quinta-feira, 20 de novembro de 2014

COMO VENCER AS ELEIÇÕES

Que delícia: tenho passado os últimos tempos na companhia de Quintus Tullius Cicero. O nome talvez acenda uma luz na cabeça do leitor. Cuidado: é a luz errada.


Quintus era o irmão mais novo do famoso Marcus Cicero. E em 64 a.C., quando Marcus se candidatou ao lugar de cônsul (o mais importante cargo no "cursus honorum" da República Romana), Quintus decidiu escrever um pequeno manual –pelo menos, a maioria dos especialistas atribui-lhe a autoria– em que explicava ao irmão como ter sucesso em política.

O manual dá pelo nome latino de "Commentariolum Petitionis" e existe tradução inglesa de Philip Freeman intitulada "How to Win an Election" (como vencer uma eleição, Princeton University Press, 99 págs.).

Começa em tom suave: o caçula elogia a inteligência, a oratória e a integridade de Marcus. Mas depois acrescenta, como um Maquiavel "avant la lettre", que a política não trata de verdades. Trata de aparências. Quem ganha a batalha das aparências, ganha a batalha pelo poder.

Essa guerra começa logo no estudo dos adversários. Não das suas "propostas" (só amadores perdem tempo com as propostas dos outros), mas das suas fraquezas mundanas.

No caso de Marcus Cicero, ele teria que explorar as fraquezas de um adversário como Antonius (que teve a propriedade confiscada por dívidas; que foi expulso do Senado; que até comprou uma escrava para satisfazer os seus apetites, informa Quintus); e as fraquezas de Catilina (que cresceu em luxúrias com a própria irmã; que assassinou o cunhado; e que também tinha uma queda por rapazinhos).

Fazer chegar esses escândalos à opinião pública é o primeiro dever de um candidato responsável.

Mas a política não vive apenas de "campanhas negativas", avisa Quintus. É preciso uma "campanha positiva" –e essa campanha começa em casa.

O candidato deve ter o apoio da família, dos amigos, dos vizinhos, dos clientes, dos antigos escravos e dos atuais servos. "Os rumores que se tornam públicos", esclarece Quintus, "começam na família e nos amigos".

E, depois da família e dos amigos, é preciso o apoio dos desconhecidos. Como? Prometendo, prometendo. O candidato vencedor é aquele que promete tudo a toda a gente. Ou, melhor dizendo, é aquele que promete o que diferentes públicos querem escutar.

Claro que é humanamente impossível satisfazer o mundo inteiro quando se chega ao poder. Mas esse não é o ponto, escreve Quintus, levemente exasperado.

O ponto é que "o povo prefere uma mentira graciosa a uma recusa imediata". Por outras palavras: um político que proclame, com toda a honestidade, que não pode prometer o que não tem a certeza de cumprir, é um candidato acabado.

Depois, quando finalmente ascende ao poder, o político poderá sempre dizer que as circunstâncias mudaram e que as promessas de ontem, infelizmente, não podem ser cumpridas hoje. Talvez amanhã.

Finalmente, é importante ter o apoio dos poderosos. E "poderosos", aqui, significa múltiplas coisas: aristocratas, comerciantes ricos, artistas, jovens ilustres –há várias formas de poder.

E o importante, conclui Quintus, é lembrar a alguns desses poderosos os favores que lhes fizemos; e aos outros, que ainda não estão em dívida para conosco, declarar que seremos nós a estar em dívida para com eles. Nada funciona tão bem como apelar para a ambição alheia.

Escusado será dizer que os conselhos de Quintus tiveram sucesso: Marcus seria eleito cônsul; dois anos depois, o próprio Quintus seria pretor (uma espécie de administrador judiciário) e, posteriormente, governador da atual Turquia. O sucesso político dos irmãos Cicero só teria fim com a queda da República e a emergência do Império: foram ambos condenados à morte.

E hoje? Hoje, hipocrisias à parte, não há político de sucesso que não siga os conselhos de Quintus: na forma como destrata os adversários; como usa e abusa da família para compor um quadro de respeitabilidade moral; como faz promessas e mais promessas, sem a mais vaga intenção de as cumprir; e como tece relações de dependência e favores mútuos com os poderosos do seu tempo.

O livrinho de Quintus é hilariante e arrepiante. E difícil de engolir. Razão tinha o poeta: os seres humanos nunca suportaram demasiada realidade. 
Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

LIBERTÁRIOS, MAQUIAVEL E O PODER DO ESTADO


À medida que o movimento libertário e as ideias associadas a ele vão ganhando maior proeminência ao redor do mundo, o surgimento de ataques, calúnias e caricaturas passa a ser inevitável. Libertários, dizem nossos críticos, são antissociais e preferem o isolamento à interação com terceiros. São gananciosos e indiferentes para com os pobres. São ingênuos quanto a terroristas e inimigos externos, e se recusam a apoiar invasões de "países perigosos" (e a subsequente chacina de populações inocentes).

Estas caricaturas e concepções errôneas podem ser refutadas pela simples definição do próprio conceito de libertarianismo. Todo o ideal libertário se baseia em um princípio moral fundamental: a não-agressão de inocentes. Ninguém deve iniciar força física contra um inocente. Muito radical.

É óbvio que, não apenas não há nada de antissocial nesta ideia, como também ela representa a própria negaçãode tudo o que é antissocial, pois a interação pacífica é justamente o cerne de uma sociedade civilizada.

À primeira vista, praticamente ninguém pode se opor ao princípio da não-agressão. São poucas as pessoas que abertamente defendem atos de agressão contra pessoas pacíficas e inocentes. A diferença é que os libertários são francos e eloquentes quanto a isso, e aplicam este princípio em todas as esferas da vida, para todas as pessoas. Nossa visão vai muito além de meramente sugerir que o estado não pode incorrer em violações grosseiras das leis morais. Nós afirmamos que o estado não pode efetuar nenhum ato que seria proibido a qualquer indivíduo. Não há meio termo para as normas morais: ou elas existem ou não existem.

Exatamente por isso não podemos defender o sequestro estatal apenas porque o governo rotula esta prática de "alistamento militar obrigatório". Não podemos defender o encarceramento de pessoas que ingeriram as substâncias erradas apenas porque o governo rotula esta prática de "guerra contra as drogas". Não podemos defender o roubo e a espoliação apenas porque o governo rotula esta prática de "tributação". Não podemos defender homicídios em massa só porque o governo rotula esta prática de "política externa". Não podemos defender privilégios para grandes empresas só porque o governo rotula esta prática de "políticas de proteção à indústria". Não podemos defender a destruição do poder de compra da moeda só porque o estado rotula esta prática de "política monetária". Não podemos defender restrições à liberdade de empreendimento só porque o governo rotula esta prática de "regulamentação". E não podemos defender o parasitismo só porque o governo rotula esta prática de "políticas de bem-estar social".

Murray Rothbard, que era Ph.D. pela Universidade de Columbia, NY, dizia que você pode descobrir qual é a posição libertária a respeito de qualquer questão ao simplesmente imaginar uma quadrilha de criminosos efetuando a ação analisada.

Em outras palavras, o libertarianismo pega certos critérios morais e políticos que são defendidos por todas as pessoas decentes, e simplesmente os aplica de forma consistente e inflexível.

Por exemplo, as pessoas se opõem a monopólios porque temem o aumento de preços, a redução na qualidade dos produtos e serviços, e toda a centralização de poder decorrentes deste arranjo. O libertário apenas aplica esta preocupação em relação a monopólios ao próprio estado. Afinal, empresas privadas operando no mercado — um arranjo que supostamente devemos temer — não podem simplesmente sair cobrando o quanto quiserem por bens e serviços. Os consumidores podem simplesmente trocar de ofertante, ou deixar de usar um determinado produto e passar a usar um substituto mais próximo. Da mesma maneira, empresas não podem reduzir a qualidade de seus produtos sem perder consumidores, os quais poderão encontrar concorrentes ofertando bens e serviços mais satisfatórios.

Já o estado pode, por definição, cobrar do público o quanto ele quiser pelos "serviços" que ele oferta. Os cidadãos — os súditos do estado — têm de aceitar qualquer nível de qualidade que o estado se digne a ofertar. E jamais pode existir, por definição, qualquer concorrente ao estado, uma vez que o estado é definido como o detentor do monopólio da compulsão e da coerção em seu território.

Com suas guerras, seus genocídios, suas atrocidades totalitárias e toda a miséria criada por suas políticas intervencionistas, o estado já demonstrou ser, de longe, a mais letal instituição da história. Seus crimes menores incluem todo o seu endividamento, cujo pagamento dos juros ele impôs à população; as burocracias que se auto-perpetuam e se alimentam da fatia produtiva da população; e todo o desperdício de recursos escassos — os quais poderiam ter sido utilizados para melhorar o padrão de vida da população por meio da formação de capital — em obras e projetos arbitrários e de motivação política.

