quarta-feira, 11 de junho de 2014

ESQUERDA JÁ CONTROLA O CONTEÚDO DA IMPRENSA E QUER CONTROLAR TAMBÉM O COFRE

Apesar de já exercer um grande controle ideológico sobre o conteúdo dos meios de comunicação, a esquerda quer asfixiá-los economicamente, consolidando o sonhado controle totalitário da imprensa.


Se a presidente Dilma Rousseff for reeleita, a imprensa brasileira corre um grande risco de passar pelo que estão passando os veículos de comunicação da Venezuela e da Argentina.


A censura aos meios de comunicação – disfarçada com o eufemismo de “controle social da mí­dia” – volta a rondar o País. Segundo reportagem da “Folha de S. Paulo”, publicada na quarta-feira, 28, a presidente Dilma Rousseff, caso reeleita para um segundo mandato, pretende propor a regulação econômica dos meios de comunicação, encampando parcialmente a proposta original do Partido dos Traba­lha­dores que, historicamente, é defensor do controle total da mídia e, desde o primeiro governo de Luiz Iná­cio Lula da Silva, tentou pôr em prática esse ideal marxista-leninista, que caracteriza todos os governos socialistas da história – amigos de primeira hora da imprensa quando estão na oposição e seus mais figadais inimigos quando assumem o poder.

É certo que nenhum governo – socialista ou liberal, de direita ou de esquerda – gosta de imprensa livre e se pudesse calaria todas as críticas ao poder, transformando os veículos de comunicação em meras assessorias dos palácios. Mas há uma diferença substancial entre a pressão sobre a imprensa exercida por um governo que se deixa guiar pelas regras do capitalismo e outro que atende à ideologia socialista. No sistema capitalista, mesmo em ditaduras, o governo central costuma exercer pressões pontuais contra os meios de comunicação, censurando um ou outro assunto que não é de seu interesse. Já num regime socialista, a pressão é total e o controle dos meios de comunicação se dá nos mínimos detalhes, asfixiando completamente a liberdade de expressão, que passa a ser monopólio do partido que está no poder.

No Brasil, a esquerda já esteve prestes a exercer esse poder totalitário sobre a imprensa, antes mesmo de Franklin Martins, o então ministro da Comunicação Social de Lula, propor o controle dos meios de comunicação. O que salvou o Brasil de não ter uma espécie de versão midiática e múltipla da Santíssima Trindade, com as “Folhas”, os “Globos”, os “Estadãos”, os “Zero Horas” e os “Populares” constituindo um só “Granma”, foi, sem dúvida, o advento da internet, que abriu espaço para o pensamento liberal e de direita absolutamente alijado dos veículos de comunicação tradicionais. So­mente depois que pensadores de direita começaram a fazer tremendo sucesso na internet, como é o caso notório do filósofo Olavo de Car­va­lho, foi que a imprensa sentiu a necessidade de abrir espaço para alguns deles, ainda que na condição de mero contraponto ao esquerdismo do noticiário em geral.

Talvez seja por isso que Dilma Rousseff, segundo acredita ingenuamente a “Folha de S. Paulo” (ou finge acreditar), não pensa em controlar o conteúdo dos meios de comunicação. Na prática, o conteúdo já está controlado há muito. Eu não preciso assistir ao oligofrênico noticiário de televisão para saber que o “Jornal Nacio­nal”, por exemplo, parece ser editado pelos espíritos de Michel Foucault, no campo dos costumes, saúde e segurança pública, e de Paulo Freire, no campo da educação. Prova disso é que a única voz do noticiário em horário nobre da televisão que tentou destoar desse pensamento marxista pós-moderno – a jornalista Rachel She­he­razade – foi sistematicamente perseguida pelas patrulhas de esquerda até se tornar, provavelmente, a primeira bonequinha de luxo em forma de âncora da TV mundial.

Controle da mídia já existe
Um exemplo desse controle que a esquerda exerce no imaginário dos jornalistas pode ser encontrado na própria matéria da “Folha de S. Paulo” que trata do controle social da mídia. Eis como se inicia a reportagem assinada pelos jornalistas Valdo Cruz e Andreia Sadi: “A presidente Dilma Rousseff continua contra a adoção de algum tipo de controle de conteúdo da imprensa, como defendem lideranças do PT, mas já cedeu em parte a seu partido e vai encampar, num eventual segundo mandato, a proposta de regulação econômica da mídia”.

Ora, desde quando a “Folha de S. Paulo”, com seu estilo telegráfico e direto, em que cada frase constitui um parágrafo, subverte as normas de redação jornalística que ela própria defende e inicia uma matéria com uma oração assessória tomando o lugar do assunto principal? O normal seria a matéria ter começado assim: “A presidente Dilma Rousseff já cedeu em parte a seu partido e vai encampar, num eventual segundo mandato, a proposta de regulação econômica da mídia”.

Só depois de feito esse dever de casa do bom repórter da “Fo­lha”, que segundo o Manual de Re­dação do jornal deve ser sempre direto, aí, sim, os jornalistas que assinam a matéria poderiam acrescentar a informação secundária de que Dilma Rousseff continua contra o controle de conteúdo da mídia proposto pelo PT. Mesmo assim, jamais deveriam afirmar isso com tanta certeza como fizeram os repórteres, pois repórter, como o nome diz, reporta o que vê e ninguém vê o que vai por dentro de uma pessoa a ponto de saber, com toda certeza, se ela é contra algo ou não. O correto seria apenas relatar a posição de Dilma a partir de uma visão externa, que é a perspectiva do repórter, e não afirmá-la com absoluta certeza a partir de uma visão onisciente que lhe entra cabeça adentro, como se o repórter fosse Deus ou ficcionista.

Ou seja, os repórteres da “Folha”, se agissem com a devida imparcialidade, jamais poderiam afirmar que “a presidente Dilma Rousseff continua contra a adoção de algum tipo de controle de conteúdo da imprensa” e, sim, que “a presidente Dilma afirmou que continua contra” ou que uma determinada fonte fez essa afirmação a respeito dela. Muito provavelmente, os dois repórteres da “Folha” agiriam assim se estivessem noticiando um fato relativo aos tucanos José Serra ou Fernando Henrique Cardoso: primeiro, o destaque para o fato novo, que impacta o leitor, mesmo que ele seja negativo para o protagonista da reportagem, como é de praxe no jornalismo; só depois a informação secundária, que pode atenuar a afirmação anterior e ser favorável ao entrevistado, mas não tem o mesmo impacto da novidade e não merece o mesmo destaque. Afinal, qualquer aluno de jornalismo sabe que, entre um “Fulano continua assim ou assado” e um “Fulano fará isso”, a notícia, obviamente, é a ação e não o estado que já existia antes.

Outro exemplo ainda mais sintomático do controle de conteúdo que a esquerda já exerce nos meios de comunicação brasileiros pode ser encontrado na mesma edição da “Folha de S. Paulo”, nu­ma entrevista com o cientista político russo Aleksandr Dugin, de 52 anos, professor da Universidade Estatal de Moscou. O repórter Guilherme Celestino, que entrevistou Dugin, inicia a entrevista com a seguinte pergunta: “Os brasileiros não conhecem o senhor, poderia falar um pouco sobre sua carreira e teoria?” Ao tratar Ale­k­san­der Dugin como absoluto desconhecido no Brasil, o repórter se esquece de que o cientista político russo protagonizou um longo debate com o filósofo Olavo de Carvalho na internet, de março a julho de 2011, fartamente compartilhado e comentado nas redes sociais, que resultou no livro “Os EUA e a Nova Ordem Mundial” (Vi­­de Editorial, 2012, 240 páginas), cuja versão eletrônica se en­contra entre os 100 livros mais vendidos da Amazon na área de política, o­cupando atualmente a 31ª posição.

Como foi Olavo de Carvalho quem apresentou Dugin ao público brasileiro, em artigo publicado no jornal “O Globo”, em 26 de abril de 2003, portanto, há 11 anos, a impressão que fica é que, no Brasil, um pensador só passa a existir se for descoberto por um intelectual de esquerda. O fato de Dugin ter outro livro publicado em português – “A Grande Guerra dos Continentes” – também não foi levado em conta pelo repórter. É certo que esse livro foi lançado por uma editora alternativa, a Antagonista, que parece ter encerrado suas atividades no início de 2012, mas a obra continua no catálogo da Vide Editorial e também pode ser encontrada em versão eletrônica na Amazon. Tudo bem que a maioria dos brasileiros não lê livros de ciência política e jamais ouviu falar de Dugin, mas, quando um jornal apresenta um pensador, evidentemente não está pensando nas massas, caso contrário não seria apenas Aleksandr Dugin o desconhecido – o jornalista Clóvis Rossi, que integra a nobreza editorial da “Folha”, também não existe para a esmagadora maioria dos brasileiros, que não tem o hábito de consumir artigos políticos, a não ser que venham embalados pela retórica midiática de um Arnaldo Jabor.

Fingimento editorial na imprensa
Esses dois casos pinçados da “Folha de S. Paulo” estão longe de ser uma exceção. Em todo o resto da imprensa, a regra é a mesma – o pensamento de esquerda é dominante e o que não é de esquerda entra apenas como contraponto, numa espécie de fingimento editorial, espécie de faz de conta de que existe pluralidade ideológica nos veículos de comunicação. E se não fosse a força da internet, que fez surgir uma espécie de direita virtual no País, nem esse contraponto ideológico existiria e a parte de opinião da grande imprensa seria fatiada apenas entre articulistas como Luís Fernando Veríssimo, Vladimir Safatle, Leonardo Saka­mo­to ou Eliane Brum. O controle ideológico da esquerda é tão forte que nem mesmo alguns críticos do go­verno petista escapam dele. A jornalista Miriam Leitão é um exemplo. Em que pese não poupar críticas a determinadas decisões econômicas do governo federal, sendo execrada por isso nas hostes petistas, ela costuma, em questões de comportamento, a­linhar-se com o ideário de esquerda, fazendo, por exemplo, uma irracional de­fesa das cotas raciais esboçadas pe­lo tucanato e impostas pelo petismo.

