terça-feira, 25 de março de 2014

A ECONOMIA E OS PROBLEMAS ESSENCIAIS DA EXISTÊNCIA HUMANA


A ciência e a vida

Costuma-se censurar a ciência moderna por ela se abster de expressar juízos de valor. Essa neutralidade em relação ao valor (Wertfreiheit), dizem os críticos, de nada serve ao homem que vive e que age, pois o homem necessita de que lhe digam quais devem ser os seus objetivos. A ciência, se não puder responder a essa questão, é estéril.

Mas essa objeção não tem fundamento. A ciência não formula juízos de valor, mas provê o agente homem com informações necessárias para que ele faça a sua própria valoração. Ela só não pode ajudar o homem quando este pergunta se a vida vale ou não a pena ser vivida.

Essa questão, evidentemente, tem sido suscitada, e continuará sendo. Para que servem todos esses esforços e atividades humanas se, ao final de tudo, ninguém escapa da morte e da decomposição? O homem vive à sombra da morte. Quaisquer que tenham sido as suas realizações ao longo de sua peregrinação, um dia ela irá morrer e abandonar tudo o que construiu. Cada momento pode ser o seu último momento. O futuro só contém uma certeza: a morte. Visto desse ângulo, todo esforço humano parece ter sido vão e fútil.

Além disso, a ação humana deveria ser considerada como algo inútil, mesmo quando julgada do ponto de vista dos objetivos que pretendia atingir. A ação humana jamais poderá produzir uma satisfação completa; serve apenas para reduzir parcial e temporariamente o desconforto. Logo que um desejo é satisfeito, surgem outros. A civilização, costuma-se dizer, torna as pessoas mais pobres porque multiplica as necessidades; desperta mais desejos do que os que consegue mitigar. Toda essa azáfama de homens diligentes e trabalhadores, toda essa pressa, esse dinamismo, esse alvoroço, não têm o menor sentido porque não traz felicidade e nem paz. Não se pode alcançar a paz de espírito e a serenidade pela ação e pela ambição temporal; a paz de espírito pode ser alcançada somente por meio da renúncia e da resignação. O único tipo de conduta adequada ao sábio é o recolhimento à inatividade de uma vida puramente contemplativa.

Entretanto, todos esses receios, dúvidas e escrúpulos são superados pela força irresistível da energia vital do homem. Certamente, o homem não poderá escapar da morte. Mas, no momento, está vivo; é a vida e não a morte que se apodera dele. Qualquer que seja o futuro que lhe tenha sido reservado, não pode fugir das necessidades da hora presente.

Enquanto tiver vida, o homem não pode deixar de obedecer ao seu impulso básico, o elã vital. É da natureza do homem procurar preservar e fortalecer a sua vida; procurar diminuir o seu desconforto; buscar o que possa ser chamado de felicidade. Em cada ser humano existe um id, um impulso instintivo inexplicável e não analisável, que é a fonte de todos os impulsos, a força que nos impele à vida e à ação, a ânsia original e permanente por uma existência mais plena e mais feliz. Existe enquanto o homem vive e só desaparece quando sua vida se extingue.

A razão humana está a serviço desse impulso vital. A função biológica da razão é preservar e promover a vida e adiar a sua extinção tanto quanto possível. O pensamento e a ação não conflitam com a natureza; ao contrário, são o principal traço da natureza humana. O que mais apropriadamente distingue o homem dos demais seres vivos é o fato de conscientemente lutar contra as forças hostis à sua vida.

Portanto, tudo o que se tem dito sobre o primado dos elementos irracionais é vazio de significado. No universo, cuja existência a nossa razão não pode explicar, analisar ou conceber, há um pequeno setor nos limites do qual o homem pode, numa certa medida, diminuir o seu desconforto. Esse setor, reservado ao homem, é o domínio da razão e da racionalidade, da ciência e da ação propositada. A sua mera existência, por mais exígua que seja, por deficientes que sejam os seus resultados, não permite que o homem se entregue à resignação e à letargia. Nenhuma sutileza filosófica poderá jamais impedir um indivíduo sadio de recorrer às ações que ele mesmo considera adequadas para satisfazer as suas necessidades.

Pode ser que no recôndito da alma humana exista o desejo de uma existência vegetativa, inativa e pacífica. Mas, no ser humano, esses desejos, quaisquer que possam ser, são superados pelo afã de agir e de melhorar as condições de sua própria vida. Quando prevalece o espírito de renúncia, o homem morre; ele não se transforma num vegetal.

É claro que a praxeologia e a economia não informam ao homem se ele deve preservar ou renunciar à vida. A vida em si e todas as forças desconhecidas que a originam e que a mantêm é um dado irredutível, e, como tal, fora do âmbito da ciência. O tema central de que se ocupa a praxeologia é exclusivamente a ação — a mais típica manifestação da vida humana.

A ciência econômica e os juízos de valor

Embora haja muitas pessoas que condenam a ciência econômica por sua neutralidade em relação a julgamentos de valor, há também os que a condenam por sua suposta indulgência em relação aos mesmos. Uns dizem que a economia deve necessariamente expressar juízos de valor e que, portanto, não é realmente uma ciência, uma vez que a ciência tem que ser indiferente a valores. Outros sustentam que a verdadeira ciência econômica deve e pode ser imparcial e que só os maus economistas infringem esse postulado.

A confusão existente na discussão desses problemas é de natureza semântica e se deve à forma inadequada de muitos economistas empregarem certos termos. Suponhamos que um economista investigue se uma medida a pode produzir um resultado p para cuja realização foi recomendada; e que chegue à conclusão de que a não resultará em p, mas em g, um efeito que mesmo os que propõem a medida a consideram indesejável. Se esse economista enunciar o resultado de sua investigação dizendo que a é uma medida "má", não estará formulando um juízo de valor. Estará apenas dizendo que, do ponto de vista dos que desejam atingir o resultado p, a medida a é inadequada.

É nesse sentido que os economistas que defendem o livre comércio condenam o protecionismo. Eles demonstram que a proteção, ao contrário do que pensam os seus adeptos, diminui, em vez de aumentar, a quantidade total de produtos e que, portanto, é indesejável do ponto de vista dos que preferem que a oferta de produtos seja a maior possível. Os economistas criticam as políticas em função dos resultados que pretendem atingir. Quando, por exemplo, um economista diz que uma política de salários mínimos é má, o que está dizendo é que os seus efeitos contrariam os propósitos dos que a recomendam.

É sob esse mesmo prisma que a praxeologia e a economia consideram o princípio fundamental da existência humana e da evolução social, qual seja, que a cooperação sob a divisão social do trabalho é um modo de ação mais eficiente do que o isolamento autárquico dos indivíduos. A praxeologia e a economia não dizem que o homem deveria cooperar pacificamente no contexto da sociedade; dizem apenas que o homem deve agir dessa maneira se deseja atingir resultados que de outra forma não conseguiria. A obediência às regras morais necessárias ao estabelecimento, à preservação e à intensificação da cooperação social não é considerada um sacrifício a uma entidade mítica qualquer, mas o recurso ao meio mais eficiente, como se fosse um preço a ser pago para receber em troca algo a que se dá mais valor.

Todos os dogmatismos e todas as escolas antiliberais uniram as suas forças para impedir que as doutrinas heteronômicas do intuicionismo e dos mandamentos revelados fossem substituídas por uma ética autônoma, racionalista e voluntarista. Todas elas condenam a filosofia utilitarista pela impiedosa austeridade de sua descrição e análise da natureza humana e das motivações últimas da ação humana. Apenas um ponto precisa ser mencionado, porque, de um lado, representa a essência da doutrina de todos os mistificadores contemporâneos e, de outro, oferece ao intelectual comum uma bem-vinda desculpa para não ter que se submeter à incômoda disciplina dos estudos econômicos.

Dizem esses críticos que a economia, no seu apriorismo racionalista, pressupõe que os homens visem unicamente, ou pelo menos primordialmente, ao bem-estar material. Mas, na realidade, os homens preferem os objetivos irracionais aos objetivos racionais. São guiados mais pela necessidade de atender a mitos e a ideais do que pelo desejo de ter um melhor padrão de vida.

Em resposta, o que a economia tem a dizer é o seguinte:


1. A economia não pressupõe, e nem considera um postulado, que os homens visem unicamente, ou pelo menos primordialmente, ao que é denominado de bem-estar material. A economia, enquanto ramo da ciência geral que estuda a ação humana, lida com a ação humana, isto é, com a ação propositada do homem no sentido de atingir os objetivos escolhidos, quaisquer que sejam esses objetivos. Aplicar aos fins escolhidos o conceito de racional ou irracional não faz sentido. Podemos qualificar de irracional o dado irredutível, isto é, aquelas coisas que o nosso pensamento não pode analisar e nem decompor em outros dados irredutíveis. Nesse sentido, todos os objetivos escolhidos pelo homem são, no fundo, irracionais. Não é mais nem menos racional desejar a riqueza como o fez Creso ou aspirar à pobreza como o faz um monge budista.

2. O que os críticos têm em mente ao empregar o termo objetivos racionais é o desejo de maior bem-estar material e de melhor padrão de vida. Para saber se a sua afirmativa — de que os homens em geral e os nossos contemporâneos em particular estão mais interessados em mitos e sonhos do que em melhorar o seu padrão de vida — é ou não correta, basta verificar os fatos. Não há necessidade de muita inteligência para saber a resposta certa, e não precisamos aprofundar a discussão. Mesmo porque a economia nada tem a dizer a favor ou contra os mitos em geral; mantém a sua neutralidade em relação à doutrina sindical, à doutrina de expansão da oferta monetária, e a todas as outras doutrinas, na medida em que os seus partidários as considerem e as defendam como mitos. A economia só lida com essas doutrinas na medida em que sejam consideradas como um meio para atingir determinados fins. A economia não afirma que o sindicalismo trabalhista seja um mau mito; afirma apenas que é um meio inadequado para aumentar os salários dos que desejam ter salários maiores. Compete a cada indivíduo decidir se prefere seguir o mito ou se prefere evitar as consequências inevitáveis que advirão de sua realização.

Nesse sentido, podemos dizer que a economia é apolítica ou não política, embora seja a base de todo tipo de ação política. Podemos ainda dizer que a economia é perfeitamente neutra em relação a todos os julgamentos de valor, uma vez que ela se refere sempre aos meios e nunca à escolha dos objetivos últimos que o homem pretende atingir.