No entanto, o estado, apesar de todos os seus fracassos, consistentemente usufrui aquele benefício da dúvida que ninguém concederia a pessoas e empresas no setor privado. Por exemplo, a educação estatal produziu resultados que, na mais complacente das hipóteses, podem ser classificados de deploráveis, não obstante o crescente volume de dinheiro direcionado para este setor. Houvesse o setor privado gerado um desastre semelhante, a gritaria e as denúncias contra "os empresários ricos que estão tornando nossas crianças ignorantes" jamais acabariam. Porém, quando é o setor público quem gera resultados medonhos, tudo o que ouvimos é o silêncio. E o silêncio só é interrompido pelas demandas de que os pagadores de impostos deem ainda mais dinheiro e recursos para o estado. Se uma empresa privada fracassa, ela vai à falência. Se o estado fracassa, ele pede (e ganha) mais dinheiro.

Se uma empresa privada comete um erro grave, o mundo vem abaixo. Investigações aprofundadas, reportagens histéricas da mídia e indignações públicas parecem não ter fim. Já quando o estado faz lambança, não há absolutamente nenhum interesse na história, e quase ninguém ouve nada a respeito.

Da mesma forma, quando os tribunais estatais obrigam pessoas inocentes a ter de tolerar atrasos intermináveis e a arcar com gastos infindáveis, não há investigações, não há denúncias e não há apelos por justiça. Quando os ricos e famosos são obviamente favorecidos pelo sistema, as pessoas resignadamente aceitam o fato como corriqueiro, uma inevitabilidade. Enquanto isso, empresas de arbitragem privada, rápidas e eficientes, prosperam na surdina, silenciosamente preenchendo o vazio criado pelo péssimo sistema estatal — e dificilmente alguém nota ou se importa, muito menos aprecia estas melhoras geradas em nosso bem-estar.

Quando o estado fracassa abjetamente em cumprir com a mais mínima qualidade aceitável algum serviço que ele se propôs a fazer — como a segurança —, as pessoas veem isso como algo rotineiro. Se pessoas morrem em decorrência da falta de segurança — inclusive na área de infraestrutura — gerada pelo estado, são apenas coisas da vida. Mas quando uma empresa privada oferece um serviço que deixa a desejar, todos os tipos de impropérios e ameaças judiciais são proferidos por seus desapontados clientes.

No fundo, esta assombrosa diferença entre os padrões morais e éticos exigidos do estado e do setor privado tem suas raízes não apenas nos homens que compõem o aparato estatal, mas também naqueles que lhes dão sustentação intelectual e ideológica.

Os moralistas romanos da antiguidade, e os humanistas da Renascença que vieram depois, preconizavam abertamente que os governantes tinham de possuir um arranjo especial de virtudes morais. Tais virtudes eram, acima de tudo, as quatro virtudes cardinais (cardinal vem do latim e significa "essencial"; logo, todas as outras virtudes dependiam destas quatro): coragem, justiça, temperança e sabedoria. Embora todos os homens fossem exortados a cultivar estas virtudes, os príncipes, em particular, deveriam ir além e apresentar outras mais, como nobreza e generosidade. Estes temas foram desenvolvidos por Cícero em seu ensaio De Officiis e por Sêneca em seus ensaios Sobre a Clemência e Sobre Benefícios.

Os humanistas anteciparam a tese que futuramente viria a ser defendida por Maquiavel: a de que tem de haver uma divisão entre, de um lado, a moralidade e, do outro, qualquer postura e atitude que seja conveniente para o príncipe. Os humanistas responderam a esta tese alertando que, mesmo que a perversidade principesca não fosse punida em vida, a punição divina na próxima vida seria certa e cruel.

O que fez com que Maquiavel se destacasse tão incisivamente foi o seu radical rompimento com esta visão tradicional das obrigações morais do príncipe. Como afirmou Quentin Skinner, o grande estudioso de Maquiavel, "É só quando analisamos detidamente O Príncipe que descobrimos como estes tradicionais aspectos da moralidade humanista foram violentamente subvertidos".

O príncipe, diz Maquiavel, tem sempre de "estar preparado para agir imoralmente sempre que for necessário". E "para manter seu poder", ele — não apenas algumas vezes, mas sim frequentemente — será obrigado a "agir traiçoeiramente, cruelmente e impiedosamente".

Dado que a maioria das pessoas jamais irá interagir pessoalmente com o príncipe, Maquiavel forneceu o seguinte conselho ao governante: "Todo mundo vê aquilo que você aparenta ser", mas "poucos sabem diretamente quem você realmente é". "Um habilidoso enganador", continuou Maquiavel, "sempre encontrará uma multidão de pessoas que se deixarão ser enganadas". 

Já dá para imaginar que tipo de pessoa o príncipe será.

A visão de Maquiavel frequentemente é resumida como "os fins justificam os meios". Embora tal destilação não capture todos os aspectos do pensamento de Maquiavel, é fato que esta concisa descrição irrita os professores de teoria política. Ademais, se o fim em questão é a preservação do poder do príncipe, então "os fins justificam os meios" não é uma caracterização injusta do conselho de Maquiavel.

E é exatamente a este princípio que o estado e seus ideólogos recorrem para justificar seu não cumprimento de todas aquelas práticas que as pessoas decentes consideram morais e boas. Friedrich Hayek certa vez escreveu que,



Na ética individualista, o princípio de que o fim justifica os meios é considerado a negação de toda a moral. Na ética coletivista, ele se torna a regra suprema; não há literalmente nada que o coletivista coerente não deva estar pronto para fazer, desde que contribua para o "bem da comunidade", porque o "bem da comunidade" é para ele o único critério que justifica a ação. A ética coletivista não conhece outros limites que não os da conveniência — a adequação do ato particular ao objetivo que se tem em vista.

Praticamente todas as pessoas hoje aceitam, ao menos implicitamente, a alegação de que o estado opera em uma dimensão moral paralela, na qual as regras morais tradicionais não são aplicáveis. Outros vão além e afirmam que o estado está acima da moralidade que conhecemos. Mesmo que tais pessoas não utilizem as formulações verbais de Maquiavel, de alguma forma elas creem ser desarrazoado exigir que o estado e seus funcionários se comportem da mesma maneira que o resto de nós. O estado pode se defender e se preservar recorrendo a métodos que nenhuma empresa privada, nenhuma organização, nenhuma família e nenhum indivíduo poderiam utilizar para sua própria preservação. E aceitamos isso como algo normal.

Esta é simplesmente uma formulação mais geral do fenômeno descrito anteriormente, que diz que poucas pessoas se espantam quando o estado incorre em um comportamento que seria considerado uma monstruosidade moral caso fosse efetuado por qualquer indivíduo ou entidade.

Por fim, algumas pessoas poderão discordar e contra-argumentar dizendo que o aparato coercivo do estado é essencial para manter a ordem na sociedade, de modo que não podemos insistir fortemente no purismo libertário ao analisarmos seu comportamento. Afinal, algumas vezes o estado tem de fazer aquilo que ele tem de fazer.

Só que absolutamente todos os "serviços" que estado fornece já foram no passado ofertados de maneira não-coerciva. A questão é que nós simplesmente não somos estimulados a estudar e a aprender esta história, e a estrutura de ensino que involuntariamente adotamos desde os nossos primeiros dias na escola tornou nossa imaginação estreita e tacanha demais para conceber essa possibilidade.

Maquiavel lançou uma revolução em prol do estado. A nossa revolução é contra, mas sempre a favor da paz, da liberdade e da prosperidade.

Lew Rockwell é o chairman e CEO do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State


Tradução de Leandro Roque


terça-feira, 18 de novembro de 2014

TODO ESQUERDISTA PRECISA SER UM FRANCISCANO?


“O vício intrínseco do capitalismo é a partilha desigual do sucesso; o vício intrínseco do socialismo é a partilha equitativa do fracasso.” (Winston Churchill)


A expressão “esquerda caviar”, que não inventei mas ajudei a popularizar, pegou e tem incomodado muita gente. Afinal, expõe a hipocrisia daqueles que defendem o socialismo de suas coberturas luxuosas, que pregam a igualdade material de cima de seus helicópteros, que defendem até o modelo cubano de Nova York ou Paris, que condenam a ganância enquanto juntam mais e mais dinheiro. Tamanha incoerência incomoda mesmo, quando exposta.

Pegos na contradição, vários desses ícones da esquerda caviar têm se defendido da seguinte maneira: então é preciso ser um franciscano para defender os mais pobres? Segundo eles, o que querem é distribuir melhor a riqueza, que todos se tornem igualmente ricos, tenham acesso aos mesmos bens materiais. Implícito nesse discurso está o monopólio da virtude típico da esquerda, e uma enorme falácia.

Para essas pessoas, ser de esquerda significa automaticamente se preocupar com os pobres. Ou seja, eles estão dizendo que os liberais capitalistas ou os conservadores de direita não ligam para os pobres, querem mantê-los na pobreza. Reparem que são as supostas intenções que eles atacam, justamente para não debater quais meios ajudariam, de fato, os mais pobres a sair da pobreza. O esquerdismo não seria, então, uma ideologia sobre meios de produção ou organização social, mas sim uma seita religiosa que concede de imediato o status de sensível abnegado ao membro.