Todavia, o controle de esquerda sobre a mídia brasileira beira a censura é no noticiário geral, fora da sessão de opinião dos jornais. Pouco adianta uma “Veja” ter Reinaldo Azevedo ou Rodrigo Constantino, uma “Folha” ter Luiz Felipe Pondé ou João Pereira Coutinho, uma “Época” e um “Globo” terem Guilherme Fiúza ou um “Estadão” ter Denis Rosenfield, se fora de suas respectivas editorias de opinião, em praticamente todo o noticiário dessas publicações, predomina a ideologia esquerdista. Diariamente, o público que lê jornal, ouve rádio ou vê televisão é submetido ao pensamento único de esquerda de forma imperceptível – geralmente por meio de especialistas oriundos das universidades, que supostamente falam com neutralidade sobre o assunto em questão, mas quase sempre não passam de ideólogos disfarçados de cientistas.

Todo o noticiário sério sobre segurança pública, por exemplo, é contaminado pelo pensamento do filósofo Michel Foucault, onipresente no discurso dos especialistas, que glorificam o banditismo, a pretexto de defender os direitos humanos, e espezinham as forças policiais, acusando-as até de crimes que não cometeram. O cientista político uspiano Paulo Sérgio Pinheiro, por exemplo, ao criticar os que pediam justiça no caso do menino João Hélio, arrastado e morto por assaltantes nas ruas do Rio de Janeiro em fevereiro de 2007, perpetrou a seguinte frase: “Nas semanas após o crime bárbaro, muitas chacinas, algumas balas perdidas de revólver de policiais acertam casualmente uma moradora no gueto. Mal são notadas: compaixão e clamor só para vítimas de fora dos guetos”. A vítima “fora dos guetos” a que ele se refere, como se lamentasse a comoção pública que uma vítima suscita, era justamente o menino João Hélio, uma inocente criança de apenas 6 anos, tratado pelos bandidos como “boneco de Judas”, após ficar enganchado no cinto de segurança do carro roubado e ser arrastado pela distância de sete quilômetros, enquanto seu corpo ia se desfazendo pelo caminho.

Panfleto ideológico travestido de notícia
Esse artigo de Paulo Sérgio Pinheiro, escrito em parceria com Marcelo Daher, integrante do Alto Comissariado da ONU, assim como Pinheiro, foi publicado na “Folha de S. Paulo” em 10 de abril de 2007, e nele os autores aproveitam para criticar a polícia, ao dizer que “algumas balas perdidas de revólver de policiais acertam casualmente uma moradora no gueto”. Ora, se a bala é reconhecidamente perdida como é que Paulo Sérgio Pinheiro e seu parceiro de surrealismo podem ter certeza de que ela partiu do revólver de um policial? Nesta simples frase, destituída até de bom senso, que dirá do rigor científico que se espera de um catedrático, Paulo Sérgio Pinheiro, que foi ministro de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso, revela todo o seu preconceito ide­ológico contra a polícia, oriundo das leituras de Foucault no Núcleo de Estudos da Violência da USP, fundado por ele em parceria com o sociólogo Sérgio Adorno.

Mas a notória parcialidade de Paulo Sérgio Pinheiro, que chega a conspurcar o cadáver de uma criança com sua esconsa ideologia dos direitos humanos, não o impede de ser chamado a pontificar nas matérias noticiosas sobre segurança pública, como se fosse uma autoridade científica neutra pairando com a verdade dos fatos sobre as paixões dos parentes de vítimas da criminalidade. No mesmo ano em que não teve dúvida em atribuir as balas perdidas aos revólveres dos policiais, como se bandido não atirasse e não errasse o alvo, Paulo Sérgio Pinheiro criticou o governo do Rio pela política de confronto nas favelas e sua crítica foi tratada pelo blogueiro Jorge Antonio de Bar­ros, o “repórter do crime” do jornal “O Globo”, como “tão contundente quanto autorizada”, pelo fato de Pinheiro ser “um dos fundadores do Núcleo de Estudos da Violência da USP e um dos pesquisadores mais gabaritados no assunto”.

Ora, como sabia Descartes, o primeiro dever de um pesquisador gabaritado, que busca a verdade, é partir da dúvida, especialmente quando os fatos não são claros. Mas não é assim que agem os ideólogos travestidos de cientistas que dão declarações em reportagens de rádio, TV e jornal, muitas vezes fechando a notícia com a última palavra sobre o assunto abordado. Essa onipresença dos acadêmicos de esquerda em reportagens sobre educação, segurança, saúde e cidadania, sempre disfarçados de cientistas neutros e portadores da verdade, transforma o que deveria ser uma matéria jornalística, com a devida pluralidade de opiniões, num panfleto ideológico travestido de notícia. Com isso, o público é adestrado a pensar como a esquerda sobre a maioria dos assuntos humanos, mesmo que politicamente abomine o PT. Quantos pastores evangélicos, sempre que vão criticar a ditatura gay, não fazem questão de deixar claro que também são contra a "homofobia", sem perceber que aceitar e usar o absurdo conceito de "homofobia" – que não tem qualquer lastro científico da forma como é usado – já é ser vítima, sem o saber, da própria ditadura gay que querem denunciar?

Controle do que já está controlado
Em síntese, o governo petista quer controlar o que já está controlado. Inclusive do ponto de vista político. Afinal, qual o grande grupo de mídia do Brasil que se opõe à ideologia de esquerda? O oligarca José Sarney, que detém um império de comunicação no Maranhão filiado à Rede Globo e é aliado de primeira hora de Lula? A própria Rede Globo, cuja teledramaturgia parece sair das páginas de Michel Foucault, promovendo toda sorte de devassidão moral defendida pela esquerda, desde a promiscuidade gay até a liberação das drogas, passando pelo culto sem limites à juventude, que destrói a autoridade paterna e docente? Os sindicatos de jornalistas que já são vergonhosamente totalitários, defendendo todos os atentados à liberdade de expressão que a esquerda comete ou intenta cometer, como é o caso da censura à jornalista Rachel Sheherazade, sem contar o silêncio da própria Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) diante das prisões de jornalistas em Cuba?

Se a presidente Dilma Rousseff for reeleita, a imprensa brasileira corre um grande risco de passar pelo que estão passando os veículos de comunicação da Venezuela e da Argentina. E não adianta achar – como os ingênuos tucanos – que o Brasil é institucionalmente mais estável do que seus vizinhos e que não corre o risco de submergir a uma ditatura institucional nos moldes do PRI mexicano ou do bolivarianismo de Hugo Chávez. Se o governo petista quiser quebrar a espinha dorsal dos grandes veículos de comunicação, ele tem o amparo dos artigos 220 e 221 da Consti­tuição para agir assim. E não será um Supremo cada vez mais bolivariano que conseguirá lhe dizer não. O Congresso Nacional pode até tentar, mas com credibilidade zero, pois estará advogando em causa própria, já que os oligarcas estaduais, presentes ou bem representados no Senado e na Câmara, estão entre os maiores donos de concessões de rádio e TV pelo País afora.

Mas se o PT não conseguir vencer essa guerra contra os grandes conglomerados de comunicação, a tendência é que ressuscite o Conselho Nacional de Jornalistas para atingir a parte mais fraca – os profissionais de comunicação. E, se isso ocorrer, o que é bem provável, os Marinhos, os Frias, os Mesquitas, os Sirotskys, os Câmaras, vão lavar as mãos, sem dúvida alguma. Então, nesse dia, os raros jornalistas de direita terão de se aposentar, pois a tendência é que o conselho profissional dos jornalistas – dado o histórico da Fenaj – seja tão ideológico quanto o Conselho Federal de Psicologia e persiga o profissional da área que não rezar pela sua cartilha. Essa tragédia contra a liberdade de expressão e a democracia só será evitada se a grande imprensa abrir seu noticiário – e não só as páginas de opinião – para o pensamento de direita, descobrindo e ouvindo intelectuais que não pensam como o PT também sobre os assuntos do dia a dia. Caso contrário, a grande imprensa pode até conservar a chave do cofre, mas perderá de vez a autonomia editorial, tornando-se mero boneco de ventríloquo dos chefes de quarteirão do pensamento.


Post scriptum – Jamais me deixei enganar por Joaquim Barbosa. Sua renúncia precoce e injustificável ao Supremo mostra que eu estava certo em todas as críticas que fiz ao ministro – o Brasil não nasceu para heróis. E Barbosa é a maior prova disso. Ainda volto ao assunto.
Publicado no Jornal Opção.
Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.




COMO JUSTIFICAR O SOCIALISMO

Quase não há resposta à pergunta sobre quais são os argumentos a favor do socialismo, porque a maior parte dos argumentos dos socialistas não é em favor do socialismo, mas contra o capitalismo. Mais do que falhas econômicas, atribuem ao capitalismo supostos defeitos morais. Só que, nos últimos cem anos, os socialistas tiveram de ir mudando seus argumentos contra o capitalismo à medida que seus argumentos iam caindo. Vejamos, um a um:


1. EXPLORAÇÃO: No século XIX, Marx e Engels acusaram as empresas capitalistas de explorar seus trabalhadores mediante a suposta “mais-valia” que lhes era “extraída” (como uma chupada de sangue do Drácula). Porém, acontece que na Europa e Estados Unidos, os empregados e operários da Standard Oil, Shell, Ford, General Motors, General Eletric, e muitas outras empresas, não se tornaram cada vez mais pobres, como antecipava a profecia de Marx, pelo contrário, saíram da pobreza, e muitos prosperaram, dentro de poucos anos. Esse argumento contra o capitalismo caiu.

2. CRISE: Foi a manipulação do dinheiro por parte do banco central americano que causou a Grande Crise de 1929; porém, como sempre, os socialistas jogaram a culpa no capitalismo. Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, os países derrotados abandonaram a economia planificada e fizeram reformas liberais. E assim escaparam da crise, desemprego e pobreza. Esse argumento também caiu.

