletivo nada tem a ver com espremer os carros em faixas minúsculas nas ruas.

Uma manifestação dessa traria abaixo o populismo da prefeitura com suas faixas de ônibus. Claro que os ônibus iriam explodir de gente, as filas iriam dobrar as fronteiras do Estado, as brigas para entrar no ônibus iriam ficar para a história, as pessoas iriam chegar atrasadas ao trabalho, a economia iria para o saco (mas tudo bem, porque ninguém precisa de economia, só de dogmas políticos populistas).

Zygmunt Bauman, sociólogo famoso, em um de seus clássicos, "Modernidade e Ambivalência", fala do Estado moderno como "Estado jardineiro". A característica desse tipo de Estado é decidir quem é flor e quem é erva daninha. Claro que essa discussão se dá dentro das consequências totalitárias do Estado moderno. Quanto mais "jardineiro", maior o risco de ser autoritário. Nossa prefeitura é jardineira, e os motoristas (incluindo os taxistas) são sua erva daninha.

Os motoristas viraram a erva daninha da cidade. Ciclistas já os odiavam quando passavam com seu ar de santo ecológico pelos pobres coitados dos motoristas que não moram numa "pequena Amsterdã", como a moçada da classe média alta que mora perto do trabalho ou da "facul", ou que tem um trampo fácil, sem horas duras, ou ganha muito bem ou tem grana de outra fonte e então pode ir de bike para o trabalho ou para a "facul". Quem anda de bike para salvar o planeta é playboy light.

Agora as faixas de ônibus decretaram a ilegitimidade de ter carro. Motorista de carro aqui logo será tratado a pauladas pela cidade. Mas está na moda no Brasil o uso de termos como "casa-grande e senzala" (usando de forma equivocada o conceito de Gilberto Freyre) para contaminar o país com ódio de classe (para ressuscitar o finado conceito de luta de classes) ou ódio de raças. Isso vai dar em coisa ruim muito em breve.

O ódio ao motorista virou demonstração de consciência social e ambiental -outro modismo contemporâneo. Esquece-se que essas pessoas são cidadãs como todas as outras. Que pagam impostos exorbitantes para comprar os carros e IPVA todo ano. Pagam IPVA, mas logo não terão direito de andar de carro pela cidade. Nada de novo no front: os brasileiros estão acostumados a pagar impostos e não ter nada em troca.

E mais: é o próprio governo federal que estimula a compra de carros adoidado e sustenta seus índices de "sucesso" econômico na compra de carros. Que tal parar de pagar IPVA, já que os motoristas não têm mais o direito de andar na rua?

Claro que a playboizada que gosta de estimular ódio social vai dizer que motorista de carro não deve ter direito nenhum porque é parte das "zelite". Mentira: a maioria dessas pessoas corre de um lado para o outro para trabalhar, estudar, levar filhos à escola e cumprir suas obrigações. E agora viraram a erva daninha da cidade.

Tudo muito bonitinho, mas os mais pobres sonham em comprar seus carros para poder levar sua mina para passear.

O Brasil sempre foi um circo. Agora, com uma nova dramaturgia cômica: inauguramos o circo com pautas sociais. As ruas de São Paulo viraram um picadeiro. E nós, os palhaços.

Desgraçadamente, a América Latina é o único continente que ainda leva a sério esse papinho de luta de classes. Somos atrasados e vamos ser sempre a vanguarda da política como circo.
Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

ANOMIA, O CASO BRASIL

O sociólogo Emile Durkeim (1858-1917) viveu as turbulências do início da sociedade industrial e isto influenciou sua preocupação com a ordem e com novas ideias morais capazes de guiar o comportamento das pessoas. Ele observou os conflitos resultantes das transformações socioeconômicas nas sociedades europeias e concluiu que havia um estado de anomia, ou seja, a ausência de leis, de normas, de regras de comportamento claramente estabelecidas.