O conhecimento econômico e a ação humana

A liberdade de o homem escolher e agir sofre restrições de três tipos. Em primeiro lugar estão as leis físicas a cujas inexoráveis determinações o homem tem que se submeter se quiser permanecer vivo. Em segundo lugar estão as características e aptidões congênitas de cada indivíduo e sua interrelação com o meio ambiente; tais circunstâncias, indubitavelmente, influenciam tanto a escolha dos fins e a dos meios, embora nosso conhecimento de como isso se processa seja bastante impreciso. Finalmente, existe a regularidade das relações de causa e efeito entre os meios utilizados e os fins alcançados; ou seja, as leis praxeológicas, que são distintas das leis físicas e fisiológicas.

A elucidação e o exame formal dessa terceira categoria de leis do universo é o objeto de estudo da praxeologia e do seu ramo mais bem desenvolvido até o momento, a economia.

O conhecimento acumulado pela ciência econômica é um elemento essencial da civilização humana; é a base sobre a qual se assentam o industrialismo moderno, bem como todas as conquistas morais, intelectuais, tecnológicas e terapêuticas dos últimos séculos. Cabe aos homens decidirem se preferem usar adequadamente esse rico acervo de conhecimento que lhes foi legado ou se preferem deixá-lo de lado. Mas, se não conseguirem usá-lo da melhor maneira possível ou se menosprezarem os seus ensinamentos e as suas advertências, não estarão invalidando a ciência econômica; estarão aniquilando a sociedade e a raça humana.


Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

segunda-feira, 24 de março de 2014

O PT GANHOU NO TAPETÃO

Derrubada a condenação por formação de quadrilha, o processo no seu conjunto ficou absolutamente incompreensível


O julgamento do mensalão reforçou os defeitos do Poder Judiciário. A lentidão para apreciar as ações, a linguagem embolada e oca de juízes, promotores e advogados, o burocratismo e a leniência quando crimes são cometidos por poderosos.

O Supremo Tribunal Federal, ao longo da história republicana, em diversos momentos foi subserviente frente ao Poder Executivo, ignorou a Constituição e as leis — por mais incrível que isto pareça. Mas rasgar uma decisão produto de um processo que se estende desde 2007 — quando a denúncia foi aceita — isto nunca ocorreu. A revisão da condenação por formação de quadrilha da liderança petista foi o ato mais vergonhoso da história do STF desde a redemocratização.

Até 2012, o governo federal deu pouca importância à Ação Penal 470. Mesmo a nomeação dos novos ministros foi feita sem dar muita atenção a um possível julgamento. Um deles, inclusive, foi indicado simplesmente para agradar ao então todo poderoso governador Sérgio Cabral.

Afinal, o processo vinha se arrastando desde agosto de 2007. Muitos esperavam que sequer entraria na pauta do STF e que as possíveis penas estariam prescritas quando do julgamento. Porém, graças ao árduo trabalho do ministro Joaquim Barbosa e do Ministério Público, a instrução do processo foi concluída em 2011.

O presidente Ayres Brito, de acordo com o regimento da Corte, encaminhou então o processo para o exame do revisor. Esperava-se que seria questão meramente burocrática, como de hábito. Ledo engano. O ministro Ricardo Lewandowski segurou o processo com a firmeza de um Gilmar dos Santos Neves. E só “soltou” o processo — seis meses depois — por determinação expressa de Ayres Brito.

O calendário do julgamento foi aprovado em junho de 2012. Registre-se: sem a presença de Lewandowski. Dois meses antes, o ministro Gilmar Mendes repeliu (e denunciou publicamente) uma tentativa de chantagem do ex-presidente Lula, que tentou vinculá-lo ao “empresário” Carlinhos Cachoeira.

Em agosto, finalmente, começou o julgamento. Diziam à época que as brilhantes defesas levariam ao encerramento do processo com a absolvição dos principais réus. Os advogados mais caros foram aqueles que pior desempenharam seus papéis. O Midas da advocacia brasileira foi o Pacheco do julgamento, sequer conseguiu ocupar os 60 minutos regulamentares para defender seu cliente.

Os inimigos da democracia perderam novamente. Foram sentenciados 25 réus — inclusive a liderança petista. Desde então, as atenções ficaram voltadas para tentar — por todos os meios — alterar o resultado do julgamento. A estratégia incluiu a nomeação de ministros que, seguramente, votariam pela absolvição do crime de formação de quadrilha.

Mas faltava rasgar a Lei 8.038, que não permitia nenhum tipo de recurso para uma ação penal originária, como foi o processo do mensalão. E o PT conseguiu que o plenário — já com uma nova composição — aceitasse os recursos. A partir daí o resultado era esperado

Derrubada a condenação por formação de quadrilha, o processo no seu conjunto ficou absolutamente incompreensível. Como explicar — para só falar dos sentenciados — que 25 pessoas de diversos estados da federação, exercendo distintas atividades profissionais e de posições sociais díspares, tenham participado de toda a trama? Foi por mero acaso? Banqueiros, donos de agências de publicidade, políticos de expressão, ministro, sindicalistas, funcionários partidários e meros empregados com funções subalternas não formaram uma quadrilha para através do desvio de dinheiro público comprar uma maioria na Câmara dos Deputados? E as dezenas de reuniões entre os sentenciados? E as condenações por peculato, corrupção ativa e passiva? E os crimes de gestão fraudulenta e evasão de divisas?

Parodiando um ministro do STF, o processo do mensalão não fecha. Neste caso, é melhor derrubar as condenações (claro que, seguindo a tradição brasileira, somente dos poderosos, excluindo as funcionárias da SM&P) e considerar tudo como um mal-entendido.

Deve ser registrado que toda esta sórdida manobra não encontrou resposta devida do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Nas últimas sessões estava macambúzio. Pouco falou. E, quando teve a oportunidade de expor as teses do Ministério Público, deu a impressão que o fez com enfado, como uma pesada obrigação. A única semelhança com a enérgica atuação do procurador Roberto Gurgel foi o uso dos óculos.

O PT ganhou no tapetão, para usar uma metáfora ao gosto do réu oculto do mensalão, o ex-presidente Lula. Para os padrões da Justiça brasileira, o resultado pode até ser considerado uma vitória. Afinal, mesmo que por um brevíssimo período, poderosos políticos estão presos. Mas fica um gosto amargo.

A virada de mesa reforça a sensação de impunidade, estimula o crime e a violência em toda a sociedade. O pior é que a decisão foi da instância máxima do Judiciário, aquela que deveria dar o exemplo na aplicação da justiça.

Mas, se a atual composição do STF não passa de uma correia de transmissão do Executivo Federal, a coisa vai ficar ainda pior. Os ministros que incomodam a claque petista — por manterem a independência e julgarem segundo os autos do processo — estão de saída. Dois deles, nos próximos meses, devem se aposentar. Aí teremos uma Corte que não vai criar mais nenhum transtorno aos marginais do poder. Não fará justiça. Mas isto é apenas um detalhe. O que importa é transformar o STF em um simples puxadinho do Palácio do Planalto. Afinal, vai ficar tudo dominado. 
Por: MARCO ANTONIO VILLA Publicado:11/03/14 - 0h00
Do site: http://www.marcovilla.com.br/

domingo, 23 de março de 2014

MONTEIRO LOBATO E EUCLIDES DA CUNHA CONVERSANDO SOBRE O BRASIL

Euclides da Cunha e Monteiro Lobato foram dois intelectuais profundamente preocupados com o Brasil. Euclides viveu o período da propaganda republicana, o golpe militar de novembro de 1889 e os primeiros 20 anos do novo regime. Desiludido com a república, acabou morrendo assassinado em 15 de agosto de 1909. Foi um colaborador habitual d’O Estado de S. Paulo. Ficaram célebres especialmente as reportagens sobre a Guerra de Canudos, em 1897, com o título deDiário de uma expedição. As reportagens, além de uma breve estadia com a quarta expedição no cerco do arraial fundado por Antonio Conselheiro, foram fundamentais para a confecção do maior clássico brasileiro, Os sertões.

Monteiro Lobato foi não só um grande escritor, como também um batalhador incansável em defesa da exploração do petróleo. Era um nacionalista anti-estatista, espécie rara no Brasil. Acabou preso no Estado Novo pelos ataques que fez ao general Horta Barbosa, primeiro presidente do Conselho Nacional de Petróleo. Foi também um colaborador contumaz de O Estado de S. Paulo. Foi no Estadão que publicou os também célebres artigos Uma velha praga e Urupês, em 1914.

Euclides e Lobato, caso estivessem vivos, estariam certamente estarrecidos com a conjuntura política brasileira e a falta de perspectivas. Nesta entrevista imaginária, os dois comentam os dilemas do Brasil de outros tempos. A única alteração é no tempo dos verbos. A conversa começa com a discussão sobre a mania que temos de reformar sempre pelo alto, ignorando os fundamentos do Estado, daí passa pelo velho problema da burocracia, da falta de quadros políticos, do fracasso da elite e do nosso futuro.

- Como analisa as reformas políticas? 
Euclides da Cunha: O espírito nacional reconstrói-se pelas cimalhas, arriscando-se a ficar nos andaimes altíssimos, luxuosamente armados. Os novos princípios que chegam não têm o abrigo de uma cultura, e ficam no ar, inúteis, como forças admiráveis, mas sem pontos de apoio; e tornam-se frases decorativas sem sentido, ou capazes de todos os sentidos; e reduzem-se a fórmulas irritantes de uma caturrice doutrinária inaturável; e acabam fazendo-se palavras, meras palavras, rijas, secas, desfibradas, disfarçando a pobreza com vestimenta dos mais pretensiosos maiúsculos do alfabeto.

- E a burocracia nacional, como vencê-la?
Monteiro Lobato: O governo que suprimir o Ministério da Agricultura e os casarões que ele ocupa, prestará ao Brasil um serviço tremendo. Um dia Nilo Peçanha, por capadoçagem, lembrou-se de criar aquilo – e nossas desgraças começaram. O parasita foi encorpando, foi emitindo tentáculos, foi imiscuindo-se em tudo – nas culturas, para atrapalhá-las, na criação de porcos, para burocratizá-la; na avicultura; na citricultura, na pomicultura; em tudo que diz respeito a extrair coisas do solo. A ‘assistência’ daquele parasitismo começava a embaraçá-lo seriamente. Depois a ‘assistência’ degenerou em ‘proteção’ – esse tremendo negócio de parasitas que acaba matando o parasitado.