3. IMPERIALISMO E DEPENDÊNCIA. Os professores de Sorbonne e os experts da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), seguindo Lenin, acusaram o capitalismo de explorar mediante “imperialismo” os países do Terceiro Mundo. Porém aqueles países mais “dependentes” do comércio internacional, e mais abertos à economia global, como Hong Kong, Singapura, Taiwan e Coreia do Sul, saíram da pobreza massiva, e se tornaram ricos, em poucos anos. Outro argumento que cai.

4. JUVENTUDE OPRIMIDA. Em maio de 1968 em Paris, e em Berkeley, na Califórnia, Herbert Marcuse e os marxistas culturais acusaram o capitalismo de “oprimir aos jovens”, aos quais convidaram a que se rebelassem. Porém, depois, uma turminha de garotos imberbes como Bill Gates e Steve Jobs, no Vale do Silício, da própria Califórnia, e agora Mark Zuckerberg com o Facebook, ficaram multimilionários antes dos 40, sem pedir nada ao governo. E na década de 1990 umas reformas “neoliberais” muito tímidas e parciais, ainda muito longe de serem realmente capitalistas, abriram certas oportunidades em alguns mercados de ações e dividendos, e os jovens “yuppies” foram os que mais tiraram delas proveito para ganhar independência. Esse argumento caiu.

5.MACHISMO. A esquerda lançou-se com o feminismo, acusando o capitalismo de “oprimir a mulher”. Porém na China, Índia e América Latina, pequenas janelas de um capitalismo muito incompleto se abrem às pessoas na economia informal, e quem mais aproveita tais oportunidades para ascender são as mulheres. Diferentemente das pobres mulheres presas em sua dependência crônica do insustentável estado de bem-estar social, que agora implode, e lhes cai por cima aos pedaços na Europa e Estados Unidos.

6. RACISMO. Para piorar as coisas, a enorme maioria dessas mulheres da economia informal na América Latina são indígenas de pele avermelhada, bem como seus pais, maridos, irmãos e filhos dessa mesma cor, de modo que os socialistas não conseguem bom uso do argumento indigenista e racista contra o capitalismo.

7. PREJUÍZO ECOLÓGICO. O capitalismo é acusado de “destruir o meio-ambiente”. Porém em alguns lugares da África (agora poucos) estão provando que a propriedade privada é superior ao Estado no cuidado e preservação do meio ambiente e das espécies, pela simples razão de que cada um cuida melhor do que é seu, e “o que é de todos não é de ninguém”. Os vermelhos se vestem de verde e investem contra os transgênicos e nos assustam com notícias de que as indústrias multinacionais de alimento estão nos envenenando. Porém, em seguida aparece a confissão de Mark Lynas, um ex-“verde” arrependido, que diz: “Perdão, estávamos mentindo”.

Mas eles vão seguir. Os socialistas estão no poder, e são muito criativos em inventar defeitos para o capitalismo.

Publicado no jornal boliviano El Día. 
Alberto Mansueti é advogado e cientista político - http://albertomansueti.com/.
Tradução: Márcio Santana Sobrinho




terça-feira, 10 de junho de 2014

As Mentiras do Aquecimento Global - Luiz Carlos Molion - Programa 3A1-HD

DO ENIGMA AO DESASTRE


Os historiadores do futuro, se houver futuro, talvez nos dêem a solução do maior enigma político de todos os tempos. Por enquanto, tudo são névoas e perguntas sem respostas. Um homem que veio não se sabe de onde, que nunca teve um emprego fixo, que pagou seus estudos nas universidades mais caras com dinheiro de fonte misteriosa, que trocou de nome pelo menos quatro vezes, que nunca exibiu um só documento de identidade válido mas apresentou pelo menos três falsificados, que tem uma história de vida toda repleta de episódios suspeitos e passou anos em companhia íntima de gangsters e terroristas, um dia se elegeu senador pelo Estado de Illinois e, depois de apenas alguns meses de experiência política – se é que se pode chamar de experiência a ausência na maioria das sessões --, foi guindado à presidência da nação mais poderosa do globo sob aplausos gerais, despertando em centenas de milhões de eleitores a maior onda de esperanças messiânicas de que se tem notícia desde Lênin, Mussolini, Stálin, Hitler e Mao Dzedong. Decorridos seis anos de administração indescritivelmente desastrosa, continua no posto, impávido colosso, sem que ninguém possa investigar as zonas obscuras da sua biografia sem ser xingado de tudo quanto é nome pelos maiores jornais do país, bem como pela elite dos dois partidos, Democrata e Republicano. Aparentemente a obrigação mais incontornável do eleitor americano hoje em dia é deixar-se governar sem perguntar por quem, e fazendo de conta que tudo está perfeitamente normal.

Uma vez persuadido a acomodar-se a essa situação, sob pena de tornar-se um inimigo público, o cidadão está pronto para aceitar silencioso e cabisbaixo qualquer decisão que venha do governo, por absurda, imoral e inconstitucional que seja.

A última foi essa incrível troca de cinco dos mais temíveis líderes do Taliban por um soldadinho desertor – sem consulta ao Senado, é claro, o que soma à injúria o insulto.

Mas antes disso o número e a gravidade dos crimes do presidente já haviam ultrapassado as mais tétricas especulações futuristas: duplicou a dívida nacional que prometera reduzir, desmantelou o sistema de saúde para colocar em seu lugar a fraude monumental do Obamacare, pressionou hospitais religiosos para que realizassem abortos, entregou armas a traficantes mexicanos e terroristas sírios, encheu de dinheiro estatal firmas falidas de seus amigos e contribuintes de campanha, desmoralizou o dólar, estragou as relações diplomáticas com Israel, fez mil e um discursos culpando os EUA de tudo quanto acontece de mau no mundo, teve dezenas de encontros secretos com membros e parceiros da Fraternidade Muçulmana, usou o imposto de renda para perseguir inimigos políticos, instalou um monstruoso sistema de espionagem interna para chantagear jornalistas, incentivou o quanto pôde o ódio racial, armou a polícia civil com equipamentos de guerra para aterrorizar cidadãos desarmados, acabou com a liderança americana no mundo, recusou socorro a um embaixador cercado por terroristas e, depois que ele foi assassinado, tentou enganar o país inteiro com a historinha ridícula de que foi tudo culpa de um vídeo do youtube. Nesse ínterim, tirou mais férias, deu mais festas e jogou mais partidas de golfe do qualquer dos seus antecessores, além de faltar sistematicamente aobriefing diário com seus assessores. Nas horas vagas, sua esposa se dedicava a uma campanha altamente humanitária para que as crianças comessem mais nabos e menos batatinhas fritas, provocando a ira da população infantil.

A sucessão de ações maldosas e antipatrióticas, entremeada aqui e ali de futilidades obscenas, é tão incessante, tão coerente, que toda tentativa de explicá-la pela mera incompetência vai contra o mais mínimo senso de verossimilhança. Como escreveu Eileen F. Toplansky no último número do American Thinker, o homem não é um fracasso: é um sucesso. Sucesso num empreendimento frio e calculado de destruição do país (v. http://www.americanthinker.com/2014/05/a_most_successful_president.html).

Se, a despeito disso, ele continua blindado e inatingível, é porque a Constituição e as leis foram desativadas, sendo substituídas por um novo princípio de ordem: a autoridade da grande mídia, aliada à força de intimidação de uma vasta rede de colaboradores dispostos a tudo e amparada em corporações bilionárias interessadas em remover os EUA do caminho do governo mundial.

O Sistema americano, em suma, já não é mais o mesmo, e a restauração do antigo, se for possível, levará décadas. A obra de devastação foi muito além dos seus efeitos políticos imediatos: mudou o quadro inteiro da autoconsciência americana, fez da grande potência um país doente e aleijado, incapaz de reagir às mais brutais agressões psicológicas. Incapaz até mesmo de escandalizar-se.

A passagem de Barack Hussein Obama pela presidência é o acontecimento mais desastroso que já se abateu sobre os EUA desde o bombardeio de Pearl Harbor.
Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.  www.olavodecarvalho.org


segunda-feira, 9 de junho de 2014

O GOVERNO ACABOU

Os ministérios estão paralisados. O que se mantém é a rotina administrativa


O governo Dilma definha a olhos vistos. Caminha para um fim melancólico. Os agentes econômicos têm plena consciência de que não podem esperar nada de novo. Cada declaração do ministro da Fazenda é recebida com desdém. As previsões são desmentidas semanas depois. Os planos não passam de ideias ao vento. O governo caiu no descrédito. Os ministérios estão paralisados. O que se mantém é a rotina administrativa. O governo se arrasta como um jogador de futebol, em fim de carreira, aos 40 minutos do segundo tempo, em uma tarde ensolarada.

Apesar do fracasso — e as pífias taxas de crescimento do PIB estão aí para que não haja nenhum desmentido —, Dilma é candidata à reeleição. São aquelas coisas que só acontecem no Brasil. Em qualquer lugar do mundo, após uma pálida gestão, o presidente abdicaria de concorrer. Não aqui. E, principalmente, tendo no governo a máquina petista que, hoje, só sobrevive como parasita do Estado.

A permanência no poder é a essência do projeto petista. Todo o resto é absolutamente secundário. O partido necessita da estrutura estatal para financeiramente se manter e o mesmo se aplica às suas lideranças — além dos milhares de assessores.

É nesta conjuntura que o partido tenta a todo custo manter o mesmo bloco que elegeu Dilma em 2010. E tem fracassado. Muitos dos companheiros de viagem já sentiram que os ventos estão soprando em sentido contrário. Estão procurando a oposição para manter o naco de poder que tiveram nos últimos 12 anos. O desafio para a oposição é como aproveitar esta divisão sem reproduzir a mesma forma de aliança que sempre condenou.

Como o cenário político foi ficando desfavorável à permanência do petismo, era mais que esperada a constante presença de Lula como elemento motivador e agregador para as alianças. Sabe, como criador, que o fracasso eleitoral da criatura será também o seu. Mas o sentimento popular de enfado, de cansaço, também o atingiu. O encanto está sendo quebrado, tanto no Brasil como no exterior. Hoje suas viagens internacionais não têm mais o apelo do período presidencial. Viaja como lobista utilizando descaradamente a estrutura governamental e intermediando negócios nebulosos à custa do Erário.

