sexta-feira, 1 de agosto de 2014

ESCOLAS SEM LIMITES: O PAPEL DAS UNIVERSIDADES NA CRISE DA AUTORIDADE DOCENTE

Se a Europa criou o Estado do bem-estar social, o Brasil consolida o Estado do mal-estar geral – que começa com a pedagogia do Marquês de Sade nas escolas, onde a razão, vista com desconfiança pela esquerda, cede lugar aos instintos.


(Texto apresentado no 1º Congresso Nacional sobre Doutrinação Política e Ideológica nas Escolas, realizado em Brasília pela ONG Escola Sem Partido, com o apoio da Fenep (Federação Nacional das Escolas Particulares.)


“A verdadeira ciência não é a que se in­crusta para ornato, mas a que se assimila para nutrição.” Essa máxima de Machado de Assis, “o gênio brasileiro”, na precisa definição de um de seus biógrafos, o jornalista Daniel Piza, precocemente falecido, revela a essência do conhecimento, que é o principal nutriente da humanidade desde os seus primórdios, definindo o homo sapiens diante das demais espécies. Nessa frase, Machado usa o termo “ciência” como sinônimo de “educação”, vista não só em sentido amplo, como um aprendizado que permeia a vida, mas também em sentido estrito, como sinônimo de ensino formal, ou de instrução pública, como se dizia em seu tempo.

E, ao dizer que a ciência não po­de ser mero ornato, o escritor critica a sociedade brasileira, que, historicamente, dá mais valor aos títulos que ao conhecimento – tema que Ma­chado desenvolve num de seus contos antológicos, “A Teoria do Me­da­lhão”, em que um pai ensina ao filho como transformar-se num vencedor não por mérito, mas pelo cultivo das aparências. É que “cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro…” – como também ensina Machado, em outro conto, em que explica a inelutável dualidade do ser, que só é capaz de se enxergar como “eu” porque se vê no espelho dos “outros”.

Essa irônica visão machadiana do homem antecipa o pensamento do francês Émile Durkheim, fundador da sociologia como ciência empírica e também pioneiro da sociologia da educação. Para Durkheim, em cada um de nós existem dois seres. “Um – constituído de todos os estados mentais que não se relacionam senão conosco mesmo e com os acontecimentos de nossa vida pessoal – é o que se poderia chamar de ‘ser individual’. O outro é um sistema de ideias, sentimentos e hábitos que exprimem em nós, não a nossa personalidade, mas os diferentes grupos de que fazemos parte, como as crenças religiosas, as práticas morais, as tradições nacionais ou profissionais, as opiniões coletivas de toda a espécie. Esse conjunto forma o ‘ser social’”.

Durkheim observa que os vestígios da autoridade moral da sociedade sobre o indivíduo estão por toda parte na história humana, a começar pela mitologia dos mais diferentes povos. Uma prova do que diz o sociólogo pode ser encontrada na mitologia hebraica (que veio a ser a literatura sagrada do Ocidente, através da Bíblia), em que a primeira sanção no âmbito da humanidade (já que a Queda de Adão e Eva ainda se inscreve no plano divino do Éden) foi o banimento de Caim depois que ele assassina Abel. Expulsar o indivíduo de seu meio social é, sem dúvida, uma dura punição, que se repete, ao longo do tempo, nas mais diversas culturas. Sócrates, por exemplo, preferiu a cicuta ao banimento, rendendo-se a autoridade moral da sociedade grega para melhor condená-la como mártir.

A rigor, banir o indivíduo do seu meio social pode ser até mais doloroso do que privá-lo da liberdade. Na prisão, o indivíduo ainda mantém os laços sociais, seja com familiares, seja com os demais presos. Mas se o banimento pudesse ser total, privando a pessoa do contato físico ou psicológico com outras pessoas, isto é, se em vez de banir o indivíduo da sociedade se pudesse banir do indivíduo o seu ser social, sem dúvida, nada poderia haver de mais doloroso e perceber-se-ia o quanto Durkheim tem razão ao enfatizar que o homem é, no que tem de melhor, uma criação da sociedade. A própria linguagem, que nos faz humanos, é uma construção social e histórica, que herdamos da coletividade.

Um dos mais pungentes contos da literatura em língua portuguesa, o belo “A Terceira Margem do Rio”, do escritor mineiro Gui­ma­rães Rosa, ilustra a tragédia do “ba­ni­mento”, com o relato de um pai que se exila do mundo em uma ca­noa, mas não vai a parte alguma, “só executava a invenção de se per­ma­necer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não mais saltar, nunca mais”.

Esquerda adere ao totalitarismo de Esparta
Durkheim explica que a finalidade da educação é constituir em cada indivíduo este ser social, ou seja, a educação é, por excelência, a tentativa de conjugar o “eu” com os “outros” formando o “nós”, que é a sociedade. O sociólogo constata que cada sociedade, considerada em uma determinada época de seu desenvolvimento, possui um sistema de educação que se impõe aos indivíduos de modo geralmente irresistível. Durkheim é taxativo: “É uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como queremos. Há costumes com relação aos quais somos obrigados a nos conformar”. Por isso, não existe a educação perfeita, atemporal, apropriada a todos os homens indistintamente – o que existe, de concreto, é uma educação histórica que varia conforme a época e o meio.

Para Durkheim, “quando se estuda historicamente a maneira pela qual se formaram e se desenvolveram os sistemas de educação, percebe-se que eles dependem da religião, da organização política, do grau de desenvolvimento das ciências, do estado das indústrias, etc; separados de todas essas causas históricas, os sistemas educacionais tornam-se incompreensíveis”.

O historiador da educação Paul Monroe conta que na Grécia Antiga, a educação tinha como objetivo formar guerreiros, cuja principal virtude era a bravura, moderada pela reverência. Em Esparta, a educação era ainda mais rígida: no século IX antes de Cristo, o Estado espartano, governado por Licurgo, instituiu uma rígida educação das crianças, que, a partir dos sete anos de idade, eram retiradas da guarda direta da mãe e iam morar em casernas públicas, custeadas pelo Estado. Como se vê, a esquerda brasileira, que impôs o ensino obrigatório a partir dos quatro anos, é, de certo modo, herdeira do totalitarismo militar de Esparta.

Os sistemas educacionais geralmente atendem a uma necessidade social. Roma, por exemplo, educava as crianças para que se tornassem homens de ação, apaixonados pela glória militar, necessária à propagação e manutenção do Império. Por isso, Durkheim afirma que, se a educação romana tivesse tido um caráter individualista comparável ao das sociedades contemporâneas, a cidade romana viria por terra e, com ela, a própria civilização latina.

Ensino formal é aprendizagem e iniciação
Com base no estudo da educação real, que permeia a história, Dur­kheim define a educação como sendo “a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social”, e seu objetivo é desenvolver na criança “certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine”. Nas sociedades menos complexas, como as tribos primitivas, a educação da criança se dá de modo quase natural, pela imitação livre da vida adulta, caçando, pescando, engendrando jogos e lutas que simulam guerras, até que os ritos de passagem se encarreguem de sacramentar seu ingresso na sociedade dos adultos.

Mesmo nas antigas comunidades rurais, a infância, tal como a conhecemos hoje, praticamente não existia. A criança, tão logo conseguia firmar-se nos próprios pés, começava a ajudar os adultos nas lides domésticas ou na lavoura, conforme o sexo. No sertão brasileiro, um filho de peão de fazenda, aos 7, 6 ou até mesmo aos 5 anos de idade, já trabalhava como candeeiro de carro de boi, guiando pelas estradas a parelha de animais – uma atividade que exigia destreza e astúcia para compreender a psicologia dos bois de carro, que, mesmo propensos à mansidão, podiam se assustar e causar um acidente, ferindo o jovem candeeiro. Nesse tipo de sociedade primitiva, tribal ou rural, a sociedade, para se perpetuar nas novas gerações, praticamente prescinde de escola – a educação se dá pelo trabalho.

Já nas complexas sociedades urbanas que surgiram com a Revolução Industrial, a educação escolar não só é imprescindível, como se caracteriza pela diversidade, permitindo a existência das mais diversas especializações, que atendem a diferentes segmentos sociais. Todavia, Durkheim sustenta que, por mais diversificada que seja uma sociedade, ela só pode subsistir se entre seus membros existirem laços comuns – e a função essencial da educação é justamente perpetuar esses laços, inculcando na criança valores essenciais à vida coletiva.

Explica o sociólogo que, se um grupo social vive em guerra com sociedades vizinhas, sua educação tende a refletir um forte espírito nacionalista, capaz de forjar os guerreiros necessários à sua defesa. Se, no entanto, sua competição externa se dá pacificamente no campo econômico, a educação de suas escolas tende a ser mais geral e humanista, reforçando a solidariedade orgânica, que, segundo Durkheim, caracteriza as sociedades modernas, calcadas no aprofundamento da divisão social do trabalho.

A sociedade moderna, ao emancipar o homem da solidariedade mecânica da horda, que anula sua condição de indivíduo, possibilita a emergência de um conceito universal de humanidade. E para que surja este homem universal, é preciso que os valores que o norteiam não sejam apenas sociais no sentido de “históricos”, mas sociais no sentido de “humanos”, isto é, suficientemente universais para captar a natureza transcendente da humanidade — aquela que, para Durkheim, reside na consciência coletiva da sociedade moderna.

Por isso, o filósofo da educação Olivier Reboul afirma que o ensino formal, escolar, é um misto de aprendizagem e iniciação – ele não apenas possibilita à criança o aprendizado de determinados conteúdos e técnicas, como também a introduz na ética da sociedade adulta.

Educação divorciada da realidade
E assim chegamos ao cerne do problema da educação brasileira – que se agravou com a doutrinação esquerdista, mas está longe de se limitar a esse fenômeno. A rigor, o ensino brasileiro sempre foi ideológico, mais preocupado em imitar modismos importados do que em refletir sobre a realidade, constituindo o ser social que o país requer.

A educação brasileira sempre foi divorciada da realidade da nação e, por isso, nem sempre foi um meio de edificação intelectual e moral do indivíduo – quase sempre foi um salvo-conduto para o sucesso social. Nas nações que levam a sério o conhecimento, o indivíduo primeiro busca o saber e, como consequência, conquista o diploma. No Brasil, costuma ocorrer o contrário: o sujeito busca avidamente o diploma e, se sobrar tempo, vai à cata de algum conhecimento para fingir que não é de todo ignorante.

Essa tendência vem desde os tempos coloniais, quando os jesuítas, segundo o sociólogo Gilberto Freyre, incutiram nos rapazes brasileiros, desde cedo, o gosto pelo bacharelismo. Analisando o ensino jesuíta na França, Durkheim observa que os jesuítas, procurando ser homens do seu tempo, valorizavam o humanismo e seu culto aos gregos e latinos antigos, mas, sabendo que essa cultura podia pôr em perigo a fé cristã, esvaziavam-na de seu conteúdo pagão, limitando-se a usá-la como instrumento de retórica. Vem daí a vocação do ensino brasileiro para o bacharelismo, a discursividade, o apego aos títulos.