- E o governo, como vai? E o presidente da República?
Monteiro Lobato: Os nossos estadistas dos últimos tempos positivamente pensam com outros órgãos que não o cérebro – com o calcanhar, com o cotovelo, com certos penduricalhos – raramente com os miolos. Daí o desmantelo cada vez maior da administração pública; daí a bancarrota, a miséria horrível do povo. A miséria é tanta em certas zonas, que a grande massa da população rural já está perdendo a forma humana.

Euclides da Cunha: O seu valor absoluto e individual reflete na história a anomalia algébrica das quantidades negativas: cresceu, prodigiosamente, à medida que prodigiosamente diminuiu a energia nacional. Subiu, sem se elevar – porque se lhe operara em torno uma depressão profunda. Destacou-se à frente de um país, sem avançar – porque era o Brasil quem recuava, abandonando o traçado superior das suas tradições…

- Temos uma elite política? E os nossos intelectuais, continuam em silêncio?
Monteiro Lobato: Somos um pântano com 40 milhões de rãs coaxantes, uma a botar culpa na outra do mal-estar que sentiam. Procuram soluções políticas, mudam a forma do governo, derrubam um imperador vitalício para experimentar imperantes quadrienais, fazem revoluções, entrematam-se, insultam-se, acusam-se de mil crimes, inventam que o pântano permanece pântano ‘porque há uma crise moral crônica’. O mal das rãs é julgar que sons resolvem problemas econômicos. Trocam o som ‘monarquia’ pelo som ‘república’, e trocam este som pelo ‘república nova’. Depois inventam sons inéditos – ‘reajustamento’, ‘congelados’, ‘integralismo’. O próprio das rãs é esse excessivo pendor musical, Querem sonoridades apenas. ‘Somos o maior país do mundo’. ‘Temos o maior rio do mundo’. ‘Nossas riquezas são inesgotáveis’, etc. Enchem o ar dessas músicas – e mandam o ministro da Fazenda correr Nova York e Londres de chapéu na mão a pedinchar dinheiro.

Euclides da Cunha: Apresentamos o quadro de uma desordem intelectual que, depois de refletir-se no disparatado de não sei quantas filosofias deceradas, nos impôs, na ordem política, a mais funesta dispersão de idéias, levando-nos aos saltos e ao acaso, do artificialismo da monarquia constitucional para a ilusão metafísica da soberania do povo ou para os exageros da ditadura científica. Para ainda agravescer a crise, os dois ideais da abolição e da República não requeriam mais as emoções estéticas. Resolvidos na ordem moral, estavam entregues à ação quase mecânica dos propagandistas. Estes precipitavam-nos com o desalinho característico da fase revolucionária das doutrinas, em que se conchavam as idéias e os paralelepípedos das ruas, e os melhores argumentos desfecham no desmantelo das barricadas investidas.

- E o povo brasileiro? O que devemos fazer? 
Euclides da Cunha: Este país é organicamente inviável. Deu o que podia dar: a escravidão, alguns atos de heroísmo amalucado, uma república hilariante e por fim o que aí está – a bandalheira sistematizada. O melhor serviço a prestar-se nesta terra, no atual momento, consiste sobretudo na seriedade, que é uma forma de heroísmo no meio deste enorme desabamento….

Monteiro Lobato: A pátria (permanece) sempre naquele eterno mutismo de peixe. A ilusão do brasileiro é um caso sério. O mundo já na era do rádio, e o Brasil ainda lasca pedra. Ainda é troglodita. O Brasil dorme. Daqui (dos Estados Unidos) se ouve o seu ressonar. Dorme e é completamente cego.

Por: Marco Antonio Villa  Professor de História do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (SP)   Este artigo saiu no Estadão (6 de agosto de 2006)

Livros utilizados para a construção deste diálogo fictício:
CAVALHEIRO, Edgard. Monteiro Lobato: vida e obra. São Paulo. Nacional. 1955. Volume 1.
CUNHA, Euclides da. Contrastes e confrontos. Rio de Janeiro. Record. 1975.
GALVÃO, Walnice N. e Oswaldo Galotti (orgs.). Correspondência de Euclides da Cunha. São Paulo. Edusp. 1997.
LOBATO, Monteiro. O escândalo do petróleo e Ferro. São Paulo. Brasiliense. 1959.

A VIRTUDE DAS "INEFICIÊNCIAS DE MERCADO"


O mercado é frequentemente, e muito corretamente, caracterizado como sendo um extraordinário 'solucionador de problemas'. Quando há regras claras e bem determinadas (como respeito à propriedade privada, liberdade de comércio e império da lei), indivíduos em busca de seus próprios interesses econômicos conseguem coordenar seus planos com os planos econômicos de outros indivíduos de maneira relativamente bem-sucedida, gerando uma ordem geral harmoniosa e dinâmica, na qual todos se beneficiam. E o principal: isso tudo ocorre sem que cada indivíduo esteja ciente — ou sem que seja necessário ele estar ciente — de como tudo acontece. É por isso que os economistas costumam dizer que os mercados são muito mais "sábios" do que uma única pessoa.

Porém, sou da opinião de que os mercados são mais importantes pelos problemas que eles "criam" do que pelos problemas que eles solucionam.

Em 1920, Ludwig von Mises explicou que um determinado indivíduo na sociedade só é capaz de planejar racionalmente — isto é, encontrar e utilizar os meios mais eficientes e menos custosos para se alcançar um determinado fim — se houver um sistema de preços de mercado que possam guiá-lo. Seria melhor, do ponto de vista deste indivíduo, construir uma ponte utilizando molibdênio ou utilizando aço? Ou talvez uma combinação de ambos? Ou será que ele deveria mesmo construir uma ponte em vez de investir em um serviço de balsas? Se estas questões já são difíceis o bastante em um mundo em que há preços de mercado, elas seriam impossíveis de ser respondidas caso não houvesse preços para o aço, o molibdênio e todos os tipos de insumos utilizados na construção de um determinado tipo de ponte (ou um determinado tipo de serviço de balsa).

É desta maneira que o sistema de preços — preços que surgem da livre transação de propriedade privada em um livre mercado — ajuda este indivíduo a solucionar não apenas o problema de como construir uma ponte, mas também, e principalmente, a questão sobre se tal ponte deve ou não ser construída. Com a ajuda dos preços de mercado, este indivíduo torna-se capaz, ao menos em princípio, de estimar quais os custos das várias alternativas a esta ponte. E aquela opção que gerar o maior lucro — aquela cujos benefícios esperados excedem os custos esperados pela maior margem — tenderá a ser também a mais eficiente (isto é, este indivíduo estará obtendo o mais alto retorno para seu investimento).

Aproximadamente 20 anos após o artigo de Mises, Friedrich Hayek explicou como estes preços criados pelo mercado permitem que um indivíduo imperfeitamente informado consiga coordenar seus planos em conjunto com um vasto de número de pessoas espalhadas pela economia global sem necessariamente saber como isso está ocorrendo. Se o preço da gasolina sobe, ninguém tem de dizer a este indivíduo para usar menos o seu carro, embora seja exatamente isso o que o aumento da escassez relativa da gasolina (fenômeno esse responsável pelo aumento do preço) esteja impondo.

Tomadas conjuntamente, as análises de Mises e Hayek sobre a economia de mercado aperfeiçoam enormemente a nossa ideia sobre o que Adam Smith, ainda no século XVIII, quis dizer ao se referir à "mão invisível". Considerando que o processo de coordenação, possibiltado pelos preços de mercado, é repetido continuamente para todos os bens e serviços produzidos em uma economia, fica fácil entender por que vários economistas se mostram impressionados com a capacidade do mercado de "espontaneamente" solucionar problemas.

Este processo de coordenação também joga uma luz sobre como as políticas governamentais — coletivistas ou apenas intervencionistas — que eliminam ou distorcem os preços do mercado tendem a tornar o mundo bem mais irregular, incerto e volúvel.

Por mais maravilhosa que a economia de mercado seja em solucionar problemas, de certa forma a verdadeira engenhosidade do processo de mercado está em como ele consegue chamar a atenção das pessoas para os problemas existentes. Para conseguir resolver um problema, você tem antes de estar ciente de que existe um problema. Esta, creio eu, foi a grande constatação que Israel Kirzner, ainda no início da década de 1970, ofereceu para o nosso entendimento do processo de mercado — mais especificamente, que o mercado é um processo de descoberta empreendedorial de erros.

Uma implicação desta constatação é que políticas governamentais que interfiram nos preços do mercado e solapem sua confiabilidade (a qual não pode ser perfeita) inevitavelmente farão com que a descoberta das ineficiências seja profundamente mais difícil e problemática. O solapamento dos preços de mercado é uma medida que obscurece o próprio significado da ineficiência.

A rigor, uma ineficiência existe quando, para uma dada pessoa em um dado tempo e em um dado local, o custo de uma ação supera seus benefícios. Vimos acima que, para calcular racionalmente custos e benefícios, você necessita da existência de preços para insumos e produtos — no exemplo, para aços e pontes. Logo, quando o governo ataca os direitos de propriedade, quando ele interfere no mercado, quando ele manipula os juros e a oferta monetária (e, com isso, distorce os preços), ele não apenas está fazendo com que seja mais difícil ser eficiente, como também está afetando a própria capacidade empreendedorial de se perceber as ineficiências.

Por exemplo, utilizando as regras da aritmética, é fácil ver que a afirmação 1 + 2 = 4 está errada. Mas o que podemos dizer sobre a afirmação _ + _ = _ ? Qual a solução deste "problema"? Há alguma solução? No livre mercado, são os preços que preenchem as lacunas; são eles que "criam erros". Ou seja, são eles que revelam erros que ninguém seria capaz de perceber caso inexistissem preços. E são estes erros que empreendedores alertas irão perceber e corrigir. Se os erros e as ineficiências permanecessem invisíveis, a busca por melhores maneiras de se fazer as coisas jamais ocorreria.

Uma economia sem ineficiências é uma em que o conhecimento é tão perfeito que ninguém comete erros. Ou é uma em que as políticas governamentais conseguiram com total eficácia abolir todas as possibilidades de ineficiência. Em um mundo de surpresa e descobrimento, de experimentos e inovações, a primeira opção é impossível; e a segunda, como Mises demonstrou há quase 100 anos, não apenas é impossível como também é intolerável.

