quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

O REBANHO BOVINO


“Assim como uma sociedade adequada é governada por leis, não por homens, uma associação adequada é unida por idéias, não por homens, e seus membros são leais às idéias, não ao grupo.” (Ayn Rand)

Existe uma profunda diferença entre o indivíduo independente que busca seu conhecimento através da razão e do questionamento honesto e aquele que abdica desta ferramenta para aderir a um grupo que lhe fornece respostas prontas, liberando-o do exercício da reflexão. O primeiro irá sempre confrontar os fatos com suas teorias prévias, e respeitar a lógica para chegar às suas conclusões. O segundo irá repetir “verdades” já dadas pelo grupo, e o questionamento imparcial lhe será extremamente doloroso.

Em seu livro Philosophy: Who Needs It?, a novelista Ayn Rand trata deste tema, lembrando que aqueles que buscam um grupo, neste sentido acima, estão atrás da proteção contra os “de fora”, eximindo-se da necessidade do pensar por conta própria. O que o grupo demanda em troca é a obediência às suas regras, as quais o sujeito está ansioso para atender, justamente porque elas representam esta “proteção”. E quem cria estas regras? Teoricamente, a tradição, mas na prática são os líderes do grupo. Na mente do novo membro do grupo, é por aqueles que conhecem os mistérios que ele não precisa saber.

O mandamento básico de todos estes tipos de grupos, e que precede quaisquer outras regras, é a lealdade ao grupo. Não a lealdade às idéias, mas ao grupo. Como exemplos de grupos formados com base nestas características estão o racismo e a xenofobia, onde o medo ou o ódio aos outsiders são alimentados em detrimento da razão. O estrangeiro passa a ser um inimigo, independentemente de suas crenças e valores, apenas por ser um estrangeiro. A cor da pele, e não os valores individuais, passa a ser critério de aceitação pelos membros do grupo.

Ayn Rand chama este tipo de grupo coletivista de tribalismo, e afirma que este é um produto do medo, enquanto o medo é, por sua vez, a emoção dominante de qualquer pessoa, cultura ou sociedade que rejeita a maior ferramenta de sobrevivência humana: a razão. Ela diz ainda que owelfare state dividiu o país em grupos de pressão, cada um lutando por privilégios especiais à custa dos demais, de forma que o indivíduo não atrelado a qualquer grupo vira presa desses predadores.

Quando os homens estão unidos por idéias, ou seja, por princípios claros, não há espaço para favores políticos ou poder arbitrário. Os princípios servem como um critério objetivo para determinar as ações e julgar os homens, sejam os líderes ou outros membros. Em contrapartida, quando se trata de um grupo unido feito um rebanho bovino, o seu membro será sempre tratado com complacência, enquanto os “de fora” serão duramente condenados, sem que tenham cometido qualquer falta. O uso de dois pesos e duas medidas é característica comum a estes grupos, e vale tudo para salvar a pele de algum membro do rebanho, por mais criminoso que tenha sido seu ato.

Investigar, como disse Humboldt, “e a convicção que emerge do livre investigar é espontaneidade; crença, por outro lado, é dependência de algum poder externo”. É por isso que “existe mais autoconfiança e firmeza no pensador que investiga e mais fraqueza e indolência no crente que confia”. O entusiasmo desses crentes é inteiramente dependente da supressão de toda a atividade da razão. “A dúvida é tortura apenas para o crente, mas não para o homem que segue os resultados de sua própria investigação”.

Os grupos descritos por Ayn Rand buscam crentes, não indivíduos livres que pensam por conta própria e questionam os dogmas do grupo. Por isso tanto ódio aos indivíduos que parecem não necessitar do rebanho e sentem-se livres para questionar suas crenças. Na ausência de pilares racionais que sustentem suas idéias, os membros deste grupo precisam desesperadamente de mais adeptos, na esperança de que a quantidade possa suprir a falta de qualidade. Sentem-se seguros apenas em bando. O argumentum ad populum é o único conhecido por seus membros. Quem precisa da lógica quando “todos pensam igual”? *

Gustave Le Bon, que estudou a psicologia das massas, concluiu que a estupidez é somada nestes grupos, não a inteligência. A razão não exerce influência alguma nesses rebanhos. E uma das características mais comuns das crenças é a intolerância. “Quanto mais forte a crença, maior a intolerância”, sendo crença aqui entendida como o oposto de convicção real. Homens dominados por tais sentimentos não são capazes de tolerar aqueles que não aceitam suas crenças. Os indivíduos independentes são sempre os maiores inimigos dos rebanhos. E o maior antídoto contra rebanhos bovinos sempre será aquilo que eles mais abominam: a razão humana!