Claro que não é nada disso. Claro que é possível ter tanto esquerdistas como direitistas legitimamente preocupados com os mais pobres. Por isso mesmo o debate sério, honesto, será voltado para quais meios devem ser adotados para mitigar a pobreza. Foi o capitalismo liberal americano ou o socialismo real cubano que beneficiou os mais pobres? Foi o livre comércio da globalização ou o protecionismo dos países fechados que melhorou a vida dos mais pobres?

Quando colocamos a coisa desta forma, fica claro o motivo pelo qual a esquerda caviar foge do debate. O problema não é ser mais rico e defender a esquerda, e sim ser um usuário de todas as benesses que só o capitalismo pode oferecer enquanto defende o socialismo, que jamais permitiu aos mais pobres algo parecido. Por essa falha de argumentos, a esquerda caviar precisa monopolizar os fins nobres: querem os pobres mais ricos, e ponto! Mas… como?

Criticando o livre mercado, o lucro, até mesmo a ganância, enquanto na prática foram sempre o livre mercado, o lucro e a ganância que possibilitaram o enriquecimento das sociedades capitalistas? Onde foi que a simples distribuição de riqueza melhorou de fato a vida dos mais pobres de forma sustentável? Qual modelo podem oferecer como exemplo disso?

A desigualdade material é indissociável da liberdade individual. Afinal, somos diferentes em muitas coisas, em nossas vocações, dons, habilidades, sorte, mérito, etc. Se pegarmos um milhão de reais e distribuirmos igualmente entre mil pessoas numa comunidade, em poucos meses haverá gente com muito mais dinheiro do que os outros. A única forma de preservar a igualdade é abolindo de vez a liberdade, impedindo as trocas voluntárias.

No mais, riqueza não é jogo de soma zero, onde João precisa tirar de Pedro para ficar rico. A história do capitalismo é a história do enriquecimento geral, só que com desigualdade. O ganho de produtividade permitiu a melhoria na qualidade de vida de praticamente todos, mas uns mais do que os outros. Quando Steve Jobs cria a Apple, beneficia a vida de milhões de pessoas, mas fica bem mais rico no processo, como deve ser.

A esquerda caviar ignora tudo isso, fala apenas em distribuir melhor as riquezas, como se caíssem do céu ou brotassem do solo, como se não houvesse escassez, como se bastasse o estado distribuir recursos para todos comprarem seu iPhone. Não funciona assim. Quem não sabe, é vítima de desconhecimento. Quem sabe e mesmo assim insiste na falácia, não tem honestidade intelectual.

Portanto, o sujeito não precisa ser um franciscano para ser de esquerda. Mas ele precisa ignorar como a economia funciona. E adotar doses cavalares de hipocrisia para condenar sempre a ganância alheia, o lucro dos outros, enquanto pensa só em acumular mais dinheiro para viver como os magnatas capitalistas, tudo isso enquanto repete que só quer mais igualdade material e ajudar os pobres. Não cola.
Por: Rodrigo Constantino

A REDISTRIBUIÇÃO É UMA IDEIA ECONOMICAMENTE INSENSATA


Redistribuição de renda

Todas aquelas pessoas que falam com assombrosa desenvoltura sobre redistribuição de renda normalmente agem como se os indivíduos de uma sociedade fossem meros objetos inertes, os quais podem ser comandados e controlados como peças em um tabuleiro de xadrez, com o objetivo de servirem de peões para a realização de algum projeto grandioso.

Porém, se considerarmos que os seres humanos são dotados de livre-arbítrio e têm respostas instintivas e particulares a toda e qualquer política adotada pelo governo, então simplesmente não faz sentido pressupor que as políticas do governo terão o efeito pretendido.

A história do século XX está repleta de exemplos de países que se propuseram a redistribuir riqueza e acabaram redistribuindo pobreza. Os países comunistas foram um exemplo clássico, mas não são de modo algum o único exemplo.

De acordo com a teoria defendida pelos adeptos da redistribuição de renda, confiscar a riqueza das pessoas mais bem-sucedidas e redistribuí-la para os mais pobres fará com que toda a sociedade se torne mais próspera. Entretanto, quando a União Soviética confiscou a riqueza de fazendeiros bem-sucedidos, os alimentos se tornaram escassos e o resultado foi a inanição. Sob o regime de Stalin, durante a década de 1930, o número de mortos de fome foi praticamente igual ao número de mortos no Holocausto de Hitler na década de 1940.

Por que isso acontece? Realmente, não é nada complicado. No mundo real, só é possível confiscar a riqueza que já existe em um dado momento. Não é possível confiscar a riqueza futura; e é menos provável que essa riqueza futura seja produzida quando as pessoas se derem conta de que ela também será confiscada.

Os agricultores da União Soviética, tão logo perceberam que o governo iria confiscar uma grande parte da colheita futura, simplesmente reduziram a quantidade de tempo e esforço investidos no cultivo de suas plantações. Eles passaram a abater e a comer animais ainda jovens, os quais, em circunstâncias normais, seriam mantidos e alimentados até se tornarem prontos para a venda.

Na indústria, no comércio e nos serviços, as pessoas também não são objetos inertes. Os industriais, por exemplo, e ao contrário dos agricultores, não estão amarrados ao solo de nenhum país. O russo Igor Sikorsky, pioneiro da aviação de seu país, pôde levar a sua experiência para os EUA e, com isso, produzir seus aviões e helicópteros a milhares de quilômetros de distância de sua terra natal. Os financistas são ainda menos amarrados à sua terra, especialmente hoje, quando vastas somas de dinheiro podem ser enviadas eletronicamente, a um simples toque no computador, a qualquer parte do mundo.

E, sobre confiscar a riqueza que já existe, o economista Ludwig von Mises, ainda na década de 1920, disse o seguinte:



A maioria das pessoas que exige a maior igualdade possível de rendas não percebe que o objetivo que elas desejam só pode ser alcançado pelo sacrifício de outros objetivos. Elas imaginam que a soma de todas as rendas permanecerá inalterada e que tudo o que elas precisam fazer é apenas distribuir a renda de maneira mais uniforme do que a distribuição feita pela ordem social baseada na propriedade privada. 

Os ricos abdicarão de toda a quantia auferida que estiver acima da renda média da sociedade, e os pobres receberão tanto quanto necessário para compensar a diferença e elevar sua renda até a média. Mas a renda média, imaginam eles, permanecerá inalterada. 

É preciso entender claramente que tal ideia baseia-se em um grave erro. [...] Não importa qual seja a maneira que se conjeture a equalização da renda — tal medida levará, sempre e necessariamente, a uma redução extremamente considerável da renda nacional total e, consequentemente, da renda média. 

Quando se compreende isto, a questão assume uma complexidade bem distinta: agora temos de decidir se somos a favor de uma distribuição equânime de renda a uma renda média mais baixa, ou se somos a favor da desigualdade de renda a uma renda média mais alta.

No que mais, se as políticas confiscatórias podem produzir repercussões contraproducentes em uma ditadura, elas são ainda mais difíceis de lograr algum êxito em uma democracia.

Uma ditadura pode repentinamente se apossar do que quiser. Já uma democracia — pelo menos nas mais avançadas, nas quais as instituições são fortes — exige que primeiro haja discussões e debates públicos. Aqueles que sabem que serão o alvo preferencial dos futuros confiscos podem imaginar o que está por vir e, consequentemente, agir de acordo — normalmente, enviando seu dinheiro para o exterior ou simplesmente saindo do país.

Entre os ativos mais valiosos de qualquer país estão o conhecimento, as habilidades práticas e a experiência produtivas — aquilo que os economistas chamam de "capital humano". Quando pessoas bem-sucedidas e com um grande capital humano deixam o país — seja voluntariamente, seja por causa de governos hostis ou por causa de multidões bárbaras que foram intelectualmente excitadas por demagogos que exploram a inveja —, haverá um estrago duradouro na economia desse país.

As políticas confiscatórias de Fidel Castro fizeram com que vários cubanos bem-sucedidos fugissem para a Flórida, vários deles deixando grande parte da sua riqueza física para trás. Mesmo refugiados e completamente destituídos, eles cresceram e voltaram a prosperar na Flórida, tornando-se uma das comunidades mais ricas daquele estado. Já a riqueza que eles deixaram para trás em Cuba não impediu que as pessoas de lá se tornassem indigentes no governo de Fidel. A riqueza duradoura que os refugiados levaram consigo era o seu capital humano. A riqueza material que ficou para trás foi consumido e não foi replicada.

Todos nós já ouvimos o velho ditado que diz que dar a um homem um peixe irá alimentá-lo por apenas um dia, ao passo que ensiná-lo a pescar irá alimentá-lo por toda a vida. Os partidários da redistribuição querem dar a cada indivíduo um peixe para assim deixá-lo dependente do governo, sempre à espera de mais peixes no futuro.

Se esses "redistribucionistas" realmente fossem sérios, o que eles iriam querer distribuir seria a capacidade de pescar, ou a capacidade de ser produtivo de outras maneiras. O conhecimento é uma das poucas coisas que podem ser distribuídas para todas as pessoas sem que isso reduza o montante detido por algumas.