Essa tendência só se agravou com o tempo. Raymundo Faoro, no clássico “Os Donos do Poder”, afirma que, na época do Império, “o letrado se torna letrado para conquistar o cargo, para galgar o parlamento, até que o assento no Senado lhe dê o comando partidário e a farda ministerial, pomposa na carruagem solene”. Enquanto isso, segundo ele, reinava na base da pirâmide a apatia, a indiferença, o alheamento, periodicamente acordados pelos capangas, no interior, ou pelos capoeiras, nas cidades. Os bacharéis, diz Faoro, criaram um Estado maior do que a nação, em que a caça febril ao emprego público não tinha correspondência com a atividade econômica. Qualquer semelhança com o nosso tempo não é mera coincidência.

Segundo o professor e crítico Hélio de Seixas Guimarães, autor do livro “Os Leitores de Machado de Assis”, ao longo de todo o século XIX, o índice de alfabetizados nunca ultrapassou 30% da população brasileira. E, de acordo com o primeiro censo realizado no país, publicado em 1872, apenas 18% da população livre e 15% da população total, incluindo os escravos, sabia ler e escrever. Ou seja, entre 70% e 80% da população brasileira permaneceu analfabeta até o alvorecer do século XX. En­quanto isso, em 1878, a Ingla­ter­ra já tinha alfabetizado 70% de sua po­pulação e a França, 77%. Já os Estados Unidos, bem antes disso, em meados do século XIX, já era considerado uma nação de leitores, com 90% da população branca alfabetizada, centenas de jornais e revistas e edições de livros que su­pe­ravam a casa dos 225 mil exemplares vendidos, cifra que até hoje um escritor brasileiro raramente alcança.

Historicamente, as elites brasileiras nunca se preocuparam em educar a população, daí o completo descaso a que sempre foi relegado o ensino público. O jornalista e escritor carioca Benjamin Costallat, em um crônica publicada em 3 de março de 1927, no “Jornal do Brasil”, descreve uma escola pública do Rio de Janeiro, em que as crianças conviviam com animais, entulhos e esgoto a céu aberto, “sem as mais elementares regras de higiene, na promiscuidade sórdida”, como ele próprio afirma. In­dignado com as pocilgas que se faziam passar por estabelecimentos de ensino, obrigando as crianças a chafurdarem na sujeira, Benjamin Costallat não hesitou em defender o fechamento das escolas públicas de seu tempo, fazendo uma dura afirmação: “Melhor é ver aumentar o número de brasileiros analfabetos do que ver aumentar o número dos porcos brasileiros”.

Cenário promissor para o marxismo

O promissor Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, liderado em 1932 por Fernando Aze­ve­do, Anísio Teixeira e Lourenço Filho, que defendia a implantação do ensino público e gratuito no país, não foi suficiente para reverter a situação calamitosa da educação brasileira, que, para usar um vocábulo caro a pensadores de esquerda, como Pierre Bour­dieu, continuou excludente.

As boas escolas públicas da época eram redutos das classes média e alta. A maioria dos pobres era expulsa pelo funil do exame de admissão, chamado de “primeiro cemitério” pelo padre e educador José Vieira de Vasconcelos. Esse exame foi extinto pela reforma educacional de 1971, promovida pelo regime militar, que criou o 1º grau de oito anos, tornando o ensino obrigatório dos 7 aos 14 anos e dando aos pobres uma sobrevida de quatro anos a mais de escolaridade.

Mas a educação brasileira continuou elitista, enganando os pobres com um ensino profissionalizante que não funcionava, por falta de recursos técnicos e humanos, e reservando à classe média e aos ricos as boas universidades públicas e gratuitas, como a USP e as universidades federais, numa completa inversão de prioridades.

Não poderia haver um cenário mais promissor para a propagação das ideias marxistas, que começaram a se infiltrar no ensino superior já na década de 1930, com Caio Padro Junior, um rico representante da nobreza paulista, e na década de 1940, com Florestan Fernandes, oriundo de uma família paupérrima, que começou a trabalhar aos seis anos de idade para ajudar a mãe, que era lavadeira. Florestan Fernandes tornou-se um dos mais respeitados intelectuais do país e elegeu-se deputado federal pelo PT de São Paulo, exercendo dois mandatos consecutivos, até 1994. Publicou, em 1946, uma tradução da “Crítica da Economia Política”, de Karl Marx, e foi o fundador da “sociologia crítica” no Brasil, calcada no marxismo, tendo sido professor de Fernando Henrique Cardoso.

Esses antigos marxistas ortodoxos, entre os quais se incluem o fervoroso machadiano Astrogildo Pereira e o sociólogo e crítico literário Antonio Candido, decano da USP, que está completando 96 anos hoje [quinta-feira, 24], eram todos filhos do iluminismo, como o próprio Marx, e acreditavam na alta cultura, sendo eles próprios leitores de Shakespeare, de Balzac, de Eça, de Zola e até da Bíblia.

Hoje, quando a universidade brasileira tornou-se obcecada por essa estranha mistura de Paulo Freire com Michel Foucault, a esquerda já não quer saber de reivindicar para o proletariado o acesso à alta cultura – o que esses marxistas pós-modernos querem é simplesmente destruir a cultura, transformando a escola numa terra devoluta, onde esperam cultivar o homem novo, fazendo das crianças verdadeiras cobaias de seus experimentos revolucionários. A guerra selvagem contra o sexo biológico, travada pelos corrosivos estudos de gênero, é um exemplo cabal dessa transformação das crianças em cobaias dos engenheiros sociais.

Hoje, nas escolas, impera a pedagogia do Marquês de Sade. A razão é vista com desconfiança. Em seu lugar, a esquerda universitária entronizou o desejo e, por consequência, os instintos, como se viu no recente evento “Xereca Satânica”, promovido na Universidade Federal Flu­minense, em que uma mulher teve a vagina costurada como atividade pedagógica de uma disciplina acadêmica. Esse ataque sistemático à razão enfraquece o papel do professor da educação básica. Se a mente já não conta e tudo se reduz ao desejo, para que serve o professor? Sua autoridade deixa de ser um mandato social exercido em nome dos pais e da sociedade para se tornar uma instável concessão dos próprios alunos.

A esquerda, que outrora acusava a burguesia de ministrar uma educação sexista, hoje impõe uma educação pornográfica. Os textos paradidáticos adotados na educação básica muitas vezes submetem as crianças a um verdadeiro festival de violência, que vai da chacina à tortura, passando pelo estupro e o incesto, sem contar a indefectível e deletéria discussão sobre drogas, que ocupa o lugar dos modelos positivos, tão necessários à formação das crianças. Para a universidade, a infância é uma invenção burguesa, que precisa ser destruída. A morte da infância dispensa a autoridade paterna; com isso, crianças, jovens e adolescentes tornam-se presas fáceis da ideologia revolucionária – sempre em busca de marionetes humanas.

Nada escapa à sanha destruidora dessa esquerda revolucionária. Se a Europa criou o Estado do bem-estar social, o Brasil está consolidando o Estado do mal-estar geral. Todas as políticas públicas do País desde a redemocratização têm como principal objetivo fomentar um sentimento de culpa nas pessoas normais, acusadas injustamente de excluir homossexuais, mulheres, negros, índios, loucos, drogados, mendigos, menores de rua, deficientes físicos, deficientes mentais e toda sorte de excluídos reais e imaginários que povoam a mística esquerdista.

Até os jovens – que são ostensivamente privilegiados em todos os quadrantes da sociedade brasileira – também foram transformados em oprimidos de manual pela esquerda, que, com o malfadado Estatuto da Juventude, deu um golpe etário na Constituição e, em vez de reduzir a maioridade penal, como esperam quase todos os brasileiros, fez foi adiar a infância até a idade de 29 anos. Quem duvida, leia o artigo 227 da Constituição, modificado pela chamada Emenda Constitucional nº 65, a PEC da Juventude.
Aluno se tornou o verdadeiro regente de sala
Hoje, esse culto à juventude que emana das universidades tende a transformar o aluno no verdadeiro regente de sala. O psicólogo Yves de la Taille, professor da USP, tece críticas às correntes pedagógicas que, no afã de cativar o aluno, olvidam os limites necessários à educação. A tentativa de facilitar o aprendizado interfere até no conteúdo dos currículos e no modo de ministrá-lo em sala de aula.


La Taille observa que muitas “perspectivas educacionais ditas construtivistas”, que procuram alicerçar o ensino na experiência do estudante, acabam reduzindo a história e a geografia às “experiências íntimas” dos alunos e “aos diâmetros que seus pés ou carros podem percorrer”; passam à criança “a idéia de que suas teorias espontâneas têm tanto valor quanto as teorias científicas; dizem ao aluno que “suas formas de falar têm tanta beleza e estilo quanto as formas literárias”.

“Alegando ter o cuidado de respeitar a inteligência infantil, alguns educadores procedem a uma verdadeira ‘sonegação de informações’, a uma sacralização dos erros, a uma proibição quase religiosa da apresentação de modelos”, afirma Yves de la Taille. O psicólogo deixa claro que educação se faz com limites – título de um de seus livros. Afirma La Taille: “A colocação de limites, no sentido restritivo do termo, faz parte da educação, do processo civilizador, e, portanto, a ausência total dessa prática pode gerar uma crise de valores, uma volta a um estado selvagem em que vale a lei do mais forte”.

Yves de La Taille mostra que o limite é fundamental para o amadurecimento do indivíduo e é ferramenta essencial da pedagogia: respeitando limites, o aluno reconhece o outro e aprende a viver em sociedade; transpondo limites, o aluno alcança a maturidade e a excelência, superando suas próprias fraquezas; impondo limites, o aluno garante seu direito à intimidade, à privacidade, tão necessário ao seu autoconhecimento.

É por essa via que o aluno deixa de ser o mimado “sujeito de direitos” da pedagogia progressista e do Estatuto da Criança e do Adolescente para se tornar senhor de si – consciente de que a liberdade custa o caro preço da responsabilidade. A isso se chama mérito, infelizmente banido da escola brasileira, onde a ciência já não é nem mesmo ornato, pois se tornou bandeira da mais nociva ideologia – a que sacrifica o homem concreto no altar de uma humanidade utópica.
Publicado no Jornal Opção.

Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

GUERRA FRIA OU GUERRA ASSIMÉTRICA?

Aceita ainda no Brasil, como dogma inquestionável, a visão popular da Guerra Fria como uma luta sorrateira e implacável entre duas potências que se odiavam pode hoje ser atirada à lata de lixo como um estereótipo enganoso, história da carochinha inventada para dar aos cérebros preguiçosos a ilusão de que entendiam o que se passava.


Nos últimos decênios, tantos foram os fatos trazidos à luz pela decifração dos códigos Venona (as comunicações em código entre a embaixada da União Soviética em Washington e o governo de Moscou) e pela pletora de documentos desencavados dos arquivos soviéticos, que praticamente nada da opinião chique dominante na época permanece de pé.

Na verdade, a ocupação principal do governo e da mídia soviéticos no período foi mentir contra os Estados Unidos, enquanto seus equivalentes americanos se dedicavam, com igual empenho, a mentir a favor da URSS. Não só mentir: acobertar seus crimes, proteger seus agentes, favorecer seus interesses acima dos de nações amigas e, não raro, da própria nação americana.