Portanto, uma economia ativa e pujante tem de "criar" ineficiências. Várias ineficiências. São as ineficiências que possibilitam maiores eficiências e contínuas inovações. E é exatamente isso o que o processo de mercado faz a todo o momento. Ainda bem!


Sanford Ikeda é professor associado de economia no Purchase College, da State University of New York, e autor do livroThe Dynamics of the Mixed Economy: Toward a Theory of Interventionism.

sábado, 22 de março de 2014

O SOCIALISMO NA PRÁTICA - O LABORATÓRIO DA MORTE


Você sabe qual foi ou qual é o experimento socialista mais longevo da história do mundo? Você sabe qual foi o sucesso deste experimento?

Se alguém lhe pedisse para defender a ideia de que o socialismo fracassou, qual exemplo você forneceria?

Onde o formato moderno de socialismo começou?

Nos Estados Unidos.

É isso mesmo: na "terra da liberdade". Mais especificamente, nas reservas indígenas, sob o comando da Agência de Questões Indígenas, subordinada ao Ministério do Interior.

As reservas indígenas foram inventadas com o intuito de controlar combatentes adultos. Elas tinham como objetivo manter a população nativa pobre e impotente.

O sistema funcionou? Pode ter certeza.

O experimento tem se mostrado um fracasso? Muito pelo contrário, tem sido um sucesso total.

Quando foi a última vez que se ouviu a respeito de alguma insurreição dos índios americanos?

Eles são pobres? Os mais pobres dos EUA.

Eles recebem auxílios do governo americano? É claro que sim.

No ano passado, o Ministério da Agricultura dos EUA destinou US$21 milhões para subsidiar eletricidade para os moradores daquelas reservas indígenas cujas casas são as mais isoladas de empregos e oportunidades de trabalho. Você pode ler mais a respeito aqui. Como toda e qualquer medida assistencialista, esta é apenas mais uma para mantê-los continuamente pobres. Eletricidade tribal significa impotência tribal. 

As tribos são dependentes. Elas permanecerão dependentes. O programa foi criado exatamente para este objetivo.

Por alguma razão, os livros-textos de economia não oferecem sequer uma página relatando a corrupção, a burocratização e a pobreza multigeracional criadas por este socialismo tribal. Temos aqui uma série de exemplos de laboratórios sociais gerenciados pelo governo. Quão exitosos eles têm se mostrado? Onde estão as reservas que de maneira sistemática tiraram pessoas da pobreza?

A próxima será a primeira.

O paraíso dos trabalhadores

A União Soviética foi o paraíso socialista dos trabalhadores de 1917 a 1991. Como resultado direto deste experimento, pelo menos 30 milhões de russos morreram. Os números verdadeiros podem ser o dobro desta cifra. Já o experimento chinês foi mais curto: de 1949 a 1978. Talvez 60 milhões de chineses tenham morrido. Há quem fale em 100 milhões.

O sistema foi incapaz de fornecer os bens prometidos. Não consigo imaginar um tópico mais apropriado para se discutir em uma aula de economia do que o fracasso do socialismo. O mesmo é válido para um curso sobre a história do mundo moderno. Qualquer curso decente de ciência política deveria cobrir este fracasso em detalhes.

Mas isso não ocorre, é claro. Nenhum curso menciona o mais fundamental desafio já proposto à teoria econômica socialista, o ensaio de Ludwig von Mises, escrito em 1920, O cálculo econômico sob o socialismo. E por que não? Porque a maioria dos cientistas sociais, economistas e historiadores nunca ouviu falar desta obra. Entre aqueles com mais de 50 anos de idade, os poucos que já ouviram a respeito ouviram da boca de algum defensor do socialismo ou de algum entusiasta keynesiano, que apenas repetiu o que havia aprendido na sua pós-graduação: que tal ensaio havia sido totalmente refutado por Oskar Lange em 1936.

Mas o que eles nunca dizem é que, quando Lange, um devoto comunista, voltou à sua Polônia natal em 1947 para atuar no alto escalão da burocracia estatal, o governo comunista não pediu para que ele implementasse sua grande teoria do "socialismo de mercado". Com efeito, nenhum país socialista jamais implementou sua teoria.

Durante 50 anos, poucos livros-textos de economia mencionavam Mises. E, quando o faziam, era apenas para dizer que ele havia sido totalmente refutado por Lange. Os acadêmicos do establishment simplesmente jogaram Mises no buraco orwelliano da memória.

No dia 10 de setembro de 1990, o multimilionário escritor, economista e socialista Robert Heilbroner publicou um artigo na revista The New Yorker intitulado "Após o Comunismo". A URSS já estava em avançado processo de colapso. Neste artigo, Heilbroner recontou a história da refutação de Mises. Ele relata que, na pós-graduação, ele e seus pares foram ensinados que Lange havia refutado Mises. Porém, agora, ele anunciava: "Mises estava certo". No entanto, em seu best-seller, The Worldly Philosophers, um livro-texto sobre a história do pensamento econômico, ele em momento algum cita o nome de Mises.

Os fracassos visíveis

O fracasso universal do socialismo do século XX começou já nos primeiros meses após a tomada da Rússia por Lênin. A produção caiu acentuadamente. Ato contínuo, ele foi forçado a implementar um reforma marginalmente capitalista em 1920, a Nova Política Econômica (NEP). Ela salvou o regime do colapso. A NEP foi abolida por Stalin.

Durante as décadas seguintes, Stalin se entregou ao corriqueiro hábito de assassinar pessoas. A estimativa mínima é de 20 milhões de mortos. Tal prática era peremptoriamente negada por quase toda a intelligentsia do Ocidente. Foi somente em 1960 que Robert Conquest publicou seu monumental livro O Grande Terror — Os Expurgos de Stalin. Sua estimativa atual: algo em torno de 30 milhões. O livro foi escarnecido à época. O verbeteda Wikipédia sobre o livro é bem acurado.

Publicado durante a Guerra do Vietnã e durante um surto de marxismo revolucionário nas universidades ocidentais e nos círculos intelectuais, O Grande Terror foi agraciado com uma recepção extremamente hostil.



A hostilidade direcionada a Conquest por causa de seus relatos sobre os expurgos foi intensificada por mais dois fatores. O primeiro foi que ele se recusou a aceitar a versão apresentada pelo líder soviético Nikita Khrushchev, e apoiada por vários esquerdistas do Ocidente, de que Stalin e seus expurgos foram apenas uma "aberração", um desvio dos ideais da Revolução, e totalmente contrários aos princípios do leninismo. Conquest, por sua vez, argumentou que o stalinismo era uma "consequência natural" do sistema político totalitário criado por Lênin, embora reconhecesse que foram os traços característicos da personalidade de Stalin que haviam causado os horrores específicos do final da década de 1930. Sobre isso, Neal Ascherson observou: "Àquela altura, todos nós concordávamos que Stalin era um sujeito muito perverso e extremamente diabólico, mas ainda assim queríamos acreditar em Lênin; e Conquest disse que Lênin era tão mau quanto Stalin, e Stalin estava simplesmente levando adiante o programa de Lênin".



O segundo fator foi a ácida crítica de Conquest aos intelectuais ocidentais, os quais ele dizia sofrerem de cegueira ideológica quanto às realidades da União Soviética tanto durante a década de 1930 quanto, em alguns casos, até mesmo ainda durante a década de 1960. Personalidades da intelectualidade e da cultura da esquerda, como Sidney e Beatrice Webb, George Bernard Shaw, Jean-Paul Sartre, Walter Duranty, Sir Bernard Pares, Harold Laski, D.N. Pritt, Theodore Dreiser e Romain Rolland foram acusados de estúpidos a serviço de Stalin e apologistas de seu regime totalitário devido a vários comentários que fizeram negando, desculpando ou justificando vários aspectos dos expurgos.

A esquerda ainda odeia o livro, e continua até hoje tentando dizer que ele exagerou nos números e nos relatos.

E então veio o Livro Negro do Comunismo (1999), que coloca em 85 milhões a estimativa mínima de cidadãos executados pelos comunistas, deixando claro que cifras como 100 milhões ou mais são as mais prováveis. O livro foi escrito por esquerdistas franceses e publicado pela Harvard University Press, de modo que ele não pôde simplesmente ser repudiado como sendo apenas mais um panfleto direitista.

A esquerda até hoje tenta ignorá-lo.

O blefe dos cegos

A resposta da academia tem sido, até hoje, a de considerar todo o experimento soviético como algo que foi meramente mal orientado, algo que se desencaminhou, e não como algo inerentemente diabólico. O custo em termos de vidas humanas raramente é mencionado. Antes de 1991, era algo ainda mais raramente mencionado. Antes de Arquipélago Gulag (1973), de Solzhenitsyn, era considerado uma imperdoável falta de etiqueta um acadêmico fazer mais do que apenas mencionar muito discretamente e só de passagem toda a carnificina, devendo limitar qualquer crítica apenas aos expurgos do Partido Comunista comandados por Stalin no final da década de 1930, e praticamente quase nunca mencionar que a fome em massa havia sido adotada como uma política pública. "Ucrânia? Nunca ouvi falar." "Kulaks? O que são kulaks?"

A situação decrépita de todas as economias socialistas, do início ao fim, não é mencionada. Acima de tudo, não há nenhuma referência aos críticos do Ocidente que alertaram que estas economias eram vilarejos Potemkins em grande escala — cidades falsas criadas pelo governo para ludibriar os leais e românticos esquerdistas que iam à URSS ver o futuro. E eles voltavam para seus países com relatos entusiásticos e incandescentes.

Há um livro sobre estas ingênuas e crédulas almas, que foram totalmente trapaceadas: Political Pilgrims: Travels of Western Intellectuals to the Soviet Union, China, and Cuba, 1928-1978 de Paul Hollander. Foi publicado pela Oxford University Press em 1981. Foi ignorado pela intelligentsia por uma década.

A melhor descrição que já li sobre estas pessoas foi fornecida por Malcolm Muggeridge, que trabalhou no início da década de 1930 como repórter do The Guardian em Moscou. Tudo o que ele escrevia era censurado antes de ser enviado para a Inglaterra. E ele sabia disso. Ele não podia relatar a verdade, e o The Guardian não publicaria caso ele relatasse. Eis um trecho do volume 1 de sua autobiografia, Chronicles of Wasted Time.