Se na campanha de 2010 era um presidente que pretendia eleger o sucessor, quatro anos depois a sua participação soa estranha, postiça. A tentativa de transferência do carisma fracassou. Isto explica por que Lula tem de trabalhar ativamente na campanha. Dilma deve ficar em um plano secundário quando o processo eleitoral efetivamente começar. Ela não tem o que apresentar. O figurino de faxineira, combatente da corrupção, foi esquecido. Na história da República, não houve um quadriênio com tantas acusações de “malfeitos” e desvios bilionários, como o dela. O figurino de gerentona foi abandonado com a sucessão de “pibinhos”. O que restou? Nada.

Lula está como gosta. É o centro das atenções. Acredita que pode novamente encarnar o personagem de Dom Sebastião. Em um país com uma pobre cultura democrática, não deve ser desprezada a sua participação nas eleições.

A paralisia política tem reflexos diretos na gestão governamental. As principais obras públicas estão atrasadas. Boa parte delas, além do atraso, teve majorados seus custos. Em três anos e meio, Dilma não conseguiu entregar nenhuma obra importante de infraestrutura. Isto em um país com os conhecidos problemas nesta área e que trazem sérios prejuízos à economia. Mas quando a ideologia se sobrepõe aos interesses nacionais não causa estranheza o investimento de US$ 1 bilhão na modernização e ampliação do porto de Mariel. Ou seja, a ironia da história é que a maior ação administrativa do governo Dilma não foi no Brasil, mas em Cuba.

Os investimentos de longo prazo foram caindo, os gastos para o desenvolvimento de educação, ciência e tecnologia são inferiores às necessidades de um país com as nossas carências. Não há uma área no governo que tenha cumprido suas metas, se destacado pela eficiência e que o ministro — alguém lembra o nome de ao menos cinco deles? — tenha se transformado em referência, positiva, claro, pois negativa não faltam candidatos.

O irresponsável namoro com o populismo econômico levou ao abandono das contas públicas, das metas de inflação e ao desequilíbrio das tarifas públicas. Basta ver o rombo produzido no setor elétrico. A ação governamental ficou pautada exclusivamente pela manutenção do PT no poder. As intervenções estatais impuseram uma lógica voluntarista e um estatismo fora de época. Basta citar as fabulosas injeções de capital — via Tesouro — para o BNDES e os generosos empréstimos (alguns, quase doações) ao grande capital. E a dívida pública, que está próxima dos R$ 2,5 trilhões?

No campo externo as opções escolhidas pelo governo foram as piores possíveis. Mais uma vez foi a ideologia que deu o tom. Basta citar um exemplo: a opção preferencial pelo Mercosul. Enquanto isso, o eixo dinâmico da economia mundial está se transferindo para a região Ásia-Pacífico.

Ainda não sabemos plenamente o significado para o país desta gestão. Mas quando comparamos os nossos índices de crescimento do PIB com os dos países emergentes ou nossos vizinhos da América Latina, o resultado é assustador. É possível estimar que no quadriênio Dilma a média sequer chegue a 2%. A média dos emergentes é de 5,2%, e da América Latina, de 3,2%. E o governo Dilma ainda tem mais sete meses pela frente. Meses de paralisia econômica. Haja agonia.

Por: Marco Antonio Villa é historiador

TEMPO REENCONTRADO

Envelhecer não é apenas um fato biológico. É também estético. Segundo os ensinamentos do dr. Coutinho, envelhecer significa rever certos filmes ou reler certos livros que a nossa ignorância juvenil considerava obras-primas —e depois pular do sofá, sustendo o vômito e gritando de pasmo: "Mas como foi possível eu ter gostado de uma bosta dessas?".


Recentemente, em mudanças, resolvi fazer uma tosquia na biblioteca. Mas, antes da tosquia, resolvi avaliar a qualidade do rebanho, começando pelos espécimes que ocupavam o panteão das paixões adolescentes.
Henry Miller estava no topo da lista, e a sua trilogia ("Sexus", "Plexus", "Nexus"), complementada pelos "Trópicos" (de Câncer e de Capricórnio), tinha deixado gratas memórias na memória da criança.

A criança, hoje a caminho da meia-idade, sentou e releu as páginas sublinhadas. E ficou abismada com a mediocridade da prosa e o priapismo repetitivo, sem sombra de humor, com que Miller polvilhava as suas fantasias parisienses. Como foi possível ter dado abrigo a Henry Miller durante tanto tempo?

Aliás, não apenas a ele: com os romances de Umberco Eco; a filosofia de Baudrillard; a poesia de Sylvia Plath foi precisamente a mesma coisa. Tudo para o balde.

E no cinema? Aqui, a minha vergonha é ainda maior: vinte anos atrás, eu acreditava genuinamente que Oliver Stone era um diretor de cinema. Fui acumulando os filmes do homem —"Nascido em 4 de Julho", "The Doors", o repelente "Assassinos por Natureza"— com gratidão cinéfila sincera.

Hoje, assistindo a qualquer um deles, é legítimo questionar que substâncias ilícitas eu consumia na década de 1990.

Pior: filmes declaradamente "sérios" e "dramáticos", como "Nascido em 4 de Julho", são impossíveis de engolir com cara séria. Acreditar em Tom Cruise como "marine" estropiado no Vietnã não é apenas "suspender a descrença". É suspender qualquer atividade cerebral significativa.

E quem fala em Stone, fala dos exercícios nulos de Jonathan Demme ("Filadélfia" em primeiro lugar); nos filmes de Mike Nichols (começando logo em "A Primeira Noite de um Homem"); e, obviamente, nesse caso perdido que dá pelo nome de Ridley Scott. Se "Thelma & Louise" não é o pior filme dos últimos largos anos, eu desafio o leitor a apresentar uma alternativa.

Mas nem tudo é necessariamente mau. O que jogamos no balde com alívio e repulsa é compensado por tudo o que resgatamos dele.

Falei de Ridley Scott. Mas, 20 anos depois, eu desconhecia que o talento da família estava com o irmão Tony. Sim, a filmografia do senhor é majoritariamente pavorosa. Mas depois existem uns milagres lá pelo meio -os filmes com Denzel Washington, como "Chamas da Vingança"- que redimem todas as falhas e todas as pirotecnias escusadas.

Ressurreições são também devidas a diretores entretanto desaparecidos em combate, como Steven Kloves (que nos deu "Susie e os Baker Boys", um filme etílico —em vários sentidos da palavra— e que envelheceu bem como os melhores vinhos) ou Lawrence Kasdan (que em "O Turista Acidental" dirigiu uma obra-prima do cinema americano moderno).

E, nos livros, uma confissão: a arte do conto foi destronando a ilusória grandiosidade do Romance (com maiúscula). Claro que os russos (como Dostoiévski), os ingleses (como Evelyn Waugh) ou os franceses (como Céline) permanecem intocáveis.

Mas sei hoje que, comparando colegas de geração, prefiro os contos de Richard Ford a qualquer romance de Don DeLillo; os contos de William Trevor a qualquer romance de Iris Murdoch; os contos de Hanif Kureishi a qualquer romance de Ian McEwan.

Lições para o futuro? Apenas uma: não confiar demasiado no passado. Como diria o velho Darwin, só sobrevive quem se adapta melhor aos desafios da evolução. O que significa que, evoluindo nós, os livros ou os filmes que ficam são aqueles que se adaptam aos dilemas, às alegrias e às tristezas que só chegam mais tarde nas nossas vidas.

O que jogamos no balde não é tempo perdido. É tempo reencontrado. 
Por: João Pereira Coutinnho Publicado na Folha de SP

domingo, 8 de junho de 2014

CURIOSIDADES!!!

CONTRA A ABSURDA LEI DA PALMADA

Você é a favor de que pais mantenham seus filhos em cárcere privado, sem água, comida e brinquedo, por dias a fio? Não? Então você tem que defender a proibição do castigo no quarto quando ele for malcriado. Colocar no quarto ou no cantinho é uma violência similar à do sequestro.

Achou meio exagerado? É exatamente esse o raciocínio que justificou a Lei da Palmada, ou Lei do Menino Bernardo. Dar uma palmada é torturar; é violentar.

No mundo real, por outro lado, palmada não é tortura e não traz danos às crianças. Como documentado, por exemplo, por Judith Rich Harris em The Nurture Assumption, as evidências a esse respeito em geral não controlam variáveis básicas (ex: influência genética, cultura do meio infantil do qual a criança participa, etc.) e descartam interpretações alternativas: crianças são mais violentas porque apanham mais ou apanham mais porque são mais violentas?

Quando têm algum rigor, os resultados são fracos, e sempre do tipo: crianças que levam palmada podem ser um pouco mais briguentas.

Mas veja: mesmo que haja algumas consequências negativas, nem por isso se segue que a palmada jamais deva ser usada. A necessidade de controlar a criança no presente pode justificar um pequeno desvio de comportamento futuro. (Ou por acaso é um dever moral deixar que os pimpolhos dominem o lar?) Esse tipo detrade-off é normal na criação dos filhos.

Peguemos exemplos de outras áreas. Ao levar o filho para a praia ou para uma piscina, os pais estão conscientemente aumentando o risco de morte da criança. Mesmo assim, julgam que a diversão daquele momento justifica o risco. Ao levar o filho para a casa da avó pra passar a noite, os pais voluntariamente aumentam as chances de o filho morrer ou de ter sequelas pela vida toda (ao colocá-lo num carro) para que possam desfrutar uma noite a dois. É tão horrível assim? Não. É natural.

Pequenos riscos e danos fazem parte da vida, e podem ser justificados por ganhos significativos em outras áreas. Da mesma forma, manter a paz no presente pode justificar um microaumento da probabilidade de que o filho arrume briga no parquinho.

A palmada é apenas uma alternativa para coibir maus comportamentos. Não é das melhores. Depender menos dela é bom. Aliás, quanto mais palmada se dá, menos eficaz ela se torna. Sua vantagem é ser uma punição imediata com baixo custo e alto poder de coibir malcriação. O castigo, a conversa séria, o "tirar brinquedos" também funcionam em diferentes contextos, mas todos exigem mais tempo e esforço dos pais, que às vezes estão exaustos demais. Às vezes, nada como uma boa palmada, ainda que não seja a ferramenta ideal.