Na atualidade o rápido desenvolvimento dos meios de transporte, de comunicação, da tecnologia, da ciência indica a transição para um mundo mais complexo onde o conhecimento de hoje é rapidamente ultrapassado amanhã. Nesse contexto valores são perdidos, instituições se desagregam, percepções entre o certo e o errado desaparecem e o indivíduo parece uma mosca tonta na janela de um trem-bala. Prevalece o individualismo, o hedonismo, a vulgaridade, a mediocridade, a imoralidade.

Como as sociedades são dinâmicas e não dá para permanecer nesse estado indefinidamente aos poucos vai se construindo uma nova ordem. Paralelamente começam a surgir novas representações coletivas, outro conceito de Durkeim a significar experiências advindas da influência grupal – família, partido político, religião, etc.- que suprem os indivíduos com ideias e atitudes que ele aceita como se fossem pessoais.

No Brasil, país da impunidade, do jeitinho, da malandragem sempre houve certa anomia. Um salvo-conduto para o desfrute impune de atos de corrupção. Uma largueza moral que encanta os estrangeiros que aqui vêm usufruí-la sem jamais ousarem repeti-la em seu país. Características essas culturais originadas historicamente e aprimoradas ao longo do tempo.

Contudo, foi com a entrada do PT na presidência da República que acentuou nossa anomia. Isso se deu através dos sucessivos e impunes escândalos de corrupção do partido que se dizia o único ético, o puro, aquele que vinha para mudar o que estava errado. No poder o PT se tornou não um partido não igual aos outros, mas pior.

Por isso mesmo foi marcante o julgamento do mensalão quando, pela primeira vez, poderosos e seus coadjuvantes foram parar na cadeia por conta da coragem e da firmeza do ministro Joaquim Barbosa auxiliado por alguns ministros do STF.

Lula da Silva sempre foi um homem de muita sorte ajudada por sua verborragia. Herdou um país sem inflação, além de políticas públicas as quais de certo modo imitou. No plano internacional reinava calmaria econômica. No âmbito interno nenhuma oposição partidária ou institucional. As performances escrachadas do “pobre operário” agradavam a maioria e formou-se uma representação coletiva que aceitava todos os desvios e desmandos do governo. Diante da roubalheira o povo dizia: “se eu estivesse lá faria a mesma coisa”.

O todo-poderoso Lula da Silva se reelegeu e fez mais, obteve um “terceiro mandato” sem precisar alterar a Constituição. Isso porque elegeu uma subordinada que não dá passo sem ouvir suas ordens.

Contudo, no final do segundo mandato de Lula da Silva a economia do Brasil paraíso começou a fazer água e os três anos da sucessora tem sido um fiasco retumbante.

O álibi para o descalabro é a crise internacional, mas, na verdade foi a politica econômica incompetente e errática da presidente e do Mr M autor das mágicas contábeis, ou seja, do Senhor Mantega, que está nos conduzindo ao fracasso.

O governo do PT conseguiu nos transformar no país dos pibinhos, no lanterninha dos BRICS. A inflação cresce, tivemos em 2013 o maior déficit comercial de nossa história, com resultado negativo de US$ 81,3 bilhões, a geração de emprego recuou 18,6% no ano passado, a desvalorização cambial já é outro grave problema.

Existe, porém, algo mais que a economia. Lula da Silva se aliou à escória governamental, a começar pela América Latina. Insuflou ódios raciais. Jogou a Educação no nível mais baixo enquanto seu ministro Haddad tentava insuflar amoralidade na formação das crianças. A Saúde virou sinônimo de crueldade e não serão médicos cubanos, ideologicamente trazidos para cá, que reporão a falta de estrutura de hospitais e postos de saúde.

Agora está sendo colhido o que foi plantado com os votos no PT. A manifestação pacífica de junho, em 2013, foi só um passo tolhido pela entrada dos tais Black Blocs, politicamente inseridos ou não. Entretanto, várias outras manifestações vêm se espalhando pelo país de forma violenta com queima de ônibus, interdição de estradas, depredações, saques. Enquanto isso aumenta a força da criminalidade dando a nítida impressão de que um tenebroso Estado paralelo se sobrepõe ao Estado de Direito.

A rotineira barbárie da prisão de Pedrinhas é a ilustração mais perfeita da anomia brasileira a qual devemos agradecer aos nossos governantes, especialmente, ao governo do PT.