Para os jornalistas estrangeiros que residiam em Moscou, a chegada de ilustres visitantes era também uma ocasião de gala, mas por uma razão diferente. Eles nos propiciavam nosso melhor — praticamente nosso único — momento de alívio cômico. Por exemplo, ouvir [George Bernard] Shaw, acompanhado de Lady Astor (que havia sido fotografada cortando o cabelo de Shaw), declarar que estava encantado por descobrir, em meio a um banquete fornecido pelo Partido Comunista, que não havia escassez de comida na URSS, era algo de imbatível efeito humorístico. Ou ouvir [Harold] Laski cantar glórias à nova Constituição Soviética de Stalin.

Jamais me esquecerei destes visitantes, e jamais deixarei de me assombrar com eles; de como eles discursavam pomposamente sobre as maravilhas do regime, de como eles iluminavam continuamente nossa escuridão, guiando, aconselhando e nos instruindo; em algumas ocasiões, momentaneamente confusos e envergonhados; mas sempre prontos para se reerguer, colocar seus capacetes de papelão, montar em seusRocinantes, e sair galopando mundo afora em novas incursões em nome dos pobres e oprimidos.

Eles são inquestionavelmente uma das maravilhas de nossa época, e irei guardar para sempre na memória, com grande estima, o espetáculo que era vê-los viajando com radiante otimismo até as regiões famintas do país, vagueando em bandos alegres por cidades esquálidas e sobrepovoadas, ouvindo com inabalável fé as insensatezes balbuciadas por guias cuidadosamente treinados e doutrinados, repetindo, assim como crianças de colégio repetem a tabuada, as falsas estatísticas e os estúpidos slogans que eram incessantemente entoados para eles.

Eis ali, pensava eu ao ver estas celebridades, um ardoroso burocrata de alguma repartição local da Liga das Nações, eis ali um devoto Quaker que já havia tomado chá com Gandhi, eis ali um feroz crítico das exigências de comprovação de renda para se tornar apto a receber programas assistenciais do governo, eis ali um ferrenho defensor da liberdade de expressão e dos direitos humanos, eis ali um indômito combatente da crueldade contra animais; eis ali meritórios e cicatrizados veteranos de centenas de batalhas em prol da verdade, da liberdade e da justiça — todos, todos eles cantando glórias a Stalin e à sua Ditadura do Proletariado. Era como se uma sociedade vegetariana se manifestasse apaixonadamente em defesa do canibalismo, ou como se Hitler houvesse sido indicado postumamente para o Prêmio Nobel da Paz.

Este fenômeno não acabou junto com a década de 1930. Ele perdurou até o último suspiro da farsa econômica criada pelos soviéticos. A falência intelectual e moral dos líderes intelectuais do Ocidente, algo que vinha sendo encoberto pela própria durabilidade do regime soviético, foi finalmente exposta em 1991, quando houve o reconhecimento mundial de que os regimes marxistas não apenas haviam falido economicamente, como também eram tiranias que o Ocidente havia aceitado como sendo uma alternativa válida para o capitalismo.

Não há exemplo melhor deste auto-engano intelectual do que o de Paul Samuelson, professor de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o primeiro americano a ganhar o Prêmio Nobel de economia (1970), ex-colunista da revista Newsweek, e autor daquele que é, de longe, o mais influente livro-texto de economia do mundo pós-guerra (1948 — presente): pelo menos 3 milhões de cópias vendidas em 31 idiomas distintos. Ele escreveu na edição de 1989 de seu livro-texto: "A economia soviética é a prova cabal de que, contrariamente àquilo em que muitos céticos haviam prematuramente acreditado, uma economia planificada socialista pode não apenas funcionar, como também prosperar."

Foi o economista Mark Skousen quem encontrou esta pérola. E ele também descobriu esta outra, ainda mais condenatória.

O experimento soviético

Em sua autobiografia, Felix Somary recorda uma discussão que ele havia tido com o economista Joseph Schumpeter e com o sociólogo Max Weber em 1918. Schumpeter foi um economista nascido na Áustria mas que não era da Escola Austríaca de economia. Mais tarde, ele viria a escrever a mais influente monografia sobre a história do pensamento econômico. Já Weber foi o mais prestigioso cientista social acadêmico do mundo até morrer em 1920.

Naquela ocasião, Schumpeter havia expressado alegria em relação à Revolução Russa. A URSS seria o primeiro exemplo prático de socialismo. Weber, por sua vez, alertou que o experimento geraria uma miséria incalculável. Schumpeter retrucou dizendo que "Pode ser que sim, mas seria um bom laboratório." E Weber respondeu: "Um laboratório entulhado de cadáveres humanos!". E Schumpeter retrucou: "Exatamente igual a qualquer sala de aula de anatomia".[1]

Schumpeter era um monstro em termos morais. Não vamos medir as palavras. Ele foi um homem altamente sofisticado, mas, no fundo, um monstro moral. Qualquer pessoa que menospreze a morte de milhões de pessoas desta forma é um monstro moral. Weber saiu extremamente irritado da sala. Não o culpo.

Weber morreu em 1920. Foi neste ano que Mises lançou seu ensaio, O cálculo econômico sob o socialismo. Weber o mencionou em uma nota de rodapé em sua obra-prima, publicada postumamente como Economia e Sociedade(página 107 na versão original). Weber compreendeu sua importância tão logo leu este ensaio. Já os economistas acadêmicos, não. Até hoje, há poucas referências a esta obra de Mises.

Mises explicou analiticamente por que o sistema socialista é irracional: não há um mercado para os bens de capital. Sendo assim, é impossível saber quanto cada coisa deveria custar. Ele disse que um sistema socialista inevitavelmente se degeneraria em uma dessas duas alternativas: ou ele iria abandonar seu compromisso com um planejamento total ou ele fracassaria por completo. Mises nunca foi perdoado por esta falta de etiqueta. Ele estava certo, e os intelectuais, errados. As sociedades socialistas entraram em colapso, com a exceção da Coréia do Norte e de Cuba. Pior ainda, ele se mostrou correto em termos de simples teoria de mercado, algo que qualquer pessoa inteligente podia entender. Exceto, aparentemente, os intelectuais do Ocidente. E este seu ensaio é um testemunho para os intelectuais do Ocidente: "Não há pessoas mais cegas do que aquelas que se recusam a enxergar."

A prova do pudim

Mises acreditava que a real prova do pudim está em sua fórmula. Se a pessoa que faz o pudim acrescentar sal em vez de açúcar, ele não será doce. Você nem precisa experimentá-lo para saber disso. Mas os acadêmicos estão oficialmente comprometidos a aceitar apenas coisas empíricas. Eles creem que uma teoria tem de ser confirmada por testes estatísticos. Mas os testes ocorreram durante décadas. As economias socialistas fracassavam seguidamente, mas divulgavam estatísticas falsificadas. E todos sabiam disso. Mas, mesmo assim, os intelectuais do Ocidente insistiam na crença de que o ideal socialista era moralmente sólido. Eles insistiam que os resultados iriam, no final, provar que a teoria estava certa.

Nikita Kruschev ficou famoso por haver dito isso a Nixon no famoso "debate da cozinha", em 1959. Ele era um burocrata que havia sobrevivido aos expurgos de Stalin por ter supervisionado o massacre de dezenas de milhares de pessoas na Ucrânia. Ele disse a Nixon: "Vamos enterrar vocês." Ele estava errado.

Estudantes universitários não são ensinados nem sobre a teoria do socialismo nem sobre a magnitude de seus fracassos. Nem economicamente nem demograficamente. Na era pré-1991, tal postura era mais fácil de ser mantida do que hoje. A intelligentsia hoje já admite que o capitalismo é mais produtivo que o socialismo. Sendo assim, a tática agora é dizer que o capitalismo é moralmente deficiente. Pior, que ele ignora a ecologia. Foi exatamente esta a estratégia recomendada por Heilbroner em seu artigo de 1990. Ele disse que os socialistas teriam de mudar de tática, parando de acusar o capitalismo de ineficiência e desperdício, e passar a acusá-lo de destruição ambiental.

Conclusão

A natureza abrangente do fracasso do socialismo não é ensinada nos livros-textos universitários. O tópico é atenuado e minimizado sempre que possível. Era mais fácil impor sanções contra qualquer um que se atrevesse a escrever em jornais acadêmicos ou na imprensa antes de 1991.

Deng Xiaoping anunciou sua versão da Nova Política Econômica de Lênin em 1978. Mas isso, na época, não ganhou muita publicidade.

Em 1991, a fortaleza soviética desmoronou. Gorbachev presidiu o último suspiro do regime em 1991. Ele recebeu da revista Time o título de "Personalidade da Década" em 1990. Em 1991, ele se tornou um ex-ditador desempregado. O socialismo fracassou — totalmente. Mas a intelligentsia ainda se recusa a aceitar a filosofia social de livre mercado de Mises, o homem que previu todas as falhas do socialismo e que forneceu todos os argumentos em prol de sua condenação universal.

É exatamente por isso que é uma boa ideia sempre prever o fracasso de políticas econômicas ruins em qualquer análise que se faça sobre elas. Poder dizer "Eu avisei que isso iria ocorrer, e também expliquei por quê" é uma postura superior e mais respeitável do que apenas dizer "Eu avisei".



[1] Felix Somary, The Raven of Zurich (New York: St. Martin's, 1986), p. 121.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seuwebsite

sexta-feira, 21 de março de 2014

EU SOU O DO POSTE

Agora que a poeira baixou, posso voltar ao assunto. Se visse aquele rapaz amarrado no poste com uma tranca de bicicleta, provavelmente eu o ajudaria. Daria a ele um pouco de água e ficaríamos conversando em voz baixa até a chegada da polícia. Qual o seu nome, rapaz? Quantos anos tem? Por que estava assaltando? Acredita em Deus? Ouviu falar em Jesus Cristo? Já olhou para o mar? Talvez rezássemos.


E não faria nada disso porque sou bonzinho. Sei que não passo de um pecador miserável. Conversaria com o rapaz só porque não consigo agir de outra maneira; porque meu pai me ensinou assim. Não posso ver ninguém sofrendo sem me lembrar de algo que aconteceu há muito tempo.