Palmada é como ter um pneu remoldado de estepe. Pior e menos seguro, mas, quando necessário, quebra um galho; melhor com ele do que sem.

O ideal da criação sem palmada pode até ser admirado, mas na maioria dos casos não é realista e por isso não deveria em hipótese alguma ser obrigatório. A proibição só serve para abolir uma ferramenta dos pais, tornando a criação dos filhos algo mais cansativo, sem dar nada em troca. Com essas e outras neuroses perfeccionistas que assolam a relação entre pais e filhos, dá pra entender por que ninguém mais quer tê-los.

A proibição depende de imaginar um mundo fantasioso da infância perfeita; trata-se de algo similar à mentalidade que proibiu a propaganda infantil (que, como todo mundo sabe de primeira mão, é coisa inofensiva). Nesse sentido, a escolha da Xuxa como garota-propaganda foi perfeita: uma eterna adolescente que vive num mundo de fantasias infantis e conta com serviçais para toda e qualquer tarefa; e cuja filha, aos 15 anos, ainda tem babá.

O conteúdo da lei é só o começo dos problemas. É preciso implementar a proibição. E como é que a Justiça vai descobrir se a palmada ainda vigora nos lares? A princípio, é mais uma lei que não pegará.

Ou será que o estado vai levá-la a sério? Nesse caso, e na ausência de Fiscais da Família visitando-nos toda semana pra interrogar as crianças (ainda é cedo pra isso — quem sabe em 2050), a única saída é estimular a cultura da delação. Seus vizinhos, seus parentes, seus conhecidos; não arrume confusão com eles, ou já sabe…

Ensinamos as crianças a recorrerem à autoridade ao primeiro sinal de conflito, como se fosse um reflexo. Agora instaremos os adultos a fazê-lo também. Não é a primeira vez. Pode ter certeza de que interessa ao estado quebrar laços de confiança entre as pessoas. Quanto mais as pessoas confiam umas nas outras, menos o poder estatal é necessário. Já tivemos os Fiscais do Sarney, agora podemos ressuscitá-los, não para multar comerciantes, mas para arruinar famílias. Belo e moral!

Entre a lei que não pega e a vigilância totalitária, minha mulher apontou uma terceira alternativa, e essa é minha aposta. Para o grosso das pessoas, a lei não vai pegar. A vida seguirá como sempre. O custo social da implementação é alto demais. Mas, de vez em quando, quando um conflito ou desavença surgir, apossibilidade de delatar a palmada às autoridades será mais uma opção do cardápio; mais uma tática possível no arsenal de militantes bem-intencionados ou vizinhos invejosos. Virá à tona especialmente em disputas virulentas pela guarda dos filhos.

A Lei do Menino Bernardo entrará, assim, no rol das leis hipócritas: aquelas que ninguém espera que sejam seguidas, mas que continuam valendo quando convém. Como a Lei Seca. Desastrosa se aplicada de verdade, ela é aplicada arbitrariamente, de vez em quando. Sobrevive como um pequeno exercício de poder para ferrar a vida de algum azarado.

Agora não há mais escolha: ou se opera no (suposto) ideal, ou se está quebrando a lei e pode-se perder a guarda dos filhos e até mesmo ir para a cadeia por um período de 1 a 4 anos.

Mas me digam, o que será pior para uma criança: levar uma palmada no bumbum ou ser tirada à força de seus pais, dada aos cuidados da Assistência Social, ir e vir a tribunais familiares, e ser repassada a uma nova família?

Sendo assim, todo mundo que levou palmada na infância tem agora apenas duas opções: apontar o dedo na cara da mãe e dizer que ela é uma criminosa e que deveria ter sido presa, ou protestar em alto e bom som contra essa lei imbecil.

Joel Pinheiro da Fonseca é mestre em filosofia, editor da revista Dicta&Contradicta e escreve no blog Ad Hominem.


FASCISMO LIGHT

Reinaldo Azevedo escreveu na "Veja" um texto sobre o tabaco. Corrijo. Sobre a autoritária intenção do governo federal de proibir o fumo em lugares fechados. Como já acontece em São Paulo.


Subscrevo cada linha do meu colega e aproveito para responder à pergunta de Reinaldo sobre o glorioso mundo que espera o Brasil: é o mundo da União Europeia, com seus regulamentos absurdos e suas absurdas intromissões na liberdade individual —a respeito de sal, gorduras, açúcares, bebidas energéticas, exercício físico, exposição solar e qualquer manifestação de vida que seja um desvio da cartilha dos fanáticos.

Mas, antes de passarmos a esse mundo, relembremos o básico: a luta contra o fumo é uma luta médica, não política.

Os médicos podem "desaconselhar" o tabaco. Os cientistas podem provar os malefícios do fumo para a saúde do fumante (ativo), embora ainda esteja por provar qualquer relação consequente entre fumo (passivo) e câncer, por exemplo. Depois, em liberdade, cada um escolhe o modo de vida que entende com a informação de que dispõe.

Coisa diferente é afirmar que o fumo também pertence ao mundo do poder político. Não pertence. Se, como escreve Reinaldo Azevedo, os cigarros não são ilegais, não compete ao governo tratá-los como substâncias ilícitas. Sobretudo quando esse governo cobra impostos sobre o consumo, beneficiando os cofres do Estado com um vício que publicamente condena.

A hipocrisia do gesto fura os olhos de qualquer um: sob a capa da virtude, o governo rejeita os pulmões dos fumantes mas não o dinheiro deles.

Além disso, e mesmo que as proibições sejam em nome da saúde, não compete ao governo ser o "babysitter" de ninguém. Tentar aprimorar a qualidade da raça é coisa de regimes totalitários, não de democracias pluralistas.

Em democracias pluralistas, os indivíduos têm todo o direito de arruinar a própria saúde. Fumando. Bebendo. Transando sem camisinha. Rejeitando o "jogging" e abraçando o "zapping".

Aliás, não é apenas o direito de cada um dispor da sua saúde que deve ser respeitado. Existe um direito ainda mais básico que a proibição do fumo em lugares fechados viola clamorosamente: é o direito à propriedade privada.

Como escrevi nesta Folha quando a proibição de fumar em lugares fechados se abateu sobre São Paulo, não compete ao governo indicar ao proprietário de um bar ou restaurante o tipo de clientela que ele pode, ou não pode, aceitar no seu espaço.

Essa decisão pertence ao proprietário: é tão legítimo aceitar fumantes como recusá-los. O mercado e a concorrência, depois, que façam o seu papel: se eu não desejo frequentar um restaurante para fumantes, posso perfeitamente escolher jantar no restaurante do lado onde circula o ar puro de vales e montanhas.

As leis antifumo, que são hoje dominantes em toda a Europa, fazem parte de um programa mais vasto de "reeducação" dos homens em nome da Saúde (a única divindade que restou no mundo pós-religioso). E como se procede a essa "reeducação"?

Claro: criando um estigma sobre fumantes, obesos ou sedentários. Não admira que a esmagadora maioria dos fumantes brasileiros lamente a sua própria "fraqueza". Reinaldo Azevedo fala em 90%. Por razões de saúde? Admito que sim.

Mas também admito que muitos deles se olhem no espelho e se vejam como o governo e os novos "engenheiros de almas humanas" os retratam: seres fracos e repelentes —"vermes", na carinhosa expressão do velho Adolfo— que só servem para "contaminar" a sociedade.

Essa "contaminação" não é mais a contaminação tosca dos delírios nazistas sobre a "praga" judaica. É uma "contaminação" mais subtil, que pretende espalhar na sociedade uma forma de "apartheid" com a pergunta: "Por que motivo eu devo pagar com os meus impostos o tratamento médico de gente que poderia ter cuidado melhor da sua saúde?"

Como é evidente, essa pergunta só faria sentido se fumantes ou glutões não pagassem também impostos. E, como pagadores de impostos, não tivessem os mesmos direitos que qualquer contribuinte vegetariano, praticante de ioga e abstêmio radical.

Os hospitais não existem para tratar gente saudável. Relembrar o óbvio é o melhor retrato do "fascismo light" em que vivemos. 
Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

sexta-feira, 6 de junho de 2014

DESCONSTRUINDO O MARXISMO EM 3 PASSOS

Ainda hoje, Marx é considerado uma figura ilustre, de uma forma ou de outra. Infame para os liberais, grande profeta para os socialistas, o pensador alemão foi de longe um dos homens mais influentes do mundo – especialmente por alguns de seus defensores terem assumido o poder em dezenas de países durante o último século, rachando o mundo numa batalha ideológica entre socialismo e capitalismo.

Nossa intenção aqui é apresentar algumas de suas teorias falseadas, com um pequeno resumo de como elas se mostraram equivocadas para que relembremos o fracasso do socialismo.
Luta de classes

Até hoje vemos muitos crentes de sua ideologia comportando variantes da mesma ideia, apresentando modificações que surgiram para contornar os problemas da teoria marxista, que com o tempo iam se mostrando completamente equivocadas. Talvez o melhor exemplo disso tudo seja a ideia de luta de classes entre proletários e burgueses que, gradualmente, abre alas para as mais distintas lutas de grupos: lutas de raça, lutas de gênero, lutas de credo, etc…

Altera-se a ideia, mas a essência permanece a mesma: a sociedade é dividida em grupos (ou castas), em que uns são dominantes (opressores) e outros são subjugados (oprimidos). A ideia é lutar pelos interesses do segundo grupo para derrubar o primeiro.