* Na peça Um Inimigo do Povo, escrita pelo norueguês Henrik Ibsen no século XIX, vemos um homem com a coragem moral de manter sua integridade e convicção apesar da enorme pressão popular contra sua pessoa. Apesar dos exageros normais da dramaturgia, trata-se de um caso interessante de um pensador livre, um indivíduo apenas, combatendo a ignorância da maioria, e não cedendo nem mesmo sob o risco de completo isolamento e até falência pessoal. O personagem central da peça, Dr. Stockmann, após descobrir que os famosos banhos da cidade estavam contaminados, esperava obter grande respeito e admiração por parte dos demais habitantes. Mas toda a cidade passou a repudiar o autor da infeliz descoberta, preferindo ignorar os fatos, como se assim estes pudessem, num passe de mágica, desaparecer. Após refletir sobre a reação da maioria, Stockmann diz ter feito uma descoberta ainda mais importante que a poluição dos banhos. Seria a poluição moral da comunidade civil, calcada na mentira, na hipocrisia. Ele passa a considerar o maior inimigo da verdade como sendo a maioria compacta, que luta contra a razão individual. Para Stockmann, o homem mais forte do mundo é aquele que se sustenta sozinho. Está certo que Aristóteles já havia dito que o homem é um “animal cívico”, que só se completa como homem na polis. Ele nos lembra que “aquele que não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto”. Stockmann talvez tivesse obtido melhores resultados com meios menos radicais. Na vida real, é muito raro encontrar alguém com tanta convicção moral e independência, a ponto de ignorar por completo a pressão das massas. Mas isso não anula a importância da mensagem de Ibsen. Confrontar a falsidade geral, fugir da necessidade de pertencer a um “rebanho bovino”, tendo que aderir a um pensamento monolítico, faz-se crucial para qualquer indivíduo que ama a liberdade e a verdade. Não seguir uma ditadura do “politicamente correto”, não depender da aprovação alheia sempre, é um caminho necessário para pensadores livres. Colocar a verdade dos fatos acima dos interesses imediatos é fundamental para quem defende a honestidade. Mesmo que tal postura reduza o grau de “sociabilidade” do indivíduo algumas vezes. Mesmo que tais atitudes possam colocar um indivíduo íntegro como suposto inimigo do povo, que tantas vezes prefere ignorar a verdade a ter que enfrentá-la com coragem. No fundo, a humanidade agradece a independência de pensamento desses raros e corajosos indivíduos. Pode ser um tanto idealista a imagem de um indivíduo seguro de si, convicto do seu dever moral, enfrentando tudo e todos para defender nada mais que a verdade. Mas é um idealismo que vale admirar, ao menos para reforçar o alerta contra a ditadura do consenso. Afinal, como nos dizia o dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues, “a unanimidade é burra”.
Por: Rodrigo Constantino  Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA


“Pobreza e infortúnio são males mas não injustiças, e a demanda moral que eles fazem é por ajuda no âmbito humanitário.” (H. B. Acton)

O que seria justo do ponto de vista de distribuição de riquezas numa sociedade? Quais os critérios que deveriam ser observados para julgarmos se há ou não justiça num determinado padrão de distribuição de renda? São questionamentos delicados, cuja resposta completa não caberia em apenas um artigo. Aqui irei tratar dos pontos levantados por Harry B. Acton sobre este tema, em seu livro The Morals of Markets.

Para o autor, uma coisa é falar em ajuda para alívio do sofrimento dos mais necessitados, mas outra, completamente diferente, é falar em justiça. Se o pobre e as casualidades da vida são ajudados por que é injusto que eles assim permaneçam, então o caminho está aberto para dizermos que é injusto uns terem menos que os outros. Mas se a ajuda é dada no sentido de critérios humanitários, então não temos que dar prosseguimento ao processo de redistribuição além do ponto onde o sofrimento é aliviado. Em suma, enquanto muitos entendem e aceitam que o sofrimento alheio pede por uma ajuda imediata, os coletivistas igualitários demandam remédios para a desigualdade em si, via redistribuição estatal.