Por: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga

DE DAMASCO A KIEV

A expressão "atores estrangeiros" emergiu dois meses atrás, de porta-vozes do Kremlin e do governo ucraniano. As palavras "extremistas" e "terroristas" começam a ser pronunciadas agora, quando aparecem os primeiros cadáveres em Kiev. Dois manifestantes foram mortos a tiros pela polícia. O corpo de um terceiro ativista, encontrado sem vida numa floresta nos arredores da capital, exibia sinais de tortura. Um estudante de 17 anos sofreu sevícias de policiais, que o espancaram e esfaquearam, obrigando-o a despir-se e cantar o hino nacional sob o frio congelante. "Damasco": o presidente Viktor Yanukovich e seu patrono, Vladimir Putin, inspiram-se no exemplo da Síria, onde Bashar Assad comprovou que a repressão sangrenta de um levante nacional pode permanecer impune. Contudo, para Washington e Bruxelas, o teste de Kiev vale mais, muito mais, que o de Damasco.


No ponto de partida da revolta popular síria, Obama e os líderes europeus avisaram que não ficariam inertes diante dos massacres perpetradas pelo regime. Depois, no ano 1 da guerra civil, prometeram apoiar a corrente moderada da oposição. Quando os compromissos solenes já estavam desmoralizados, o presidente americano traçou sua célebre "linha vermelha", assegurando que reagiria militarmente a um hipotético ataque químico. Assad cruzou, impávido, a última fronteira, demonstrando que o rei estava nu. Ao longo da trajetória, a oposição moderada dissolveu-se na irrelevância, cedendo lugar a organizações fundamentalistas e grupos jihadistas. Putin convenceu-se de que está autorizado a jogar, na Ucrânia, as mesmas cartas utilizadas na Síria. Mas Kiev não é Damasco.

"Quero viver na Europa". Os cartazes exibidos nas cidades ucranianas indicam tanto as fontes quanto os rumos da revolução em curso. A Ucrânia pertenceu, durante séculos, ao Império Russo, e viu frustrada sua primeira independência, que coincidiu com a Revolução Russa mas durou efêmeros quatro anos de guerras sucessivas. Uma segunda independência, propiciada pela implosão da URSS, em 1991, jamais se completou. As manifestações multitudinárias deflagradas em novembro, que retomam a frustrada Revolução Laranja, de 2004, evidenciam a natureza anacrônica da sujeição do país à Grande Rússia. Aos olhos da maioria do povo ucraniano, "Europa" ou "União Europeia" são a tradução geopolítica da exigência de soberania nacional. Eis o motivo pelo qual a aposta de Putin representa um desafio histórico para Washington e Bruxelas.

A legitimidade da União Europeia (UE) não repousa sobre o mercado comum ou, mesmo, a liberdade de circulação dos cidadãos europeus. Desde a Segunda Guerra Mundial, "Europa" é o outro nome das liberdades políticas e da democracia. O projeto europeu surgiu para proteger as liberdades, depois da tempestade do nazismo e diante do espectro triunfante da URSS de Stalin. A UE renovou-se e provou sua vitalidade na década seguinte às revoluções de 1989, pela incorporação dos países do antigo bloco soviético. Kiev não é uma crise qualquer: na Ucrânia, a "Europa" precisa demonstrar que serve a algo maior que os interesses do "mercado".

O Kremlin acusou "atores estrangeiros" de "insuflarem" os protestos na Ucrânia. De fato, em dezembro, a representante diplomática da UE, Catherine Ashton, e o ministro do Exterior alemão, Guido Westerwelle, juntaram-se aos manifestantes da Praça da Independência. Eles estavam dizendo que não são "estrangeiros", que os ucranianos são europeus, que 1989 não terminou e que Kiev não é Damasco. A presença deles equivale a uma nota promissória, que começa a ser cobrada agora. Os EUA e as potências europeias têm os instrumentos para infligir punições diplomáticas e econômicas insuportáveis à Rússia. Se não os utilizarem, permitindo que Kiev se torne Damasco, reduzirão "Europa" a um sinônimo de decadência.
Por: Demétrio Magnoli Folha de SP