Em lugar do equilíbrio de forças que, secundado ou não por um obsceno equivalentismo moral, ainda aparece na mídia vulgar e nas Wikipédias da vida como retrato histórico fiel, o que se vê hoje é que o conflito EUA-URSS foi aquilo que mais tarde se chamaria “guerra assimétrica”, em que um lado combate o outro e o outro combate a si mesmo.

Não que não houvesse, da parte americana, um decidido e vigoroso anticomunismo, disposto a tudo para deter o avanço soviético na Europa, na Ásia, na África e na América Latina. Tantas foram as personalidades que se destacaram nesse combate –jornalistas, escritores, artistas, políticos, militares, agentes dos serviços de inteligência – e tão gigantescos foram os seus esforços, que daí deriva o que possa haver de legítimo na visão dos EUA como o inimigo por excelência do movimento comunista. Basta citar os nomes de George S. Patton, Douglas MacArthur, Robert Taft, Whittaker Chambers, Joseph McCarthy, Eugene Lyons, Sidney Hook, Fulton Sheen, Edgar J. Hoover, James Jesus Angleton, Robert Conquest, Barry Goldwater, para entender por que o anticomunismo se projetou como uma imagem típica da América, não só no exterior como perante os próprios americanos.

Porém, examinado caso por caso, o que se verifica é que em cada um deles a força inspiradora foi a iniciativa pessoal e não uma política de governo; e que, praticamente sem exceção, todos os que se destacaram nessa luta foram boicotados, manietados pelas autoridades de Washington (mesmo quando eles próprios faziam parte do governo) e achincalhados pela mídia, pelo sistema de ensino e pelo show business, em vida ou pelo menos postumamente. Não raro, sabotados e perseguidos pelos seus próprios pares republicanos e conservadores, temerosos de parecer mais anticomunistas do que o anti-anticomunismo vigente no mundo chique permitia.

Em suma: enquanto a sociedade americana fervilhava de anticomunismo, a política oficial, de Roosevelt em diante, e com a exceção notável da gestão Ronald Reagan, foi sistematicamente a do colaboracionismo nem sempre bem disfarçado.

O que explica isso é que os agentes soviéticos infiltrados no governo e na grande mídia não eram cinquenta e poucos, como pensava o infeliz Joe McCarthy, o qual pagou por esse cálculo modestíssimo o preço de tornar-se o senador americano mais odiado de todos os tempos. Eram – sabe-se hoje – mais de mil, muitos deles colocados em postos elevados da hierarquia, onde às vezes fizeram muito mais do que “influenciar”: chegaram a determinar o curso da política externa americana, sempre, é claro, num sentido favorável à URSS. O exemplo mais clássico foi a deterioração das relações entre EUA e Japão, que culminou no ataque a Pearl Harbor – um plano engenhosíssimo concebido em Moscou para livrar a URSS do perigo de uma guerra em duas frentes, jogando contra os americanos a fúria nipônica mediante um jogo bem articulado entre a "Orquestra Vermelha" de Richard Sorge em Tóquio e o conselheiro presidencial Harry Hopkins em Washington.

Mas os capítulos da saga colaboracionista se acumulam numa profusão alucinante até a gestão Clinton, quando o estímulo governamental a investimentos maciços na China fez de um país falido uma potência inimiga ameaçadora.

Não creio que essa história – talvez a mais bem documentada do século XX – tenha sido jamais contada no Brasil. Mesmo nos EUA ela circula apenas entre intelectuais e historiadores de ofício, enquanto o povão ainda segue a lenda oficial. É uma história demasiado vasta e complexa para que eu pretenda resumi-la aqui.

O que posso fazer é sugerir alguns livros que darão ao leitor uma visão do estado das pesquisas hoje em dia:

Diana West, American Betrayal. The Secret Assault on Our Nation’s Character(St. Martin’s, 2013).

Herbert Rommerstein and Eric Breindel: The Venona Secrets. Exposing Soviet Espionage and America’s Traitors (Regnery, 2000).

John Earl Haynes and Harvey Klehr: Venona. Decoding Soviet Espionage in America (Yale University Press, 1999).

Allen Weinstein and Alexander Vassiliev: The Haunted Wood. Soviet Espionage in America. The Stalin Era (Random House, 1999).

Paul Kengor: Dupes. How America’s Adversaries Have Manipulated Progressives for a Century (ISI Books, 2010).

Arthur Hermann, Joseph McCarthy: Reexamining the Life and Legacy of America’s Most Hated Senator (Free Press, 2000).

M. Stanton Evans: Blacklisted by History. The Untold Story of Senator Joe McCarthy (Crown Forum, 2007).

Robert K. Willcox: Target: Patton. The Plot to Assassinate General George S. Patton (Regnery, 2008).
Por: Olavo de Carvalho é jornalista, ensaísta e prof. de Filosofia Publicado no Diário do Comércio


segunda-feira, 28 de julho de 2014

O HOMEM QUE ESTÁ POR VIR

A maioria não lutará por ideias abstratas como o marxismo, a menos que essas ideias sejam sentimentalmente e miticamente enxertadas em uma nação. 

Eis o porquê Dugin está trabalhando duro.

Foi Aristóteles quem nos disse em sua Metafísica que nossos antepassados “antigos e antiguíssimos” retratavam o sol, a lua e os corpos planetários como deuses. Esses antepassados acreditavam que “o divino envolve toda a natureza”. Mitos eram propagados pelos nossos ancestrais, disse Aristóteles, com o fim de “persuadir o povo e para fazê-lo submeter-se às leis e ao bem comum” (1).

Um famoso sedutor de multidões e criador de mitos do século passado chamado Adolf Hitler escreveu um livro intitulado Mein Kampf no qual postulava a teoria (leia-se mito) dos judeus como “os inimigos da raça ariana”. Ele confidenciaria mais tarde a seu criado particular, Heinz Linge, que os judeus não eram na verdade “uma raça”, mas representavam um estado de espírito ou ideia (i.e. um mito opositor).

Quando pensamos em um mito, pensamos em algo antigo pertencente aos povos primitivos. Selvagens e bárbaros acreditam em mitos, dizemos para nós mesmos (enquanto nós acreditamos na ciência!). Os vikings fundaram sua sociedade em cima de mitos, assim como os antigos germânicos, romanos, gregos e celtas. Não obstante, não somos muito diferentes hoje. O comunismo e o nazismo são mitos também. Ambos, por sua vez, desprezam o mito da democracia. Na Segunda Guerra Mundial, os três mitos do mundo moderno — comunismo, nazismo e democracia — lutaram uns contra os outros.

Seria tolice nossa achar que essa guerra acabou de uma vez por todas em 1945. Guerras que são combatidas em nome de ideias (leia-se mitos) são apenas interrompidas por períodos de paz. A continuação delas é assegurada pela mesma lei de causa e efeito que desencadeou o primeiro confronto. Relacionado a isso, o ideólogo russo e metafísico do Kremlin, Aleksandr Dugin, fez uma notável confissão em seu livro A quarta teoria política. Ele reclamou que seu partido nacional-bolchevique “havia degenerado em uma formação barulhenta e insignificante e depois começou a servir a forças ultraliberais antirrussas ‘laranjas’, alimentadas pelo Ocidente”.

Eis que vemos uma notável admissão de que um experimento deu errado, pois os agentes de Moscou (i.e. Dugin e seus associados) tentaram tomar para si os nazistas e usá-los sob a bandeira do nacional-bolchevismo, o que acabou dando errado e voltando contra eles mesmos. Para a infelicidade de Moscou, o nacional-socialismo nunca foi fácil de controlar. O marxismo aberto que impera na mídia e nas universidades parece ter obtido suas maiores vitórias por meio da infiltração, subversão e falsa propaganda. Ele sempre está tentando fazer uma dessas duas coisas: (1) ou fingindo reformar-se a si mesmo enquanto se alia aos liberais ocidentais ou (2) fingindo se nazificar para se unir aos nacional-socialistas. Ambas as estratégias possuem um problema fundamental. Fingimento ou acaba em você se tornando aquilo que você apenas fingia ser ou você é inevitavelmente desmascarado como o fingidor. Eis que chegamos aos limites da enganação e o ponto de partida para a próxima guerra mundial.

Há razões para pensar que a Europa começa a adotar um tipo reformado de nacional-socialismo, que por sua vez não será exclusivamente alemão. Essa nova formação será certamente desencadeada como reação à erupção do islamismo militante no continente europeu e pela derradeira debacle do multiculturalismo esquerdista. A incompatibilidade do Islã com a cultura europeia deverá, com o passar do tempo, servir como estimulante político. O levantar dessa nova cosmovisão não significará, claro, uma inevitável volta a um tipo de hitlerismo ortodoxo.

É sabido que a KGB se infiltrou no movimento nazista internacional após a Segunda Guerra Mundial, especialmente considerando que alguns dos principais oficiais nazistas — como Martin Bormann e Heinrich Muller — eram provavelmente agentes soviéticos (v. o livro de Louis Kilzer, Hitler’s Traitor). No nosso caso atual, um instrumento revivido pode facilmente se transformar numa metástase que pode se transformar no terror dos espiões-chefe de Moscou. Ainda não sabemos como os alemães passaram os russos para trás durante o crucial período de 1989-90, dado que os russos pouco fizeram para unir a Alemanha e beneficiar os alemães. Se a inteligência alemã e suas estruturas militares eram tão débeis quanto sempre se mostraram, como eles conseguiram tomar a frente? Se os serviços de inteligência alertaram os democratas cristãos acerca da promoção de Angela Merkel ao mais alto cargo do governo alemão e os democratas cristãos ignoraram os alertas do serviço de inteligência, devemos nos perguntar: por que?

O nacionalismo tem vida própria. O marxismo nunca foi capaz de mobilizar aquilo que Hitler chamava de “as grandes massas”, pois é uma ideologia de divisão de classes. Na verdade, classes não guerreiam umas com as outras. São nações que guerreiam umas contra as outras. Essa verdade é auto-evidente na história. Stálin passou a ser nacionalista após a invasão alemã de 1941. Putin está adotando o nacionalismo agora mesmo, pois ele acredita que a guerra está chegando — isso ele aprendeu com Stálin. A maioria não lutará por ideias abstratas como o marxismo, a menos que essas ideias sejam sentimentalmente e miticamente enxertadas em uma nação. Eis porquê Dugin está trabalhando duro. Ele deve incitar o espírito bolchevique na Rússia pari passu ao seu flerte com a direita europeia, ou seja, ele precisa tornar um alinhamento artificial em algo natural. Como se vê, ele está traçando um caminho que foi antecipando por outra pessoa.