Isso serviria perfeitamente aos interesses dos pobres. Mas não serviria aos interesses de políticos que querem exercer o poder, e que recorrem à redistribuição para obter os votos de pessoas que maliciosamente se tornaram dependentes deles.

Para as várias pessoas que não querem pensar mais detidamente, a redistribuição é uma política humana e decente. E gera muitos votos.


Thomas Sowell , um dos mais influentes economistas americanos, é membro sênior da Hoover Institution da Universidade de Stanford.  Seu website: www.tsowell.com.

Tradução de Leandro Roque

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O QUE NOS AGUARDA PARA AS OLIMPÍADAS


Restaram apenas dois países interessados em sediar os jogos olímpicos de inverno de 2022: China e Cazaquistão. 

Sobraram apenas estes dois porque a Noruega desistiu da disputa após seus cidadãos pagadores de impostos se rebelarem e dizerem que não estão a fim de dar o dinheiro necessário para fazer dos jogos olímpicos um mero parque de diversões para os empresários corporativistas, políticos e burocratas mais ricos do mundo.

Em teoria, as Olimpíadas são uma organização privada. Na prática, trata-se de uma organização corporativista gerida por plutocratas cuja única missão é extrair dos pagadores de impostos do país-sede o máximo possível de receitas. Em todas as Olimpíadas, os vencedores são sempre os mesmos: as empreiteiras que fazem obras superfaturadas, os políticos que recebem propinas dessas empreiteiras, as redes de hotéis e a própria mídia. 

No Brasil, os jogos Pan-americanos de 2007 foram orçados em R$ 400 milhões e acabaram custando R$ 4 bilhões. Boa parte do dinheiro foi utilizada para fortalecer a máquina política carioca e para enriquecer os empresários com boas conexões políticas. O mesmo vai acontecer nas Olimpíadas de 2016, só que, obviamente, em escala olimpicamente maior.

Após as Olimpíadas de Atlanta, em 1996, o COI (Comitê Olímpico Internacional) alterou as regras e determinou que dali em diante todas as futuras Olimpíadas teriam de ser empreendimentos geridos exclusivamente pelos governos. O COI, uma entidade dominada por socialistas europeus ricaços, nunca viu com bons olhos a ideia de as Olimpíadas serem geridas por organizações privadas, pois considera que isso estaria "abaixo do ideal olímpico" (seja lá o que isso signifique). Alguns desses burocratas chegaram inclusive a reclamar que durante os Jogos Olímpicos de Atlanta havia muitas tendas e barracas na cidade vendendo penduricalhos relacionados às Olimpíadas. Tais demonstrações de iniciativa privada eram "inaceitáveis", pois feriam o espírito olímpico (de novo, seja lá o que isso signifique).

A política olímpica, portanto, passou a ser de puro e completo socialismo — embora, é óbvio, o COI fique bastante contente em adquirir receitas pra lá de capitalistas com a transmissão dos jogos. Os lucros são privados e os prejuízos, socializados.

Os Jogos Olímpicos de Montreal, realizados em 1976, até hoje são famosos pelo seu desastre financeiro. Pelo motivo oposto, tornaram-se famosos também os Jogos Olímpicos de 1984, sediados em Los Angeles: esta foi a única Olimpíada que de fato trouxe lucro para a cidade que a realizou, o que foi uma grande surpresa. (O engraçado é que na época de se escolher a cidade-sede, logo após o desastre canadense de 1976, nenhuma outra cidade se apresentou, temerosas que estavam de repetir o fiasco canadense. Isso deixou Los Angeles sozinha na disputa.) 

Um dos motivos desse lucro é que a cidade utilizou o Los Angeles Memorial Coliseum, que fora construído para as Olimpíadas de 1932 (outra época em que ninguém queria sediar os jogos). Sendo assim, a cidade não precisou gastar tanto dinheiro na construção de novas instalações — algo que não ocorrerá no Rio, onde toda uma vila olímpica está sendo construída e a qual acabará, inevitavelmente, se transformando em um elefante branco. (Veja as fotos das instalações olímpicas de Atenas, todas abandonadas).

Mas as coisas são ainda mais escabrosas. Como relatou a imprensa norueguesa, além de extrair dinheiro dos pagadores de impostos para construir modernas (e futuramente inúteis) instalações olímpicas, o COI também exige várias mordomias para seus membros, como as melhores comidas e as mais finas bebidas existentes, bem como o privilégio de usufruírem faixas de trânsito exclusivas em ruas e estradas.

Ao se depararem com todas as demandas de luxo listadas pelo COI em um dossiê de nada menos que 7.000 páginas, a Noruega simplesmente se retirou. Dentre essas várias exigências de luxo — "típicas de uma diva de cinema", segundo a impressa norueguesa — destacavam-se as seguintes:
Os membros do COI exigem um encontro com o rei antes da cerimônia de abertura. Após a cerimônia, exigem serem recepcionados com um faustoso coquetel.
As bebidas deverão ser pagas pelo Palácio Real ou pelo comitê organizador local.
Faixas de trânsito exclusivas deverão ser criadas em todas as ruas e estradas pelas quais os membros do COI irão trafegar, sendo que estas não deverão em hipótese alguma ser utilizadas pelos cidadãos comuns ou pelo transporte público.
Nos quartos de hotel dos membros do COI deverá haver uma saudação de boas vindas feita pelo chefe olímpico local e pelo gerente do hotel, junto com doces, bolos e frutas frescas da estação (encontrar frutas da estação em Oslo em fevereiro será um desafio interessante...).
O bar do hotel deverá estender suas horas de serviço sem um limite pré-determinado, e os minibares dos quartos devem estar repletos de Coca-Cola.
O presidente do COI deve ser recebido cerimoniosamente na pista do aeroporto quando ele chegar.
Os membros do COI devem utilizar entradas e saídas exclusivas no hotel e no aeroporto.
Durante as cerimônias de abertura e de encerramento, um bar completamente estocado de bebidas e alimentos deve estar à disposição dos membros do COI. Durante os dias de competição, vinhos e cerveja devem ser servidos nas salas exclusivas dos estádios.
Os membros do COI deverão ser recebidos com um sorriso quando chegarem a seus hotéis.
As salas de reunião deverão ser rigorosamente mantidas a exatamente 20ºC, a todo e qualquer momento.
As refeições quentes oferecidas nas salas de estar dos estádios deverão ser continuamente substituídas e renovadas em intervalos regulares de tempo, dado que os membros do COI correm "o risco" de ter de comer várias refeições na mesma sala durante as Olimpíadas.

Se tudo isso estivesse sendo financiado privadamente, não haveria motivos para protesto. No entanto, como dito acima, o COI não é exatamente uma entidade do setor privado. Essa controvérsia norueguesa serviu para ressaltar o fato de que, de acordo com o jornal canadense The National Post, "o Comite Olímpico Internacional é uma organização notoriamente ridícula gerida por corruptos e por aristocratas hereditários [leia-se: descendentes de ladrões altamente bem-sucedidos do passado]".

Não é de se surpreender, portanto, que apenas Cazaquistão e China, esses grandes bastiões da liberdade, continuem competindo pela gloriosa chance de sediar os jogos de 2022. 

Esse relato, aliás, confere ainda mais verossimilhança à alegação de que os jogos olímpicos — além de terem se transformado em um enorme exercício de prestígio internacional — não passam de fantasias experimentais sobre o multiplicador keynesiano, segundo o qual os burocratas e planejadores centrais pressupõem que é muito melhor obrigar as pessoas a pagarem por estádios e pistas de atletismo a simplesmente permitirem que elas gastem seu dinheiro livremente com roupas, comida, viagem ou educação.

Um dos motivos de a Noruega ter se retirado é que seu governo pelo menos ainda é obrigado a prestar contas aos seus cidadãos pagadores de impostos, ao passo que os governos de Cazaquistão e China não são. A retirada da Noruega ocorre após as retiradas de Suécia, Polônia e Ucrânia.

Os noruegueses, que são extremamente ricos, disseram que não irão bancar as mordomias do COI e nem irão financiar seus aliados no governo e nas empreiteiras. Eles já perceberam que todo o discurso politicamente correto de "espírito fraterno" utilizado pelo COI é mera distração para tomar seu dinheiro.

E os brasileiros? Continuarão aplaudindo e mostrando orgulho de serem saqueados?

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Participaram deste artigo:

Ryan McMaken, editor do Mises Institute americano.

Leandro Roque, editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

APÓS APROVAR LEI PARA PORTE DE ARMAS, CRIMINALIDADE NA CIDADE DE CHICAGO DESPENCA

Estado de Illinois aprovou recentemente uma lei permitindo cidadãos portarem armas de fogo; até o final do ano, estima-se que o estado tenha 100 mil cidadãos armados.


O número de crimes diminuiu desde que o estado norte-americano de Illinois aprovou o porte de armas por civis. Desde Julho deste ano o porte de armas está permitido para cidadãos maiores de 21 anos que possuírem a autorização legal emitida pela polícia.