O Cristianismo existe para defendermos as vítimas, os fracos, os pobres, os solitários, os perdidos, os injustiçados. Por isso mesmo, foi igualmente vergonhoso o linchamento moral que se seguiu ao episódio do rapaz amarrado com a tranca da bicicleta. Para vingar o acontecimento, a militância eletrônica decidiu amarrar uma jornalista ao poste ideológico e violentá-la sem dó. A nenhum desses supostos indignados ocorreu que as pessoas podem ter amarrado o adolescente ao poste porque estavam com medo dele; porque não aguentavam mais ser assaltadas; porque ele é perigoso com as mãos livres.

Cristianismo não é coitadismo. Não se trata de criar uma legião de inimputáveis, isentos de qualquer responsabilidade e livres para reincidir no mal. Cristo diz: “Ame seus inimigos”. Mas nunca disse: “Não tenha inimigos”. Quem ama o bem deve odiar o mal com todas as forças.

Engana-se quem acha que a atitude cristã se encerra com o perdão; o perdão é só o começo. Ao pecador, não cabe apenas arrepender-se, mas também realizar uma completa mudança de vida, renegando e expiando todo o mal antes cometido. “Vai e não peques mais.”

Hoje em dia o filho pródigo volta a dilapidar os bens do pai; a mulher adúltera insiste em pecar de novo na primeira esquina; e os mensaleiros presos querem continuar mandando na gente. É dever de todo cristão perdoar aquele que erra não duas, mas 490 vezes. O problema é que os pecadores modernos apreciam a parte do perdão, mas rejeitam a parte da expiação.

O rapaz preso no poste voltou a cometer assaltos uma semana depois do episódio. Quando vieram prendê-lo, ele disse: “Eu sou o do poste! Eu sou o do poste!” Lembrei-me do mensaleiro que, ao ser preso na Itália, evocou o nome do irmão e de um companheiro petista mortos: “Eu sou o Celso! Eu sou o Celso!” No Brasil, hoje estamos todos amarrados àquele poste. E o nome do poste é mentira.
Por: Paulo Briguet é jornalista e edita o blog Com o Perdão da Palavra. 
Do site: http://www.midiasemmascara.org/

quinta-feira, 20 de março de 2014

A MOBILIZAÇÃO PARA A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL

Os russos acreditam que o balanço do poder mudou a seu favor, e portanto podem agir impunemente.


“O intolerante e ciumento olho do Kremlin no final das contas pode apenas distinguir entre vassalos e inimigos. Se um país não desejar ser este, deve se reconciliar e tornar-se aquele”.
George F. Kennan
Comecei esta série de comentários dia 20 de janeiro com o artigo “Previsões para a Terceira Guerra Mundial”. Naquele primeiro texto, eu relatei como um conhecido grupo de astrólogos, xamãs e parapsicólogos russos previram o início da Terceira Guerra Mundial para março de 2014. E aqui estamos próximos ao início de uma séria crise que pode facilmente escalar para uma guerra mundial. Um leitor do meu blog recentemente observou: “Ou essa coisa escapou do controle de Moscou ou Moscou tem planos muito maiores no horizonte”.

Sim, as coisas escaparam do controle russo e planos maiores estão no horizonte. Isso é óbvio na invasão militar russa na Criméia. A esta altura, por que o Kremlin deveria se preocupar com uma demonstração aberta de violência contra os povos inocentes? O balanço militar já pendeu a favor da Rússia, porquanto a China está se preparando para a guerra contra o Japão no extremo oriente. Além disso, nossa prontidão militar [N.T.: dos EUA, país do autor] não está como deveria. (v. O fim do domínio militar americano: Hagel anuncia profundos cortes orçamentários para a defesa, incluindo aeronaves, navios, tropas e armas)
A América tem lutado uma guerra contra o terrorismo nos últimos doze anos. Ficamos distraídos e sem rumo. Nossa política militar passou longe de se preparar contra um grande adversário e, sendo assim, não estamos prontos. Além disso, que país europeu está preparado para enfrentar a Rússia? Apenas a Ucrânia está se preparando para lutar, e ela está em um patamar militar desesperadamente inferior.

O famoso desertor da KGB, Anatoliy Golitsyn, alertou para a estratégia de longo prazo de Moscou em 1984: “A dialética dessa ofensiva consiste em uma mudança calculada da velha e desacreditada prática soviética para um novo e ‘liberalizado’ modelo, com uma fachada social-democrata, com o objetivo de realizar a estratégia dos planejadores comunistas de estabelecer uma ‘Europa Unida’. No início, eles apresentariam uma variação da “democratização” checoslovaca de 1968. Numa fase posterior, mudarão para uma variação da encampação da Checoslováquia em 1948.” [in New Lies for Old. Em português Novas Mentiras no Lugar das Velhas: A Estratégia Comunista de Dissimulação e Desinformação].

Parece que estamos próximos dessa fase posterior. Os estrategistas em Moscou sabem que a revolta na Ucrânia deve ser colocada abaixo, independentemente do que venha a pensar o mundo. Os russos acreditam que o balanço do poder mudou a seu favor, e portanto podem agir impunemente. Evidentemente eles estão temerosos de que haja um “grande deslindar” da estratégia deles se eles não pegarem pesado com Kiev. Além da propaganda russa, aqueles que dizem que o Ocidente está por trás da liberdade ucraniana não conhecem o Ocidente e não conhecem a Ucrânia. O pior nessa incompreensão é que ela traz consigo um menosprezo à coragem e à articulação política dos patriotas ucranianos. Os melhores dentre eles sabem que não pode haver plena liberdade na Ucrânia sem haver liberdade na Rússia.

A verdadeira luta então é política. A verdadeira luta é pelo coração da Rússia. Os criminosos que governam a Rússia sobreviveram cometendo assassinatos. Eles perderão o poder apenas quando o povo russo estiver totalmente acordado. Aleksandr Solzhenitsyn disse uma vez que o caminho do assassinato é o caminho da mentira. Agora, então, estamos vendo os assassinos trabalhando e estamos a observar um desfile de mentiras. Veja com atenção se a mídia ocidental irá associar a causa patriótica ucraniana ao antissemitismo. Essa também é a retórica de um país que está se preparando para esmagar a Ucrânia.

E sim, o perigo de guerra é crescente. De acordo com oficiais ucranianos, as tropas russas já ocuparam a Crimeia. A manchete da Fox News diz: Ucrânia acusa Rússia de ‘invasão militar’ após homens armados tomarem aeroportos. Embora oficiais russos neguem ou mesmo se recusem a comentar quando questionados sobre a invasão, o Ministro do Interior ucraniano Arsen Avakov declarou publicamente: “Só posso descrever isso como uma invasão militar de ocupação”. De acordo com a CNN, a Ucrânia mobiliza tropas após a ‘declaração de guerra’ da Rússia: “Kiev mobilizou tropas e convocou os militares da reserva em uma rápida escalada da crise que suscitou o temor de um conflito”.

Enquanto isso, a 20ª e a 48ª divisões do exército russo se preparam para invadir o leste ucraniano. Ao mesmo tempo, o Secretário de Estado John Kerry viajou para Kiev e afirmou que potências estrangeiras estão considerando sanções econômicas à Rússia. “Todas elas”, disse Kerry. “Cada uma delas está preparada para tomar medidas extremas para isolar a Rússia no que diz respeito a essa invasão. Elas estão preparadas para levar as sanções a cabo e estão preparadas para isolar a Rússia economicamente”, completou.

Não nos apressemos, contudo. Há de se considerar as muitas cartas a serem jogadas pela Rússia: as tropas americanas dependem da Rússia para manter sua linha de suprimentos no Afeganistão. A Alemanha depende do gás natural russo para aquecimento no inverno. Sanções podem não ser uma solução prática. E também há a China no front. Em janeiro, o vice-Ministro da Defesa russo Pavel Popov alertou que uma guerra no Pacífico envolvendo EUA, Japão e China estava “a algumas semanas de distância”.

Não se pode descartar uma ofensiva maciça e coordenada pela Rússia e pela China, ou uma escalada de ‘terrorismo cinza’[1] com um ataque nuclear em Nova York. Qualquer movimento nesse aspecto é digno de mencionar. É difícil dizer exatamente qual será a jogada.

Terminarei com uma citação de Golitsyn: “Daqui a não muito tempo, os estrategistas comunistas podem ficar persuadidos de que a balança pendeu irreversivelmente a seu favor. Nesse caso, eles podem decidir pela ‘reconciliação’ sino-soviética. A estratégia da tesoura daria lugar à estratégia ‘de um só punho fechado’. Nesse ponto, a mudança na balança político-militar seria evidente para todos.”

 N.T.: O ‘terrorismo cinza’, conforme apontado pelo próprio Nyquist em outra ocasião, é uma tática descrita pelo desertor do serviço de inteligência militar soviético russo (GRU), Viktor Suvorov, no 15º capítulo do livroSpetsnaz: A história secreta por trás da força especial russa. Nessa tática, leva-se a cabo “uma série de operações terroristas de pequeno e grande porte com o propósito de, antes de a ação militar começar, enfraquecer a moral inimiga criando uma atmosfera de suspeita, medo e incerteza, além de desviar a atenção do exército e da polícia inimiga para um vasto e variado número de alvos”. De acordo com Suvorov: “O principal método aplicado nesse estágio é o ‘terrorismo cinza’”. Trata-se de um tipo de terrorismo que é levado a cabo “em nome de grupos extremistas já existentes e não necessariamente conectados à União Soviética ou em nome de organizações fictícias”. POR JEFFREY NYQUIST http://www.jrnyquist.com/

Tradução: Leonildo Trombela Junior Do Site: http://www.midiasemmascara.org/


COMO A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA CAUSA DESEMPREGO


Para os brasileiros, ainda não "caiu a ficha" de que o mundo está em uma corrida desenvolvimentista no qual o trabalho é visto como um fator de produção estratégico.


O que trago na figura acima é um aviso postado por um dos maiores supermercados de Belém, que avisa não ser mais possível deslocar funcionários do estabelecimento para carregarem as compras de seus clientes até suas residências, devido a quê? À legislação trabalhista!

Stálin foi um entusiasmado promotor dos direitos trabalhistas. Claro, não na União Soviética, mas fora dela, à maneira como hoje os direitos dos trabalhadores são inexistentes em Cuba, Coréia do Norte, Vietnã, Camboja e China. 