Poderíamos questionar Acton no sentido de ser ou não necessário o aparato estatal para tal solidariedade humanitária nos casos graves de sofrimento. A espontaneidade humana, visível em vários casos de catástrofes, poderia bastar, sem a necessidade do uso do Estado, muitas vezes ineficiente e perigoso para a liberdade individual. A solidariedade pode – e deve – ser voluntária. A filantropia funciona melhor que o “altruísmo” estatal, realizado por governantes cujos interesses reais são particulares, muitas vezes populistas. Mas o ponto chave aqui é fazer a distinção entre o uso da máquina estatal para montar uma rede de proteção básica aos mais carentes e necessitados, ou sua utilização para um propósito bem mais ousado e perigoso, que é o foco na igualdade material, assumindo que a desigualdade em si seria um problema a ser solucionado pela mão do Estado.

Ora, não podemos falar em injustiça por se nascer numa família menos abastada, carregando genes piores ou num ambiente mais hostil. São simplesmente fatos naturais. Falar em injustiça nesse caso seria culpar uma divindade qualquer, ou a própria natureza, dado que não há interferência humana em tais acontecimentos. O que leva alguém ao sucesso material não pode ser facilmente detectado, podendo contar com pitadas de sorte, mérito, esforço pessoal etc. Nenhum homem é onisciente para saber quais critérios exatamente fizeram com que a distribuição de riqueza fosse a existente. “Se ninguém é responsável por criar tal situação, ninguém pode ser razoavelmente premiado por seu arranjo justo ou culpado pelo arranjo injusto”, diz Acton. Não faz sentido falar em justiça de se nascer belo, alto, forte ou inteligente, assim como falar em injustiça por ser o oposto em tudo isso. Injustiça de quem? Algo que simplesmente acontece não pode ser justo ou injusto.

Quando os socialistas afirmam que é injusto que as oportunidades e riqueza dependam amplamente de sorte ou nascimento estão tentando dizer que elas deveriam ser deliberadamente distribuídas de acordo com algum padrão qualquer. Isso segue, na verdade, do desejo de estabelecer justiça para a sociedade como um todo. Justiça distributiva pressupõe um distribuidor, atuando de acordo com alguma regra. No caso, os socialistas gostariam de determinar tal regra, de acordo com seus próprios desejos. Como é impossível conhecer exatamente as causas que levam à distribuição existente num livre mercado, os socialistas partem de um prisma arrogante, onde seus conceitos seriam impostos aos demais. A justiça que Deus falhou em oferecer ao mundo será feita pelos igualitários. A fraternidade será forçada e a integração social compulsória. Todos terão “direito”, independente de quem passa a ter o dever de oferecer, a tudo aquilo que os governantes decidirem, em nome da justiça. Não há moralidade alguma em tal postura autoritária, muitas vezes ocultando a face feia da pura inveja. *

O tema é complexo o suficiente para não se esgotar em um artigo. Acton enfoca a questão moral do liberalismo, muitas vezes ignorada até mesmo por supostos liberais, que limitam as análises apenas ao campo da eficiência de resultados. Creio ser fundamental desmascarar a hipocrisia e a falha moral dos igualitários, muitas vezes invejosos ou arrogantes, que gostariam de definir arbitrariamente um padrão “justo” de distribuição de riquezas. Por acaso a beleza é distribuída de forma “justa” na natureza? Ou a altura, força, saúde, sorte? O mundo tem muito a ganhar com a redefinição de certos conceitos atualmente deturpados. A sociedade criar mecanismos artificiais para o alívio de situações calamitosas é uma coisa. Mas outra totalmente diversa – e bem perigosa – é falarmos em direito de justiça a igualdade material, ignorando que vários fatores desconhecidos levam cada um ao patamar atingido de riqueza. Seria como defender a coerção estatal, fosse possível, para tornar todos igualmente bonitos – ou feios – já que seria “injusto” alguém nascer linda, uma modelo em potencial, enquanto outra vem ao mundo como uma “mocréia”.