De acordo com os órgãos oficiais, Chicago, a maior cidade do estado, registrou 20% menos prisões por assaltos em comparação com o ano passado, 20% menos roubos de casas, 26% menos roubos de veículos e a taxa de homicídios caiu 56%.

“Não é nenhuma coincidência que as estatísticas de criminalidade tenham começado a cair desde que o porte foi permitido. Apenas a ideia de que criminosos não sabem quem está armado e quem não está já possui um efeito dissuasor”, diz Richard Pearson, diretor-executivo da Associação de Rifles do Estado de Illinois.

Recentemente, as próprias autoridades chamaram de “modelo de cidadão” um homem de 86 anos que impediu um assalto após atirar no suspeito. Ele estava numa loja da AT&T quando a ação ocorreu. O tiro disparado debilitou o suspeito, que foi logo preso por policiais. O homem não teve seu nome revelado.

Outro estudo, da Crime Prevention Research Center, mostrou que o número de cidadãos norte-americanos com licença de porte de armas cresceu 147% nos últimos 7 anos, enquanto as taxas de homicídios e crimes violentos caíram 22%.

“Existe uma porção de estudos acadêmicos sobre isso, e se você olhar nos estudos que sofreram revisão por pares, a conclusão é que a grande maioria encontrou algum benefício no porte armas sobre as taxas de criminalidade – e, o melhor, sem custos”, diz John Lottr Jr., presidente do Centro de Pesquisas para Prevenção de Crimes, que conduziu o estudo acima.

A demanda por armas no estado cresceu desde que a lei foi aprovada. No site da polícia do estado, existe uma nota explicando a demora que alguns cidadãos estão passando para receberem o Registro de Identificação de Portador de Arma de Fogo (FOID Card): a demanda pelo serviço está batendo recordes e muitos candidatos erram na hora de preencher o formulário, atrasando o processo. A expectativa é de que até o final do ano 100 mil portadores de armas de fogo residam no estado.

A permissão para o porte de armas em Illinois exige pelo menos 16 horas de aulas de tiro e custa em torno de US$ 600 (R$1.346). Entre outras exigências estão uma ficha de crimes limpa há pelo menos 5 anos, não estar sob processo de prisão e ser maior de 21 anos. Se aprovado para obter o FOID Card, o cidadão terá direto de portar armas portáteis de cano curto, como pistolas e revólveres. Do site: http://spotniks.com/primeira-pagina/

OVOS AO POVO

As espirais da vida, em que pese repetirem através da história a essência da humanidade e seus comportamentos, muitas vezes desnorteiam e apontam para desfechos inesperados. É como se atirássemos em algo e acertássemos em outro. E isso acontece porque, como ensinou Nicolau Maquiavel, temos a tendência de imaginar as coisas como queremos que sejam e não como elas são. Por exemplo, não é incomum ocorrer frustrações em negócios provavelmente promissores, em previsões de economistas e videntes que dificilmente dão certo, em expectativas com relação a pessoas que pareciam uma coisa e reagiram de outro modo.


Evidentemente, as espirais ou constantes que vem e vão através dos fatos podem ser manipuladas, forjadas para apontar artificialmente em certas direções e, assim, manejar aspirações e sentimentos. Nesse aspecto se distingue o poder político, especialmente o governamental, que é capaz de forma eficiente de utilizar técnicas de manipulação e táticas de convencimento da opinião publica.

Campanhas são momentos privilegiados em que as técnicas e táticas se evidenciam com vigor. O marketing, então, se torna preciosa arte de construir imagens que agradem aos eleitores e marqueteiros ensinam candidatos a falar, a se expressar corporalmente, a se comportar e, sobretudo, a representar no palco iluminado da política.

No caso do PT, além de se orientar pelo marqueteiro funciona com seu próprio modo de ser e sempre utilizou as seguintes táticas: a mentira, a intimidação, a repetição como mantras de certas ideias como aquelas que denigrem o oponente, a atribuição aos outros dos próprios erros, o incitamento ao ódio entre ricos e pobres e entre negros e brancos, o posicionamento petista como único capaz de proteger e salvar os pobres e oprimidos. Enfim, petistas são maniqueístas: nós somos os bons, os demais são os ruins.

E tem as pesquisas usadas como táticas de campanha, que também podem induzir e confundir eleitores. Nesta eleição ficou evidente no primeiro turno que os grandes institutos erraram feio e muito. Naturalmente, eles se defendem, mas tudo indica que se confirmaram as palavras do ministro e estadista inglês de origem judaica, Disraeli: “a estatística é uma forma nobre de mentira”.

Façamos, então, um pequeno cálculo com relação ao primeiro turno para ver se o inglês tinha razão:

A última pesquisa IBOPE/TV Globo e Estadão de 04/10 mostrava o seguinte resultado:

Dilma 40%

Aécio 24%

Marina 21%

A pesquisa Datafolha/Jornal Folha de S. Paulo e TV Globo na mesma data apontava para:

Dilma, 40%

Aécio 24%

Marina 22%

Pois bem, 142.822.046 foi o total de votantes. 104.023.802 foram os votos válidos, ou seja, 38.798.244 brasileiros votaram em branco, anularam o voto ou se abstiveram de votar o que significa 27,17% dos votos válidos.

De acordo com os votos válidos, 104.023.802, tivemos a seguinte situação pelo TSE:

Dilma teve 43.267.668 votos, que representam 41,59% dos votos válidos.

Aécio teve 34.897.211 votos que representam 33,55% dos votos válidos.

Marina teve 22.176.619 votos que representam 21,32% dos votos válidos.

Tomando em consideração o total de votantes, 142.822.046, que é base de cálculo dos institutos de pesquisa teremos o seguinte resultado:

Dilma teve 43.267.668 votos que representam 30,29% do total de votos.

Aécio teve 34.897.211 votos, que representam 24,43% do total de votos.

Marina teve 22.176.619 dos votos que representam 15,53% do total dos votos.

Como se vê, as pesquisas erraram muito. Mas deixemos a aridez dos cálculos onde se utilizou a regra três e vejamos algumas notícias da economia:

O Estado de S. Paulo - 30/08/2014: investimento e indústria afundam e o Brasil entra em recessão.

O Estado de S. Paulo – 11/09/2014: prévia da FGV indica piora no emprego.

Folha de S. Paulo – 01/10/2014: economia do governo desaba para 10% da meta deste ano.

O Estado de S. Paulo – 09/10/2014: com a inflação tendo atingido 6,75% em doze meses o secretário de Política econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, recomendou ontem o seguinte: “os brasileiros tem uma série de outros produtos substitutos para a carne, como frangos e ovos, que vêm representando comportamento benigno este ano”.

Na Revolução Francesa a rainha Maria Antonieta mandou dar brioche ao povo que pedia pão e acabou guilhotinada. As espirais da história às vezes se repetem com outras formas e com sinais trocados, mas sempre com a mesma essência humana. A presidente/candidata que se cuide.

Por: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga www.maluvibar.blogspot.com.br

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A TOLERÂNCIA RELIGIOSA E O ESTADO LAICO


“Ninguém, nem um indivíduo, nem igrejas, não!, nem mesmo comunidades têm algum título apropriado para invadir os direitos civis e os bens terrenos dos outros, sob a desculpa da religião.” (John Locke)

Durante seu exílio na Holanda, John Locke escreveu em latim a suaEpistola de Tolerantia, que foi traduzida e publicada anonimamente em 1689 na Inglaterra, sob o título de A Letter Concerning Toleration. Nesta carta, Locke defende a liberdade religiosa em amplo sentido, e propõe a separação total dos poderes político e religioso. Para a época, em que pessoas ainda podiam ser queimadas por causa da crença religiosa, tais idéias eram revolucionárias.

Locke considerava que as guerras, torturas e execuções, em nome da religião, eram na verdade culpa da intervenção indevida de crenças religiosas no mundo político, e não do cristianismo em si. O alvo principal de Locke, portanto, era a Igreja Católica Romana, que não aceitava a separação dos poderes religioso e civil de forma alguma. Muito daquilo defendido por Locke na carta tornou-se lugar-comum, e hoje é aceito sem dificuldades. No entanto, ainda restam resquícios fortes de uma intolerância religiosa e de uma mistura perversa entre os diferentes poderes mundanos e divinos. Neste sentido é que se torna útil rever os principais argumentos do filósofo.

Para Locke, a comunidade é “uma sociedade de homens, constituída somente para que estes obtenham, preservem e aumentem seus próprios interesses civis”. Por interesse civil, ele entendia a vida, a liberdade e a salva-guarda do corpo e a posse de bens externos. O magistrado civil, portanto, tem como dever assegurar a cada um dos indivíduos a posse justa desses bens, através da execução imparcial de leis equânimes.

As questões ligadas à fé, portanto, não dizem respeito ao magistrado. Ou seja, “o cuidado das almas não está sob responsabilidade do magistrado civil”. Ninguém pode ser compelido à crença numa coisa qualquer por meio de força externa. O religioso deve usar como arma a persuasão dos argumentos, nunca a espada. Em resumo, “todo poder do governo civil relaciona-se apenas com os interesses civis dos homens, está limitado aos cuidados com as coisas deste mundo e não tem nada a ver com o mundo que virá depois”.