O problema é que, ao contrário do que se acredita, o capitalismo não é um sistema dividido em castas rígidas, onde o grande culpado pelo indivíduo da base da pirâmide não subir nessa hierarquia seja o próprio sistema. Mises explica que o capitalismo (de livre mercado), na verdade, permite que os indivíduos não apenas subam, como desçam nessa escala supostamente arbitrária de classes. E essa era até então uma concepção inédita na história da humanidade: o capitalismo foi o primeiro sistema econômico adotado em larga escala a permitir a mobilidade social. Membros da base da pirâmide que obtém sucesso em atender as demandas da população, melhoram sua situação econômica. O efeito contrário pode acontecer aos mais ricos. Como atesta Mises:

- Os ricos, que já estejam na posse de suas riquezas, não têm qualquer razão especial para desejar a preservação de um sistema de livre competição, aberto a todos; particularmente, se não ganharam, eles próprios, sua fortuna, mas a herdaram, têm mais a ter medo do que a esperar da concorrência. De fato, demonstram interesse especial no intervencionismo, que tem sempre a tendência de preservar a existente divisão das riquezas entre os que a possuem. Mas não podem esperar por qualquer tratamento especial do liberalismo, um sistema que não dá qualquer atenção a reivindicações de tradições consagradas pelo tempo, propostas por interesses investidos de riqueza estabelecida.

O capitalismo de livre mercado é um sistema dinâmico de ascensão e queda social. E mais do que isso: é um sistema que continuamente enriquece a sociedade como um todo. O cidadão mais pobre do atual continente europeu vive com mais conforto que qualquer rei da Idade Média.

A sociedade não apenas não é composta por castas, como tampouco é conflitante entre si. O que temos são indivíduos trabalhando para atender as demandas de outros indivíduos para, através dessas trocas, melhorarem suas próprias condições.
Das Condições dos Trabalhadores
Boa parte da teoria marxista é focada em tratar das relações entre trabalhadores e empregadores: mostrar que há uma relação de exploração entre eles. Esse é possivelmente o principal cerne das teorias dos pensadores socialistas, não apenas de Marx.

Para Marx, a exploração é fundamental para que o capitalista consiga se sustentar. Sem explorar, ele irá à falência. Mais do que isso, o fato dele ser o dono dos meios de produção lhe dará poder para explorar o proletário, dado que este não tem escolha: ou trabalha nas condições arbitrárias do dono dos meios de produção, ou morre de fome. Se tivesse poder aquisitivo, os próprios proletários teriam seus meios de produção garantidos e melhorariam suas condições, pois trabalhariam para si mesmos.

Aqui encontramos dois grandes equívocos. Ignora-se, primeiramente, que a concorrência entre diferentes empresas obriga o empresário a brigar pelos melhores funcionários – e isso ocorre fundamentalmente para aumentar sua própria eficiência, melhorar a qualidade de seu serviço e, por consequência, melhor atender as demandas da sociedade. Tal briga implica em ofertar as melhores condições de trabalho possíveis para determinado empregado, forçando a concorrência a aumentar seus salários e melhorar seus benefícios. Isso, ao contrário do que postula a teoria marxista, beneficia os trabalhadores como um todo. Basta analisarmos friamente a história: os salários continuamente tendem a crescer, jamais cair, especialmente quando falamos de países de economias mais livres. Ao longo desse meio século, o rendimento real per capita só desceu em 6 países (Afeganistão, Haiti, Congo, Libéria, Serra Leoa e Somália). Nos restantes, dispararam. Os ricos ficaram mais ricos, mas os pobres ficaram em condições ainda melhores. Os pobres do mundo em desenvolvimento aumentaram o seu consumo duas vezes mais depressa do que o mundo como um todo entre 1980 e 2000. Apesar de vermos a população mundial dobrar nessas últimas cinco décadas, até a porcentagem de pessoas que vivem na absoluta pobreza caiu mais da metade – para menos de 18%. Logo, mesmo que o trabalhador não tivesse escolha senão somente trabalhar em seus empregos ofertados, a concorrência inerente entre as empresas força os empresários a valorizarem as condições do trabalhador.

Agora, o segundo equívoco. Quem disse que o trabalhador gostaria de estar na condição de empresário? Consideremos as seguintes atribuições: preocupação com os lucros, com os salários dos funcionários, com o calvário da burocracia estatal, com o cálculo correto dos impostos, estar atento à variação natural dos preços dos insumos, escolher os melhores investimentos, aproveitar as melhores oportunidades de negócio, suportar quedas de demandas em quadros inflacionários, cumprir com as regulamentações mais arbitrárias possíveis, atender demandas de forma competente e ainda colocar a mão na massa em algum ponto do processo produtivo da empresa – em muitos casos, sobretudo nas empresas menores. Tudo isso são atribuições costumeiras de um empresário. É fato que muitos, à medida que prosperam, passam a delegar suas funções, contratando empregados para suas atribuições iniciais. Ainda assim, não há como delegar a terceiros a parte mais importante de todas: a de assumir os riscos. Se a empresa declina, quem está no prejuízo é o empresário. Certamente ele poderá optar por demissões para mitigar os custos – e isso é terrível para o empregado demitido. Mas ainda assim: o empregado receberá seu última salário, quando partirá para encontrar outro emprego.

Enquanto isso, a ocupação do empregado é cumprir com seu cargo. Normalmente, isso implica que sua única preocupação seja realizar uma função específica e receber seu salário por isso, independentemente do lucro ou do prejuízo do empresário. É verdade que alguns empregos demandam múltiplas funções e ainda que outros possuem condições precárias de trabalho, mas, à luz dos fatos, essas são condições em contínuo processo de melhoria, especialmente nos países com economia mais livre.

Mas Marx vai além. Em seu Manifesto Comunista, defende – e utiliza isso como base em sua obra magna – a ideia da velha lei de ferro dos salários, anterior ao próprio Marx, onde os salários estarão sempre no patamar mínimo necessário para que o proletário sobreviva e garanta a sobrevivência de sua prole. Para Marx, aumentar o salário só iria permitir com que os proletários tivessem mais filhos, uma vez que agora poderiam sustentá-los. Esse excedente de proletários geraria um aumento em suas fileiras, fazendo com que os salários declinassem. Em sua visão de mundo apocalíptica, a partir do instante em que os salários declinam, mais filhos morrem de fome, menos proletários estarão disponíveis e só a queda da oferta permitiria novamente com que os salários aumentassem, fazendo com que eles oscilem sempre no sentido de se manterem no menor patamar possível para garantir o sustento dos filhos, sem que isso cause uma grande variação do número dos proletários.

Mises já havia percebido que não apenas isso é falso, como contraditório com a principal defesa de Marx: a de que a tendência da exploração é sempre piorar a situação do trabalhador a um patamar insustentável onde ele não teria outra alternativa senão apelar para a força bruta e tomar para si o que lhe é de direito. Isso é terrivelmente falso porque trata os trabalhadores como criaturas não humanas. Como diz Eugen von Böhm-Bawerk:

- Os seres vivos não humanos têm necessidade de proliferar até os limites traçados pelo suprimento disponível de meios de subsistência. Nada, senão a quantidade de alimento possível de se obter, controla a multiplicação ilimitada de elefantes ou roedores, de pulgas e germes. Seu número se mantém no nível dos alimentos disponíveis. Mas essa lei biológica não se aplica ao homem. O homem também aspira a outros fins além daqueles relacionados às suas necessidades biológicas e fisiológicas. A lei de ferro presumia que o assalariado — o homem comum — não é melhor do que um coelho: não anseia por outras satisfações além de comer e proliferar-se, não sabe aplicar seus ganhos senão na perseguição dessas satisfações animais. É óbvio que essa é a coisa mais absurda que já se imaginou. O que caracteriza o homem enquanto homem e o eleva acima do nível dos animais é que ele aspira também a objetivos especificamente humanos, que podemos chamar fins mais altos. O homem não é, como os outros seres vivos, impelido apenas pelos apetites de seu ventre e de suas glândulas sexuais. Também o assalariado é um homem, ou seja, é uma pessoa moral e intelectual. Se ganha mais do que o mínimo que lhe é essencial, gasta isso na satisfação de seus anseios especificamente humanos, tenta tornar mais civilizada a sua vida e a de seus dependentes. 

Ainda sobre a condição do trabalhador, Marx alegava que as máquinas os substituíam, piorando sua condição, jogando-os no desemprego e, por consequência, pondo em queda seus salários. Felizmente a história mostra que isso não é verdade. Olhemos em volta: a evolução tecnológica em relação aos tempos do nosso velho barbudo é inquestionável. Ainda assim, desde 1800, a população mundial cresceu 6 vezes, mas a expectativa média de vida mais do que duplicou e o rendimento real aumentou mais de 9 vezes. Embora máquinas exerçam trabalhos braçais de dezenas de operários do passado, as demandas são infinitas e os trabalhadores do presente se alocam em outros tipos de serviços com demandas que, até então, nem sequer eram consideradas. O próprio mercado de informática é um exemplo disso. Hoje, programadores podem desenvolver softwares que permitem computadores, controladores, robôs e as mais variadas máquinas a desempenharem múltiplas tarefas até então apenas executadas com um grande número de pessoas – essas, por sua vez, podem agora se tornar vendedores, gerentes, cozinheiros ou assumir outras tantas profissões que se reinventaram com o tempo, trazendo diversidade e dinamismo para a economia mundial.

Em resumo: as máquinas não só não pioraram as condições do trabalhador, como a melhoram, potencializando sua produtividade e desempenhando trabalhos outrora mal remunerados – embora básicos para a indústria e a cadeia produtiva – agraciando os trabalhadores com o surgimento de demandas para trabalhos mais sofisticados – e consequentemente, melhor remunerados.
A teoria da exploração
Um dos principais alicerces de sua teoria está em provar a exploração dos trabalhadores. Se no ponto anterior demonstramos que ele observou evidências incompatíveis com a realidade que o capitalismo traria no futuro, esse é o ponto em que Marx teoriza a existência da exploração.

Um dos princípios dessa teoria é a de que o trabalhador tem direito sobre 100% do valor produzido pelo seu trabalho em cima daquele produto. Parece justo: você trabalha e recebe exatamente aquilo que ele vale.

O problema é que, para Marx, a roupa costurada manualmente tem a totalidade do seu valor produzido pelo trabalho de quem a costurou. O material de nada vale se não tiver trabalho nele cristalizado. Logo, se todo valor produzido para aquela mercadoria advém do trabalho, como o empresário lucraria com o produto vendido se todo o dinheiro da venda é, em tese, do trabalhador? Para Marx, isso somente seria possível se o dono do meio de produção se apropriasse de parte desse valor e entregasse ao trabalhador menos do que ele produziu em forma de trabalho, constituindo-se essa a exploração do trabalhador no modo de produção capitalista.