O atroz ditador soviético jamais pensou no bem-estar dos trabalhadores dos países democráticos, especialmente dos Estados Unidos e Europa, mas via nisso uma estratégia para desestabilizar a economia de seus rivais.

Estamos agora em 2014, e temos visto o quanto sua mente voltada para o mal era eficaz! A Europa vive em crise permanente, os Estados Unidos transformaram-se no maior exportador de empregos do planeta, e o Brasil, solo fértil para tudo quanto é doutrina que não preste, é uma galinha enlouquecida pela gripe aviária que corre pelo galinheiro batendo as asas e cacarejando anunciando ser um falcão. 

Por que é proibido? Vá lá saber. O fato é que perdem o supermercado, pois entregar as compras nas casas dos clientes funcionava como uma eficiente medida para conquistar fidelidade; perdem os clientes, especialmente os idosos e os que não possuem automóvel; perdem os funcionários que efetuavam as compras, pelas gorjetas que vão minguar; e perdem os desempregados, porque o supermercado, tendo seus funcionários mantidos no estabelecimento, não necessitará de outros para substituí-los enquanto estavam fora, realizando as entregas. 

Oportunamente, vocês sabem por quê os shopping centers abrem às 10h00min e não às 08h0min? Porque são dois os turnos de trabalho: de 10h00min às16h00min, e de 16h00min às 22h00min. Então, algo que poderia render mais vendas, mais salários e maior bem estar à população - abrir duas horas mais cedo - o que poderia ser resolvido meramente com o acerto de mútuo acordo entre empregadores e empregados - é impossibilitado pela CLT, um verdadeiro e intransponível muro das proibições.

Para os brasileiros, ainda não "caiu a ficha" de que o mundo está em uma corrida desenvolvimentista no qual o trabalho é visto como um fator de produção estratégico. Em visitas que fiz a outros países, como Coréia do Sul e Taiwan, pude contemplar os cidadãos intensamente envolvidos com o trabalho e o estudo pra valer (e não ficar aprendendo luta de classes e viadagem, como acontece aqui...). 

A legislação trabalhista brasileira causa desemprego, castra as oportunidades de negócios e provoca uma diminuição da qualidade de vida dos cidadãos. Todo mundo sai perdendo. 

Por:  KLAUBER CRISTOFEN PIRES  Do site: ://libertatum.blogspot.com.br/


quarta-feira, 19 de março de 2014

A ECONOMIA DA HIENA

De que se ri o animalzinho? - pergunta o cidadão, na velha piada, ao saber da parcimônia sexual e das preferências gastronômicas da hiena. A mesma perplexidade é inevitável diante da aparente alegria de tantos analistas ao conhecer os números da economia nacional em 2013. O miserável aumento de 2,3% do produto interno bruto (PIB) foi descrito como surpreendente. O crescimento de 0,7% no trimestre final quase foi celebrado como o início de uma era de expansão chinesa. Dois argumentos foram usados para justificar a comemoração. Projetado para um ano, aquele resultado trimestral equivale a 2,8%, lembrou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O outro argumento, um pouco mais complicado, aponta o esperado efeito de carry over, ou carregamento. Se a expansão econômica for nula nos primeiros três meses deste ano, será pelo menos mantido o patamar alcançado no trimestre anterior. Daí a necessidade, segundo os mais entusiasmados, de uma revisão das projeções para 2014. Na semana passada, a mediana das projeções coletadas para o boletim Focus, do Banco Central (BC), havia ficado em 1,87%.


Essa alegria é mais preocupante que os números ainda muito ruins das contas nacionais. Com um pouco de juízo e medidas certas pode-se fazer a produção crescer muito mais que nos últimos três anos, quando a média ficou em vergonhosos 2%. Mas o problema se complica sensivelmente quando as pessoas começam a encarar como normal um desempenho pífio, muito abaixo das possibilidades do País, e a festejar pequenas melhoras.

Quem aceita esse padrão de normalidade passa a raciocinar dentro dos limites da política econômica em vigor nos últimos anos. Passa a falar a linguagem do ministro da Fazenda e a aceitar como razoáveis seus critérios de avaliação. Uma coisa é destacar, por seu efeito estatístico, a expansão de 6,3% do investimento em capital fixo. Outra, muito diferente, é apontar esse número como algo extraordinário. Só se entusiasma quem esquece dois fatos bem conhecidos e, de toda forma, indicados com clareza nas contas publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nem um estrangeiro se enganaria ao ver esses números.

Em primeiro lugar, o investimento 6,3% maior que o de 2012 ocorreu depois de uma queda de 4%, detalhe aparentemente esquecido ou negligenciado por muita gente. Em termos de volume, ficou pouco acima, portanto, do registrado em 2011. Em outras palavras, a formação bruta de capital fixo ficou praticamente estagnada ao longo de dois anos.

Em segundo lugar, a taxa de investimento passou de 18,2% do PIB em 2012 para 18,4% em 2013, muito inferior aos padrões dos emergentes e ainda abaixo do pico de 19,5%, registrado em 2010. O nível de 24%, já alcançado por alguns sul-americanos, será atingido até 2020, prometeu o animado ministro da Fazenda.

A estagnação da indústria está refletida tanto no crescimento do setor, 1,3%, quanto nas contas externas. As exportações de bens e serviços aumentaram 2,5%, em termos reais, enquanto as importações cresceram 8,4%. A piora das contas externas já era conhecida. O déficit em conta corrente passou de US$ 54,25 bilhões em 2012 (2,41% do PIB) para US$ 81,37 bilhões em 2013 (3,66% do PIB). A deterioração do balanço de pagamentos é explicável principalmente pela erosão da conta de mercadorias. Essa conta continua em mau estado.

Entre o começo do ano e a terceira semana de fevereiro o País acumulou um déficit comercial de US$ 6,75 bilhões. As vendas ao exterior, US$ 26,91 bilhões, foram 3,7% menores que as de um ano antes, pela média diária, e as importações, US$ 33,65 bilhões, 0,6% maiores, pelo mesmo critério.

Mais uma vez, em 2014 o saldo comercial dependerá do amplo superávit obtido com as commodities, principalmente do agronegócio. A julgar pelos dados até agora conhecidos, dificilmente a indústria será muito mais competitiva, nos próximos meses, do que tem sido nos últimos cinco ou seis anos. As importações começaram a crescer mais velozmente que as exportações antes da crise de 2008. O problema, na época, já era o enfraquecimento da indústria diante dos concorrentes estrangeiros. Afinal, o famigerado custo Brasil já estava na pauta desde muitos anos e nada se havia feito para torná-lo mais suportável. Enquanto a discussão se prolongava sem resultado, o problema se tornava mais grave e a economia nacional ficava menos eficiente e menos capaz de produzir de forma competitiva.

O mau uso do dinheiro público, o desajuste fiscal e a inflação elevada são componentes desse quadro de baixa produtividade, mas há pouco estímulo para o governo cuidar seriamente de qualquer desses problemas. Há oposição à alta dos juros, apesar da inflação resistente e ainda muito elevada. Até a meta fiscal anunciada há poucos dias foi criticada, como se o governo estivesse empenhado, com sua modesta exibição de austeridade, em matar o crescimento.

Há alguns anos o economista Mohamed El-Erian, então um dos chefões do Pimco, um dos maiores fundos de investimento, criou, juntamente com seu colega Bill Gross, a expressão "novo normal", para descrever o padrão observado desde o começo da crise: crescimento baixo, desemprego alto e juros próximos de zero no mundo rico. No Brasil, a reação de muitos analistas aos números pífios de 2013 parece indicar a consolidação de uma nova normalidade econômica. Mas, neste caso, o crescimento baixo é combinado com inflação alta e resistente e contas públicas precárias. Junta-se a isso uma baixíssima disposição para cuidar de problemas bem conhecidos, mas nunca atacados para valer. Nesse quadro, incentivos parciais e de pouco efeito para o crescimento acabam valendo mais que mudanças de grande alcance. Reformas para tornar a economia mais eficiente são complicadas e tomam tempo. Para que esperar? Nesse novo normal, menos e menos pessoas, a cada dia, acharão estranha a satisfação da hiena.
Por: ROLF KUNTZ - Plublicado em O Estado de S.Paulo





FORA DO ARMÁRIO

Como num conto de Machado de Assis, "O Cônego ou Metafísica do Estilo" (leiam), substantivo e adjetivo –que Machado batiza de "Sílvio" e "Sílvia"– já haviam se enlaçado na minha cachola e deveriam estar agora na tela e no papel. Classificavam Gilberto Carvalho de agente sabotador do governo Dilma a serviço de Lula. Sílvio e Sílvia sabem que a presidente detesta Carvalho, no que é correspondida. Terão de esperar. Algo mais urgente se alevantou: Luís Roberto Barroso, a esfinge sem segredos do STF.


Não me lembro de nada tão grotesco no tribunal. O ministro decidiu ser o Catão da política, exacerbando a retórica moralista para cobrar uma reforma que barateie as campanhas eleitorais, lamentar a inércia dos políticos, afirmar que o idealismo se converteu em argentarismo, fustigar o "abominável espetáculo de hipocrisia" em que "todos apontam o dedo contra todos, mas mantêm "seus cadáveres no armário"... Pego carona na metáfora. Barroso saiu do armário e disse o que pensa sobre o mensalão: apenas "recursos não contabilizados" de campanha, como disse Delúbio Soares. Apesar do complexo de Schopenhauer, ele é só um Delúbio com toga, glacê e fricotes retóricos.

A fala ignora a essência golpista do mensalão. O que o foragido Henrique Pizzolato, por exemplo, tem a ver com custo de campanha? Parte do dinheiro que comprava partidos e políticos era público. Como numa peça de Gil Vicente, o ministro acusou Todo Mundo para não punir Ninguém. Nome do espetáculo: "A Farsa de Barroso". E a peroração assombrosa foi condizente com a sordidez do prólogo.

Um das coisas exóticas que já fiz na vida foi ter lido o livro "O Novo Direito Constitucional Brasileiro", de Barroso. Ele nos conta, entre ligeirezas, que era tal a sua ignorância da ritualística do processo penal que teve de indagar a um repórter desta Folha o que deveria fazer com o alvará de soltura do terrorista Cesare Battisti. Eu teria respondido.