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O GRAAL DE TARSO GENRO

O Santo Graal dos comunistas foi a URSS e seu sistema de "repúblicas populares". As insurreições na Hungria (1956), na Tchecoslováquia (1968) e na Polônia (1980) secaram o poço do encantamento. A queda do Muro de Berlim e a implosão da URSS quebraram o cálice sagrado. No último quarto de século, desorientados, os filhos do "socialismo real" empreendem a busca por um novo Graal. Como tantos outros, Tarso Genro encontrou-o na China (em "Uma perspectiva de esquerda para o Quinto Lugar", artigo escrito numa língua estranha, longinquamente aparentada com o português). As suas elucubrações teóricas não têm interesse intelectual, mas merecem um exame político.


O governador do Rio Grande do Sul enxerga na experiência recente da China uma inspiração para a marcha do Brasil rumo ao estatuto de potência mundial. O que a China tem de especial? Um "sujeito político (Partido-Estado)" que "cria o mercado e suas relações", num processo em que "estas relações novas recriam o sujeito (Partido-Estado), que será permanentemente outro". É isso, explica-nos, que falta ao Brasil: um ente de poder capaz de reinventar a sociedade e guiar o povo até o futuro.

Décadas atrás, um tanto tristonhos, incontáveis socialistas deploravam o poder totalitário do Partido Comunista da URSS, mas o justificavam como um mal necessário pois, no fim das contas, aquele era o motor político da economia socialista. Genro, pelo contrário, não apela ao socialismo (uma "fantasia histórica") para justificar o poder absoluto do Partido-Estado: basta-lhe um horizonte "chinês" de crescimento econômico e progresso social. E a democracia? A China triunfa graças a um "regime político não democrático para os nossos olhos", ensina o líder petista, reproduzindo os argumentos oficiais do Partido Comunista Chinês, que justifica a tirania pela invocação ritual da cultura e da tradição.

A democracia é o regime no qual os governantes não podem tudo –e aí está o problema do Brasil, na opinião de Genro. Na sua descrição, o "mercado" malvado sabota a redução dos juros, a abominável "grande imprensa" bloqueia o aumento do IPTU e os demoníacos "cronistas no neoliberalismo abrigados na grande mídia" manipulam a opinião pública. A expressão política de opiniões conflitantes e interesses divergentes que nos acostumamos a chamar de democracia representa, aos olhos de Genro, uma intolerável balbúrdia. É preciso, para libertar a "utopia concreta presa com âncoras pesadas no fundo real da sociedade capitalista", instaurar uma ordem nova na qual o sujeito da História (o "Partido-Estado") possa conduzir a nação até o futuro redentor.

O "levantar âncoras", propõe Genro, encontra-se na convocação de "uma nova Assembleia Nacional Constituinte no bojo de um amplo movimento político inspirado pelas jornadas de junho", mas "com partidos à frente". Esqueça, por um momento, que as "jornadas de junho" não seriam as "jornadas de junho" se tivessem "partidos à frente". Nosso pequeno, mas esperançoso, pretendente a Duce sonha com uma "marcha sobre Brasília" liderada pelo partido que exerce o poder.

"Penso que as esquerdas no país devem abordar programaticamente estas novas exigências para o futuro, já neste processo eleitoral". Genro sabe perfeitamente que sua "utopia concreta" terá impacto nulo sobre a campanha de Dilma, que continuará focada em firmar alianças com o PMDB, o PP e o PSD, renovar os compromissos com as altas finanças e reforçar a parceria com os "movimentos sociais" estatizados. O vinho de seu cálice sagrado destina-se, exclusivamente, ao consumo interno do PT e de sua área de influência militante: é um antídoto ideológico contra as imprecações lançadas por correntes esquerdistas inquietas com o "giro à direita" do lulismo. Mas serve, ainda, para iluminar o lado escuro da alma do partido que nos governa. 
Por: Demétrio Magnoli Folha de SP


CARNÍVOROS E VEGETARIANOS

Tony Blair regressa ao mundo dos vivos: em artigo para o jornal "The Observer", o ex-premiê britânico escreve que as lutas do século 21 não serão mais ideológicas, como aconteceu na centúria anterior. Serão culturais, religiosas. Civilizacionais. Ó Deus, onde é que eu já ouvi isso?