Essa ideia parece lógica se você aceita que o valor produzido é fruto somente do trabalho. O problema é que isso é falso.

E é aí que surge Böhm-Bawerk, com sua clássica refutação à teoria da exploração e à teoria de valor em Marx. O primeiro ponto que Böhm-Bawerk levanta é que os socialistas – e essa não é apenas uma crítica a Marx – ignoram a influência do tempo no valor das coisas. Em muitos casos, o salário é pago aos trabalhadores antes que o produto por eles produzido seja sequer vendido. Há, portanto, um investimento para o futuro.

Os trabalhadores em geral preferem receber dinheiro hoje em detrimento de amanhã – principalmente quando esse amanhã significa longo prazo. Isso é conhecido como preferência temporal. Como resultado: dinheiro no futuro vale menos que a mesma quantia no presente. Tal fato significa que, se os trabalhadores recebem antes do produto ser vendido, a quantidade de dinheiro recebido deve ser menor que o preço da venda no futuro, para que ambos os valores sejam equivalentes em dois tempos distintos, ainda que consideremos que a íntegra do valor produzido no produto seja de posse do trabalhador. Esse é o fenômeno do juro que Marx dizia ser só mais uma manifestação da famigerada Mais-Valia.

Contudo, o fenômeno do juro é real, contrariando a premissa de que, se o trabalhador tem direito a 100%, seu salário deveria ser igual ao preço praticado pelo produto no futuro. Se isso acontecesse, na prática, o trabalhador estaria ganhando mais do que deveria – e ironicamente explorando o dono do meio de produção, que estaria investindo dinheiro no presente para receber exatamente a mesma quantia no futuro, perdendo ele parte do valor investido.

Outra questão importante é que, se Marx diz ter encontrado o “tempo de trabalho socialmente necessário” para produzir uma mercadoria como único fator determinante comum a todas as mercadorias no valor final de troca, Böhm-Bawerk encontrou exceções que furam isso a que Marx chama de “Lei de Valor”:

1- Bens raros não obedecem a essa lei. Seus valores não se encontram proporcionais ao tempo médio de trabalho. Isso inclui quadros e outras obras de arte – exemplos que erroneamente levam as pessoas a acreditarem que essas são “pequenas exceções”, Mas a regra vai muito além: terrenos, bens patenteados, direitos autorais, segredos industriais e outros exemplos nos mostram o quão comum são esses tipos de produtos. Terras são rarefeitas por natureza, visto que não se pode replicar espaço físico. Existe uma quantidade infindável de bens que são rarefeitos, frutos de patentes, direitos autorais e segredos industriais. Embora não caiba aqui discutir se tais artifícios são corretos ou não, o fato é que sendo rarefeitos são valorizados e compõem uma grande parte da gama de produtos que o mercado possui. É, portanto, uma “exceção” bastante comum.

2- Produção por trabalho qualificado. Essa é uma exceção tão óbvia que nem Marx ousou negá-la. Ao contrário, tentou encaixá-la em sua teoria, afirmando que a mão de obra qualificada gera um efeitomultiplicador na proporção, ou seja, uma hora de trabalho qualificado valeria, digamos, duas horas de trabalho comum. Se uma ferrovia alega cobrar sua tarifa proporcionalmente à extensão da viagem do passageiro – cobrando, num trecho particularmente dispendioso, cada quilômetro computado como se fosse dois – será possível confirmar que o único princípio para a tarifação seja a extensão do trajeto ou qual tipo de trajeto esse passageiro tomou? E porque o tipo de trabalho que muda a proporção não seria um segundo princípio de determinação de valor, portanto, uma exceção? E exceção das grandes, pois muito do que temos hoje de bens e serviços são frutos de mão de obra qualificada.

3- Bens produzidos por mão de obra extraordinariamente mal paga. Análogo ao segundo ponto, mas no sentido inverso. Alguns trabalhos manuais como bordado, costura, malharia, etc, são pouco valorizados e, por isso, paga-se pouco por eles.

4- Ainda que os produtos obedeçam a uma proporção fiel de trabalho ao seu valor, essa valoração oscila em relação à oferta e à demanda. Marx diz que a Lei de Oferta e Demanda funciona como um fenômeno oscilatório em relação ao valor real determinado objetivamente pelo tempo de trabalho e que, no final, tudo irá obedecer à sua lei de valor. Entretanto, deve-se observar que essas oscilações de valor de troca são reais e que isso é uma evidência de que existem outros fatores desconhecidos que modificam esses valores. É como se um físico observasse a oscilação de um corpo em queda livre para, apenas quando ele se espatifasse no chão, afirmar que tudo não havia passado de meras oscilações passageiras, que o que vale mesmo é a gravidade, a única componente de força atuante sobre o corpo. A gravidade puxa para baixo e somente para baixo. Se um corpo, supostamente em queda livre, modifica sua trajetória de forma absolutamente contrária durante a queda, logo certamente há outras forças atuando sobre ele, ainda que desconhecidas.

5- Marx dizia que, dados dois produtos que contenham a mesma quantidade de trabalho médio cristalizado, aquele que teve maior quantidade de trabalho prévio seria o mais valioso. Entretanto, quando percebemos que levamos menos de 15 minutos de trabalho para se plantar um carvalho – que produz certamente uma valiosa madeira – não teremos como usar esse postulado para explicar porque, dadas duas mesas com o mesmo processo produtivo, a de carvalho ser mais valiosa, ainda que tenha custado menos trabalho prévio que a de uma mesa com outro material.

Dessa forma, temos uma plenitude de bens que desabam completamente a lei de valor, que postula a obediência à regra de que o valor é proporcional ao trabalho cristalizado. É interessante notar que Marx chamava de transgressão da lei de valor o fato de alguma mercadoria não obedecer a essa lei. E – dado que lei, na ciência, descreve uma realidade exaustivamente verificada com inúmeros testes – podemos concluir que, segundo Marx, somos todos infratores da realidade, dada a frequência com que essa lei é transgredida.

Os erros desse ilustre pensador são muito mais do que os citados nesse artigo. Diversas críticas foram feitas a muitos pontos de suas teoria e metodologias. Paul Johnson chega a mostrar evidências históricas de que Marx usou dados falsos para atestar sua tese quanto à condição dos trabalhadores. Muito embora sua principal defesa seja a de supostamente advogar em favor da melhoria de condição do proletário, ele parecia não fazer ideia do que realmente melhoraria sua situação, nem o que estava em processo com o capitalismo. Por melhores que estivessem suas intenção, como o próprio Marx costumava dizer, “o caminho para o Inferno está pavimentado de boas intenções”. O marxismo, de fato, leva o trabalhador à ruína. Como atestou o alemão Hans Sennholz:

- Do ponto de vista das consequências econômicas e sociais, a teoria marxista provoca a desgraça. A legislação trabalhista que sobrevêm com a sua adoção não apenas reduz a produtividade do trabalho e o salário, mas também traz descontentamento e conflitos sociais. Tanto as legislações de salário mínimo, como outras tentativas de elevar os salários acima dos níveis determinados pelo mercado, estão criando desemprego e depressão, o que, por sua vez, fomenta um coletivismo radical. O seguro social compulsório torna seus receptores tutelados do estado, destruindo a sua autoconfiança, sua responsabilidade individual e sua independência. As taxas de confisco que incidem sobre o capital e o ganho de nossos empresários e capitalistas — impostas em benefício dos que ganham menos — prejudicam o crescimento econômico e causam estagnação. Encorajam o desperdício e a ineficiência, baixam os salários, causam rigidez econômica e criam as classes sociais. Por fim, os sindicatos de trabalhadores não apenas reduzem a eficiência do trabalho, através de uma multiplicidade de medidas, que causam desajustamentos e desemprego, mas também agem como eficientes propagadores da ideologia socialista. Todas essas políticas e medidas, juntas, estão provocando o controle econômico geral e a onipotência do governo.

E se você, caro leitor, está realmente preocupado em lutar por mecanismos que melhorarem as condições de vida do trabalhador, segue a dica: abrace o livre mercado.


quinta-feira, 5 de junho de 2014

A 'IMAGEM DO BRASIL'

Fernando Haddad proferira a palavra "guerrilha", referindo-se à greve dos motoristas de ônibus. Na terça, Dilma Rousseff pronunciou a palavra "baderna", referindo-se às manifestações de rua. Minutos depois, liderados por um movimento de sem-teto e por índios armados com arcos e flechas, 2.500 pessoas interromperam o trânsito em Brasília. "É a imagem do Brasil que estará em jogo", explicou a presidente, avisando que "vai chamar o Exército, imediatamente", para reprimir a "baderna" durante a Copa do Mundo. A "imagem" toca num nervo sensível do governo. Em nome dela, por um mês e às custas da ordem democrática, Dilma promete assegurar o direito de ir e vir das pessoas comuns.

A "baderna" é, há tempo, a "imagem do Brasil" –com a diferença, apenas, de que o mundo não estava vendo. Sob o influxo do PT, movimentos minoritários aprenderam que, reunindo algumas centenas de manifestantes, têm a prerrogativa de parar cidades inteiras. A tática, esporádica durante anos, tornou-se rotineira depois das multitudinárias "jornadas de junho". Nas metrópoles, os cidadãos converteram-se em reféns de militantes iracundos, que não buscam persuadir maiorias, mas unicamente provocar o colapso da vida urbana. O problema de Dilma é que chegou a hora da Copa: agora, a "baderna" ameaça a sacrossanta "imagem do Brasil", não os desprezíveis direitos das pessoas.

O conflito entre direitos é um traço marcante das democracias. A liberdade de expressão é regulada por leis que protegem a privacidade e a imagem dos indivíduos. O direito de greve é regulado por disposições que asseguram o funcionamento de serviços essenciais. O direito de manifestação pública é limitado por regras que impedem a anulação do direito de circulação das pessoas. No Brasil do lulopetismo, contudo, aboliu-se tacitamente o direito de ir e vir. Acuadas pelo PT, as autoridades renunciaram ao dever de garanti-lo, curvando- se à vontade soberana de dirigentes sindicais e lideranças de movimentos sociais.