Uma igreja é uma sociedade de membros voluntariamente ligados para um fim comum, que está voltado para questões da alma. Locke encara tais associações livres como qualquer outro tipo de união voluntária, e, por isso, suas regras são de caráter interno, aderindo quem quer. Por outro lado, “nenhuma igreja é obrigada pelo dever da tolerância a manter em seu seio qualquer pessoa que, depois de continuadas admoestações, ofenda obstinadamente as leis da sociedade”. Este outro lado da moeda tem sido ignorado com certa freqüência atualmente.

Entra para uma determinada igreja quem quer, e ela, em contrapartida, possui suas próprias regras. Isso quer dizer que o governo civil não tem direito de invadir tais associações, contanto que suas regras não firam os princípios básicos civis, da vida, liberdade e propriedade. Locke é claro neste ponto: “Este é o direito fundamental e inextirpável de uma sociedade espontânea, o de expulsar quaisquer de seus membros que transgridam as regras da instituição, sem, no entanto, adquirir, pela admissão de novos membros, qualquer direito de jurisdição sobre os que não fazem parte dela”. Como exemplo atual, podemos pensar na pressão para que a Igreja Católica aceite o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, o que significa uma invasão absurda das liberdades da própria igreja.

Muitos confundem tolerância com aceitação, mas estão errados. O próprio Locke defende a tolerância com base no princípio grego de indiferença, ou seja, não se faz necessário aceitar como legítima ou verdadeira a crença alheia, bastando tolerar os diferentes cultos. Uma igreja não deve ser forçada a aceitar certos grupos por imposição do governo. Ninguém deve ser obrigado a respeitar uma crença que considera estúpida ou falsa. Os diferentes grupos devem se tolerar mutuamente, e só. Se a religião não deve invadir o campo do magistrado civil, muitos esquecem que o contrário também é verdadeiro.

O Estado laico é uma avenida de mão dupla. Os regimes comunistas foram um bom exemplo dessa confusão nefasta. O Estado estabelecido por eles não era laico, mas anti-religioso. Não havia tolerância alguma, mas sim perseguições religiosas. A carta de Locke não defende em momento algum a substituição do poder religioso pelo civil, e sim sua divisão. Um dos grandes males da modernidade foi, sem dúvida, a substituição do Deus religioso pelo Deus Estado. Há claros limites para o poder estatal, sob risco de exterminar a liberdade individual caso sejam avançados estes limites.

A tolerância religiosa exige que cultos diferentes convivam entre si. Cada um terá “certeza” de que está com a verdade ao seu lado, que conhece o único caminho da salvação, mas é crucial que as escolhas dos demais sejam toleradas. O pecado, apenas por ser pecado, nunca deve ser punido pelo magistrado. Locke diz: “Mesmo os pecados da mentira e do perjúrio em nenhum lugar são puníveis pelas leis, exceto nos casos em que a verdadeira baixeza da coisa e a ofensa contra Deus não são consideradas, mas somente a injúria cometida contra os vizinhos e contra a comunidade”.

Os crentes de cada seita costumam encontrar bastante dificuldade para compreender que blasfêmia e heresia são conceitos restritos somente à sua fé particular. Para quem não comunga da mesma fé, não faz sentido algum falar em blasfêmia, pois não há crença de que se trata de algo sagrado. A reação que charges satíricas do profeta Maomé num jornal dinamarquês causaram, denota esta intolerância ainda existente, especialmente no Islã. Quando Salman Rushdie escreveu Os Versos Satânicos, um romance que critica a religião muçulmana, ele foi condenado à morte pelo aiatolá Khomeini. Um caso evidente de completa intolerância religiosa e mistura da religião com o governo.

Por mais que uma seita esteja completamente certa de que a verdade está ao seu lado, jamais deve buscar o uso da força para fazer valer tal crença. Segundo Locke, “o objetivo das leis não é prover a verdade das opiniões, porém a segurança e integridade da comunidade, e a pessoa e as posses de cada homem em particular”. A verdade deve prevalecer através do convencimento pacífico. Locke entende que, “se a verdade não penetra no entendimento por sua própria luz, ela será ainda mais fraca por qualquer força emprestada que a violência pode lhe adicionar”.

Cabe destacar que a tolerância de Locke tinha certos limites, o que deve ser colocado em contexto, já que sua época era de extrema intolerância. Para ele, “não podem ser tolerados aqueles que negam a existência de Deus”. Ele argumenta da seguinte forma: “As promessas, os pactos e os juramentos que formam as ligaduras da sociedade humana não podem ter valor para um ateísta”. Tal como para Dostoievsky depois, Locke acreditava que “a retirada de Deus, mesmo que só em pensamento, a tudo dissolve”.

O problema com esta postura é que ela é totalmente especulativa, e parte de uma crença subjetiva que é extrapolada. Em outras palavras, não passa de um preconceito. Vários ateus ou agnósticos vivem de forma adequada no que diz respeito ao convívio social, isto é, não agridem as liberdades alheias. Para Locke, isso podia não parecer possível, mas a verdade é que a experiência nos prova o contrário. Neste caso, creio que Humboldt estava certo: “A moralidade humana, até mesmo a mais elevada e substancial, não é de modo algum dependente da religião, ou necessariamente vinculada a ela”. Mas talvez fosse injusto exigir de Locke, em pleno século XVII, que até os ateus fossem tolerados. Ele já estava à frente do seu tempo o suficiente sem chegar a tanto.

Por fim, vale mencionar apenas uma importante restrição à tolerância: aquela com os intolerantes. Para Locke, “aqueles que, sob o pretexto da religião, desafiam qualquer tipo de autoridade que não esteja associada a eles em sua comunhão eclesiástica, desses eu digo que não têm o direito de ser tolerados pelo magistrado, assim como não podem ser tolerados aqueles que não aceitam e não ensinam o dever de tolerar os homens em assuntos de mera religião”.

É impossível ler esse trecho e não se lembrar do fanatismo islâmico atual, onde muitos pregam um jihad – ou guerra santa – contra os “infiéis”. Creio que Karl Popper resumiu de forma brilhante esse limite da tolerância: “Não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância”.

Espero que a mensagem de Locke, disseminada há mais de três séculos, ainda possa ser melhor compreendida e assimilada pelas pessoas. O mundo seria um lugar muito melhor se houvesse ampla tolerância religiosa, inclusive com os ateus, e se os poderes do governo e da religião fossem de fato completamente separados. Desde Locke, muito se conquistou nesse sentido. Mas ainda resta um longo caminho pela frente. 

Por: Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

MANIFESTO DOS ECONOMISTAS PELO DEBATE ECONÔMICO SÉRIO

Este manifesto tem uma proposta bastante simples: mudar o debate econômico no Brasil para algo sério e profundo.

A economia brasileira, em que pesem os espetaculosos efeitos especiais produzidos por João Santana na campanha eleitoral, não é Hollywood. Não há economistas do bem e economistas do mal. Qualquer tentativa maniqueísta em prol de tal divisão subestima a complexidade do debate e impossibilita a verdadeira discussão em favor de melhorias de política econômica.

Por definição, o economista é o caçador da melhor alocação dos recursos escassos disponíveis, numa perseguição conduzida sob a égide e a ponderação de três preceitos: eficiência, equidade e liberdade.

Evidentemente, há pesos diferentes para cada um dos três elementos, a depender da escola de pensamento. Mas, em menor ou maior grau, cada um dos pontos da tríade deve ser considerado pela profissão. Essa é sua raison d’être. Se você não valoriza cada um dos pés desse tripé, não pode ser um economista. Ponto final.

Mais do que isso, se Platão está certo em dizer que ninguém é voluntariamente mau, arrisco dizer que qualquer cidadão, de fato, está preocupado com eficiência, equidade e liberdade em uma sociedade democrática. Portanto, se você não é um economista, está também convidado a subscrever este manifesto.

Nesse sentido, é estupefaciente o manifesto dos “Economistas pelo desenvolvimento e pela inclusão social”, assinado, entre outros, por Luiz Gonzaga Belluzzo e Maria da Conceição Tavares.

O documento, em tom crítico aos economistas tradicionalmente alinhados à ortodoxia, toma para si o monopólio da preocupação em prol do desenvolvimento com inclusão social, conforme explicita-se em seu primeiro parágrafo:

“A campanha eleitoral robusteceu a democracia brasileira através do debate franco sobre os rumos da Nação. Dois projetos disputaram o segundo turno da eleição presidencial. Venceu a proposta que uniu partidos e movimentos sociais favoráveis ao desenvolvimento econômico com redistribuição de renda e inclusão social. A maioria da população brasileira rejeitou o retrocesso às políticas que afetam negativamente a vida dos trabalhadores e seus direitos sociais.”

A nossa iniciativa é uma resposta ao manifesto supracitado. Não se trata aqui de entrar no mérito técnico de qual o melhor caminho para o desenvolvimento com inclusão social - embora também o faremos ao final deste texto, pois não fugimos ao debate.