* Falar em igualdade de resultados – o ideal socialista – deixa em muita evidência o caráter invejoso da pessoa. Talvez por isso muitos tenham migrado para o mais ameno termo “igualdade de oportunidades”. Até mesmo alguns liberais acabam repetindo isto como um ideal, sem se dar conta de que, na prática, levaria ao mesmo lugar: total escravidão. Ora, para as oportunidades serem de fato iguais, todos teriam que ter nascido no mesmo berço! A genética exerce influência, a família, a vizinhança, a rede de contatos, tudo isso altera o quadro de oportunidades de um indivíduo. É tão utópico – além de indesejável – falar em igualdade de resultados como é falar em igualdade de oportunidades. Um jovem que pode ir estudar em Harvard tem as mesmas oportunidades que outro que não tem condições para tanto? E qual a solução? O Estado pagar uma Harvard para todos, tirando de todos que podem e transferindo para todos que não podem pagar? Ou talvez proibir a existência dela? Nota-se que a igualdade mesmo de oportunidades é impossível, e acaba sendo defendida pela idealização da inveja também. Alguns alegam que uma corrida onde alguns podem largar na frente não é justa. Mas, em primeiro lugar, a vida não é uma corrida onde todos competem pelo mesmo prêmio estabelecido. Não há uma corrida única, e sim pessoas diferentes trocando entre si com objetivos, capacidades e preferências particulares. Não existe um processo centralizado de julgamento das oportunidades disponíveis para cada um. Em segundo lugar, mesmo aceitando esta falha analogia, o ideal da igualdade de oportunidade seria quebrar as pernas de um corredor porque o outro anda numa cadeira de rodas. Isso seria justo, por acaso? Não seria visivelmente uma atitude típica da inveja, que prefere destruir o sucesso alheio em vez de melhorar a própria situação? Como fica claro, o máximo que um liberal pode aceitar é o discurso em prol de melhores oportunidades, mas nunca tendo como objetivo a igualdade. A única igualdade defendida pelos liberais é aquela perante as leis.
Por: Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

E SE A GRÉCIA SAIR DO EURO?

Sempre que um país passa por problemas econômicos, surge um grupo de economistas dizendo que tudo pode ser corrigido caso o governo simplesmente desvalorize a moeda — isto é, deprecie sua taxa de câmbio.


Não obstante não seja possível encontrar um só exemplo de país que tenha saído da pobreza e se tornado próspero depreciando sua moeda em relação às outras, tal "solução" segue impavidamente em voga. A desvalorização da moeda é uma panacéia que ainda atrai muitos "pensadores" e continua sendo uma ideia extremamente popular entre alguns círculos de economistas.

Aproveitando o momento, façamos um exercício mental para analisar as prováveis consequências da desvalorização. Vamos utilizar a Grécia como exemplo.

Suponhamos que a Grécia, que hoje faz parte da zona do euro, conseguisse de alguma forma voltar a emitir um Novo Dracma, e que essa nova moeda se desvalorizasse rapidamente, passando de um dracma por euro para dois dracmas por euro em um curto período de tempo (um mês, talvez), o que representaria uma desvalorização de 50%. 

Vamos também supor que o governo estipule que todas as obrigações existentes em euro, tais como títulos e contratos trabalhistas, para todas as pessoas e entidades na Grécia, sejam convertidas em dracmas na relação de 1 dracma para 1 euro.

O dracma agora é uma moeda independente e com câmbio flutuante, e sua taxa de câmbio está relativamente estável perto de 2 dracmas por euro (uma taxa até bastante otimista).

Sendo assim, o valor total da dívida do governo da Grécia, em termos de euro, cai 50%. As dívidas de todos os outros devedores da Grécia, tais como empresas, bancos e pessoas físicas, também são reduzidas em 50% em termos de euro. (Se uma empresa devia 100 milhões de euros, agora ela deve 100 milhões de dracmas. Mas como 1 dracma vale 0,50 euro, 100 milhões de dracmas são 50 milhões de euros.)