Na tarde do dia 30 de abril de 1945, quando Hitler disse a Heinz Linge que iria atirar em si mesmo e que esperava que Linge queimasse seu corpo, o infeliz criado perguntou ao führer: “Pelo quê vamos lutar agora?”. A última resposta citável de Hitler foi: “Pelo homem que está por vir”. A enigmática resposta, que parece ser assaz vaga, era na verdade concisa. Anteriormente, Hitler havia afirmado a razão pela qual lutava até o fim em Berlim. Ele disse que os historiadores não seriam gentis com ele nos anos que se seguiriam após a guerra; Entretanto, ele seria visto de modo diferente no futuro. Ele sugeriu sucintamente que o comunismo e a democracia estavam fadados ao fracasso. (Tal previsão é fácil de fazer, já que todas as instituições humanas são falhas.)

Em cinco séculos, nossos descendentes podem até concluir que Hitler era o mais astuto dos totalitários. Com efeito, ele foi um “arquiteto político”. E não seria acidental dizer que os políticos russos de hoje frequentemente usam a arquitetura como metáfora. Isso por si só já diz algo, pois Hitler estudou para ser um arquiteto e esteve envolvido em vários projetos arquitetônicos. Na verdade, todo o Terceiro Reich foi um projeto arquitetônico.

Pode se dizer que o design de Hitler era defeituoso. Não obstante, ele foi esperto — como se viu acima — e suas previsões frequentemente foram cumpridas. Ele sabia que outros viriam e fariam a mesma coisa que ele. Ele sabia que as potências vitoriosas da Segunda Guerra Mundial iriam implodir e talvez um dia se destruiriam. Esse dia pode estar por vir, embora esperamos que ele não esteja.

Dado o que está acontecendo atualmente, podemos nos perguntar quais “outros” mitos podem surgir em nosso tempo. Talvez algo inteiramente novo possa aparecer amanhã. Entretanto, a história nunca nos dá algo totalmente novo. Nosso legado e nossas tradições são solo rico para inspirações. Se a história se repete, e se as velhas ideias estão fadadas a voltar, o homem que está por vir inevitavelmente aparecerá — seja como a segunda vinda de um George Washington ou a segunda vinda de um Adolf Hitler.


(1) N.T.: Aristóteles - Metafísica (1074b2 a 1074b5.). Tradução: Marcelo Perine. Edições Loyola, 2005.


Tradução: Leonildo Trombela Junior Do site: http://www.midiasemmascara.org/

sábado, 26 de julho de 2014

DAVID E GOLIAS

O Hamas é uma organização terrorista e islamita que nem sequer reconhece o direito à existência de Israel


Sempre que escrevo sobre Israel, há um leitor que pergunta: você é judeu? A pergunta é reveladora. Significa que só um judeu pode ser suficientemente louco (ou sanguinário) para considerar que no conflito israelense-palestino é Israel quem tem razão.

Isso reflete o ar do tempo, devidamente criado pela mídia. É lógico que Israel não tem razão, dizem. É lógico que Israel sempre quis expulsar os palestinos do seu território. É lógico que Israel não quer a paz.

Infelizmente, nada disso é lógico e, pior ainda, nada disso sobrevive à história. Sim, a construção de assentamentos na Cisjordânia, pior que um crime, é um erro (obrigado, Talleyrand). Sim, Netanyahu é quase uma "pomba" no seu governo cada vez mais radicalizado.

E, sim, a direita israelense já não acredita na existência de dois Estados depois da retirada de Gaza (e dos foguetes que o Hamas passou a lançar contra Israel).

Mas antes de chegarmos a essas tristes conclusões, é preciso dizer três coisas que qualquer pessoa alfabetizada consegue entender.

Primeiro: o Hamas, que é tratado pelo jornalismo como uma mera "facção" (ou até como um interlocutor válido para a paz), é uma organização terrorista e islamita que nem sequer reconhece o direito à existência de Israel. Um pormenor?

Não. O essencial. O conflito de Israel com a Autoridade Palestina é um conflito territorial. É uma discussão sobre fronteiras; sobre a soberania de Jerusalém; sobre o destino dos refugiados palestinos; sobre o acesso à água --enfim, uma discussão racional.

O conflito com o Hamas é um problema ideológico. Basta ler a carta fundamental do grupo. Depois de prestar vassalagem à Irmandade Muçulmana (artigo 2) e de invocar os "Protocolos dos Sábios do Sião" (artigo 32) como argumento de autoridade (um documento forjado pela polícia czarista no século 19 para "provar" o conluio judaico para dominar o mundo), o Hamas não quer um Estado palestino junto a um Estado judaico.

Quer, sem compromissos de qualquer espécie, a destruição da "invasão sionista" (artigo 28) --do mar Mediterrâneo até o rio Jordão. Os foguetes que o Hamas lança não são formas de reivindicar nada: são a expressão da incapacidade de aceitar que judeus vivam no "waqf" (terra inalienável dos muçulmanos --artigo 11).

Acreditar no Hamas como "parceiro" para qualquer "processo de paz" é não entender a natureza jihadista do grupo. O Hamas não luta em nome da Palestina. Luta em nome de Alá.

Segundo: quando se fala nos "territórios ocupados", Gaza já não está no pacote. Israel se retirou de Gaza em 2005. O território --um antro de pobreza e corrupção-- é governado pelo Hamas desde a vitória nas eleições parlamentares de 2006. A partir desse ano, o Hamas entendeu a retirada israelense como uma vitória do terrorismo --e não como o primeiro passo para criar as bases de um futuro Estado palestino.

Depois de Gaza, viria a Cisjordânia e finalmente a totalidade de Israel. Uma pretensão lunática que, sem surpresas, começou por embater frontalmente com a posição mais moderada da Autoridade Palestina. Resultado?

Em 2007, o Hamas e a Fatah (uma facção da OLP) viveram uma guerra civil "de fato" que teve de ser freada por"¦ Israel.

Por último, toda a gente sabe que a solução mais realista para o conflito passa pela existência de dois Estados com fronteiras seguras e reconhecidas.

Assim foi antes da partição da Palestina pela ONU (relembro a Comissão Peel de 1937). Assim foi com a Partição propriamente dita em 1947. E, para ficarmos nos últimos anos, assim foi em Camp David (2000). Foi o lado palestino que recusou essa divisão --o maior crime cometido por Yasser Arafat contra o seu próprio povo.

De tal forma que, hoje, já poucos acreditam em divisões. Os líricos falam de um Estado binacional para judeus e árabes (um delírio que ignora, por exemplo, o que se passou na antiga Iugoslávia). Os resignados falam de três Estados: o de Israel, o da Cisjordânia (talvez com ligação à Jordânia) e Gaza (o antro do Hamas).

Simples meditações de um judeu?

Não. Para começar, não sou judeu. E, para acabar, não é preciso ser judeu para compreender que, às vezes, e contra as nossas cegas emoções, Golias tem mais razão que David.

Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP 

sexta-feira, 25 de julho de 2014

EGITO: SURPREENDENTE APOIO A ISRAEL, E NÃO AO HAMAS

“O Egito não intervirá para deter a guerra na Faixa de Gaza porque o Hamas conspirou com a Irmandade Muçulmana contra o Egito.

O Hamas trabalhava com a Irmandade Muçulmana contra o exército egípcio”.


O atual ataque do Hamas a Israel persuadiu a previsível confusão de nacionalistas palestinos, islâmicos, ultra-esquerdistas e anti-semitas de sair da caverna para criticar de forma ameaçadora o Estado judeu. Porém, mais curiosamente, Israel está recebendo apoio, ou contenção e equanimidade pelo menos, de fontes inesperadas:

O Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon: “Hoje nos enfrentamos ao perigo de uma escalada integral em Israel e Gaza com a ameaça de uma ofensiva terrestre ainda palpável e somente evitável se o Hamás deixar de disparar projéteis”. As Forças libanesas de Interior detinham dois particulares por haver disparado projéteis sobre Israel. Efetivos da segurança egípcia confiscavam uma vintena de projéteis que estavam sendo introduzidos de contrabando em Gaza. Mahmoud Abbas, secretário da Autoridade Palestina, assistia em Israel a uma “conferência de paz” organizada pelo diário Haaretz, a mesma jornada em que começava o atual enfrentamento* e indignou o Hamás por sua disposição a seguir trabalhando com o Governo de Israel. O ministro jordaniano de Exteriores, Nasser Judej exigia que Israel “detenha imediatamente sua escalada”, porém equilibrava isto com chamamentos à “restauração da calma total e o respeito aos civis” e “a volta às negociações diretas”.

François Hollande, presidente da França, dava a Netanyahu o respaldo mais fervoroso de todos os líderes estrangeiros, ao assegurar ao líder israelense que “a França condena com firmeza os ataques” a Israel, e expressava “a solidariedade da França aos projéteis disparados de Gaza. O governo israelense há de adotar todas as medidas necessárias para proteger sua população de todas as ameaças”.

Os meios de comunicação convencionais também estão mostrando uma equanimidade inusual à Israel. A BBC publicava o artigo “São precisas as imagens de #GazaUnderAttack?”, relativo a umas fotografias que dizem mostrar os efeitos dos ataques israelenses em Gaza, e concluía que “Parte das fotografias são da situação atual em Gaza, porém a análise #BBCtrending descobriu que algumas remontam a nada menos que 2009, e as há procedentes da Síria e do Iraque”. O jornalista da CNN Jake Tapper perguntava à antiga assessora legal da OLP, Diana Buttu pela gravação de porta-vozes do Hamas que instam os civis de Gaza a proteger as residências dos líderes do Hamás com seus corpos. Quando Buttu replicou chamando esta acusação de racista, Tapper respondeu: “Não é racista, temos o vídeo... Não é racista, é um fato”.

Impondo-se a todos estes indicadores, mas menos curioso, Rasmussen refere que o provável votante norte-americano culpa mais os palestinos do que Israel, por uma margem de quase 3 a 1 (42 por cento frente a 15 por cento) pelo conflito em Gaza (segundo a sondagem levada a cabo nos dias 7-8 de julho, recém começadas as hostilidades). É talvez a estatística mais importante, com diferença do conflito fora do Oriente Próximo, mais evidentemente que os votos no Conselho de Segurança.

Comentários: 
(1) A frieza ao Hamas é em grande medida produto do descobrimento tardio de que os islâmicos representam um perigo maior que os sionistas. Porém a sobriedade dos meios convencionais insinua que, em parte, também se depreenderia do rechaço às táticas vis do Hamas e à repulsa a seu repugnante objetivo de destruir Israel. 

(2) Sendo político o objetivo do Hamas nesta guerra, este menor apoio ganha uma importância notável. (11 de julho de 2014).

*12 de julho de 2014: minhas informações acerca da assistência de Abbas à conferência do Haaretz procediam do artigo de Al-Monitor acima, onde ele diz que “No apogeu dos bombardeios israelenses de Gaza na primeira hora de 8 de julho, o Presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, surpreendeu os palestinos intervindo em uma conferência de paz organizada pelo periódico israelense Haaretz”. Porém, o jornalista Adi Schwartz corrigiu isto, escrevendo-me que Abbas não interveio no ato: “todos os representantes palestinos que se supunha assistiriam, decidiram boicotar a conferência. Ele assina uma coluna no periódico”.