O objetivo é rechaçar a hipótese ventilada pelos economistas heterodoxos de que seus antagonistas são contrários ao desenvolvimento e/ou à inclusão social, tampouco representam “o retrocesso às políticas que afetam negativamente a vida dos trabalhadores e seus direitos sociais.”

Além de estupefaciente e ofensiva - pois eu me sinto pessoalmente ofendido quando atribuem a mim a despreocupação com questões distributivas -, a assertiva chega a ser curiosa. Foi esse modelo heterodoxo que causou, grosso modo, a interrupção da queda de desigualdade no Brasil desde 2012.

Depois de dez anos consecutivos de melhora, a desigualdade, quando pensada em termos estatisticamente significativos, para de cair em 2012, conforme aponta a Pnad de 2012 e documento IPEA n 159. Há evidências semelhantes em outros trabalhos do IPEA com metodologia diferente da Pnad (e mais parecida com aquelas realizadas por Piketty) ou mesmo no recentemente divulgado aumento do número de miseráveis.

Isso posto, fica a pergunta: a qual desenvolvimento com inclusão social se refere o documento dos economistas heterodoxos? Os economistas do bem querem insistir num modelo que falha em eficiência, equidade e liberdade e os economistas do mal é que são culpados?

Se você, a exemplo de Belluzzo, Tavares e outros, se autoimpõe uma superioridade moral, como se pertencesse a um grupo exclusivo detentor de preocupações distributivas, não há possibilidade de um debate construtivo. A priori, já está decidido o vencedor da discussão, o único provedor da ética e da moral.

A construção de uma síntese na ciência econômica exige uma antítese efetiva à tese. Isso não será possível enquanto um lado da discussão tentar desqualificar o outro, acusando-o de atender a interesses do setor financeiro e de negligenciar a inclusão social. Ao conferir contornos maniqueístas à discussão, impede-se o próprio progresso da ciência e, por conseguinte, da política econômica.

Todos estamos preocupados com o desenvolvimento econômico com redução da desigualdade.O debate sério não pode refutar esta afirmação. A preocupação não está nos fins, mas, sim, nos meios, na forma adequada de atingi-lo.

Em nenhum momento, houve um economista ortodoxo sério sequer defendendo a redução ou interrupção dos programas sociais. O pacto social está definido como política de Estado - e não de governo - desde a Constituição de 1988. Desde então, o gasto social aumenta.

Conforme muito bem descrito pela última carta do Fundo Verde (há um gráfico maravilhoso que eu gostaria de usar aqui mas não tenho a autorização), o déficit das contas públicas atual - o maior da história - decorre menos da aceleração dos gastos e mais da queda de receita. É a arrecadação caindo, sobretudo, pela queda nas taxas de crescimento. O debate sério, muito além de focar gastos sociais que todos julgam intocáveis, deve endereçar a questão do crescimento. Como retomá-lo, com celeridade e intensidade?

Evidentemente, há cortes a se fazer no orçamento. Gastar R$ 30 bilhões por ano com seguro-desemprego não combina com um país em pleno emprego. Ver dispêndios com pensões da ordem de R$ 90 bilhões anuais sugere alguma falta de critério. A questão do abono salarial segue a mesma linha. São avanços a serem perseguidos, claro, e de certa forma consensuais. O grande desafio está além, centrado em retomar o crescimento, pois, sem ele, a própria dinâmica distributiva estará em risco.

Em adição, quando se defende pelo lado dos ortodoxos a menor interferência do Estado, não se fala do social. Trata-se de sua interferência direta na economia, numa espiral infinita - você faz uma intervenção para corrigir um problema e cria outros três; dai tem de atuar nesses três, inventando outros nove; e por aí vai.

Nada tem a ver com o Bolsa Família, mas com o Bolsa Empresário, outros R$ 30 bi por ano dados a uma pequena porção de privilegiados. Os subsídios são totalmente discricionários, não horizontais, e sem o devido escrutínio sobre sua eficácia. Nada é medido ou testado. Quando custou? Quanto rendeu? Onde vejo a análise? Qual a transparência?

Critica-se aqui a política de campeões nacionais, uma meia dúzia de amigos do rei escolhidos a priori, ferindo a força motriz do capitalismo, associada à competição, à perseguição por eficiência e à inovação. Viagens à Brasília passam a ter melhor custo-benefício do que gastos com Pesquisa e Desenvolvimento.

Questionamos a percepção de que podemos conviver com uma inflação alta por bastante tempo, como tem sido. Conforme demonstra a crítica de Lucas, o trade-off entre inflação e desemprego só existe no curtíssimo prazo - em pouco tempo, o nível de emprego volta ao anterior, com inflação mais alta. Pensar em inclusão social sem dar a devida atenção à inflação é bastante desafiador, pois esse é o mecanismo clássico de concentração de renda.

É por esse debate salutar que brigamos. Estou certo de que o professor Belluzzo, um homem probo e intelectual, pode participar de discussão muito mais profícua do que a de acusar dissonantes de “reverberar o jogral dos porta-vozes do mercado financeiro”. Qualquer postura diferente seria negar sua própria trajetória, de extensa e respeitada produção acadêmica, sob o risco de ser rebaixado à segunda divisão.

Se você também é favor de um debate de maior profundidade, muito além do maniqueísmo, gostaria de convidá-lo a assinar comigo este manifesto. 
Por: Felipe Miranda

terça-feira, 11 de novembro de 2014

OS CORPOS DO CRIME

1. Que dizer do rosto da atriz Renée Zellweger?


Explico ao leitor que passou férias na Lua: em noite de prêmios de Hollywood, Renée Zellweger apareceu no tapete vermelho. E o rosto não era o de Renée Zellweger. Tinha apenas uma vaga semelhança com o original, escondido sob golpes de bisturi e outras originalidades da cirurgia estética.

O caso circulou pelo mundo e o mundo, pasmo e levemente ofendido, perguntou: como é possível destruir um rosto e comprar outro para exibição pública?

Entendo a pergunta. Sobretudo quando falamos de uma atriz: destruir o rosto, ou seja, destruir a capacidade de o usar como matéria-prima de tensões e emoções, é um ato de vandalismo que desafia as leis da lógica.

Mas as causas da mudança em Renée não são difíceis de compreender. Feministas várias, indignadas com a indignação geral, acusaram a tirania falocêntrica de Hollywood de submeter as mulheres à ditadura da "juventude eterna". O bisturi pode desafiar as leis da lógica, sim. Mas ele se explica pelas leis trabalhistas.

Lamento, mas não mordo inteiramente. E prefiro olhar para a filmografia da senhora. Em 20 anos de carreira, que podemos dizer do caso Renée Zellweger?

Simples: a atriz não tem um único filme que possamos considerar "decente" (para usar um eufemismo).

E, nos filmes menos embaraçosos (como "Cold Mountain" ou "Cinderella Man"), o que espanta é a ausência de uma personalidade forte —uma "marca autoral", como se costuma dizer; ou como se costumava assistir nos filmes de Bette Davis, Audrey Hepburn ou Natalie Wood.

As personagens de Renée Zellweger são baças, monocórdicas —em uma palavra, "desinteressantes".

E se existe quem acredite que um ator interessante nem sempre nasce de uma pessoa interessante, eu discordo: terminei de ler a biografia de Laurence Olivier, escrita por Philip Ziegler, e o fascinante ator só é explicável pela fascinante pessoa que existia antes de entrar no palco. Só um ser humano completo (e complexo) vira um ator idem.

Tudo isso para dizer o quê?

Uma conclusão muito simples: quando você precisa mudar o exterior por capricho é porque não existe grande coisa no interior para começar.

2. A revista americana "Men's Health" elegeu o soldado Noah Galloway como "o corpo mais perfeito do mundo". Pormenor: Noah Galloway não tem um braço e não tem uma perna. Mas isso não impediu a revista de fazer capa com o veterano de guerra e coroá-lo com semelhante epíteto adônico.

Era George Orwell, creio, quem dizia que o mais difícil no mundo era enxergar a realidade que temos diante dos olhos. Orwell tinha razão. Porque Noah Galloway não tem "o corpo mais perfeito do mundo". Tem um corpo amputado, que só por covardia politicamente correta é possível classificar como "o mais perfeito do mundo".

Covardia e, pior que isso, uma desavergonhada falta de respeito pela deficiência física.

Ponto prévio: a deficiência física não tem nada de especial. É um fato moralmente neutro —como ser alto ou baixo, magro ou gordo, bonito ou feio.

Mas não é um fato esteticamente neutro: o Corcunda de Notre Dame não está no mesmo patamar de Gisele Bündchen. E afirmar que um corpo sem um braço e uma perna é "o mais perfeito do mundo" soa tão ridículo como coroar Dilma Rousseff como a mulher mais bela do Brasil.

O que parece "moderninho" e "despreconceituoso" resvala tristemente para o anedótico e para o insultuoso.

E, ironia maior, demonstra um desconforto com a própria ideia de deficiência física que se procura "normalizar" desesperadamente (e pateticamente) com delírios hiperbólicos de sentido inverso.

Porque esse é o problema eterno do pensamento politicamente correto: para proteger a "sensibilidade" das minorias, as brigadas preferem a falsificação constante da realidade. Essa falsificação é sempre mais ofensiva do que qualquer discriminação real.