A princípio, isso não é um grande benefício para os endividados gregos, dentre eles o governo, pois a renda deles, denominada em dracmas desvalorizados, também caiu 50% em valores de euro. Tanto a dívida quanto a receita tributária do governo foram simultaneamente desvalorizadas, e o mesmo ocorre com os salários das pessoas e suas dívidas. 

No entanto, não vai demorar muito para que as receitas tributárias, as receitas das empresas e os salários das pessoas comecem a subir (em termos nominais) em decorrência da inflação de preços gerada pela desvalorização da moeda.

Como consequência de tudo, os calotes nas dívidas diminuirão. Os ativos e os passivos dos bancos são simultaneamente desvalorizados, mas o declínio nos calotes irá permitir que os bancos gregos, até então descapitalizados por causa de empréstimos ruins, readquiram alguma saúde financeira. Para completar, os ativos estrangeiros dos bancos gregos (como títulos do governo alemão ou empréstimos feitos a empresas italianas e espanholas) irão dobrar de valor em termos de dracma, o que irá melhor seus balancetes consideravelmente.

Com a redução dos calotes, as falências corporativas também irão diminuir, o que significa menos desemprego. Trabalhadores gregos, cujos salários foram reduzidos à metade em termos de euro, agora estão mais "competitivos" (isto é, recebem menos) que os de Portugal, Espanha e Itália. 

Por outro lado, as empresas gregas voltadas exclusivamente para o mercado interno não usufruirão grandes benefícios, pois os trabalhadores gregos não serão capazes de comprar muita coisa com seus salários desvalorizados. O custo dos bens e serviços importados dobrou, o que reduz ainda mais a renda disponível dos trabalhadores.

Aqueles assalariados mais bem pagos da Alemanha e da Inglaterra, que querem escapar de seus respectivos invernos e estão à procura de uma praia (ou mesmo de um local barato para viver quando se aposentarem), trocarão a Espanha pela Grécia e aproveitarão todas as ofertas sendo oferecidas em dracmas desvalorizados.

Sendo assim, a Grécia vivenciará um forte aumento nos negócios e nas contratações. A economia parecerá estar melhorando, e as receitas tributárias do governo estarão aumentando, ao menos em termos nominais de dracmas. Os preços ao consumidor subirão aproximadamente 20% no primeiro ano da desvalorização, e os economistas aplaudirão efusivamente, pois a deflação de preços "foi superada".

Principalmente por ter começado com valores pequenos em decorrência da crise, a bolsa de valores da Grécia irá disparar. Mas ela teria de subir pelo menos 100% apenas para se manter com o mesmo valor em termos de euros.

Esse cenário não parece bonito?

Mas há outros fenômenos ocorrendo. O que acontecerá com todos os bancos alemães e franceses que fizeram empréstimos para empresas gregas? O que acontecerá com todos aqueles títulos do governo grego em posse dos bancos alemães? Os títulos e os empréstimos agora valem apenas 50% de seu valor de face em termos de euro. Os bancos alemães e franceses terão de ser socorridos, e milhões de correntistas alemães e franceses darão esse socorro compulsório por meio de uma redução em suas contas bancárias (exatamente como ocorreu no Chipre).

Os destinos turísticos na Espanha e no sul da Itália perderão clientes e, como consequência dessa súbita perda de receitas, começarão a dar calotes em suas dívidas. As indústrias de cimento e naval de outros países europeus não conseguirão concorrer contra as importações baratas da Grécia, e também começarão a dar calotes em suas dívidas. O desemprego nestes países irá subir.

O trabalhador grego agora tem um novo emprego, mas seu salário, reduzido à metade em termos de euro, não mais compra tudo aquilo que antes ele conseguia comprar. Os preços internos aumentam, e, embora seu salário também aumente em termos nominais, ele não acompanha a subida dos preços. Os pensionistas gregos são os mais afetados, principalmente aqueles cuja poupança estava nos bancos gregos (e não em outros países da zona do euro). Ao passo que seus semelhantes na França e na Alemanha tiveram uma perda de 30% em suas contas bancárias, os poupadores gregos descobrirão que agora compram 30% menos com sua poupança.