13 de julho de 2014: “Egípcios esperam que Israel destrua o Hamas”, escreve Halid Abú Toamehed no Gatestone Institute. Alguns extratos: Azza Sami, Al-Ahram: “Obrigado, Netanyahu e que Alá nos envie muitos como tu para destruir o Hamas”. Amr Mustafá, intérprete, dirigindo-se aos palestinos na Faixa de Gaza: “Tens que desfazê-los do Hamas e vamos ajudá-los”. O Hamas deve deixar de se intrometer nas questões internas dos países árabes imediatamente: “Tira os vossos do Egito, Síria e Líbia. No Egito, hoje combatemos a pobreza criada pelas guerras. Temos problemas próprios de sobra. Não espereis que os egípcios dêem mais do que já deu. Tivemos bastante do que fizestes ao vosso país”.

O Al-Bashayer: “O padrão de vida de um cidadão de Gaza é muito mais elevado do que o de um cidadão egípcio. O pobre do Edito passa mais necessidade que o pobre da Faixa de Gaza. Que Qatar gaste quanto quiser na Faixa de Gaza. Nós não devemos enviar nada que falte em casa”.

Quando o famoso jornalista e apresentador televisivo Amr Adib criticou “o silêncio” de Sisi sobre a guerra na Faixa de Gaza, muitos egípcios lhe pediram que se calasse. Um exemplo: “O Hamas é responsável pela morte de soldados egípcios”. Hamdi Bakhit, antigo general: Israel deveria voltar a ocupar a Faixa de Gaza porque “seria melhor que o governo do Hamas”.

A apresentadora da televisão egípcia, Amany al-Hayat, acusava o Hamas de se fazer de vítima de um ataque israelense para obrigar o Egito a reabrir a passagem fronteiriça de Rafaj com Gaza. “Não querem mais que lhes abramos a passagem de Rafah. O Hamas está disposto a que todos os residentes da Faixa de Gaza paguem um elevado preço com o objetivo de se desfazer de sua crise. Não esqueçamos que o Hamas é o braço armado do movimento terrorista da Irmandade Muçulmana”.

Ahmed Qandil, responsável pelo Programa de Estudos Energéticos da instituição Al-Ahram Estudos Estratégicos, denunciava o ataque às instalações nucleares israelenses de Dimona como “estúpido” e advertia que isto põe em perigo vidas egípcias e árabes: “O Egito tem que adotar medidas de precaução”. Em resposta a esta intervenção, um egípcio escreve: “Que Alá faça vitorioso o Estado de Israel em sua guerra contra o movimento terrorista Hamas, durante este sagrado mês do Ramadán”.

Mustafá Shardi, jornalista: “Nenhum país árabe fez pelos palestinos o que fez o Egito. Por que o Hamas não acode ao (primeiro ministro turco Recep Tayyi) Erdogan? Onde está Erdogan quando faz falta? Por que guarda silêncio? Se ele abre sua boca, eles (Israel e Estados Unidos) lhe renhirão. O povo egípcio se pergunta: onde estão os nossos seqüestrados e levados à Faixa de Gaza? O Hamas deveria se desculpar pelos milhares de túneis que se costumavam utilizar para introduzir recursos egípcios de contrabando. Todos têm seus próprios aviões privados e contas em bancos suíços”.

Mohamad Dahlán, antigo responsável do Interior na Autoridade Palestina, prediz que os egípcios não farão algo para salvar o Hamas: “O Egito não intervirá para deter a guerra na Faixa de Gaza porque o Hamas conspirou com a Irmandade Muçulmana contra o Egito. O Hamas trabalhava com a Irmandade Muçulmana contra o exército egípcio”.

Depois que o secretário da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, telefonou a Sisi para instar-lhe a trabalhar em “um cessar fogo imediato” entre Israel e Hamas, admitia que seu chamamento a Sisi havia fracassado. Segundo Abú Toameh, Sisi (do mesmo modo que muitos egípcios) parece “encantado de que o Hamas esteja sendo fortemente punido”.

O Hamas fez declarações da postura egípcia. Um porta-voz destacava: “É desafortunado ver que alguns egípcios apóiam publicamente a agressão israelense à Faixa de Gaza enquanto os ocidentais expressam solidariedade com os palestinos e condenam Israel”. Os líderes do Hamas utilizam termos como “traição” ou “conchavados”.

Por: Daniel Pipes
Tradução: Graça Salgueiro




Le Conflit Israélo-Palestinien

4 DE JULHO


Há exatos 238 anos, em 4 de julho de 1776, era publicado o documento político mais importante da história do Ocidente: a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. 

Poucos anos depois, em 14 de julho de 1789, a esquerda francesa, reunida no partido jacobino, começava um banho de sangue dos mais cruéis e sádicos da história em nome de uma utopia, inaugurando o pior mal que aflige o mundo desde então: a barbárie em nome de uma ideologia. A história do Ocidente desde essa época pode ser divida entre os defensores dos ideais da declaração de independência americana e os que estão ao lado da barbárie ideologizada dos jacobinos e seus descendentes. 

Este documento, escrito originalmente por Thomas Jefferson, traz uma das expressões mais conhecidas da língua inglesa e que resume, de uma forma quase perfeita, os ideais pelos quais se deve lutar para um mundo melhor, mais justo e civilizado:

"Consideramos estas verdades como auto-evidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade."

("We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness.")

Nesse trecho, há quase tudo que você precisa saber:

- Seus direitos fundamentais são "auto-evidentes", "inalienáveis" e não foram dados a você pelo estado, pelos governantes e detentores do poder e que por isso mesmo eles não podem tirar de você.

- Seus diretos mais básicos são o direito à vida, à liberdade e a BUSCA da felicidade. A sociedade não deve a você a sua felicidade, ela é uma busca pessoal e intransferível. Seu país, seu governo e as leis devem garantir que você tenha as condições para correr atrás dos seus sonhos, mas a busca é sua e de mais ninguém.

Aprendendo isso, aceitando isso, o resto é conseqüência. A partir dessas idéias, os EUA criaram a sociedade mais próspera e livre da história da humanidade em menos de três séculos.
Por: Alexandre Borges, diretor do Instituto Liberal. Do site: http://www.midiasemmascara.org/


quarta-feira, 23 de julho de 2014

JUÍZES DO UNIVERSO

Será de espantar que o século que se inspirou em Marx e Nietzsche tenha sido o mais violento, o mais assassino de toda a história humana?


Tempos atrás comentei aqui o trecho de Hegel que enaltecia a capacidade humana de suprimir mentalmente todo dado exterior ou interior, a capacidade, em suma, de negar o universo inteiro e fazer da consciência de si a única realidade, entrando na “irrestrita infinitude da abstração absoluta ou universalidade, o puro pensamento de si mesmo” (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/081114dc.html).

Faltou dizer que isso é a condição sine qua non para operar seja a “crítica radical de tudo quanto existe” proposta por Karl Marx, seja a “derrubada de todos os valores” almejada por Nietzsche.

Também é evidente que tanto Marx quanto Nietzsche varreram para baixo do tapete a advertência de Hegel de que essa capacidade, exercida precisamente com os poderes irrestritos que essas duas propostas exigiam, só podia levar a uma sucessão de catástrofes: “O que essa liberdade negativa pretende querer nunca pode ser algo em particular, mas apenas uma idéia abstrata, e dar efeito a essa idéia só pode consistir na fúria da destruição.”

A recusa de Marx de elaborar o plano detalhado da futura sociedade socialista, ou mesmo de descrevê-la em linhas gerais, já continha em germe a promessa de que as coisas se passariam exatamente assim. Quanto mais vago e nebuloso o ideal a ser atingido, mais se pode adorná-lo de qualidades excelsas ao mesmo tempo que se conserva o direito de cometer em nome dele toda sorte de crimes e iniqüidades. E não é só a experiência histórica das tiranias soviética e chinesa que o comprova. Quando hoje em dia o sr. Lula proclama: “Não sabemos qual o tipo de socialismo que queremos”, ele deixa claro de que não se sente nem um pouco chocado de que o caminho para essa meta indefinível tenha de passar pelo Mensalão, pelo dinheiro na cueca, pelo florescimento inaudito do comércio de tóxicos, pela roubalheira da Petrobrás, pelos setenta mil homicídios anuais, pela redução dos nossos universitários a um bando de analfabetos funcionais, pelo controle ditatorial da opinião pública, pela gastança obscena da Copa do Mundo e por mais uma infinidade de capítulos deprimentes. Tudo pela causa, que não precisa nem dizer qual é.

Mutatis mutandis, a figura do Super Homem que “cria os seus próprios valores” é tão vaga e adjetiva que pôde ser usada para inspirar desde o nazismo e o anticristianismo militante até as agitações estudantis de maio de 1968, o anarquismo, os clubes de sadomasoquistas, a pedofilia, o crime organizado e desorganizado, a indústria do aborto e o uso de tatuagens e piercings nos órgãos genitais – enfim, qualquer coisa.

É incrível como marxistas e nietzscheanos permanecem confortavelmente inconscientes de que, para realizar o que prometem, têm de operar a “abstração absoluta” de que fala Hegel, colocando-se portanto imaginariamente acima do universo, julgando-o e condenando-o. Diríamos que se fazem de deuses? Não, porque os deuses são incluídos nesse universo e julgados com ele, o que faz do autor dessa singela operação mental uma espécie de super-deus, superior ao “maximamente grande” de Sto. Anselmo. Também não é preciso dizer que, ao efetuar esse giro, levam o idealismo subjetivo até às suas últimas conseqüências no momento mesmo em que imaginam estar absorvendo e superando o idealismo objetivo de Hegel. Mas tanto marxistas quanto nietzscheanos não podem dar-se conta disso, senão teriam de perceber que seu julgamento do universo é apenas uma fantasia individualista, destinada, seja a encerrar-se num solipsismo inconseqüente – o que seria a menos letal das hipóteses --, seja a espalhar-se entre as massas como epidemia psicótica e descambar na “fúria da destruição”, como de fato veio a acontecer. Se os inspiradores dessa maravilha não sentem nenhuma culpa pelo que produziram, se, ao contrário, continuam discursando com aqueles ares de superioridade sublime de juízes do universo, não é porque lhes falte apenas a consciência moral: antes disso já destruíram a sua própria consciência intelectual, no momento em que recusaram a enxergar a índole radicalmente subjetivista, a fuga desabalada da realidade, que era o centro mesmo da estratégia cognitiva que adotaram. Após ter jurado não entender nada, o sujeito não pode nem mesmo entender que não entende. Resta a saída infalível: a pose, o fingimento, a inconfundível empáfia de quem olha tudo desde cima, com cara de nojinho.

Será de espantar que o século que se inspirou em Marx e Nietzsche tenha sido o mais violento, o mais assassino de toda a história humana? No entanto, ainda há, nos meios acadêmicos, um número suficiente de idiotas que acreditam piamente nas virtudes da “destruição criativa”, negando a experiência histórica de que a única coisa que se cria com a destruição é mais destruição. Agora mesmo em 2013 a Editora Boitempo, do indefectível dr. Emir Sader, promoveu um seminário internacional “Marx: a criação destruidora”. Isso não tem mais fim.