O pessoal da "Men's Health" deveria saber que há deficiências maiores do que não ter braços ou pernas. Não ter cabeça, por exemplo, é mil vezes pior.
Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

"CONSCIÊNCIA EM PAZ"

O lado ruim da vitória de Dilma Rousseff nestas eleições, para não ficar gastando latim depois da missa, é que Dilma Rousseff ganhou. O lado bom é que agora está garantido, sem margem de erro, que ela ficará no cargo só mais quatro anos; no dia 1º de janeiro de 2019 terá de ir embora. É um alívio. Desde o seu primeiro dia na Presidência sempre houve a possibilidade angustiante de que continuasse lá para um segundo mandato. Agora não há mais essa aflição. Ao contrário, cada dia de seu governo, a partir de janeiro próximo, será um dia a menos. Não se trata de ver a vida em cor-de-rosa; todo otimismo, quando se pensa um pouco, é uma forma de impostura, pois faz promessas sem garantia de entrega. Mas, no caso, o segundo mandato de Dilma será realmente o último – não é promessa, é o que manda a lei. Eis aí uma das vantagens da certeza: acaba com as esperanças, é verdade, mas também acaba com as dúvidas. Desde o último domingo, foi-se a esperança de que Dilma devolvesse já agora a cadeira de presidente. Em compensação, foi-se a dúvida sobre o montante ainda a saldar. Tudo considerado, a conta provavelmente está de bom tamanho – ou, numa adaptação livre da filosofia política do deputado Tiririca, muito melhor não fica.


Louvado seja o Senhor por essas pequenas graças. É claro que todo mundo tem o direito de esperar da vida pública bem mais do que uma simples notificação sobre o montante exato dos “restos a pagar”. Mas o que se vai fazer? É o que temos no momento. O Brasil, por decisão da metade e mais um pouco dos seus eleitores, foi mantido sob o comando de pessoas moralmente primitivas, que acabam de ser premiadas por levar a atividade política à fronteira do crime – e não têm nenhuma razão, portanto, para mudar de conduta. É perfeitamente possível que Dilma, o ex-presidente Lula e o PT tentem impor a partir de agora a ideia de que já houve o “plebiscito” entre o país do bem e o país do mal de que tanto falaram durante a campanha eleitoral. O país do bem, que consideram ser o deles, ganhou, e com isso deixa de ser legítimo discordar de suas decisões ou querer um Brasil diferente do seu. Dilma, é verdade, só pode ficar outros quatro anos, mas já está resolvido no comitê central dos vencedores que em 2018 Lula voltará para mais oito, e depois disso talvez nem seja preciso fazer eleição nenhuma. Acontece que as coisas não têm de ser obrigatoriamente assim – não enquanto a outra metade dos brasileiros acreditar que continua tendo direitos políticos e civis, e que não está condenada a aceitar esse país do futuro pronto.

Dilma anunciou que ia “fazer o diabo” para ganhar a eleição. Fez e ganhou; pode dar parabéns a si mesma, pois em toda a sua vida pública talvez nunca tenha cumprido com tanto rigor uma promessa. Mas não pode querer que o cidadão de vida limpa se torne cúmplice da fraude que ela própria, seu patrono e seu partido montaram para ganhar a eleição. Sua vitória não obriga ninguém a adotar uma moral parecida com a sua. Não transforma o errado em certo, nem faz com que seja uma pessoa melhor do que é. Também não muda os fatos. O zero de crescimento da economia em 2014 continuou sendo zero depois da contagem final dos votos. As provas de corrupção na Petrobras, já registradas pela máquina judiciária, não podem ser apagadas. Eleições servem unicamente para escolher quem vai governar. Não resolvem problemas, nem conferem aos ganhadores virtudes que não têm – e obviamente não querem dizer que os perdedores estejam errados, ou devam alguma penitência.

Dilma, Lula e o PT pregam que os não eleitores de Dilma são “nazistas”, ou um bando de “Herodes” babando para matar o Menino Jesus. Foi a sua obra-prima na campanha – e um demonstrativo perfeito de quantos escrúpulos têm. Lula e redondezas inventaram que o adversário era alcoólatra, drogado e vadio. Falsificaram até o dicionário, para colar nele a acusação de “agredir mulheres”. Ninguém precisa achar-se um Herodes só porque preferiu votar em Aécio. Justamente ao contrário, os 51 milhões de brasileiros que fizeram essa escolha continuam com o direito integral de dormir com a consciência em paz. É por aí que o jogo tem de seguir.
Por: J. R. Guzzo Publicado na Veja

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A DITADURA DA MILITÂNCIA

O PT, cuja essência é autoritária sempre requereu para si o monopólio do poder, da virtude e da verdade. Logrou ascender ao cargo mais alto da República na quarta vez depois da escalada persistente de Luís Inácio da Silva, cuja imagem cuidadosamente construída simbolizou o proletário para estar de acordo com a teoria de classes de Karl Marx. Ele nunca foi um proletário – homem pobre com família numerosa que só tem por bens sua prole – e sim, por breve tempo, esteve entre os metalúrgicos que compõem a elite do operariado.

Conquistado o poder o PT se desfez do monopólio da virtude, pois se no Brasil a corrupção é histórica e endêmica, a militância petista dos altos cargos transformou seu partido no mais corrupto de toda nossa história.

Quanto ao monopólio da verdade evidenciou-se na prática ao contrário, ou seja, da propaganda enganosa às contabilidades criativas o governo do PT fez da mentira sua arma de sustentação e manutenção no poder. Nesta linha de conduta os petistas abusaram do contraditório, contradizendo o que antes afirmavam como o próprio Luís Inácio que se disse uma metamorfose ambulante.

Além do mais, petistas nunca erram sendo os outros são sempre os culpados. Em outra estratégia o governo dividiu para governar estimulando o ódio entre ricos e pobres e, num esdrúxulo recorte da luta de classes promoveu o embate entre brancos e negros, heterossexuais e homossexuais.

Na recente campanha que terminou com uma pequena diferença a favor de Rousseff a exacerbação da mentira teve contornos sórdidos e logrou transformar primeiro, Marina, depois Aécio, em monstros perniciosos que ao lado dos banqueiros matariam os coitadinhos dos pobres de fome e lhes tiraria todos os benefícios presenteados pelo pai Lula. Marina seria a vacilante, a homofóbica. Aécio o bêbado que batia em mulher. Essas e outras sandices eram difundidas incessantemente na propaganda eleitoral gratuita, em palanques onde Rousseff “fez o diabo” e Luís Inácio parecia necessitado de um exorcismo. Conforme a revista Veja, odiada por Lula e demais companheiros: “o PT distorceu fatos, falsificou a história e manipulou eleitoralmente a divulgação de informações, jogando o nível da disputa na lama”.

No seu discurso após ser reeleita, Rousseff lançou Luís Inácio ao chamá-lo duas vezes de presidente. Portanto, nem bem terminou uma campanha outra já começou como demonstração do projeto que visa á continuidade do PT no poder. Contudo, seria interessante considerar alguns fatos:

1º - Luís Inácio perdeu feio no seu berço político, São Paulo, onde não logrou eleger o terceiro poste. Perdeu no Rio de Janeiro, no Sul e em vários Estados. Seu partido, ainda que continue forte, perdeu deputados, senadores, governadores.

2º - O primeiro mandato da criatura, arrasador para a economia, tende a piorar neste segundo com aumento da inflação, da inadimplência, da queda da renda, do desemprego e do crescimento zero.

3º - O PT tanto utilizou o ódio como ferramenta de divisão social que conseguiu implantar esse sentimento na sociedade. Isto apareceu de modo inequívoco no comportamento antipetista que se alastrou praticamente pela metade dos eleitores durante a campanha, de modo nunca havido e que tende a continuar.

4º - O projeto golpista do governo de criação de comitês populares ou sovietes foi derrubado na Câmara, enquanto vai se armando no Congresso uma oposição que inclui parte do PMDB.

6º - Partidos estão se engalfinhando por ministérios e demais cargos e vai ser difícil contentar a todos, a menos que Rousseff acrescente mais ministérios aos 39 já existentes com as devidas repercussões negativas para os cofres públicos.

Disto se deduz que Luís Inácio e seu partido nunca enfrentaram tantas dificuldades. Entretanto, não se pode subestimar poderio petista. Para enfrentá-lo seria necessário o surgimento lideranças parlamentares de fato oposicionistas e a manutenção da lucidez antipetista na sociedade

Se tal não acontecer e o governo dominar o STF nos moldes bolivarianos, domesticar o Congresso e a sociedade não reagir, a ditadura da militância se instalará de vez através de uma constituição feita à sua imagem e semelhança, da censura aos meios de comunicação, de outras medidas autoritárias que implantem a sonhada democracia de massas. Ainda é tempo de não virarmos uma Venezuela e sistemas congêneres da América Latina. Todavia o perigo existe porque os embriões da falsa democracia já estão plantados no Brasil.
Por: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga. 
 Publicado no site: http://www.maluvibar.blogspot.com.br/