Nas democracias, o equilíbrio entre os direitos de manifestação e de circulação no espaço público deriva de uma série de regras. Manifestações são autorizadas mediante aviso prévio às autoridades e acertos sobre lugares de concentração e trajetos de passeatas. No Brasil, nada disso existe pois não interessa ao Partido: a vigência de regras gerais, de aplicação indistinta, restringiria as oportunidades de orquestração de ações de "baderna" moduladas em cenários de disputa eleitoral. O problema de Dilma é que, na hora da Copa, emergiram movimentos que nem sempre se subordinam às conveniências do Partido. A presidente resolveu, então, militarizar provisoriamente o país. No poder, o lulopetismo oscila entre a política da "baderna" e o recurso ao autoritarismo.

"Não vai acontecer na Copa do Mundo o que aconteceu na Copa das Confederações", garantiu Dilma a uma plateia de aflitos empresários. Não mesmo. Os protestos multitudinários provavelmente não se repetirão porque os "black blocs" cumpriram a missão de afastar das ruas as pessoas comuns. Os envelopes urbanos das "arenas da Fifa", perímetros consagrados aos negócios, serão circundados por cordões policiais de magnitude inédita. Já a "baderna" arquitetada para provocar colapsos de circulação em dias de jogos terá que desafiar a hipótese de resposta militar. Na Copa, excepcionalmente, o direito de ir e vir estará assegurado.

Dilma promete "chamar o Exército". A força militar aparece, hoje, como a única mola capaz de conciliar o "padrão Fifa" com o "padrão Brasil" de ordem pública. Um estado de sítio não declarado instaurará um efêmero parêntesis no tormento cristalizado pela política da "baderna" nas principais cidades do país. Nos 30 dias da competição, a "imagem do Brasil" brilhará sobre um pano de fundo verde-oliva. Depois, tudo volta ao "normal". 
Por: Demétrio Magnoli Publicado na Folha de SP

quarta-feira, 4 de junho de 2014

GRAMSCI E AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES

Estamos a ver as últimas etapas do “orgasmo político” gramsciano.


O que esperam das eleições os revolucionários conscientes da causa e todos aqueles que consideram o Parlamento eleito pelo sufrágio universal uma máscara da ditadura burguesa? Essa foi a pergunta que o ideólogo socialista italiano Antonio Gramsci fez em seu artigo “Os revolucionário e as eleições” escrito em 1919. Essa é a pergunta que o eleitor brasileiro, ou pelo menos aquele que é formador de opinião, tem de se fazer.

Alguns se perguntariam qual a necessidade de tal questionamento. Contudo, nunca é tarde para lembrar: os integrantes do partido que hoje nos governa vêm fazendo a mesma pergunta há pelo menos 40 anos. Tentar entender as possíveis respostas dessa pergunta é essencial, pois os ditos de Antonio Gramsci compõem a fundação teórica desse mesmo partido.

É verdade que os partidos e intelectuais de cunho revolucionário jamais pararam de confabular, conjecturar e exercitar dialeticamente seus termos. Não obstante, ao ler Antonio Gramsci logo se vê que embora adequações tenham sido feitas ao que ele disse, a base e o modus operandi do Partido dos Trabalhadores ainda segue majoritariamente os ditames do ideólogo italiano.

Para citar um exemplo dentre vários dessa adequação: mesmo que o pensador alemão Herbert Marcuse tenha trazido o novo insight sobre a necessidade da classe revolucionária ser representada pelos párias da sociedade [1] e não pelos proletários – que hoje se engalfinharam na corrida capitalista –, ainda assim vemos o Príncipe partidário gramsciano como o regente de todo o aparato revolucionário.

E o Príncipe sempre é partidário e eleitoral na realidade gramsciana, pois segundo o pensador italiano, “os resultados da luta eleitoral [...], modificam, sem dúvida, as relações de força entre as instituições em que se encarna a luta, de classe, em que se encarna hoje o processo de desenvolvimento da revolução” [2].

Para o ideólogo, tal necessidade eleitoral se faz também por conta de que uma revolução brusca e violenta poderia suscitar o apoio à uma contrarrevolução muito mais forte e muito mais brusca vinda da tal burguesia reacionária. Sendo assim, é necessário para Gramsci 

“que o esforço eleitoral do proletariado [hoje adequado também a outra classe, conforme vimos acima] consiga fazer entrar no Parlamento um bom nervo de militantes do Partido Socialista e que esse seja bastante numeroso e aguerrido para tornar impossível, a cada líder da burguesia, a constituição de um governo estável e forte, para obrigar, portanto, a burguesia a sair do equívoco democrático, a sair da legalidade, e determinar uma sublevação dos estratos mais profundos e vastos da classe trabalhadora contra a oligarquia dos exploradores” [3].

Não foi exatamente isso que aconteceu desde que o Partido dos Trabalhadores tomou o poder? Em 2004, já dez anos após o primeiro aviso dado sobre os perigos do PT e do gramscismo na obra A Nova Era e a Revolução Cultural, o filósofo Olavo de Carvalho dava outro aviso no artigo “Assunto encerrado” ao dizer: 

“O PT, como digo há anos, não veio para alternar-se no poder com outros partidos -- muito menos com os da ‘direita’ -- segundo o rodízio normal do sistema constitucional-democrático. Ele veio para destruir esse sistema, para soterrá-lo para sempre nas brumas do passado, trocando-o por algo que os próprios petistas não sabem muito bem o que há de ser, mas a respeito do qual têm uma certeza: seja o que for, será definitivo e irrevogável”. 

Olavo tornou ainda mais inteligível o que Gramsci disse há quase um século atrás.

Um olhar sobre os protestos de junho de 2013
Muito se falou após junho de 2013 sobre os perigos que o PT enfrentaria nas próximas eleições. Seriam eles verdadeiros? Uma Presidente Dilma pálida de pânico proferindo um discurso desconexo em rede nacional à época dos protestos fazia parecer que sim. Ledo engano. Dilma estava sendo avaliada pelo próprio partido acerca da sua aptidão para governante em um cenário de ruptura revolucionária. Se ela foi aprovada ou não pelos seus pares é algo que descobriremos no futuro.

Os protestos em si, mesmo que tenham imprevistamente englobado as classes de fato insatisfeitas, no final só serviram para deixar o PT mais forte do que nunca. As massas fizeram exatamente aquilo que o Partido Príncipe espera: pediram ajuda a ele. O partido vendeu a solução dos problemas que ele mesmo criou.

A resposta para tal manobra novamente está em Gramsci. Ao dizer que o condottiero maquiavélico é a encarnação da vontade pública, ele logo em seguida dá o pulo do gato e diz que é necessário que o próprio Partido – e não uma única pessoa – se torne esse condottiero, mas não seguindo as vontades de fato públicas, mas criando novas necessidades que só sejam realizáveis pelo próprio Partido, de modo que ele próprio – o Partido – se torne a única possibilidade no horizonte e a encarnação mesma da vontade popular. 

Diz Gramsci:

“O moderno Príncipe, desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais; na medida em que o seu desenvolvimento significa de fato que cada ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso; mas só na medida em que tem como ponto de referência o próprio moderno Príncipe e serve para acentuar o seu poder, ou contrastá-lo. O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma laicização completa de toda a vida e de todas as relações de costume” [4].

É o que aconteceu em 2013: o movimento revolucionário vem há décadas criando os entraves socioculturais e há uma década os políticos. Chegamos ao ponto em que a única vontade disponível no horizonte de consciência do povo é a vontade que os atuais governantes querem que tenhamos, de modo que, como disse Olavo de Carvalho em A Nova Era e a Revolução Cultural, a instauração da última etapa de um regime totalitário vem a ser apenas um “orgasmo político”. Não é de se estranhar, portanto, que mesmo entre os bem intencionados e não-militantes, os pedidos eram por mais estado (mais educação, mais saúde, mais segurança, etc.). Tudo conforme o plano de poder do Partidão.

E ainda diz mais o ideólogo italiano sobre os protestos:

“Uma das condições de triunfo da revolução é a organicidade unitária e centralizada da psicologia popular, é portanto a existência da sociedade humana com uma sua configuração real e precisa. Era necessário um acontecimento pré-revolucionário que fizesse convergir simultaneamente a atenção das massas para os seus problemas e para as soluções que, em relação a estes problemas, propõem as várias correntes políticas.” [5].

Em outras palavras, a revolução gramsciana só prospera quando todos estiverem pensando da mesma maneira e as alternativas à revolução forem impensáveis por esse mesmo bloco, isto é, mesmo que haja uma genuína vontade de alternativas à revolução, os meios linguísticos e culturais já foram destruídos de tal modo, que não há sequer um repertório imaginativo para tal mudança.

A conclusão é temerosa: dada a estreiteza da cosmovisão do povo, em parte provocada pela revolução cultural gramsciana, dificilmente a presidência mudará de mãos neste ano de 2014. Esperemos então o avanço nas agendas abortistas, desarmamentistas e a ideologização cada vez maior do sistema educacional. Enfim, estamos a ver as últimas etapas do “orgasmo político” gramsciano. As últimas semanas não deixam dúvidas acerca disso.


Notas:
[1] termo usado pelo próprio Herbert Marcuse na obra O homem unidimensional para se referir às classes ditas oprimidas, que logo se organizaram em movimentos que hoje conhecemos por “movimentos de minoria”: feministas, abortistas, gayzistas, africanistas, etc.
[2] Antonio Gramsci, Escritos políticos, vol. II. “As eleições”, p. 73.
[3] op. cit. “Os revolucionários e as eleições”, p. 65. Grifo meu.
[4] Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere. Caderno 8. “O moderno príncipe”.
[5] Antonio Gramsci, Escritos políticos, vol. II. “Os resultados que esperamos”, p. 70.
Leonildo Trombela Junior é jornalista e tradutor.