Publicado no Diário do Comércio.



terça-feira, 22 de julho de 2014

ESTADO BRASILEIRO ESPECIALIZA "REEDUCANDOS" EM CRIMINALIDADE À DISTÂNCIA

Além de passar anos monitorando o crime nas cadeias ao invés de exigir que ele seja prevenido à força, o Ministério Público chega a defender que criminosos como Beira-Mar não podem ser vigiados quando recebem visitas.



Em 2012, foram assassinadas no Brasil 56.337 pessoas. Trata-se de um verdadeiro genocídio da população brasileira, que começou na década de 80 e se acelerou na década de 90, quando as taxas de homicídios tiveram um crescimento vertiginoso nas grandes cidades. Os dados são do Mapa da Violência 2014, um estudo anual dos homicídios no Brasil, realizado desde 1998 pela equipe do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), com o apoio do governo federal, que encampa oficialmente suas conclusões. O Mapa da Violência 2014, com os dados consolidados de 2012, será publicado em breve, mas os dados prévios mostram que o número de homicídios no País cresceu 13,4% em relação aos 49.695 assassinatos cometidos em 2011.

Esses números seriam ainda mais estarrecedores se o Estado de São Paulo não tivesse conseguido reduzir drasticamente o seu número de homicídios, que caiu de 15.745 em 2001 para 5.629 em 2011, uma queda de 64,2%. Foi a mais expressiva redução de casos de homicídios do País, quase três vezes maior do que a do Rio de Janeiro, que só ficou em segundo lugar nesse quesito, com 37,9% de redução, porque suas estatísticas são vergonhosas e centenas de homicídios acabam sendo oficialmente computados como desaparecimentos, como mostrou um estudo do economista Daniel Cerqueira, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Se os tucanos tivessem um pouco mais de competência política, poderiam fazer da segurança pública a grande bandeira de Aécio Neves nas eleições presidenciais. Não porque São Paulo esteja muito bem nessa área, mas porque o resto do Brasil está ainda pior.

Na Bahia, governada desde 2007 pelo Partido dos Trabalhadores, o número de homicídios cresceu 245,2%, saltando de 1.579 assassinatos em 2001 para 5.451 em 2011. Os outros campeões de criminalidade no período são: Paraíba, com um aumento de 230,4%; Rio Grande do Norte, com 229,7%; Pará, com 222,3%; Maranhão, com 193,5%; Alagoas, com 171,3%; e Amazonas, com 166,9%. Goiás não chega a figurar entre os primeiros, mas também apresenta um vertiginoso aumento de 113,7% no número de homicídios entre 2001 e 2011. Isso faz com que o Brasil seja o sétimo país mais violento do mundo, com uma taxa de 27,4 homicídios por 100 mil habitantes, muito acima, por exemplo, da taxa de homicídios dos Estados Unidos, um país violento, guerreiro e armado, mas cuja taxa de criminalidade era de apenas 5,3 homicídios por 100 mil habitantes em 2010.

Mas o número de homicídios voltou a crescer em São Paulo em 2012, quando ocorreram 6.314 assassinatos, 12,2% a mais que no ano anterior. E, em boa parte dos demais Estados, esse crescimento continuou ocorrendo de forma explosiva. É o caso de Goiás, em que a série histórica, de 2002 a 2012, apresenta um crescimento de 113,7% no total de homicídios. O Mapa da Violência 2014 mostra que, no confronto entre os dois últimos anos analisados, 2012 em relação a 2011, os Estados em que o número de homicídios mais cresceu foram: Roraima (74,7%), Ceará (37,7%), Acre (24,4%), Amapá (20,7%), Goiás (23,1%), Sergipe (19,5%), Piauí (18%), Rondônia (17%) e Rio Grande do Sul (14,9%). E a criminalidade, obviamente, não se resume aos homicídios. Para se ter uma ideia de sua magnitude, no primeiro trimestre de 2014, foram registrados apenas no Estado de São Paulo 536.583 delitos, dos quais 110.197 foram crimes violentos (homicídio doloso, roubo, latrocínio, estupro e extorsão mediante sequestro). Isso dá uma média de 5.962 delitos por dia, dos quais 1.224 são violentos.

Prisões são o “Esquenta” das periferias
A despeito desses dados, os candidatos a presidente da República passam ao largo da grave questão da segurança pública, limitando-se, os de oposição, a criticar o governo federal por não cuidar devidamente das fronteiras do País, praticamente abertas ao tráfico de drogas e armas. Todavia, esse é apenas um dos fatores que contribuem para o aumento da criminalidade no Brasil e nem chega a ser o mais importante. Mais grave do que a fragilidade das fronteiras é a permissividade das prisões, que se tornaram verdadeiros quartéis-generais do crime, facultando aos bandidos presos a prática da criminalidade a distância – uma nova espécie de crime, comandado de dentro das próprias penitenciárias, geralmente por meio de aparelhos celulares, com verdadeiras centrais telefônicas instaladas dentro e fora dos presídios.

O fenômeno das quadrilhas que praticavam crimes de dentro do Presídio Central de Porto Alegre e do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia está longe de ser uma novidade. Pelo contrário, trata-se de uma prática recorrente em todos os presídios brasileiros e que não teve início agora, mas remonta, no mínimo, à década de 90, como se pode ver nos arquivos da imprensa nacional. O falso sequestro, por exemplo, que desespera famílias e rende um bom dinheiro para a manutenção das quadrilhas, é prática antiga e recorrente, executada de dentro dos presídios, através de telefones celulares contrabandeados para os presos por suas mulheres, mães, amantes, prostitutas e comparsas durante as abusivas visitas semanais, sobretudo as visitas íntimas, responsáveis por transformar os presídios numa espécie de “Esquenta” das periferias, que para lá acorrem aos sábados e domingos, religiosamente, levando, inclusive, suas crianças.

Em praticamente todos os Estados brasileiros há quadrilhas praticando crimes a partir dos presídios, de onde comandam roubos, sequestros, assassinatos, impondo suas próprias leis nas periferias das cidades, à revelia da Constituição do País. Em 20 de outubro do ano passado, por exemplo, uma reportagem do “Fantástico” mostrou a quadrilha que controla os presídios de São Paulo (leia-se PCC) dando ordens para que seus membros cometam atentados, assassinem policiais e matem até crianças. Disse a reportagem: “O Ministério Público investigou, nos últimos três anos, os chefes da quadrilha que estão presos nesta penitenciária em Presidente Venceslau, no interior de São Paulo. De lá de dentro saem as ordens para os comparsas que estão nas ruas”.

Reparem no absurdo: o Ministério Público passou três anos investigando bandidos que já estão presos, monitorando seus celulares contrabandeados para dentro das cadeias pelas visitas semanais, sobretudo mulheres, mães, amantes e prostitutas, que entram com aparelhos e chips escondidos na vagina. Durante esses três longos anos, quantos crimes não foram cometidos pelos bandidos presos, sob o olhar das autoridades que davam plantão na escuta eletrônica dos presídios, por sinal, autorizada pela Justiça? Aliás, as autoridades e a imprensa fazem questão de sempre informar esse detalhe, pois, no Brasil, detento tem direito inviolável à privacidade e só a Justiça pode mandar grampear seus celulares.

Presídios fazem papel de Executivo e Judiciário
As quadrilhas mandam e desmandam nos presídios e em suas ramificações nas cidades e os desbaratamentos de algumas delas representam apenas uma vitória pontual da polícia. O arsenal dos presos se renova a cada visita semanal, quando os presídios se tornam uma verdadeira feira livre, com centenas e até milhares de visitantes, que se encarregam de estabelecer o contato entre os criminosos presos e suas comunidades de origem. Hoje, nas médias e grandes cidades brasileiras, vários bairros periféricos têm nos presídios seu Executivo e seu Judiciário – é das penitenciárias que emanam as leis que regem o cotidiano dessas comunidades. Muitas vezes, os chefes do crime organizado interferem até na vida das famílias, fazendo o papel de juízes em brigas de marido e mulher.

Nesse ambiente de permanente contato com o mundo externo, dispondo, na maioria dos presídios, até de telefones públicos (que em breve serão legalmente oficializados), os presos acabam tendo enorme facilidade para recompor suas quadrilhas e retomar a prática de crimes mesmo trancafiados. Basta observar os recentes casos dos presídios de Aparecida de Goiânia e Porto Alegre. Segundo a reportagem do “Fantástico”, sete promotores de Justiça de Goiás passaram mais de um ano investigando a quadrilha, o que culminou com seu desbaratamento agora. O problema é que, em julho do ano passado, uma investigação anterior já desbaratara uma das maiores quadrilhas de roubo de carro do país também dentro do complexo prisional de Aparecida de Goiânia, resultado de uma investigação anterior das autoridades. E em junho de 2012, foi desbaratada uma quadrilha de roubo de joias no mesmo presídio. Ora, isso significa que, ao mesmo tempo em que o Ministério Público vai investigando os presos, eles vão formando novas quadrilhas e cometendo novos crimes.

O mesmo ocorreu no Rio Grande do Sul. Também lá a formação, monitoramento e desbaratamento de quadrilhas que atuam dentro dos presídios é um fenômeno anual. Em agosto de 2012, a polícia gaúcha desbaratou a quadrilha do detento Nataniel da Silva, do Presídio Central de Porto Alegre, que acumulava um patrimônio de mais de R$ 1 milhão, constituído de 40 veículos, mais de 25 contas bancárias, joias e cinco residências. Para movimentar a quadrilha, o bandido preso utilizava a mãe e três irmãos, um dos quais estava no regime semiaberto, além de primos e tias. E falava, via celular, com o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ), para saber informações sobre o seu pedido de habeas corpus. O desbaratamento dessa quadrilha se deu mediante escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. Ou seja, é a Justiça brasileira, como sempre, tratando o presídio como residência inviolável do bandido, onde ele pode receber toda a parentela, amantes, amigos e até um irmão bandido que cumpre pena no regime semiaberto. Isso é prisão ou casa da Mãe Joana?

Num ambiente de tamanha promiscuidade, em que as autoridades ficam monitorando o bandido enquanto ele pratica crimes, é natural que as quadrilhas prisionais – uma contribuição bem brasileira à criminologia – tornem-se recorrentes. Em maio de 2013, menos de um ano depois de estourar a quadrilha do detento Nataniel da Silva, uma operação envolvendo 160 policiais e 40 viaturas desbaratou outra quadrilha do Presídio Central de Porto Alegre, que traficava drogas na cidade gaúcha de Guaíba, sob o comando do detento Rob­son Duarte, conhecido como Jamanta, que estava há três anos preso. A quadrilha foi responsável por 14 homicídios ocorridos em Guaíba e, fora da cadeia, era gerenciada pela mulher e pela cunhada do detento, de quem recebiam as ordens durante as visitas ao presídio. A delegada que comandou as prisões dos envolvidos declarou à imprensa à época: “É uma resposta ao clamor da sociedade e aos criminosos”. Que resposta? Ficar seis meses vendo um presidiário mandar matar 14 pessoas, por meio das mulheres que o visitam na cadeia, sem tomar nenhuma providência para impedir essas visitas? Isso não é resposta à sociedade coisa nenhuma – é cumplicidade com o crime.