O sistema tributário grego certamente não será ajustado de acordo com a desvalorização. A consequência será a de que, com rendas nominais maiores, uma maior fatia dos ganhos será tributada. E o resultado final é que pessoas com renda real mais baixa — e até então isentas — também terão de pagar imposto de renda. Isso gerará um grande fardo sobre toda a economia, o qual poucos serão capazes de identificar. Tradicionalmente, a culpa será atribuída aos altos preços da energia importada.

Após algum tempo — talvez alguns anos —, os salários dos trabalhadores gregos já terão subido, em termos nominais, o bastante para acabar com aquela "vantagem comparativa" inicial. Os impostos reais mais altos começarão a introduzir uma persistente obstrução na economia grega.

Adicionalmente, o sistema financeiro grego já se tornou deficiente e inconfiável. Após a desvalorização, ninguém mais está disposto a conceder mais empréstimos em dracmas. Afinal, quem vai querer correr o risco de ter seus ativos subitamente desvalorizados novamente? As taxas de juros domésticas já subiram e estão altas, e o volume de empréstimos está baixo. Grandes empresas ainda conseguem tomar empréstimos em euros, mas isso não estará disponível para famílias e pequenas empresas. As famílias, que já foram prejudicadas uma vez, não irão manter sua poupança nos bancos gregos. O mais provável é que elas descubram maneiras informais de poupar e investir sem recorrer ao sistema financeiro. Já as famílias mais sofisticadas irão simplesmente utilizar os bancos alemães, e sua poupança e seu capital jamais retornarão à Grécia.

Por tudo isso, a economia grega apresentará uma baixa criação de capital, um ambiente de investimentos totalmente distorcido, no qual apenas as grandes corporações conseguem financiamento, e uma baixa criação de empregos. A economia estagna. Consequentemente, o governo volta a incorrer em déficits orçamentários, uma vez que as receitas tributárias começam a cair e as demandas por serviços assistencialistas cresceram. Como o governo não mais consegue se endividar em dracmas — só a taxas de juros proibitivas —, ele terá de se endividar em euros. Mas isso também será difícil, pois o governo já se mostrou inconfiável. A única opção restante será aumentar ainda mais os impostos. 

À medida que essas dificuldades vão se acumulando, alguns economistas acreditarão ter encontrado a solução: desvalorizar novamente! Essa ideia ganhará o imediato apoio dos grandes exportadores e do setor de turismo, os quais adorariam voltar a ter uma "vantagem competitiva" em termos de mão-de-obra barata. Como esses setores já haviam se beneficiado economicamente antes, eles se tornaram mais politicamente influentes. Por outro lado, os setores que foram prejudicados pela desvalorização, como as empresas que dependem de importações e as voltadas exclusivamente para o mercado doméstico, já perderam toda a sua influência política. Sendo assim, o sistema político passa a ser guiado apenas pela ideia de mais desvalorizações.

Com a imposição de novas desvalorizações, todo o ciclo se reinicia: o setor exportador e o setor turístico ganham um impulso temporário, mas todo o restante dos trabalhadores gregos perde poder de compra, e seu custo de vida sobe. A inflação de preços dá outro salto. O imposto de renda continuará sem ser corrigido pela inflação — pois o governo precisa de todas as receitas possíveis —, o que gerará um confisco cada vez maior da renda real das pessoas e empresas, o que, por sua vez, prejudicará ainda mais os investimentos.

Já os outros países da zona do euro muito provavelmente não ficarão passivos perante os setores exportador e turístico gregos. É provável que imponham pesadas tarifas sobre as importações e também sobre a conversão de euros em dracmas.

A conclusão é que a desvalorização funciona apenas por algum tempo, e é benéfica apenas para poucos setores muito específicos — e ainda assim apenas no curto prazo.

Em termos gerais, a desvalorização da moeda prejudica toda a população, pois esta é roubada do seu poder de compra e acaba ficando sem acesso a bens importados de maior qualidade. 

Um governo que desvaloriza sua moeda está, na prática, fechando suas fronteiras aos bens estrangeiros, isolando sua população, reduzindo sua renda, e destruindo enormemente seu padrão de vida.

Economista que realmente acredita que desvalorizar a moeda é o caminho para a prosperidade está, na prática, dizendo que uma sociedade formada por uma minoria exportadora e rica e por uma maioria que não tem poder de compra é o arranjo ideal. Está dizendo que uma redução compulsória da renda total da população representa prosperidade e enriquecimento. Não faz absolutamente nenhum sentido.

O que aconteceu com a Argentina em 2002, quando a súbita desvalorização do peso fez com que fosse quase impossível para muitas mães comprarem leite para seus filhos, pode perfeitamente acontecer com a Grécia em 2015. É muito difícil uma desvalorização da moeda passar impune.
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Autores:

Nathan Lewis é colunista de revista Forbes, escreve sobre política monetária e tributária, e gerencia uma pequeno fundo de investimentos de alcance global.

Por: Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

FILHOS DE GANDHI: O PACIFISMO SOB A ÓTICA DE ORWELL


“O jeito mais fácil de terminar uma guerra é perdê-la.” (George Orwell)

Basta mencionar o nome Gandhi para que automaticamente muitos se lembrem do pacifismo como um meio para um fim nobre, que é a paz. “Olho por olho e o mundo acabará cego”, eis o resumo da doutrina gandhiana. Em muitos aspectos, essa doutrina remete aos ensinamentos de Cristo, que teria dito no famoso Sermão da Montanha: “Ouviste o que foi dito: olho por olho e dente por dente; Eu, porém, te digo que não resistas ao mau; mas se alguém te bater na tua face direita, oferece-lhe também a outra”. Em resumo, jogar fora a lex talionis e responder à violência com amor. O próprio Gandhi afirmara que “Cristo é a maior fonte de força espiritual que o homem até hoje conheceu”. E para ele, “a força de um homem e de um povo está na não-violência”.

Tudo isso parece, sem dúvida, muito bonito e nobre. Normalmente, aquele que propaga tais ideais adquire um ar de nobreza, de boa alma imbuída das mais belas virtudes. Quem poderia ser contrário à paz? Ocorre que a paz é uma finalidade, e existem diferentes meios para alcançá-la. Nem sempre o meio pacífico será o melhor. Muitas vezes será necessário, no mundo real, combater violência com violência, ou pelo menos com a ameaça de seu uso. Seria preciso combinar com o inimigo antes a estratégia de paz e amor. Afinal, para o pacifista retribuir chumbo com rosas, é crucial que ele esteja vivo acima de tudo. Mortos não costumam reagir a estímulo algum.

George Orwell foi, como jornalista, bastante realista. Em um artigo de 1948, chamado A Defesa da Liberdade, expressou sua opinião resumida sobre os métodos políticos de Gandhi, tendo como base o livro Gandhi e Stalin, de Louis Fischer: “Gandhi jamais lidou com um poder totalitarista. Lidava com um despotismo antiquado e um tanto vacilante, que o tratava de um modo razoavelmente cavalheiresco e lhe permitia a cada passo invocar a opinião pública mundial”.

Ele continua: “É difícil reconhecer como sua estratégia de greve de fome e desobediência civil poderia ser aplicada em um país onde os oponentes políticos simplesmente desaparecem e o público nada ouve além do que lhe permite o governo”. Ou seja: se Gandhi obteve algum sucesso com seu pacifismo romântico, isso se deveu ao fato de ser a Inglaterra do outro lado. Fosse um Stalin, por exemplo, e Gandhi seria apenas mais um mártir, um cadáver perdido numa pilha incontável. Não é preciso ficar na especulação: Dalai Lama adotou uma postura similar e isso nunca impediu que o povo tibetano fosse dizimado pelos chineses.

Um ano após o artigo de Orwell, Pablo Picasso estaria criando uma litografia para o cartaz do Congresso Mundial da Paz em Paris, que eternizou a pomba como símbolo dos pacifistas. Paradoxalmente, o evento era financiado pelos assassinos de Moscou. Picasso foi simpático ao comunismo, e chegou a ser agraciado com o Prêmio Lênin da Paz. Desconheço contradição maior que utilizar Lênin e paz na mesma expressão.

Os comunistas sempre fizeram muita propaganda pela paz, enquanto, na prática, foram sempre seus maiores inimigos. Tentavam monopolizar os fins para não terem que debater os meios, e desta maneira, todos que não compartilhavam dos seus slogans românticos eram belicosos ou assassinos em potencial. Foi assim que os comunistas franceses exortaram os soldados a abandonar seus postos poucas semanas antes de Hitler invadir a França. Oferecer a outra face para alguém como Hitler é o caminho certo para a destruição.