Obviamente, em 1993, quando Samuel Huntington horrorizou as consciências politicamente corretas com "The Clash of Civilizations?", o artigo publicado na "Foreign Affairs".

Reli o texto de Huntington. Com 20 anos de distância, voltei a pasmar com a inteligência (e a presciência) do senhor. Blair e Huntington podem partir do mesmo ponto: há um "choque de civilizações" inegável. Mas chegam a conclusões radicalmente distintas.

No ensaio, Huntington perguntava onde estariam os conflitos futuros quando todo mundo falava triunfalmente do "fim da história". E respondia: esqueça as lutas clássicas entre Estados. E esqueça também as lutas no interior do Ocidente, motivadas por disputas econômicas ou políticas, como sucedeu no século 20. Esse tempo acabou: imaginar a França nas trincheiras contra a Alemanha é cenário irrealista.

Os conflitos acabarão por emergir entre civilizações —ou, melhor dizendo, entre diferentes concepções do mundo que não podem ser resolvidas, ou harmonizadas, por um piquenique multiculturalista ou um seminário acadêmico entre pacifistas "new age".

Como escrevia Huntington, a questão futura não passa por saber qual é o lado certo da batalha; a questão primeira será saber quem somos nós. Porque é a identidade cultural, e não os interesses momentâneos do Estado, que irá definir os conflitos futuros. E, quando as coisas são postas nesses termos, não é possível ser meio muçulmano e meio cristão ao mesmo tempo.

Aliás, as tensões entre o Ocidente e o Islã são analisadas por Huntington sem eufemismos: se Tony Blair, na sua coluna para o "Observer", usa a palavra "Islã" com medo, Huntington é glacial. O conflito entre o Ocidente e o radicalismo islâmico dura 1.300 anos. Será mais violento nos anos próximos. E, pormenor importantíssimo que Blair (e Bush) esqueceu, não se resolve pela imposição de qualquer modelo democrático, por mais nobre que ele seja em teoria.

Para certas sociedades, os valores fundamentais da civilização ocidental —"individualismo", "secularismo", "constitucionalismo" etc.— soam estranhos e, pior, ameaçadores. Por mais "primaveras árabes" que floresçam (e feneçam) no Oriente Médio.

Perante este "choque de civilizações", que fazer?

Tony Blair, em momento de "mea culpa", reconhece que o caminho não é militar: a democracia não se impõe à força porque os resultados, no Afeganistão e no Iraque, não foram propriamente brilhantes. Mas depois, com a ignorância que o define, Blair regressa a um mundo imaginário de fadas e duendes: o "choque de civilizações" só será evitado pelo entendimento e pela tolerância entre culturas.

Como é evidente, Blair está falando para a minoria "ocidentalizada" que ele encontra no lobby dos hotéis de luxo no Cairo ou em Beirute. Ou então prepara o seu discurso de Miss Universo.

Samuel Huntington, uma vez mais, revela a lucidez e a coragem que Blair não tem: perante o "choque de civilizações", deve haver maior coesão no interior do próprio Ocidente, entre países que partilham os mesmos valores fundamentais.

Isso implica um Ocidente que não esteja disposto a desarmar-se perante potenciais inimigos porque a palavra "inimigo" ainda continua fazendo parte da linguagem política contemporânea.

E, claro, o Ocidente pode sempre apoiar grupos de outras civilizações que se interessam por essas extravagâncias como a "democracia" e os "direitos humanos", sem ceder à tentação de tentar exportá-los pela força. A evolução para a modernidade é um caminho solitário que só essas civilizações podem (ou não) percorrer.

Vinte anos depois do ensaio de Huntington e dez anos depois das aventuras no Afeganistão e no Iraque, continuo preferindo o realismo carnívoro do professor de Harvard ao idealismo vegetariano de Tony Blair. Por: João pereira Coutinho Folha de SP