A falácia das prisões de segurança máxima
Episódios como esses ocorrem o tempo todo nos Estados. Em setembro de 2013, a Polícia Civil do Mato Grosso do Sul prendeu 20 bandidos, entre eles quatro adolescentes, que integravam uma quadrilha que praticava assaltos no interior do Estado e traficava drogas, sob o comando do detento Carlos Ronaldo Borges, que se encontrava preso na cadeia de Dois Irmãos do Buriti. Já na Paraíba, uma das maiores quadrilhas de tráfico de drogas do Estado, desbaratada em agosto de 2013 e responsável por diversos homicídios e roubos, era comandada de dentro dos presídios federais de “segurança máxima” de Catanduva, em São Paulo, e Mossoró, no Rio Grande do Norte. A quadrilha paraibana estava sendo investigada desde 2011; ou seja, as autoridades ficaram dois anos monitorando as atividades criminosas de bandidos já presos ao mesmo tempo em que continuou fornecendo aos detentos seu principal instrumento para a prática de crimes – o entra e sai semanal de visitantes nos presídios. O Presídio Central de Porto Alegre, por exemplo, recebe 12 mil visitantes por mês. Isso significa que, semanalmente, seus 4,5 mil detentos se misturam com 3 mil visitantes. Ora, uma escola com 300 crianças já é difícil de controlar, imagine uma cadeia com 7,5 mil presos e visitantes misturados.

Nem o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) – que muitos operadores do direito e intelectuais universitários classificam como masmorra medieval – impede presos de alta periculosidade de receberem visitas semanais. Durante duas horas, a cada fim de semana, eles têm o direito de receber a visita de duas pessoas adultas, sem contar as crianças. E o que é mais grave: até o Ministério Público considera essa regalia um direito humano inalienável do preso – que, obviamente, só está no RDD porque, mesmo preso, oferece sérios riscos à sociedade e fez por merecer uma disciplina mais rigorosa. Seria natural, portanto, que, ao menos nesse período, suas visitas semanais fossem cortadas. Mas não é o que ocorre. Por medo de rebeliões – o espectro que ronda o sistema prisional desde Carandiru –, as autoridades judiciárias preferem manter essas visitas, mesmo sabendo que elas não passam de um ponto de contato entre o preso e sua quadrilha no mundo exterior.

E o que é mais grave: até o Ministério Público, que deveria ser o principal crítico dessas regalias, lutando pela sua extinção, muitas vezes costuma ser o primeiro a defendê-las. Inclusive para detentos como Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. No início de 2009, o diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande pediu autorização à Justiça para realizar escutas ambientais durante as visitas de uma advogada a Beira-Mar. Essa advogada, que já visitara o preso oficialmente na condição de sua defensora, solicitou autorização à direção do presídio para realizar uma visita como pessoa comum. Como Beira-Mar, em conluio com o traficante colombiano Juan Abadia, era suspeito de querer sequestrar autoridades brasileiras, inclusive o filho do então presidente Lula, o diretor do presídio estranhou o desejo da advogada de querer ser recebida como pessoa comum pelo traficante e solicitou à Justiça autorização para monitorá-la. Mas o Ministério Público Federal posicionou-se contra o monitoramento solicitado.

Diretor de presídio é rainha da Inglaterra
Numa prova de que diretor de presídio não passa de “rainha da Inglaterra” e já não pode nem vigiar o preso que está sob sua guarda, o procurador da República Ricardo Luiz Loreto, em parecer datado de 5 de março de 2009, negou o pedido do diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande e disse que o monitoramento ambiental de Beira-Mar em sua cela viola “o direito à intimidade, constitucionalmente assegurado pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição de 88”. Esse dispositivo constitucional, convém lembrar, estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Ora, é óbvio que o dispositivo não está falando de bandido preso, que, ao se tornar criminoso, abriu mão de sua vida privada, mas do cidadão cumpridor da lei. Caso contrário, todo e qualquer processo criminal, mesmo envolvendo assaltos, sequestros e latrocínios, deveriam correr em absoluto segredo de justiça, com a imprensa sendo proibida de veicular o nome dos réus, sob pena de violar sua honra e imagem.

Outro argumento brandido pelo procurador da República para ir contra o monitoramento de Beira-Mar foi o de que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil garante ao advogado o direito de se comunicar com seu cliente preso, mesmo sem procuração, isto é, na condição de pessoa comum. É o próprio Ministério Público fazendo o papel de lacaio da OAB e colocando o Estatuto dessa entidade acima da própria Constituição. Um advogado só pode gozar das imunidades inerentes à profissão quando está exercendo o papel constitucional de defensor do seu constituinte. Uma vez que a advogada de Fernandinho Beira-Mar decidira fazer uma visita comum ao preso, o monitoramento de sua conversa com o bandido não fere, de forma alguma, a Constituição. E o Ministério Público – que deveria estar no polo oposto da advocacia privada – tem o dever constitucional de dizer isso em alto e bom som. Se o promotor público concorda com o advogado do bandido, quem irá acusar o réu para que o juiz tenha o necessário contraditório para que possa exercer o seu papel de magistrado?

Todavia, para o procurador Ricardo Luiz Loreto, o monitoramento ambiental da cela de um preso, mesmo que esse preso seja Beira-Mar, fere seus direitos de “visita e intimidade”. O procurador chega a afirmar: “Talvez exceção ocorresse no caso de haver investigação criminal contra o visitante ou o visitado”. Para ele, não havia nada contra Beira-Mar e aquela advogada que se comportava como sua amiga: “Pelo contrário, o único fato narrado no pleito é o referente ao sequestro de autoridades, que já foi descortinado no ano de 2008”, escreveu o procurador. Notem como ele trata o complô para o “sequestro de autoridades” como um fato sem importância e ocorrido num tempo longínquo, quando, na verdade, seu parecer é de 5 de março de 2009, ou seja, apenas sete meses depois do complô, descoberto em agosto de 2008.

Nessa sua ferrenha defesa de supostos direitos dos presos, que praticamente dispensa Beira-Mar de constituir advogado, o procurador da República enfatiza: “Relevante ponderar que não é a periculosidade do detento que irá ensejar o cabimento da medida pleiteada, pois, se assim fosse, como todos os presos que estão cumprindo pena na Penitenciária Federal de Campo Grande são considerados de alta periculosidade, seria necessário o monitoramento ambiental de todos eles no momento de receberem suas visitas”. Ora, se o conceito de “segurança máxima” fosse, de fato, levado a sério no Brasil é claro que todos os presos do porte de um Luiz Fernando da Costa, o Beira-Mar, e um Marcos William Herbas Camacho, o Marcola, teriam que ter suas visitas sensivelmente reduzidas e rigorosamente monitoradas. Ao contrário do que diz o procurador da República, o que fere a Constituição não é um preso perigoso ser monitorado em sua cela e, sim, o cidadão de bem não ter o direito de ir e vir, sob pena de ser morto num latrocínio comandado de dentro dos presídios. Como já escrevi, cadeia não pode ser transformada em Big Brother de promotor e juiz – não porque o preso tenha direito à privacidade, mas porque o crime tem de ser prevenido à força, se necessário, e não monitorado virtualmente, enquanto o “reeducando” se especializa na prática do crime a distância.
Publicado no Jornal Opção.
Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.



O APOGEU DO POLITICAMENTE CORRETO

Os esquerdistas em geral e os americanófobos em particular vivem dizendo que a maior ameaça à hegemonia do império americano é a China, com seus bilhões de habitantes e uma economia que, em pouco tempo, ultrapassará a do Tio Sam. Bobagem. O crescimento chinês nem de longe ameaça o poderio americano. Ao contrário, quem entende um pouquinho de economia sabe que quanto mais rica e pujante for a economia chinesa, mais os americanos têm a lucrar.


A maior ameaça à hegemonia norte americana é um vírus que vem corroendo as suas entranhas, uma doença auto-imune que há anos vem prejudicando o organismo social daquela nação: a elevação do politicamente correto a política de Estado. Duvida, caro leitor? Então, preste atenção nisso:

O governo dos Estados Unidos está processando uma empresa privada por discriminação contra trabalhadores latino-americanos e asiáticos, porque eles não falam inglês no trabalho. Trata-se de uma empresa de Green Bay, Wisconsin, fabricante plásticos, que demitiu trabalhadores latino-americanos e asiáticos por não saberem expressar-se em … inglês. É que Obrigar funcionários a falar Inglês – nos EUA! – viola Título VII do Ato dos Direitos Civis de 1964, pelo menos para os xiitas da Administração Obama.

Segundo consta, a dita Lei protege os funcionários contra discriminação com base na origem nacional, o que inclui as características linguísticas. Portanto, os estrangeiros têm o direito de só falar apenas sua língua nativa, mesmo durante as horas de trabalho em uma empresa americana, funcionando em solo americano, ainda que ninguém mais os entenda. De acordo com um procurador federal, “Quando falar fluentemente Inglês não é, de fato, necessário para o desempenho seguro e eficaz de um trabalho, nem para o bom funcionamento do negócio do empregador, exigir que os funcionários sejam fluentes em inglês constitui geralmente uma discriminação e, consequentemente, viola a lei federal.” (Não sei se notaram, mas tal raciocínio implica que quem decide o que bom ou ruim para o funcionamento dos negócios não são seus administradores, mas o governo.)

Não por acaso, sob a presidência de Obama, a EEOC (Comissão de Igualdade de Oportunidades e Emprego) tem tomado uma série de medidas sem precedentes contra diversas empresas, sob a alegação de proteger os trabalhadores estrangeiros no local de trabalho.

Tudo começou em 2009, quando a agência emitiu uma ordem tornando ilegal a imposição do idioma inglês no local de trabalho. Desde então, a agência tem agido como um rolo compressor, tomando medidas legais contra empresas em todo o país, acusando-as de tudo, desde discriminação contra as minorias por verificação de antecedentes criminais até levantamentos de crédito, passando pela obrigação de permitir o uso de trajes muçulmanos no local de trabalho.

De acordo com processos judiciais abertos pela EEOC contra várias empresas, as investigações de antecedentes criminais e verificações de crédito “desproporcionalmente excluem os negros na admissão de emprego”. Já as empresas que proíbem mulheres muçulmanas de usar o hijab no trabalho “violam direitos religiosos garantidos sob as leis de direitos civis”, ainda que as coberturas de cabeça sejam proibidas para todos os funcionários, afirma a EEOC. No ano passado, por exemplo, um juiz federal nomeado por Obama deu à EEOC uma grande vitória, determinando que os direitos civis de uma mulher muçulmana teriam sido violados por um varejista de roupas que não lhe permitia usar o lenço de cabeça, conforme exigido por sua religião.

E ainda tem gente preocupada com os chineses…
Por João Luiz Mauad Do site: http://www.institutoliberal.org.br/


segunda-feira, 21 de julho de 2014

OS DESILUDIDOS DA REPÚBLICA

Há um notório sentimento popular de cansaço, de enfado, de identificação do voto como um ato inútil, que nada muda


A proximidade das eleições permite uma breve reflexão sobre o processo de formação de uma cultura política democrática no Brasil. A República nasceu de um golpe militar. A participação popular nos acontecimentos de 15 de novembro de 1889 foi nula. O novo regime nasceu velho. Acabou interrompendo a possibilidade de um Terceiro Reinado reformista e modernizador, tendo à frente Isabel como rainha e chefe de Estado e com os amplos poderes concedidos pela Constituição de 1824.