Apelando a um procedimento descabido no julgamento de embargos infringentes –a Preliminar de Mérito–, o ministro resolveu pegar carona numa conta extravagante de Teori Zavascki –fruto de uma disciplina em voga chamada "direito criativo"–, e refazer a dosimetria, o que lhe era vedado nesta fase do processo, para declarar a prescrição da pena por quadrilha. A escolha era tão esdrúxula que, para que triunfasse, os ministros que antes absolveram teriam de condenar, mas com mansidão, para que, então, se declarasse a prescrição. Impossível, como sabe qualquer estudante no nível "massinha 1" de direito.

Com qual propósito? Barroso queria livrar a cara da turma, mas sem ficar com a pecha de salva-mensaleiro. Deve ter sido uma das maiores batatadas da história da corte. Flagrado, teve de refazer o seu voto e admitir, desenxabido, que estava inocentando todo mundo do crime de quadrilha.

Ainda que a ignorância fosse culposa, a argumentação foi tecnicamente dolosa. Segundo disse, na primeira votação, seus pares usaram a dosimetria para evitar a prescrição e agravar o regime inicial de cumprimento das penas. Essa é a posição oficial do PT, expressa em vários documentos. Joaquim Barbosa indagou se seu voto já estava pronto antes de se tornar ministro. Barroso havia ofendido o tribunal primeiro. Nota: Natan Donadon foi condenado por crime de quadrilha no desvio de R$ 8,4 milhões da Assembleia de Rondônia. Um bando que atua em escala nacional e que desviou R$ 73,8 milhões só do Fundo Visanet foi absolvido. Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli condenaram Donadon, mas absolveram os mensaleiros. Padre Vieira escreveu que o roubar pouco faz os piratas; o roubar muito, os Alexandres Magnos.

Ao ler o livro de Barroso, a gente entende que, para ele, a pressão de minorias organizadas, desde que "progressistas" –isto é, de esquerda–, tem mais valor do que a letra da lei. Os nossos bolivarianos estão saindo do armário.

Ficam para outra coluna os apelos de Sílvia e Sílvio.
Por: Reinaldo Azevedo Publicado na Folha de SP

terça-feira, 18 de março de 2014

SOCIOLOGIA DO ATEÍSMO

Semanas atrás, escrevi nesta coluna ("Quem Herdará a Terra?") sobre uma disciplina chamada demografia das religiões. A tese do autor em questão, Eric Kaufmann, é que os seculares têm muitas ideias, mas têm poucos filhos, e por isso em breve o Ocidente perderá em muito seu perfil secular.

Mesmo aqueles seculares que adotam a teoria da seleção natural de Darwin como visão de mundo, adotam-na apenas na teoria, porque na prática não o fazem: seleção natural, no limite, é reprodução; quem não reproduz desaparece. E as mulheres seculares são inférteis por conta dos valores individualistas que carregam.

Recebi muitos e-mails (não imaginei que esse assunto seria um blockbuster) e alguns me chamaram a atenção para um fato interessante: os ateus (que não são a mesma coisa que os seculares, porque posso crer numa inteligência organizadora do universo e não crer que ela seja Jesus ou similar, e viver sem referência a qualquer código religioso) creem firmemente que dominarão o mundo por meio da educação, das ciências e da tecnologia. Podem estar bem errados.

O ateísmo vem muitas vezes acompanhado de uma crença num processo histórico inexorável em direção ao ateísmo universal, uma vez dadas "educação e cultura" para todos. Esquece, esta querida tribo, que as pessoas, sim, fazem escolhas baseadas em modos distintos de valorar a vida e seus sucessos, e que, sim, muitas comunidades religiosas usam ciência e tecnologias da informação ao seu favor e com grande habilidade.

Antes de tudo, é importante reconhecer que a sociologia do ateísmo, sim, pode nos fazer crer, em alguma medida, que há uma relação entre alta formação cultural, boa educação universitária e "ateísmo orgânico", aquele tipo de ateísmo a que você chega por meio da escolha livre -e não porque algum regime totalitário (como o de Cuba) ou pais autoritários proíbem você de crer em Deus ou similar.

Mas o tema transcende essa teoria e é por demais importante para ser pego nas redes de "pregações" disso ou daquilo, pelo menos para quem acredita que a sociedade secular deve ser cuidada, mas não iludida com seus próprios fantasmas de sucesso no futuro.

Vejamos alguns dados dos pesquisadores Norris, Inglehart, Davie, Greeley, Bondenson e Peterson. Peguemos países estatisticamente apontados como possuidores de alta percentagem de ateus orgânicos da Europa ocidental:

Suécia: em 1999, 85% se diziam ateus; em 2001, 69%; em 2003, 74%; em 2004, 64%. De 1999 até 2004 há uma variação para baixo dos ateus assumidos.

Dinamarca: em 2000, 80% se diziam ateus; em 2003, 43%, e em 2004, 48%. Ainda que tenha havido um pequeno crescimento entre 2003 e 2004, a queda entre 2000 e 2004 é evidente.

Noruega: em 2000, 72% se diziam ateus; em 2003, entre 54% e 41%; em 2004, 31%. Também queda.

Finlândia: em 2000, 60% se diziam ateus; em 2001, 41%; em 2004, 28%. Também vemos uma redução dos ateus assumidos.

Entretanto, sabemos que pesquisas nem sempre são precisas e que seus métodos variam e, portanto, seus resultados podem não ser tão autoevidentes.

Esses países têm visto um número crescente de grupos cristãos fundamentalistas, mas o importante é entender que esse crescimento se dá, diferentemente do caso dos EUA, ainda sob grande discrição. Sem ruídos, mas com determinação.

O caso dos luteranos laestadianos finlandeses (comunidade luterana fundamentalista na vila de Larsmö) é de chamar a atenção.

A relação entre a fertilidade de suas mulheres e a das finlandesas seculares é a seguinte, respectivamente: 1940, dois bebês contra um; 1960, três bebês contra um; 1980, quatro bebês contra um. Em 1985, a taxa de fertilidade de cada grupo era 5,47 para as fundamentalistas e 1,45 para as seculares.

A maioria das instâncias de razão pública (tribunais, universidades, escolas, mídia) é, ainda, tomada por seculares. Isso nos faz pensar que o mundo é "nossa bolha".

Veja que, no Brasil, nem o poderoso movimento gay conseguiu derrubar o pastor Feliciano. O "lifestyle" individualista secular é autocentrado e dado a "causas do Face", e por isso não tem defesa contra mulheres férteis e homens determinados.
Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

segunda-feira, 17 de março de 2014

SOCIALISMO É BARBÁRIE

Se eu pregar que todos que discordam de mim devem morrer ou ficarem trancados em casa com medo, eu sou um genocida que usa o nome da política como desculpa para genocídio. No século 20, a maioria dos assassinos em massa fez isso.


O Brasil, sim, precisa de política. Não se resolve o drama que estamos vivendo com polícia apenas. Mas me desespera ver que estamos na pré-história discutindo ideias do "século passado". Tem gente que ainda relaciona "socialismo e liberdade", como se a experiência histórica não provasse o contrário. Parece papo das assembleias da PUC do passado, manipuladoras e autoritárias, como sempre.

O ditador socialista Maduro está espancando gente contra o socialismo nas ruas da Venezuela. Ele pode? Alguns setores do pensamento político brasileiro são mesmo atrasados, e querem que pensemos que a esquerda representa a liberdade. Mentira.

A maioria de nós, pelo menos quem é responsável pelo seu sustento e da sua família, não concorda com o socialismo autoritário que a "nova" esquerda atual quer impor ao país. A esquerda é totalitária. Quer nos convencer que não, mas mente. Basta ver como reage ao encontrar gente inteligente que não tem medo dela.

Ninguém precisa da esquerda para fazer uma sociedade ser menos terrível, basta que os políticos sejam menos corruptos (os da esquerda quase todos foram e são), que técnicos competentes cuidem da gestão pública e que a economia seja deixada em paz, porque nós somos a economia, cada vez que saímos de casa para gerar nosso sustento.

Ela, a esquerda, constrói para si a imagem de "humanista", de superioridade moral, e de que quem discorda dela o faz porque é mau. Ela está em pânico porque estava acostumada a dominar o debate público tido como "inteligente" e agora está sendo obrigada a conviver com gente tão preparada quanto ela (ou mais), que leu tanto quanto ela, que escreve tanto quanto ela, que conhece seus cacoetes intelectuais, e sua história assassina e autoritária.

Professores pautados por esta mentira filosófica chamada socialismo mentem para os alunos sobre história e perseguem colegas, fechando o mercado de trabalho, se definindo como os arautos da justiça, do bem e do belo.

A esquerda nunca entendeu de gente real, mas facilmente ganha os mais fragilizados com seu discurso mentiroso e sedutor, afirmando que, sim, a vida pode ser garantida e que, sim, a sobrevivência virá facilmente se você crer em seus ideólogos defensores da "violência criadora".

Ela sempre foi especialista em tornar as pessoas dependentes, ressentidas, iludidas e incapazes de cuidar da sua própria vida. Ela ama a preguiça, a inveja e a censura.

Recomendo a leitura do best-seller mundial, recém publicado no Brasil pela editora Agir, "O Livro Politicamente Incorreto da Esquerda e do Socialismo", escrito pelo professor Kevin D. Williamson, do King's College, de Nova York. Esta pérola que desmente todas as "virtudes" que muita gente atrasada ou mal-intencionada no Brasil está tentando nos fazer acreditar mostra detalhes de como o socialismo impregnou sociedades como a americana, degradou o meio ambiente, é militarista (Fidel, Chávez, Maduro), e não deu certo nem na Suécia. O socialismo é um "truque" de gente mau-caráter.

As pessoas, sim, estão insatisfeitas com o modo como a vida pública no Brasil tem sido maltratada. Mas isso não faz delas seguidores de intelectuais e artistas chiques da zona oeste de São Paulo ou da zona sul do Rio de Janeiro.

A tragédia política no Brasil está inclusive no fato de que inexistem opções partidárias que não sejam fisiológicas ou autoritárias do espectro socialista. Nas próximas eleições teremos poucas esperanças contra a desilusão geral do país.

E grande parte da intelligentsia que deveria dar essas opções está cooptada pela falácia socialista, levando o país à beira de uma virada para a pré-história política, fingindo que são vanguarda política. O socialismo é tão pré-histórico quanto a escravatura.

Mas a esquerda não detém mais o monopólio do pensamento público no Brasil. Não temos mais medo dela. Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP