sábado, 12 de abril de 2014

O QUE HOUVE COM OS RICAÇOS DA DÉCADA DE 1980?

Um dos erros mais frequentemente encontrados na maioria das análises ideologizadas da ciência econômica é aquele que pressupõe uma visão estática da riqueza. Quem pensa que a riqueza é estática cai no erro de considerar que, quando uma pessoa se torna rica, ela e seus herdeiros serão ricos — e cada vez mais ricos — para sempre.

Não é necessário ir muito longe para encontrar um exemplo recente deste erro. O economista Thomas Piketty, bastante em voga nestes tempos de demonização dos ricos, demonstra em seu deliciosamente equivocado livroCapital no Século XXI — o qual, obviamente, foi muito elogiado por Paul Krugman — que é muito provável que exista uma tendência dentro do capitalismo de que a rentabilidade do capital se situe acima da taxa de crescimento da economia, o que significa que a classe capitalista irá se apropriar de uma fatia cada vez maior da renda nacional, agravando as desigualdades sociais.

Pior ainda: Piketty também considera provável que os mais ricos dentro da classe capitalista tenham maiores facilidades para obter uma taxa de retorno superior àquela conseguida pelos capitalistas de menor dimensão, o que agravaria esse "curso natural" do capitalismo de fazer com que os super-ricos (e seus herdeiros) se apropriem de fatias crescentes da riqueza total.

Para demonstrar sua teoria, Piketty recorre ao ranking de bilionários elaborado anualmente pela revista Forbes e chega à seguinte conclusão: se agregarmos toda a riqueza possuída pela centésima milionésima parte da população mundial adulta em 1987 (ou seja, as 30 pessoas mais ricas do mundo em 1987) e compararmos esta riqueza à riqueza da centésima milionésima parte da população mundial adulta de 2010 (ou seja, as 45 pessoas mais ricas do mundo), chegaremos à conclusão de que esta riqueza cresceu a uma taxa média real anual de 6,8% (já descontada a inflação). Isso é o triplo do crescimento médio anual do conjunto da riqueza mundial (2,1%).

Os super-ricos, portanto, estão cada vez mais ricos, segundo Piketty. E estão mais ricos não por causa de sua exitosa gestão empresarial, mas simplesmente porque acumularam uma enorme quantidade de riqueza que é capaz de se auto-reproduzir como se estivesse no piloto automático. 

Como diz o próprio Piketty em seu livro: "Uma das lições mais impactantes do ranking da Forbes é que, a partir de um determinado valor de riqueza, todas as grandes fortunas têm suas origens ou na herança ou no valor gerado por uma empresa já estabelecida no mercado, e crescem a taxas extremamente elevadas — independentemente de se seu proprietário trabalha ou não trabalha."

No entanto, Piketty dá um salto lógico inadmissível: o fato de a riqueza da camada mais rica da sociedade ter crescido a uma taxa média anual de 6,8% entre 1987 e 2010 não significa que as pessoas ricas de 1987 sejam as mesmas de 2010. 

E isso faz toda a diferença em sua teoria.

Por exemplo, se o indivíduo A foi a pessoa mais rica do mundo em 1987, tendo uma riqueza estimada em 20 bilhões de dólares, nada impede que, em 2010, este mesmo indivíduo já tenha se arruinado por completo, e que outro indivíduo, o indivíduo B, tenha se tornado a pessoa mais rica do mundo, com uma riqueza estimada em 40 bilhões de dólares.

Tendo isso em mente, será que podemos concluir que a conservação e o acréscimo de riqueza é um processo simples e automático, o qual não requer nenhuma destreza pessoal da parte de seu proprietário? É óbvio que não.

Por sorte, não há necessidade nenhuma de ficarmos apenas especulando hipóteses teóricas sobre o crescimento da riqueza dos super-ricos entre 1987 e 2010; podemos simplesmente analisar o que de fato ocorreu com os ricaços de 1987. Será verdade que a riqueza deles cresceu desde então a uma taxa de 6,8% ao ano, como afirma Piketty? Ou será que ela estancou ou até mesmo retrocedeu, fazendo com que eles tenham sido desbancados por outros criadores de riqueza?

Os dez homens mais ricos do mundo em 1987

Foi em 1987 que a revista Forbes começou a elaborar seu ranking de bilionários. Se você olhar hoje aquela lista de 1987, provavelmente irá se surpreender: você não conhecerá praticamente ninguém. E não, a razão disso não é que a maioria daqueles bilionários morreu; a razão é que praticamente todos eles viram seu patrimônio definhar de maneira considerável.

Comecemos pelo homem mais rico do mundo em 1987: o japonês Yoshiaki Tsutsumi, que tinha uma fortuna estimada em 20 bilhões de dólares. A última vez em que ele apareceu no ranking da Forbes foi no ano de 2006, e sua riqueza já havia encolhido para 1,2 bilhão de dólares. Descontando-se a inflação do período, isso equivalia a 678 milhões em dólares de 1987. 

Ou seja, tomando por base o poder de compra de 1987, sua fortuna caiu de 20 bilhões para 678 milhões entre 1987 e 2006, o que significa que sua riqueza encolheu 96% neste período. E, desde 2006, sua riqueza continuou em irreversível declínio, de modo que ele hoje nem sequer figura no ranking da Forbes.

No entanto, segundo Piketty, a riqueza de Yoshiaki Tsutsumi deveria ter se multiplicado por seis.

O segundo homem mais rico do mundo em 1987 também era japonês: Taikichiro Mori. Na época, ele tinha uma fortuna estimada em 15 bilhões de dólares, o que o tornaria, em 1991, o homem mais rico do mundo, superando Tsutsumi. Taikichiro Mori faleceu em 1993 e legou sua fortuna a seus filhos: Minoru Mori e Akira Mori. O patrimônio conjunto de ambos é atualmente de 6,3 bilhões, o que equivalia a 3,075 bilhões de dólares em 1987. Ou seja, a riqueza encolheu 80%.

Não consegui encontrar dados referentes às atuais fortunas dos homens (ou de seus herdeiros) que ocupavam a terceira e a quarta posição da lista de 1987, os também nipônicos Shigeru Kobayashi e Haruhiko Yoshimoto, com fortunas estimadas em 7,5 bilhões e 7 bilhões de dólares respectivamente. No entanto, o fato de que ambos estavam acentuadamente investidos no setor imobiliário japonês em 1987, e dado que este setor vivenciou uma acentuada desvalorização no período — tudo combinado ao fato de que não há quase nada na internet sobre eles (ou sobre suas famílias) —, parece sugerir que ambos não tiveram melhor sorte do que seus conterrâneos Tsutsumi e Mori.

O quinto lugar da lista de 1987 era ocupado por Salim Ahmed Bin Mahfouz, cambista profissional e criador do maior banco da Arábia Saudita (o National Commercial Bank da Arábia Saudita). Naquele ano, o saudita gozava de uma fortuna estimada em 6,2 bilhões de dólares. Em 2009, faleceu seu herdeiro, Khalid bin Mahfouz, com uma riqueza estimada em 3,2 bilhões de dólares, que equivaliam a 1,7 bilhão em dólares de 1987. Ou seja, um empobrecimento de 72,5%.

O sexto lugar da lista era ocupado pelos irmãos Hans e Gad Rausing, donos da multinacional sueca Tetra Pak. Ambos detinham um patrimônio estimado em 6 bilhões de dólares. Atualmente, Hans Rausing, já com 92 anos de idade, possui um patrimônio estimado em 12 bilhões de dólares, e ocupa a 92ª posição entre os mais ricos do mundo. Gad morreu no ano 2000, mas estima-se que seus herdeiros possuem uma fortuna de 13 bilhões de dólares. No total, portanto, a fortuna de ambos passou de 6 bilhões de dólares para 25 bilhões. No entanto, descontando-se a inflação do período, o enriquecimento de ambos foi muito menor: de 6 bilhões para 12,2 bilhões, o que equivale a uma taxa média de rentabilidade anual de 2,7%. Muito abaixo dos 6,8% sugeridos por Piketty.

O sétimo lugar era ocupado por um trio de irmãos: os irmãos Reichmann, proprietários da Olympia and York, uma das maiores imobiliárias do mundo. Sua riqueza também era estimada em 6 bilhões de dólares. No entanto, cinco anos depois, a empresa protagonizou uma das mais estrondosas bancarrotas da história, a qual reduziu seu patrimônio a apenas 100 milhões de dólares. Um dos irmãos, Paul, conseguiu se recuperar das cinzas e hoje a riqueza de seus herdeiros está estimada em 2 bilhões de dólares, equivalentes a 975 milhões em dólares de 1987. Ou seja, uma perda de 84%.

A oitava posição estava ocupada por outro japonês, Yohachiro Iwasaki, com uma fortuna estimada em 5,6 bilhões de dólares. Seu herdeiro, Fukuzo Iwasaki, morreu em 2012 com um patrimônio de 5,7 bilhões, equivalentes a 2,8 bilhões em dólares de 1987: ou seja, uma perda patrimonial de 50%.

Melhor sorte teve o nono homem mais rico do mundo em 1987: o canadense Kenneth Roy Thomson, proprietário da Thomson Corporation (hoje parte do grupo Thomson Reuters). Naquele ano, Kenneth desfrutava um patrimônio de 5,4 bilhões de dólares; quando morreu, em 2006, havia conseguido incrementá-lo para 17,9 bilhões, equivalentes a 9,3 bilhões em dólares de 1987. Neste caso, sua média de retorno anual foi de 2,9%. De novo, muito abaixo dos 6,8% certificados por Piketty.

Finalmente, em décimo lugar estava Keizo Saji, com um patrimônio de 4 bilhões de dólares. Saji morreu em 1999 com uma fortuna de 6,7 bilhões de dólares, a qual, descontando-se a inflação do período, equivalia a 4,6 bilhões em dólares de 1987. Ou seja, uma taxa média de retorno anual de 1,1%.

A extremamente complicada conservação do capital

Ludwig von Mises já alertava para a inevitabilidade deste fenômeno ainda na década de 1940:



Em uma economia de mercado, naquela em que há liberdade de empreendimento, e ausência de privilégios e protecionismos estatais, a riqueza de um indivíduo representa a recompensa concedida pela sociedade pelos serviços prestados aos consumidores no passado. E esta riqueza só pode ser preservada se ela continuar a ser utilizada — isto é, investida — no interesse dos consumidores. 

Atribuir a cada um o seu lugar próprio na sociedade é tarefa dos consumidores, os quais, ao comprarem ou absterem-se de comprar, estão determinando a posição social de cada indivíduo. Os consumidores determinam, em última instância, não apenas os preços dos bens de consumo, mas também os preços de todos os fatores de produção. Determinam a renda de cada membro da economia de mercado.

Se um empreendedor não obedecer estritamente às ordens do público tal como lhe são transmitidas pela estrutura de preços do mercado, ele sofrerá prejuízos e irá à falência. Outros homens que melhor souberam satisfazer os desejos dos consumidores o substituirão.

Os consumidores prestigiam as lojas nas quais podem comprar o que querem pelo menor preço. Ao comprarem e ao se absterem de comprar, os consumidores decidem sobre quem permanece no mercado e quem deve sair; quem deve dirigir as fábricas, as fornecedoras e as distribuidoras. Enriquecem um homem pobre e empobrecem um homem rico. Determinam precisamente a quantidade e a qualidade do que deve ser produzido. São patrões impiedosos, cheios de caprichos e fantasias, instáveis e imprevisíveis. Para eles, a única coisa que conta é sua própria satisfação. Não se sensibilizam nem um pouco com méritos passados ou com interesses estabelecidos.

Contrariamente ao que muitos imaginam, e ao que Thomas Piketty pretende demonstrar, não é nada simples conservar seu patrimônio em uma economia de mercado: este sempre estará ao sabor (1) das volúveis e inconstantes preferências dos consumidores, (2) do surgimento de novos concorrentes que podem acabar roubando sua fatia de mercado, ou (3) de um possível reajuste (e posterior colapso) do preço dos seus ativos. É falso dizer que há um valor acima do qual a acumulação de capital passa a ocorrer de modo quase automático.

Ao contrário, aliás: quanto maior for o patrimônio pessoal de um indivíduo, mais complicado será fazê-lo crescer: as oportunidades para reinvestir todo o seu capital a altas taxas de retorno são muito escassas, a menos que se queira arriscar e se aventurar em outros mercados, nos quais não se tem nenhuma vantagem comparativa. 

As mesmas razões que fazem com que um estado grande seja um péssimo gestor de capitais servem para explicar por que os bilionários vão ficando sem ideias e aptidões para gerenciar sua fortuna — até o ponto em que não mais são capazes de se reinventarem continuamente, acabando por ver seu patrimônio reduzido, nem que seja apenas pela inflação. Não é à toa que a sabedoria popular a este respeito vale mais do que as elucubrações de muitos economistas míopes: from clogs to clogs in three generations[1], o que significa que a riqueza acumulada por uma geração já estará totalmente dissipada na terceira geração.

Atualmente, com efeito, nem sequer são necessárias três gerações. Bastam três décadas para se perder quase tudo.

Em 2013, os sobrenomes Tsutsumi, Mori, Reichmann, Iwasaki e Saji eram praticamente irrelevantes. Da mesma maneira, em 1987, muitos dos homens mais ricos da atualidade — Bill Gates, Amancio Ortega, Larry Ellison, Jeff Bezos, Larry Page, Sergey Brin, Mark Zuckerberg — estavam trabalhando em uma garagem, ou estavam fazendo faculdade, ou estavam brincando no jardim de infância. Nenhum herdou sua atual fortuna. Veremos quantos deles seguirão na lista dentro de três décadas.
[1] Clogs é um tipo de sapato barato, feito inteiramente de madeira e comumente utilizado por operários que realizam trabalho pesado.


Juan Ramón Rallo é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.  É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.

HERANÇA MALDITA


Todo fim de ano, publico um artigo sobre as perspectivas econômicas para o ano seguinte. Nos últimos quatro anos, previ que o crescimento econômico decepcionaria. Infelizmente, nos três anos que já passaram, estas previsões se concretizaram.

Em 2014, não é preciso nem esperar o final do ano. Terminado o primeiro trimestre, já há elementos suficientes para afirmar que haverá mais decepção em 2015.

Dois fatores que permitiram que o Brasil avançasse 2,5 vezes mais rápido entre 2004 e 2010 do que antes se esgotaram: incorporação de mão de obra e maior utilização da infraestrutura já existente. Desde 2003, quase 20 milhões de brasileiros sem emprego passaram a trabalhar, colaborando com a produção. O desemprego caiu de 12% para 5%. Não cairá muito mais. Aliás, o total de empregos nas principais capitais é que já vem caindo.

Quanto à infraestrutura, dificuldades financeiras e operacionais no setor público e problemas regulatórios impediram um crescimento dos investimentos na magnitude necessária, criando um apertado gargalo para o desenvolvimento.

Só poderíamos crescer como antes acelerando a produtividade, o que exigiria trabalhadores melhor preparados e equipados. Como não investimos o bastante em educação e treinamento, nem em máquinas, equipamentos e tecnologia, a taxa média anual de expansão do PIB desde 2011 caiu para apenas 2%, e em 2014 continuará neste ritmo. Pior, há razões para crer que o crescimento vá desacelerar em 2015.

Não apenas crescemos pouco, mas bagunçamos a casa. Piorou o desempenho das contas externas e das contas públicas e a inflação subiu. Cedo ou tarde, estes desequilíbrios terão de ser corrigidos. Enquanto os ajustes forem feitos, provavelmente em 2015, nossa economia crescerá ainda menos.

Para limitar a deterioração da balança comercial e tentar proteger nossa indústria dos importados, o governo desvalorizou o real, aumentou impostos sobre produtos estrangeiros, compras no exterior e em sites de importados. Isso permitiu que a indústria nacional elevasse preços e recompusesse suas margens. Às altas de preços dos produtos industrializados somaram-se fortes elevações dos preços dos serviços, mantendo a inflação sistematicamente acima da meta de 4,5% ao ano desde 2009.

A inflação não está apenas elevada, está grávida. O dragãozinho dos preços controlados pelo governo nasce após as eleições. Há mais de um ano, os preços de ônibus, metrô, gasolina, energia elétrica e outros têm sido represados para conter a inflação e as manifestações de rua. Estes preços terão de ser realinhados para evitar o colapso dos serviços e contas públicas.

Só a diferença entre o preço internacional do petróleo e os preços nacionais de seus derivados custa à Petrobrás mais de R$ 40 bilhões anuais. A utilização de usinas termoelétricas para geração de energia elétrica custará de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões só neste ano, e mais ainda em 2015. A renúncia fiscal com a desoneração de salários custará mais R$ 24 bilhões só em 2014. O ajuste das contas públicas é inevitável. Ele virá através de elevação de preços, corte de gastos do governo ou aumento de impostos, provavelmente os três.

Os reajustes pressionarão a inflação, forçando o Banco Central a aumentar ainda mais os juros, que já estão no nível mais alto desde 2011, limitando o crédito e reduzindo o crescimento econômico. Aumentos de impostos e redução de gastos do governo devem retirar dinheiro da economia em 2015, também limitando o crescimento.

Além do risco de racionamento de energia, provavelmente após as eleições, há riscos externos de uma nova crise global. Desde 2008, os bancos centrais dos países desenvolvidos injetaram volumes colossais de dinheiro em suas economias, o que causou várias bolhas nos mercados financeiros globais. Pelas suas proporções, dois riscos se destacam.

Primeiro, as bolhas imobiliária e de crédito chinesas. No Brasil, construímos cerca de 400 mil novas moradias em 2013. Na China, foram 55 vezes mais, 22 milhões, enquanto a população não chega a ser 7 vezes a nossa. Há ainda o megaendividamento das empresas chinesas. O crescimento dos empréstimos locais a empresas chinesas desde 2008 sozinho é maior do que toda dívida corporativa nos EUA, mas há ainda o endividamento externo. Em 2008, menos de 2% dos financiamentos globais em dólares, euros e ienes iam para empresas chinesas. No ano passado, foram 39%. Os calotes já começaram e as consequências podem atingir proporções parecidas às da crise da Lehman Brothers em 2008.

Segundo, a Bolsa americana. Pelas minhas estimativas, ela está quase 80% acima de seu preço justo. Desde 1870, isto só aconteceu em 1929 e 2000, às vésperas de crises financeiras tristemente famosas.

O resultado das eleições será fundamental para a economia brasileira, mas ganhe quem ganhar, em 2015 o crescimento será ainda muito baixo e talvez até negativo.

Por: Ricardo Amorim

Apresentador do Manhattan Connection da Globonews, colunista da revista IstoÉ, presidente da Ricam Consultoria, único brasileiro entre os melhores e mais importantes palestrantes mundiais segundo o Speakers Corner e economista mais influente do Brasil segundo o Klout.com

sexta-feira, 11 de abril de 2014

OS HABITANTES DE VENEZA VOTARAM PARA SE SEPARAR DA ITÁLIA - O QUE ISSO SIGNIFICA PARA A EUROPA?

Com 89% dos votos a favor, os cidadãos de Veneza decidiriam em um referendo se separar da Itália (veja a notícia em italiano, em inglêse em português). 

Na prática, o que isso realmente significa é que os venezianos não mais estão a fim de serem obrigados a pagar impostos para sustentar Roma. Aparentemente, os venezianos — que residem naquela que foi a histórica capital de uma das mais ricas e mais bem-sucedidas repúblicas da história da humanidade — não querem mais subsidiar os notoriamente corruptos burocratas de Roma.

O sul da Itália sempre foi considerado pelos habitantes do norte — que é mais rico, mais limpo e mais eficiente — como um sorvedouro de recursos. Os habitantes do norte trabalham para sustentar, via impostos, o dolce far niente dos habitantes do sul. De acordo com a reportagem do jornal The Daily Mail, já há movimentações para estender o movimento secessionista para outras áreas do norte da Itália.

Um dos organizadores do movimento secessionista é seguidor das ideias de Hans-Hermann Hoppe:



O ativista Paolo Bernardini, professor de história europeia da Universidade de Insubria, em Como, no norte da Itália, disse que 'já era hora' de Veneza voltar a ser um estado autônomo.

'Embora a história jamais se repita, estamos hoje vivenciando um forte retorno ao arranjo de pequenas nações, de países pequenos e prósperos, capazes de interagir entre si em um mundo globalizado.'

'O povo veneziano percebeu que somos uma nação digna de autonomia e que não mais deve ser abertamente oprimida por uma burocracia longínqua. Todo o mundo está se movendo em direção à fragmentação; trata-se de uma fragmentação positiva, em que as tradições locais se misturam às trocas comerciais globais'.

Luca Zaia, membro da separatista Liga do Norte, exultou: "O desejo e o clamor pela secessão estão crescendo de forma muito robusta. Estamos apenas no Big Bang do movimento separatista — mas revoluções são originadas de fome, e estamos muito famintos. Veneza pode agora se libertar."

A nova Repubblica Veneta seria formada por cinco milhões de habitantes da região de Veneto. Caso a secessão de Veneza realmente aconteça, a região da Lombadia e a província de Trento provavelmente farão o mesmo, gerando uma profunda partição da Itália.

Naturalmente, as grandes nações-estado da Europa odeiam — e estão apavoradas com — ocorrências como essa. Porém, como bem sabe qualquer um que conheça minimamente a história da Europa, não há praticamente nenhuma "tradição" no atual formato das fronteiras europeias. Logo, os burocratas das grandes nações simplesmente não têm argumentos para dizer que as "tradições" devem ser mantidas. O atual formato da Itália foi desenhado por políticos, assim como o da Alemanha, que foi moldada à força por políticos autoritários como Otto von Bismarck, que obviamente odiava o liberalismo clássico e o capitalismo com todas as fibras do seu ser.

A Europa em polvorosa

Os movimentos secessionistas estão se espalhando por toda a Europa.

A ilha de Sardenha também quer se separar da Itália e se tornar uma nova Suíça.

Ao prepararem seu referendo, os venezianos foram à Escócia para observar todos os preparativos que estão sendo feitos pelo Partido Nacional da Escócia para o referendo que irá ocorrer no dia 18 de setembro deste ano. A intenção dos escoceses é abolir o Tratado de União de 1707, e com isso se separar em definitivo da Inglaterra.

Também observando os preparativos da Escócia estavam representantes da Catalunha, que irão fazer um referendo similar no segundo semestre para se separar da Espanha. Secessionistas do País Basco também estavam presentes na Escócia.

Em um relatório publicado recentemente intitulado de "A Europa sob julgamento", uma pesquisa feita com 20.000 britânicos descobriu que a Rússia (antes da crise com Kiev e da anexação da Criméia) era vista mais positivamente do que a União Europeia e o Parlamento Europeu.

Por uma diferença de 49 a 31, os cidadãos da Grã-Bretanha acreditam que os custos da filiação à União Europeia sobrepujam os benefícios, e estão igualmente divididos, 41-41, sobre se devem ou não sair totalmente da União Europeia.

O primeiro-ministro britânico David Cameron já marcou para 2017 um referendo sobre a continuidade da filiação à União Europeia. Ao que tudo indica, o Partido Trabalhista britânico — até então o mais favorável à manutenção da união —, percebendo a impopularidade de UE, também parece mais aberto a alterar o tratado da UE e a fazer um referendo para se despedir da Europa caso voltem ao poder em 2015.

Por que a UE está sob esta crescente pressão centrífuga? Por que várias nações da Europa estão no limiar da secessão?

Não há uma explicação única ou simples.

Veneza e todo o norte da Itália se sentem explorados. "Por que temos de subsidiar um sul que é menos trabalhador e mais preguiçoso, e que consome os impostos que geramos aqui?", perguntam eles. Vários italianos do norte acreditam terem muito mais em comum com os suíços do que com os romanos, napolitanos e sicilianos.

Na Bélgica, a região de Flandres pensa o mesmo sobre os valões.

Escoceses e catalães acreditam ter uma cultura, uma história e uma identidade totalmente distinta das nações às quais pertencem.

Por toda a Europa, há também um temor de que o caráter étnico de seus países esteja sendo alterado permanentemente, e contra a vontade de sua população. Búlgaros, romenos e ciganos chegam em levas do Leste Europeu, buscando asilo e refúgio econômico no lado ocidental. Migrantes desembarcam aos milhares anualmente na ilha italiana de Lampedusa e nas Canárias espanholas. Recentemente, o The New York Timesrelatou um surto de 80.000 migrantes africanos buscando refúgio nos pequenos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilha na costa do Marrocos.

O objetivo dessas pessoas desesperadas? Usufruir o rico estado assistencialista oferecidos pelos países do Velho Continente. Pessoas reagem a incentivos e, se há o estímulo do assistencialismo, é impossível conter o desejo delas. A culpa não é dos imigrantes, que compreensivelmente querem melhorar de vida, mas sim do generoso estado assistencialista, que utiliza os impostos incidentes sobre a população que trabalha para bancar os privilégios de quem não trabalha. E os gastos dessa "caridade" não param de crescer.

Obviamente, aqueles que sustentam tudo isso já estão previsivelmente fartos, e buscam na secessão uma maneira de preservar suas riquezas.

Os filhos da Europa estão hoje se rebelando contra as consequências daquilo que seus pais, paralisados pelo temor do politicamente correto, se recusaram a atacar.

Era previsível, foi previsto, e vai acontecer.

O futuro

No caso específico de Veneza, será interessante ver o que Roma irá fazer. Será que seus burocratas mandarão um exército para coletar seus impostos? Talvez irão apenas fazer uma guerra cultural e recorrer a algum tipo de campanha de ódio contra os venezianos, apelando a um suposto patriotismo italiano. Essas coisas quase sempre funcionam.

Dado que Obama recentemente declarou que todos os movimentos de secessão são ilegítimos (exceto aqueles apoiados pelo governo americano, é claro), ainda não dá para prever qual será o apoio que Veneza pode esperar da comunidade internacional.






Em uma entrevista concedida em 2004, Hans-Hermann Hoppe falou sobre as vantagens de um arranjo formado por países pequenos e independentes:


Ao contrário, a maior esperança para a liberdade vem justamente dos países pequenos: Mônaco, Andorra, Liechtenstein, e até mesmo Suíça, Hong Kong, Cingapura, Bermuda etc. Quem preza a liberdade deveria torcer e fazer de tudo pelo surgimento de dezenas de milhares destas entidades pequenas e independentes. Por que não uma Istambul e uma Esmirna livres e independentes, que mantêm relações cordiais com o governo central da Turquia, mas que não têm de pagar impostos e nem receber repasses, e que não mais reconhecem as leis impostas pelo governo central, pois têm as suas próprias?

Os apologistas de um estado forte e centralizado alegam que tal proliferação de unidades políticas independentes levaria à desintegração econômica e ao empobrecimento. No entanto, não apenas a evidência empírica contradiz esta alegação — todos os pequenos países citados acima são mais ricos que seus vizinhos —, como também uma reflexão teórica mostra que tal alegação não passa de mais um mito estatista.

Governos pequenos possuem vários concorrentes geograficamente próximos. Se um governo passar a tributar e a regulamentar mais do que seus concorrentes, a população emigrará, e o país sofrerá uma fuga de capital e mão-de-obra. O governo ficará sem recursos e será forçado a revogar suas políticas confiscatórias. Quanto menor o país, maior a pressão para que ele adote um genuíno livre comércio e maior será a oposição a medidas protecionistas. Toda e qualquer interferência governamental sobre o comércio exterior leva a um empobrecimento relativo, tanto no país quanto no exterior. 

Porém, quanto menor um território e seu mercado interno, mais dramático será esse efeito. Se os EUA adotarem um protecionismo mais forte, o padrão de vida médio dos americanos cairá, mas ninguém passará fome. Já se uma pequena cidade, como Mônaco, fizesse o mesmo, haveria uma quase que imediata inanição generalizada.

Imagine uma casa de família como sendo a menor unidade secessionista concebível. Ao praticar um livre comércio irrestrito, até mesmo o menor dos territórios pode se integrar completamente ao mercado mundial e desfrutar todas as vantagens oferecidas pela divisão do trabalho. Com efeito, seus proprietários podem se tornar os mais ricos da terra. Por outro lado, se a mesma família decidir se abster de todo o comércio inter-territorial, o resultado será a pobreza abjeta ou até mesmo a morte. Consequentemente, quanto menor for o território e seu mercado interno, maior a probabilidade de sua adesão ao livre comércio.

Por fim, irei apenas mencionar, mas sem no entanto adentrar em detalhes explicativos por pura falta de espaço, que a secessão também promoveria uma integração monetária e levaria à substituição do atual sistema monetário baseado em moedas fiduciárias nacionais — que flutuam entre si e se desvalorizam diariamente — por um padrão monetário baseado em uma commodity totalmente fora do controle dos governos. Em suma, o mundo seria formado por pequenos governos liberais e seria economicamente integrado por meio do livre comércio e por uma moeda-commodity internacional, como o ouro. Seria um mundo de prosperidade, crescimento econômico e avanços culturais sem precedentes.

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Participaram deste artigo:
Ryan McMaken, editor do site do Ludwig von Mises Institute dos EUA
Patrick Buchanan, co-fundador e editor da revista The American Conservative, e também autor de sete livros, dentre eles Where the Right Went WrongA Republic Not An Empire, e o polêmico Churchill, Hitler, and the Unnecessary War
Hans-Hermann Hoppe, membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society.  Recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha.  É o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo e The Economics and Ethics of Private Property.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

1964 JÁ ERA! TENHO SAUDADE É DE 2064!

Os historiadores podem e devem se interessar pelos eventos de há 50 anos, mas só oportunistas querem encruar a história, vivendo-a como revanche. Enfara-me a arqueologia vigarista. Trata-se de uma farsa política, intelectual e jurídica, que busca arrancar do mundo dos mortos vantagens objetivas no mundo dos vivos.

A semente do mensalão está nos delírios do Araguaia. O dossiê dos aloprados foi forjado pela turma que roubou o "Cofre do Adhemar". Os assaltos à Petrobras foram planejados pelas homicidas VAR-Palmares, de Dilma, e ALN, de Marighella. A privatização do passado garante, em suma, lugares de poder no presente e no futuro. Os farsantes apelam à mitologia para reivindicar o exclusivismo moral que justifica seus crimes de hoje. Ladrões se ancoram na gesta da libertação dos oprimidos. Uma solene banana para eles, com seus punhos cerrados e seus bolsos cheios!

Quem falava em nome dos valores democráticos em 1964? Os que rasgaram de vez a Constituição ou os que a rasgavam um pouco por dia? Exibam um texto, um só, das esquerdas de então que defendesse a democracia como um valor em si. Uma musiquinha do CPC da UNE para ilustrar: "Ah, ah, democracia! Que bela fantasia!/ Cadê a democracia se a barriga está vazia?" Para bom entendedor, uma oração subordinada basta. A resposta matou mais de 100 milhões só de... fome!

Nota desnecessária em tempos menos broncos: respeito a disposição dos que querem encontrar seus mortos. Eu não desistiria enquanto forças tivesse. Mas não lhes concedo a legitimidade, menos ainda a alguns prosélitos disfarçados de juristas, para violar as regras do Estado de Direito. A anistia, por exemplo, não está consignada apenas na lei nº 6.683. O perdão --não o esquecimento-- é também o pressuposto da Emenda Constitucional nº 26 (ow.ly/v4ZK9), de 1985, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte. Vamos declarar sem efeito o texto que nos deu a nova Constituição? A pressão em favor da revogação da anistia e a conversão da Comissão da Verdade --se estatal, ela é necessariamente mentirosa-- num tribunal informal da história ignoram os pactos sobre os quais se firmaram a pacificação política do país.

Digam-me: onde estávamos em 1985? Revivendo a repressão de 1935, que se seguiu à "Intentona Comunista"? E em 1987? Maldizendo os 50 anos do Estado Novo? E em 1995, celebrando o seu fim? Estado Novo? Eis a ditadura que os "progressistas" apagaram da memória. Um tirano como Getúlio Vargas foi recuperado pelas esquerdas para a galeria dos heróis do anti-imperialismo e serve de marco, segundo os pensadores amadores, para distinguir "demófobos" de "demófilos".

Ilustro rapidamente. Entre novembro de 1935 e maio de 1937, só no Rio, foram detidas 7.056 pessoas. Todas as garantias individuais estavam suspensas. Dois navios de guerra foram improvisados como presídios. Em 1936, criou-se o Tribunal de Segurança Nacional, que condenou mais de 4 mil pessoas --Monteiro Lobato entre elas. Mais de 10 mil foram processadas. A Constituição de 1937 previa a pena de morte para quem tentasse "subverter por meios violentos a ordem política e social". Leiam o decreto nº 428, de 1938, para saber como era um julgamento de acusados de crime político. Kim Jong-un ficaria corado. A tortura se generalizou. No assalto ao Palácio da Guanabara, promovido por integralistas em maio de 1938, oito pessoas presas, desarmadas e rendidas foram assassinadas a sangue frio, no jardim, sem julgamento, por Benjamin e Serafim Vargas, respectivamente irmão e sobrinho de Getúlio. No dia 9 de novembro de 1943, a Polícia Especial enfrentou a tiros uma passeata de estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, com duas vítimas fatais. Tudo indica que os mortos e desaparecidos do Estado Novo, sem guerrilha nem ataques terroristas, superaram em muito os do regime militar. Nunca se fez essa contabilidade. Nesse caso, a disputa pelo presente e pelo futuro pedia que se escondessem os cadáveres.

Getúlio virou um divisor de águas ideológicas na história inventada pelos comunistas, oportunistas e palermas e é o pai intelectual de João Goulart, o golpista incompetente deposto em 1964. Antes, como agora, "eles" sabem como transformar em heróis seus assassinos. A arqueologia do golpe é um golpe contra o futuro. Viva 2064! 
Por: Reinaldo Azevedo Publicado na Folha de SP


UMA CARACTERÍSTICA CRUCIAL PARA O ENRIQUECIMENTO DE QUALQUER ECONOMIA: A CONFIANÇA



Francis Fukuyama ficou famoso em 1988 por causa da publicação de seu livro O Fim da História. A tese que ele defendia era tola e simplória: a democracia liberal havia derrotado todos os sistemas e, dali em diante, passaria a ser o arranjo preponderante e superior a todos os outros. Isso se comprovou uma óbvia inverdade. Pense no Islã. Pense na política burocrática reinante na China. Pense em Hong Kong e em Cingapura, que não têm democracia — ao menos, não no estilo defendido por Fukuyama.

À época, o livro recebeu uma estrondosa publicidade. Hoje, ele raramente é citado. Nunca entendi por que esse livro foi levado a sério. No entanto, durante um bom tempo, várias pessoas o levaram a sério.

Em 1995, Fukuyama publicou outro livro: Confiança. A publicidade recebida por este livro foi ínfima. Mas o livro é excelente. Digo mais: é um dos mais importantes livros já escritos sobre economia e ordem social.

Neste livro, Fukuyama analisa os efeitos da confiança sobre uma sociedade. Ele concentra sua análise nos Estados Unidos, no Japão, na China e no sul da Itália, onde praticamente não há confiança nenhuma em nada e ninguém confia em ninguém. Ato contínuo, ele analisa como a presença ou a ausência da confiança pode se tornar uma fonte de ordem social, de crescimento econômico e de aumento da produtividade geral. 

Ele descobriu, de maneira nada surpreendente, que os EUA, até aproximadamente 1960, possuíam uma enorme vantagem competitiva em relação ao resto do mundo por causa do alto nível de confiança que seus habitantes tinham em relação aos seus conterrâneos. À medida que a confiança foi declinando, a taxa de crescimento econômico também declinou. Concomitantemente ao declínio na confiança houve um aumento no número de advogados.

Uma das sociedades menos produtivas de toda a Europa Ocidental é a do sul da Itália. Ele atribui isso à falta de confiança que reina na região. Esse é um dos motivos pelos quais as sociedades secretas, especialmente a Máfia, têm tanta influência no sul da Itália: tais organizações provêm um mínimo de ordem social para seus membros, e a população em geral não oferece muita resistência à existência destas organizações.

A seção sobre a China é a mais interessante. Fukuyama diz que os chineses apresentam um grande nível de confiança, mas somente em relação às suas famílias. Isso faz com que seja muito difícil para empresas chinesas concorrerem com pequenos empreendimentos geridos por famílias ou com pequenos empreendimentos que tenham conexões familiares. Faz com que seja mais difícil criar grandes empresas. E faz com que seja ainda mais difícil levantar fundos e conseguir capital para financiar essas grandes empresas.

Já o Japão está em um meio-termo entre os EUA e a China. No Japão, ao contrário da China, há mais confiança em organizações que não estejam ligadas a famílias. No entanto, os grandes conglomerados japoneses possuem em suas raízes um pequeno número de famílias japonesas.

Em seu livro, Fukuyama dizia acreditar que as corporações japonesas poderiam concorrer no mercado internacional de maneira mais efetiva do que as empresas chinesas porque os japoneses podiam contratar as melhores pessoas, muito embora suas empresas não apresentassem conexões familiares. Os japoneses também seriam capazes de conseguir dinheiro para investimentos mais facilmente do que as empresas chinesas.

Se olharmos o que ocorreu ao longo das últimas décadas, creio que essa tese se comprovou. Empresas chinesas demonstraram uma maior tendência de serem mais intimamente associadas ao governo chinês. O estado tem sido a fonte de financiamento das empresas chinesas. O sistema bancário está mais intimamente ligado ao estado na China do que nas nações ocidentais.



A ausência de instituições formais pode ser observada quase que em sua integralidade na República Popular da China, onde a ideologia maoísta foi a grande responsável pelo atraso na introdução de instituições "burguesas", como o direito comercial. Até o presente momento, empreendedores na China têm de enfrentar um ambiente jurídico extremamente arbitrário, no qual os direitos de propriedade são tênues, os níveis de tributação são variáveis e mudam de acordo com as vontades de cada governo provincial, e o suborno é a rotina quando se lida com funcionários do governo. (p. 330)

Empresas chinesas têm sido bem-sucedidas em exportar bens manufaturados. E continuará sendo assim por um bom tempo, pois o governo mercantilista está declaradamente comprometido em manter a moeda desvalorizada para seguir estimulando as exportações, mesmo que à custa do bem-estar de todo o resto da população. A economia chinesa funciona mais na base do "quem você conhece" do que na base do "o que você sabe fazer". 

Meu palpite é que as empresas chinesas serão menos eficazes no setor de serviços do que no setor industrial, pois a confiança dos chineses não vai além das ligações familiares. E é aí que surge o problema: à medida que uma nação enriquece, o setor de serviços ganha mais importância. A tendência da economia é diminuir a importância do setor industrial e aumentar a participação do setor de serviços. Isso será um grande fator restringente sobre o desenvolvimento da economia chinesa.

Fukuyama também escreveu o seguinte:



Um estado liberal é, em última instância, um estado limitado; um estado em que a atividade do governo é estritamente delimitada pela esfera da liberdade individual. Se tal sociedade não se degenerar no caos ou se tornar ingovernável, ela será capaz de apresentar uma autonomia governamental em todos os níveis de organização social. A sobrevivência de tal sistema dependerá não somente da lei, mas também do autocontrole e do comedimento dos indivíduos. Se eles não forem capazes de apresentar uma coesão em prol de um propósito comum; se eles não forem tolerantes e respeitosos em relação aos conterrâneos, ou não respeitarem as leis que eles próprios criaram para si mesmos, uma agência com grande poder coercivo terá de ser criada para manter cada indivíduo na linha. 

Por outro lado, um arranjo sem estado pode funcionar em uma sociedade que apresente um grau extraordinariamente alto de sociabilidade espontânea; uma sociedade na qual o comedimento, a temperança e o comportamento baseado em normas fluam naturalmente do cerne desta sociedade, sem ter de ser trazido de fora. 

Um país com um capital social baixo não apenas é mais propenso a ter empresas pequenas, fracas e ineficientes, como também sofrerá mais com a corrupção generalizada de seus funcionários públicos e com uma administração pública ineficaz. Tal situação é dolorosamente evidente na Itália, onde, à medida que se sai do norte e do centro do país em direção ao sul, percebe-se uma relação direta entre atomização social e corrupção (pp. 357-58).

Creio que a teorização acima é correta. Ela é perceptível em todos os países que enriqueceram. Além dos EUA, pense na Suíça, no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia. Pesquise o nível de confiança vigente nestes países. Pesquise como sua população interage entre si. Pesquise o grau de burocracia exigido para se fechar um negócio. Depois, faça o mesmo para os países da América Latina e da África.

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Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seuwebsite

quarta-feira, 9 de abril de 2014

A TRAGÉDIA SOCIAL GERADA PELA DEMOCRACIA


A democracia pode até ter começado com o grande ideal para conceder poder às pessoas; porém, depois de 150 anos de prática, os resultados estão aí e eles não são positivos. Está mais do que claro que a democracia está mais para um arranjo tirânico do que para uma força libertadora. As democracias ocidentais estão seguindo o mesmo caminho já percorrido pelos países socialistas e, como era inevitável, se tornaram estagnadas, corruptas, opressoras e burocratizadas. Isto não aconteceu porque o ideal democrático foi subvertido, mas sim, e ao contrário, porque esta é exatamente a natureza inerente ao ideal democrático. Trata-se de uma natureza coletivista.

Se você quer saber como a democracia realmente funciona, considere este exemplo. George Papandreou, o político grego socialista, ganhou as eleições em seu país em 2009, com um slogan simples: "Há dinheiro!" Seus oponentes conservadores haviam reduzido os salários dos funcionários públicos e outras despesas públicas. Papandreou disse que isso não era necessário. "Lefta yparchoun" era seu grito de guerra — há dinheiro. Ele ganhou as eleições sem problemas. Na realidade, não havia dinheiro nenhum, é claro — ou melhor, o dinheiro teve de ser fornecido pelos pagadores de impostos de outros países da União Europeia. Mas, na democracia, a maioria está sempre certa e, quando tal maioria descobre que pode, por meio do voto, confiscar a riqueza alheia para si própria, ela inevitavelmente fará isso. Esperar que não o faça seria ingenuidade.

O que o exemplo grego mostra também é que as pessoas em uma democracia naturalmente se voltam para o estado para que este cuide delas. Governo democrático significa ser governado pelo estado. Como resultado, as pessoas irão sempre fazer exigências ao estado. Elas irão se tornar cada vez mais dependentes do governo, para resolver seus problemas e orientar suas vidas. Qualquer problema que elas encontrem, elas esperarão que o governo os corrija. Obesidade, abuso de drogas, desemprego, falta de professores ou enfermeiros, uma queda no número de visitas a museus, o que seja — o estado está lá para fazer algo que resolva isso.

Aconteça o que acontecer — um incêndio em um teatro, um acidente de avião, uma briga de bar —, elas esperam que o governo vá atrás dos culpados e garanta que nada semelhante aconteça novamente. Se as pessoas estão desempregadas, elas esperam que o governo 'crie empregos'. Se os preços da gasolina sobem, elas querem que o governo faça algo sobre isso. No Youtube, há um vídeo de uma entrevista com uma mulher que acabou de ouvir um discurso do presidente Obama. Quase chorando de alegria e emoção, ela exclama: "Eu não mais terei de me preocupar com o pagamento da gasolina para o meu carro ou da minha hipoteca". Esse é o tipo de mentalidade que a democracia cria.

E os políticos estão sempre dispostos a fornecer o que as pessoas exigem deles. Eles são como o homem daquele provérbio: para quem tem apenas um martelo, tudo se parece com um prego. Para cada problema da sociedade, eles se veem como os únicos capazes de solucionar esses problemas. Afinal, é para isso que foram eleitos. Eles prometem que irão 'criar empregos', reduzir as taxas de juros, aumentar o poder de compra das pessoas, fazer com que a aquisição de casas seja acessível até para os mais pobres, melhorar a educação, construir parques infantis e campos desportivos para os nossos filhos, se certificar de que todos os produtos e locais de trabalho são seguros, fornecer serviços de saúde de qualidade e acessíveis para todos, acabar com os engarrafamentos, varrer a criminalidade das ruas, livrar os bairros de vandalismo, defender os interesses 'nacionais' perante o resto do mundo, promover a emancipação e lutar contra a discriminação em todos os lugares, verificar se os alimentos são seguros e se a água é limpa, 'salvar o clima', tornar o país o mais limpo, o mais verde e o mais inovador do mundo e banir a fome da face da terra.

Eles irão realizar todos os nossos sonhos e exigências, cuidar de nós desde o berço até o túmulo, e se certificar de que estamos felizes e contentes desde o início da manhã até o final da noite — e, claro, farão tudo isso sem elevar os gastos e ainda reduzindo impostos.

Tais são os sonhos que constituem a democracia.

Os pecados da democracia

Obviamente, a verdade é que isto simplesmente não tem como funcionar. O governo não pode alcançar tudo isso. No final, os políticos sempre irão fazer as únicas coisas que eles realmente sabem fazer:


1. Desperdiçar enormes quantias de dinheiro em problemas que são ou insolúveis ou transitórios;

2. Criar novas leis e regulações;

3. Criar comissões para supervisionar a implantação das suas leis.

Não há realmente nada mais que eles possam fazer, como políticos. Eles não podem sequer pagar as contas de suas atividades, cuja fatura é enviada para os pagadores de impostos.

É possível ver as consequências desse sistema ao seu redor, diariamente:

Burocracia

A democracia gerou, em todo o mundo, um enorme inchaço burocrático. A burocracia nos cerca e reina sobre nossas vidas com um poder cada vez mais arbitrário. Dado que tal aparato burocrático é ele próprio o governo, ele é capaz de assegurar que seus integrantes estejam bem protegidos contra as duras realidades econômicas que o resto de nós enfrenta.

Nenhuma burocracia jamais vai à falência; os próprios burocratas não podem ser demitidos e eles raramente entram em conflito com a lei, uma vez que eles são a lei. Ao mesmo tempo em que gozam de impunidade, eles jogam um enorme fardo sobre o resto de nós, com as suas regras e regulamentos. A abertura de novas empresas é impedida e desestimulada por uma imensidão de leis e de custos burocráticos que lhes são impostas. Empresas já existentes também sofrem sob o peso da burocracia. Os custos burocráticos para se empreender — por menor que seja o empreendimento — são aviltantes. 

Os pobres e os que têm menos educação são os que mais sofrem com esse sistema. Em primeiro lugar porque o custo adicional gerado pela burocracia encarece sobremaneira o valor final de qualquer empreendimento, fazendo com que o uso de uma mão-de-obra pouco produtiva seja muito custoso. O resultado é um achatamento salarial. Em segundo, porque os pobres também têm de arcar com o financiamento do aparato burocrático, e isso se dá por meio de encargos sociais e trabalhistas que encarecem o valor final do seu salário. O resultado é um novo achatamento salarial. E terceiro, porque é muito difícil para eles estabelecerem o seu próprio negócio, uma vez que eles não têm como enfrentar a selva burocrática; pobre não pode se dar ao luxo de gastar dinheiro com propina.

Parasitismo

Além dos burocratas, funcionários públicos e políticos, há um outro grupo de pessoas que se safa muito bem no sistema democrático: aquelas pessoas que comandam empresas e instituições que devem sua existência à generosidade do governo ou a privilégios especiais. Pense nos gestores de grandes empresas nacionais que são protegidas pelo governo contra a concorrência, tanto por meio de tarifas de importação quanto por agências reguladoras que cartelizam o mercado e impedem a entrada de empresas concorrentes. Pense naqueles setores industriais e agrícolas recebedores de fartos subsídios. Pense nos grandes bancos e nas grandes instituições financeiras que são protegidas pelo Banco Central.

E há também as organizações sociais — sindicatos, movimentos raciais e sexuais, instituições culturais, a televisão pública, as agências assistenciais, os grupos ambientais e assim por diante — que recebem dinheiro diretamente do governo. Muitas das pessoas que comandam tais organizações não apenas têm empregos lucrativos e estáveis, como também possuem ligações íntimas com a burocracia estatal e com políticos, algo que garante vários privilégios e muito poder a estas organizações. Esta é uma forma de parasitismo institucionalizado, com a cumplicidade de nosso sistema democrático.

Megalomania

Frustrado por sua incapacidade de realmente mudar a sociedade, o governo lança regularmente megaprojetos para ajudar a recuperar um setor industrial decadente ou para servir a um outro propósito nobre. Invariavelmente, essas ações só aumentam os problemas e elas sempre custam muito mais do que o planejado.

Pense nas reformas educacionais, na reforma da saúde, nos projetos de infraestruturas e seus vários elefantes brancos da energia (o programa de etanol nos EUA e os projetos de energia eólica costeira na Europa são bons exemplos que mostram que a incompetência estatal independe da riqueza da nação). As guerras também podem ser vistas como 'projetos públicos', realizados pelo governo para desviar a atenção de problemas internos, angariar apoio público, criar empregos para as classes desprivilegiadas e enormes lucros diretos para empresas favorecidas, as quais, por sua vez, patrocinam as campanhas eleitorais dos políticos e lhes oferecem empregos quando eles saem da vida pública. (Nem é preciso dizer que os políticos nunca lutam nas guerras que eles iniciam.)

Assistencialismo

Os políticos, que são eleitos para combater a pobreza e a desigualdade, naturalmente sentem que é seu dever sagrado continuar a introduzir novos programas sociais (e novos impostos para pagá-los). Isso serve não só aos seus próprios interesses, mas também aos interesses dos burocratas responsáveis pela execução dos programas. O estado assistencialista ocupa hoje uma parte substancial dos gastos do governo, na maioria dos países democráticos. 

Na Grã-Bretanha, o governo gasta um terço de seu orçamento com o estado assistencialista. Na Itália e na França, esse número se aproxima de 40%. Muitas organizações sociais (sindicatos, fundos de pensão de estatais, agências governamentais de emprego) têm interesse em preservar e expandir o estado assistencialista. Típico da maneira como o governo democrático funciona, o estado não oferece nenhuma opção e não celebra contratos com os seus cidadãos. Todo mundo é obrigado a arcar com os enormes gastos do seguro-desemprego e pagar elevadas taxas para a Previdência Social, mas ninguém sabe os benefícios que terá no futuro. O dinheiro que tiveram de entregar ao governo já foi gasto. O inevitável colapso da Previdência Social que se aproxima é o exemplo mais notório desse tipo de libertinagem. 

E sempre tenha em mente que o assistencialismo não serve apenas os 'desprivilegiados'. Uma enorme fatia de 'assistência' vai para os ricos — por exemplo, para os bancos que foram socorridos com montantes na ordem de US$700 bilhões (depois de os executivos terem se auto-premiado com bônus consideráveis), para as grandes empresas que vivenciam dificuldades e que o governo decretou serem "grandes demais para falir" e, é claro, para toda a sorte de funcionários públicos, que se aposentam com valores magnânimos.

Comportamento antissocial e crime

O estado assistencialista democrático estimula a irresponsabilidade e o comportamento antissocial. Em uma sociedade livre, as pessoas que se comportam mal, que não conseguem manter as suas promessas ou que agem sem preocupação com os outros, perdem a ajuda de amigos, da vizinhança e da família. No entanto, no atual arranjo, nosso estado assistencialista lhes diz: se ninguém mais quer ajudá-lo mais, nós ajudamos!

Assim, pessoas imprudentes e imediatistas são recompensadas por comportamentos antissociais. Como elas estão acostumadas que o governo lhes forneça tudo de que elas necessitam, elas desenvolvem a mentalidade dos aproveitadores, daqueles que não querem trabalhar para o seu próprio sustento. Para piorar a situação, legislações trabalhistas rígidas (assim como leis anti-discriminação) tornam difícil para os empregadores se livrarem de funcionários incompetentes. Da mesma forma, os regulamentos governamentais tornam quase impossível expulsar alunos ou despedir professores que se comportam mal ou têm mau desempenho.

Em programas públicos de habitação, é muito difícil despejar alguém que seja um incômodo para os vizinhos. Os grupos que se comportam mal em centros de acolhimento noturnos não podem ter a entrada recusada por causa de leis anti-discriminação. Para agravar ainda mais, o governo muitas vezes cria programas assistenciais para grupos antissociais, como vândalos. Na Inglaterra, por exemplo, há programas de assistência para hooligans. Desta forma, a delinquência é recompensada e encorajada.

Mediocridade e padrões mais baixos

Em qualquer sociedade, a maioria tende a ser constituída pelos mais pobres e não pelos membros mais bem sucedidos e competentes. Sendo assim, em uma democracia, há inevitavelmente uma pressão sobre os políticos para redistribuírem riqueza — para tirar dos ricos e dar aos pobres. Desta forma, o sucesso empreendedorial e a excelência são punidos por impostos progressivos. Logo, na democracia, é de se esperar que haja um emburrecimento da população e uma diminuição de normas gerais de cultura e etiqueta. Onde a maioria reina, a mediocridade torna-se a norma.

Cultura do descontentamento

Em uma democracia, as divergências privadas estão continuamente se transformando em conflitos sociais. Isso ocorre porque o estado interfere em todas as relações pessoais e sociais. Tudo o que acontece de errado em algum lugar, desde uma escola pública mal gerenciada a um tumulto local, logo se transforma em um problema nacional (ou mesmo internacional) para o qual os políticos têm de encontrar uma solução. Todo mundo se sente impelido e encorajado a impor sua visão do mundo sobre os outros. Grupos que se sentem injustiçados organizam bloqueios, protestos ou fazem greve. Isso cria um sentimento geral de frustração e descontentamento.

Visão de curto prazo

Em uma democracia, o incentivo principal dos políticos é o desejo de serem reeleitos. Portanto, seu horizonte temporal dificilmente vai além das próximas eleições. Além disso, políticos eleitos democraticamente trabalham com recursos que não são deles e que estão apenas temporariamente à sua disposição. Eles estão apenas gastando o dinheiro dos outros. Isso significa que eles não têm que ter cuidado com o que fazem e nem têm de pensar no futuro. Por estas razões, políticas de curto prazo e imediatistas prevalecem em uma democracia.

Um ex-ministro holandês dos Assuntos Sociais disse certa vez que "os líderes políticos deveriam governar como se não houvesse mais eleições. Dessa forma, eles seriam capazes de tomar a visão de longo prazo das coisas". Mas isso é exatamente o que eles não podem fazer, é claro. Como o autor americano Fareed Zakaria disse em uma entrevista: "Eu acho que estamos diante de uma crise real no mundo ocidental. O que você vê é a incapacidade fundamental em toda a sociedade ocidental de fazer uma coisa, que é a de impor algum tipo de sofrimento de curto prazo para ganhos em longo prazo. Sempre que um governo tenta propor algum tipo de sofrimento de curto prazo, há uma revolta. E a revolta é quase sempre bem sucedida".

Como as pessoas são encorajadas a se comportar como aproveitadores em uma democracia, e como os políticos se comportam mais como inquilinos do que os proprietários de imóveis, pois eles estão apenas temporariamente no cargo, este resultado não deve surpreender ninguém. Alguém que aluga ou arrenda alguma coisa possui muito menos incentivos para ter cuidado e pensar no longo prazo do que um genuíno proprietário.

Por que tudo continua piorando

Teoricamente, as pessoas poderiam votar por um sistema diferente, menos burocrático e menos desperdiçador. Na prática, isso não é provável que aconteça, já que existem muitas pessoas que têm um grande interesse em preservar o sistema. E como o governo lentamente cresce, esse grupo cresce com ele.

Como o grande economista austríaco Ludwig von Mises apontou, a burocracia, em particular, resiste com unhas e dentes a qualquer tipo de mudança. "O burocrata não é apenas um empregado do governo", escreveu Mises, 

Ele é, sob uma constituição democrática, ao mesmo tempo, um eleitor e, como tal, uma parte do soberano, seu empregador. Ele está em uma posição peculiar: ele é o empregador e o empregado. E seu interesse pecuniário, como funcionário, está acima de seu interesse como empregador, já que ele recebe muito mais dos recursos públicos do que contribui para eles. Esta dupla relação se torna mais importante à medida que o número de pessoas na folha de pagamento do governo aumenta. O burocrata, como eleitor, está mais ansioso em obter um aumento do que em manter o orçamento equilibrado. Sua principal preocupação é fazer inchar a folha de pagamento.

O economista Milton Friedman descreveu quatro maneiras de se gastar dinheiro. A primeira é quando você gasta o seu dinheiro com você mesmo. Nesse caso, você tem um incentivo para buscar qualidade e gastar o dinheiro de forma eficiente. Este é o modo como, geralmente, o dinheiro é gasto no setor privado. A segunda maneira é gastar o seu dinheiro com outra pessoa — por exemplo, quando você compra jantar para alguém. Nesse caso, você certamente se preocupa com a quantidade de dinheiro que você gasta, mas está menos interessado na qualidade. A terceira maneira é quando você gasta o dinheiro de outra pessoa consigo mesmo, como quando você almoça à custa de sua empresa. Nesse caso, você terá pouco incentivo para ser frugal, mas você vai se esforçar para escolher o melhor almoço. A quarta maneira é quando você gasta o dinheiro de alguém com outra pessoa. Nesse caso, você não tem motivos para se preocupar com a qualidade e nem com o custo. Esta é a maneira como, geralmente, o governo gasta o dinheiro dos impostos.

Os políticos raramente são responsabilizados pelas medidas que implementam e que acabam sendo prejudiciais no longo prazo. Eles recebem elogios por suas boas intenções e pelos resultados iniciais positivos de seus programas. As consequências negativas, que surgem no longo prazo (por exemplo, dívidas que precisam ser reembolsadas), serão da responsabilidade de seus sucessores. Por outro lado, os políticos têm pouco incentivo para executarem programas que gerem resultados somente depois que eles já deixaram o cargo, pois tais resultados serão creditados aos futuros líderes.

Assim, os governos democráticos, invariavelmente, gastam mais dinheiro do que recebem. Eles resolvem esse problema aumentando impostos ou, ainda melhor — uma vez que as pessoas que têm de lhes pagar não ficarão nada satisfeitas —, tomando empréstimos ou simplesmente imprimindo o dinheiro. (Note que eles tendem a contrair empréstimos junto a seus bancos favoritos, os quais posteriormente serão resgatados pelo governo, caso tenham problemas). Eles raramente cortam seu próprio orçamento. Quando eles falam em 'cortar', isso normalmente significa um crescimento mais lento dos gastos.

Imprimir dinheiro, é claro, leva à inflação, o que implica uma redução constante no valor da poupança das pessoas e no seu poder de compra. Pedir dinheiro emprestado faz com que a dívida nacional aumente e, consequentemente, deixe para a geração futura o pagamento dos juros. Atualmente, as dívidas públicas de quase todas as democracias do mundo se tornaram tão altas, que é improvável que venham a ser quitadas algum dia. O que é pior é que algumas instituições, como fundos de pensão, compraram maciçamente essa dívida pública, sob a suposição de que este seria um bom investimento de longo prazo. Isso é uma piada cruel. Muitas pessoas nunca irão receber a pensão com que contavam porque o dinheiro que colocaram em seus fundos de pensão já foi desperdiçado.

No entanto, apesar de todos esses problemas que a democracia nos traz, continuamos a esperar e a acreditar que, após as próximas eleições, tudo vai mudar. Isso nos deixa presos em um círculo vicioso: o sistema não entrega o que promete, as pessoas se tornam frustradas, os políticos fazem cada vez mais promessas, as expectativas ficam ainda maiores, assim como os inevitáveis desapontamentos. E tudo se reinicia. Em uma democracia, os cidadãos são como alcoólatras que precisam beber cada vez mais para ficarem embriagados, resultando em uma ressaca ainda maior. Em vez de concluírem que devem ficar longe do álcool, eles querem ainda mais. Eles esqueceram completamente de como cuidar de si mesmos e abrindo mão da responsabilidade própria e do comando de suas próprias vidas.

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O artigo acima foi extraído do livro Além da Democracia, à venda no IMB.

Frank Karsten & Karel Beckman 
escreveram uma nova e fulminante análise libertária sobre a democracia.  No livro Além da Democracia, eles mostram, em termos simples e por meio de 13 mitos, o que há de errado com o sistema democrático e por que a democracia é fundamentalmente oposta à liberdade.  O livro mostra também uma alternativa: uma sociedade baseada totalmente na liberdade individual e em relações sociais voluntárias.
Frank Karsten é fundador do Mises Instituut Nederland. Ele aparece regularmente em público para falar sobre a crescente interferência do estado na vida dos cidadãos. www.mises.nl.
Karel Beckman é escritor e jornalista. Ele é o editor chefe do website European Energy Review. Antes de assumir este cargo, ele trabalhou como jornalista no jornal financeiro holandês Financieele Dagblad. O seu website pessoal éwww.charlieville.nl.

ALGUNS DETALHES SOBRE O EMPREGO NO BRASIL


Imagine uma economia formada por 100 pessoas. Destas 100 pessoas, suponha que 90 tenham algum tipo de ocupação (seja um emprego com carteira assinada, seja fazendo bicos ou até mesmo um trabalho voluntário). E suponha também que as 10 pessoas restantes estejam desocupadas, mas estão à procura de uma ocupação.

Neste cenário, temos a seguinte situação estatística:

A População Economicamente Ativa é de 100 pessoas. A População Ocupada é de 90 pessoas, e a População Desocupada é de 10 pessoas. A taxa de desocupação é de 10%, pois há 10 pessoas desocupadas em um universo de 100 pessoas economicamente ativas.

Agora, suponha que destas 10 pessoas desocupadas, 3 desistam de procurar alguma ocupação. Os motivos dessa desistência podem ser vários: ou a pessoa achou alguém disposto a sustentar seu ócio, ou ela perdeu as esperanças de encontrar alguma ocupação, ou ela simplesmente aceitou um programa de assistencialismo governamental que proveja todas as suas necessidades básicas.

Em termos puramente estatísticos, houve uma alteração importante. O fato de 3 pessoas terem deixado de procurar uma ocupação significa que tais pessoas deixaram de ser economicamente ativas. Consequentemente, o arranjo agora passa a ser outro.

A População Economicamente Ativa passa a ser de 97 pessoas. A População Ocupada continua sendo de 90 pessoas. A População Desocupada caiu de 10 para 7 pessoas. E essas 3 pessoas que se retiraram do mercado agora fazem parte da População Não-economicamente Ativa.

Consequentemente, há agora uma nova taxa de desocupação. Antes, a taxa era de 10 pessoas em um universo de 100. Agora, a taxa é de 7 pessoas em um universo de 97. Ou seja, a nova taxa de desocupação é de 7,22% (7 dividido por 97).

Traduzindo: sem que um único emprego tenha sido criado, a taxa de desocupação — popularmente chamada de taxa de desemprego — caiu de 10% para 7,22%.

Por que isso é importante? Porque é exatamente isso o que está acontecendo no Brasil. E é o próprio IBGE quem faz esse alerta.

Comecemos por esta notícia, do final de 2013 (negrito meu):




A taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas do País ficou em 4,6% em novembro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado aponta para o menor desemprego da série histórica do IBGE, iniciada em 2002.

[...]

A redução na taxa de desemprego foi causada pela migração de indivíduos para a inatividade, e não pela geração de postos de trabalho, apontou a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE.

"O que a gente vê aqui é a redução da desocupação em função do aumento da inatividade. Então não houve aumento do número de postos de trabalho. O que houve foi aumento das pessoas que passaram para a inatividade", ressaltou o gerente da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo.

Em novembro, houve aumento significativo na população não economicamente ativa. Na comparação com outubro, o aumento foi de 0,8%, o equivalente a 148 mil indivíduos.Em relação a novembro de 2012, a alta foi de 4,5%, mais 801 mil pessoas na inatividade.

Agora vejamos esta notícia, de 27 de março (negrito meu):




O número de pessoas economicamente não ativas que não buscam emprego porque não têm interesse em trabalhar aumentou 1,2% em fevereiro em relação a janeiro, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

[...]

"O que essa população não economicamente ativa está mostrando é que são pessoas que não trabalham e não procuram, elas não estão pressionando o mercado de trabalho. O que a gente vem observando é o crescimento da fatia das pessoas que não estão exercendo pressão sobre o mercado de trabalho por uma opção", disse Adriana Beringuy, técnica da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE.

O aumento da população inativa tem contribuído para manter a taxa de desemprego em mínimas históricas. A população não economicamente ativa aumentou 3,8% em fevereiro em relação ao mesmo mês do ano passado, o equivalente a 686 mil pessoas migrando para a inatividade no período. Ao mesmo tempo, a criação de vagas ficou estatisticamente estável, com a abertura de apenas dois mil novos postos de trabalho.

Toda essa evolução pode ser observada no gráfico abaixo, que contém os dados do IBGE, que estão disponibilizados no site do Banco Central.

A linha vermelha mostra a evolução da População Economicamente Ativa nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. A linha verde mostra a evolução da População Ocupada, e a linha azul, a da Desocupada.



Vale lembrar que 'Ocupados' abrange absolutamente todos os tipos de ocupação, seja ela remunerada (desde o executivo até o malabarista de semáforo) ou não-remunerada (instituições religiosas beneficentes, cooperativismo, aprendiz ou estagiário). Isso quer dizer que abrange também funcionários públicos, pessoas que prestam serviço militar obrigatório e os clérigos.

Para apreender corretamente o que o gráfico acima está dizendo, o melhor procedimento é fazer um gráfico que mostra a taxa de crescimento anual da População Economicamente Ativa e a taxa de crescimento anual da População Ocupada. Isso nos permitirá constatar as declarações do IBGE.



O gráfico acima ilustra vários fenômenos interessantes.

Para começar, sempre tenha em mente a seguinte igualdade:

População economicamente ativa = ocupados + desocupados.

O primeiro fenômeno que chama a atenção no gráfico é o ocorrido no ano de 2003. Mesmo com a recessão daquele ano, e com a SELIC a 26,5%, a população ocupada aumentou 4,5%. Porém, também naquele ano, a população economicamente ativa cresceu a uma taxa ainda maior. Por causa da igualdade acima, isso significa que a população desocupada também aumentou. Consequentemente, a taxa de desemprego (ou, no caso, a taxa de desocupação) chegou a 13%.

Após aquele ano, a população economicamente ativa passou a crescer a uma taxa menor do que a taxa de crescimento da população ocupada. De novo, pense na igualdade acima: se a população economicamente ativa cresce, mas o número de ocupados cresce ainda mais, então o número de desocupados está caindo. Exatamente por isso, a taxa de desocupação apresentou cifras declinantes a partir de meados de 2004. E assim foi até 2009.

A recessão de 2009 fez com que as duas variáveis ficassem praticamente estagnadas, mas por pouco tempo. Já em 2010, ambas voltaram a crescer com grande vigor.

(Para entender as causas desse forte crescimento do emprego no período 2004-2011, veja este artigo).

Nos anos de 2011 e 2012, a situação foi de estabilidade, com a população ocupada crescendo a uma média de 2% ao ano, e a população economicamente ativa, a 1,5% ao ano.

Já em 2013, houve uma guinada radical e inédita nos indicadores, especialmente a partir do segundo semestre. A população economicamente ativa começou a encolher. Em novembro de 2013, por exemplo, ela foi 1% menor do que em novembro de 2012. Isso significa que havia menos pessoas no mercado de trabalho (trabalhando ou procurando emprego) em novembro de 2013 do que havia em novembro de 2012.

Junto com a queda da população economicamente ativa ocorreu também uma queda na população ocupada. Em novembro de 2013, o número de pessoas ocupadas foi 0,73% menor do que em novembro de 2012.

E a coisa ficou ainda mais interessante agora no mês de fevereiro de 2014. A taxa de crescimento da população ocupada foi de 0%, o que significa que a quantidade de pessoas ocupadas simplesmente não se alterou em relação a fevereiro de 2013 (segundo o IBGE, neste período houve a "abertura de apenas dois mil novos postos de trabalho"). Mas a taxa de crescimento da população economicamente ativa foi negativa, de -0,46%.

De novo, voltemos à igualdade acima: se a população ocupada não se altera, mas a população economicamente ativa encolhe, então o número de desocupados também encolheu. Isso significa que as pessoas que estavam desocupadas simplesmente pararam de procurar ocupação e se retiraram do mercado de trabalho, tornando-se não-economicamente ativas, e contribuindo para reduzir a taxa de desocupação (desemprego).

Como o gráfico deixa claro, trata-se de um fenômeno inédito no Brasil. Nem mesmo nas recessões de 2003 e 2009 houve uma taxa de crescimento negativa. Muito embora a série estatística do IBGE comece apenas em 2002, a lógica leva a crer que tal fenômeno nunca antes havia ocorrido, pois a taxa de crescimento da população geral (a qual está em 1% ao ano) era bem maior no passado, o que significa que o número de pessoas jovens entrando no mercado de trabalho era maior.

Enquanto este fenômeno — pessoas desistindo de procurar ocupação e se retirando do mercado de trabalho — prosseguir, a taxa de desemprego continuará baixa.

Conclusão

As causas desse êxodo de pessoas do mercado de trabalho são diversas, e sua análise está fora do escopo deste artigo. Certamente há de tudo: há pessoas que se contentam com os proventos do Bolsa-Família, há pessoas sem capacitação que desistiram da vida, há pessoas que dão seguidos golpes no seguro-desemprego, e certamente há um grande número de pessoas indolentes que têm quem lhes sustente (inclusive, e principalmente, jovens de classe média-alta).

Com efeito, as recentes notícias sobre uma "inesperada disparada" nos gastos com o seguro-desemprego, mesmo com a taxa de desocupação estando em no menor nível da história, confirmam uma das teses acima (negrito meu):



Os gastos com seguro-desemprego e abono salarial devem alcançar R$ 45 bilhões nesse ano [2013], um aumento de 16% com relação ao ano passado e tem crescido muito nos últimos anos. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego vem declinando, passando de 13% em 2003 para 5,4% em 2013. 

Quais as principais consequências desse êxodo do mercado de trabalho?

De um lado, uma menor oferta de mão-de-obra tende a pressionar os salários para cima; de outro, a atual redução na taxa de crescimento do crédito (veja detalhes neste artigo) tende a contrabalançar essa pressão altista nos salários. No momento, a massa salarial registra a menor alta desde 2009, ano em que o país estava em recessão

No cômputo geral, trata-se de um fenômeno lastimável. O baixo crescimento da mão-de-obra só pode ser compensado se houver um crescente aumento na produtividade. Como o Brasil é conhecido justamente por ter uma mão-de-obra pouco produtiva, esse baixo crescimento da mão-de-obra tende a reduzir sobremaneira o aumento da oferta de bens e serviços e, consequentemente, o crescimento da economia e o enriquecimento da população.

No final, este lamentável fenômeno serve apenas para gerar uma redução artificial na taxa de desemprego, algo que o atual governo certamente usará a seu favor como ilustração do "sucesso" de suas políticas.

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Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.