A nova ordem foi edificada para impedir o reformismo advogado por Joaquim Nabuco, Visconde de Taunay e André Rebouças, que incluía, inclusive, uma alteração no regime de propriedade da terra. Os republicanos da propaganda — aqueles que entre 1870, data do Manifesto, e 1889, divulgaram a ideia republicana em atos públicos, jornais, panfletos e livros — acabaram excluídos do novo regime. Júlio Ribeiro, Silva Jardim e Lopes Trovão, só para recordar alguns nomes, foram relegados a plano secundário, considerados meros agitadores.

O vazio no poder foi imediatamente preenchido por uma elite política que durante decênios excluiu a participação popular. As sucessões regulares dos presidentes durante a Primeira República (1889-1930) foram marcadas por eleições fraudulentas e pela violência contra aqueles que denunciavam a manipulação do voto.

Os opositores — os desiludidos da República — passaram a questionar o regime. Se apontavam corretamente as falácias do sistema eleitoral, indicavam como meio de superação, como disse um deles, desses “governichos criminosos”, a violência, a tomada pelas armas do Estado. E mais: que qualquer reforma só poderia ter êxito através de um governo ultracentralizador, instrumento indispensável para combater os poderosos, os senhores do baraço e do cutelo, como escreveu Euclides da Cunha.

Assim, o ideal mudancista tinha no seu interior um desprezo pela democracia. Acentuava a defesa de um novo regime para atender as demandas da maioria, mas com características autoritárias. Alguns até imaginavam que o autoritarismo seria um estágio indispensável para chegar à democracia.

A Revolução de 30 construiu o moderno Estado brasileiro. Enfrentou vários desafios e deu um passo adiante no reformismo nacional. Porém, aprofundou as contradições. Se, de um lado, foram adotados o voto secreto, a Justiça Eleitoral, o voto feminino, conquistas importantes, manteve uma visão de mundo autoritária, como ficou patente desde 1935, com a repressão à rebelião comunista de novembro, e mais ainda após a implantação da ditadura do Estado Novo, dois anos depois.

A vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial deu alguma esperança de, pela primeira vez, caminharmos para o nascimento de uma ordem democrática. A Constituição de 1946 sinalizou este momento. O crescimento econômico, a urbanização, o fabuloso deslocamento populacional do Nordeste para o Sul-Sudeste, a explosão cultural-artística — que vinha desde os anos 1930 — foram fatores importantes para o aprofundamento das ideias liberal-democráticas, mesmo com a permanência do autoritarismo sob novas vestes, como no ideário comunista, tão influente naquele período.

O ano de 1964 foi o ponto culminante deste processo. A democracia foi golpeada à direita e à esquerda. Para uns era o instrumento da subversão, para outros um biombo utilizado pela burguesia para manter sua dominação de classe. Os que permaneceram na defesa do regime democrático ficaram isolados, excluídos deste perverso jogo autoritário. Um desses foi San Tiago Dantas.

Paradoxalmente foi durante o regime militar — especialmente no período ditatorial, entre os anos 1968-1978 — que os valores democráticos ganharam enorme importância. A resistência ao arbítrio foi edificando um conjunto de valores essenciais para termos uma cultura política democrática. E foram estes que conduziram ao fim do regime e à eleição de Tancredo Neves, em janeiro de 1985.

No último quartel de século, contudo, apesar das sucessivas eleições, a cultura democrática pouco avançou, principalmente nos últimos 12 anos. As presidências petistas reforçaram o autoritarismo. A transformação da luta armada em ícone nacional é um bom (e triste) exemplo. Em vez de recordar a luta democrática contra o arbítrio, o governo optou pela santificação daqueles que desejavam substituir a ditadura militar por outra, a do “proletariado”.

O processo eleitoral reforça este quadro de hostilidade à política. A mera realização das eleições — que é importante — não desperta grande interesse. Há um notório sentimento popular de cansaço, de enfado, de identificação do voto como um ato inútil, que nada muda. De que toda eleição é sempre igual, recheada de ataques pessoais e alianças absurdas. Da ausência de discussões programáticas. De promessas que são descumpridas nos primeiros dias de governo. De políticos sabidamente corruptos e que permanecem eternamente como candidatos — e muitos deles eleitos e reeleitos. Da transformação da eleição em comércio muito rendoso, onde não há política no sentido clássico. Além da insuportável propaganda televisiva, com os jingles, a falsa alegria dos eleitores e os candidatos dissertando sobre o que não sabem.

O atual estágio da democracia brasileira desanimaria até o doutor Pangloss. A elite política permanece de costas para o país, ignorando as manifestações de insatisfação. E, como em um movimento circular, as ideias autoritárias estão de volta. Vai se formando mais uma geração de desiludidos com a República. Até quando?

Por: Marco Antonio Villa é historiador Publicado em O Globo



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A NARRATIVA AUSENTE

PSDB desperdiçou seus anos de oposição sem fazer a defesa do legado de FH, propiciando a cristalização da fala petista


‘Decifra-me ou devoro-te!” O eco do desafio mitológico da esfinge de Tebas acompanha a divulgação das sondagens eleitorais. Na etapa final da campanha, não existem enigmas difíceis: a trajetória das intenções de voto diz tudo o que importa. Contudo, nas etapas prévias, o panorama é mais complexo. Os analistas têm destacado as informações sobre a vontade de mudança do eleitorado e os índices de rejeição da presidente que busca a reeleição. São dados relevantes na equação, mas não deveriam obscurecer um outro, que configura um paradoxo: o crescimento das intenções de voto nos candidatos de oposição continua longe de refletir a vontade majoritária de mudança. Se não interpretarem corretamente o paradoxo, os oposicionistas oferecerão a Dilma Rousseff um triunfo que ela não pode obter por suas próprias forças.

Publicamente, o PSDB e o PSB asseguram que o crescimento das candidaturas de Aécio Neves e Eduardo Campos é só uma questão de tempo — ou seja, de exposição no horário eleitoral. Na hipótese benigna, eles não acreditam nisso, mas falam para animar suas bases. A hipótese maligna é que se refugiam no pensamento mágico, acalentando o sonho de uma vitória por default. De um modo ou de outro, parecem longe de admitir o que as sondagens eleitorais insistem em demonstrar: ambos carecem de uma narrativa política capaz de traduzir o desejo majoritário de mudança.

A candidatura de Eduardo Campos sofre de um mal de origem. O ex-governador de Pernambuco era, até ontem, um “companheiro de viagem” do lulismo, e sua vice, Marina Silva, fez carreira política no PT, ainda que sua dissidência já tenha uma história. Desse mal, decorre um frágil discurso eleitoral: a “terceira via”, ao menos na versão de Campos, é um elogio do “lulismo sem Dilma”. O discurso viola a verdade política, pois o governo Dilma representa, em todos os sentidos, o prolongamento dos mandatos de Lula. De mais a mais, é inverossímil, pois o eleitorado aprendeu que “Lula é Dilma” e “Dilma é Lula”.

A candidatura de Aécio Neves sofre de um mal distinto, evidenciado nas campanhas presidenciais de Geraldo Alckmin, em 2006, e de José Serra, em 2010: o PSDB não sabe explicar o motivo pelo qual quer governar o país. Oito anos atrás, Alckmin apostou suas chances na tecla da denúncia de corrupção. Há quatro anos, Serra investiu nas suas qualidades pessoais (a “experiência”) e no tema da “gestão eficiente”. A despolitização do discurso dos tucanos refletiu-se na apagada atuação parlamentar de Aécio, que nem sequer tentou transformar sua tribuna no Senado em polo de difusão de uma mensagem oposicionista. Não é fortuito que, a essa altura da corrida presidencial, suas intenções de voto permaneçam tão abaixo dos índices de rejeição à candidatura de Dilma.

O PSDB tem algo a aprender com o PT. Nos seus anos de oposição, o PT construiu uma narrativa sobre o governo e a sociedade que, mesmo se mistificadora, sintetizava uma crítica fundamental às políticas de FH e indicava um rumo de mudança. Naquele tempo, o PT dizia que os tucanos governavam para a elite, acentuavam as desigualdades sociais e, no programa de privatizações, queimavam o patrimônio público no altar dos negócios privados. O PSDB desperdiçou seus anos de oposição sem fazer a defesa do legado de FH, propiciando a cristalização da narrativa petista. Consequência disso, não formulou uma crítica de conjunto aos governos lulopetistas, limitando-se a aguardar que, num passe de mágica, o poder retornasse às suas mãos. Agora, Aécio só triunfará se produzir, em escassos meses, a narrativa que seu partido não elaborou ao longo de 12 anos.

Lula disse, várias vezes, e com razão, que “os ricos nunca ganharam tanto dinheiro como nos seus governos”. O PT governa para a elite, subsidiando pesadamente o grande capital privado enquanto distribui migalhas do banquete para os pobres, a fim de comprar seus votos. O contraste entre os valores envolvidos no Bolsa Empresário e os dispêndios no Bolsa Família contam uma história sobre o lulismo que o PSDB ocultou enquanto fingia fazer oposição. Terá Aécio a coragem de expô-la, mesmo às custas de desagradar ao alto empresariado?

Nos três mandatos do lulopetismo, o governo promoveu o consumo de bens privados, descuidando-se da geração de bens públicos. Os manifestantes de junho de 2013 foram rotulados pelo PT como “despolitizados” por apontarem essa contradição, levantando as bandeiras da educação e da saúde (“escolas e hospitais padrão Fifa”). No fundo, as multidões que ocuparam as ruas até serem expulsas pelos vândalos e depredadores estavam tomando uma posição sobre as funções do Estado. Terá Aécio a lucidez de reacender esse debate, do qual o PSDB foge sempre que o PT menciona a palavra “privatização”?

O sistema político do país vive um longo outono, putrefazendo-se diante de todos. A “solução” oferecida pelo PT é uma reforma política que acentuaria seus piores aspectos, junto com a rendição do Congresso à pressão dos “conselhos participativos”. Mas a raiz da crise crônica está fora do sistema político: encontra-se na própria administração pública, aberta de par em par à colonização pelos partidos políticos. Aécio promete operar uma cirurgia puramente simbólica, reduzindo o número de ministérios. Terá ele a ousadia de, desafiando o conjunto da elite política, propor um corte profundo, radical, no número de cargos públicos de livre indicação?

Ano passado, ouvi de uma assessora econômica tucana a profecia de que, antes do fim da Copa, um colapso econômico provocado pela inversão da política monetária americana decidiria a eleição presidencial brasileira. Era um sintoma da persistência do pensamento mágico que hipnotiza o PSDB desde a ascensão de Lula à presidência. Não: o Planalto não cairá no colo de Aécio. Para triunfar, ele precisa oferecer ao país uma narrativa política coerente. Por: Demétrio Magnoli