Ainda hoje nota-se que muitos seguem os passos de Gandhi, sempre reagindo com discursos lindos quando a escalada da violência é brutal. Basta dar carinho que os psicopatas assassinos poderão virar bons samaritanos. A impunidade permanece e o convite ao crime fica irresistível para os delinqüentes. Assim, os filhos de Gandhi saem às ruas com suas camisetas brancas na cruzada pela paz, já que cruzadas costumam valer mais pelo sentimento de bem-estar que incutem nos seguidores do que pelos resultados práticos concretos. Os criminosos agradecem. Olho por olho, e a humanidade acabará cega. Olho por rosas, e somente uma parte da humanidade acabará cega: a parte boa.
Por: Rodrigo Constantino  Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

A VIRTUDE DO EGOÍSMO: A VISÃO DE AYN RAND SOBRE A ÉTICA


“O homem deve ser o beneficiário de suas próprias ações morais.” (Ayn Rand)

Para se falar da virtude do egoísmo, vamos primeiro definir o que se entende por egoísmo aqui. Não estamos falando do conceito pejorativo da palavra, mas simplesmente da preocupação com os interesses particulares de certo indivíduo. Isso vai contra o altruísmo, que declara que qualquer ação realizada para o benefício dos outros é boa e qualquer ação visando ao benefício próprio é ruim. Como a natureza não fornece ao homem uma maneira automática de sobrevivência, e ele precisa se sustentar através do esforço próprio, uma doutrina que diz que se preocupar com os interesses particulares é ruim diz também que o desejo do homem viver é ruim. Este seria o significado do altruísmo em sua essência.

Os interesses particulares do homem não podem ser determinados por desejos cegos ou aleatórios, mas sim devem ser descobertos e alcançados através de princípios racionais. O egoísmo bom é o egoísmo racional. É justamente aí que entra o papel fundamental da moral e da ética. Seriam códigos de valores para guiar as escolhas e ações dos homens. A ética representa exatamente a busca de tais valores. Não devemos tomar a ética como algo dado, e sim buscar compreender suas origens e causas metafísicas. Esta busca através da razão contradiz a limitada visão de que “assim deus quis” ou outras explicações místicas para a ética. Ela não nos foi revelada, e sim deve ser descoberta através da razão humana.

Se tomarmos como valor máximo a vida, então tudo aquilo que ajuda a viver deve ser visto como positivo e tudo aquilo que ameaça a vida é negativo. Somente este objetivo máximo de viver torna possível a existência de valores. Assim como o mecanismo de dor e prazer do corpo humano possui a função de alerta quanto à direção correta ou errada de uma ação física, a consciência do homem será a guardiã dos meios corretos para sua sobrevivência. Diferente das plantas, que funcionam somente através de mecanismos automáticos, o homem possui o poder da percepção, que seria a faculdade de reter sensações. Ele não possui códigos automáticos de sobrevivência, não sabe a priori o que é ruim ou bom para sua vida. Sua consciência é volitiva, depende de sua vontade. A capacidade de trabalhar os conceitos e conhecimentos importantes para formar esse código chama-se razão, e o processo em si chama-se pensar. Este processo não é automático, e depende da escolha do homem.

Para o homem, o meio básico de sobrevivência é a razão. Tudo que ele deseja e precisa tem que ser aprendido, descoberto e produzido por ele, através de sua escolha própria, esforço e consciência. Para caçar, desenvolveu armas. Para se aquecer, descobriu o fogo e depois a eletricidade. A agricultura veio para alimentá-lo. O avião foi criado para o transporte. São todos exemplos práticos que nos distinguem de outros animais, que sobrevivem através de um processo mais automático, sem consciência ou razão.

O homem é livre para fazer sua própria escolha, e esta pode ser a errada, mas ele não está livre de suas conseqüências. Ele pode se esquivar da realidade, pode seguir cegamente um curso ou a estrada que quiser, mas não tem como evitar o precipício a frente que ele se recusa a enxergar. Em resumo, ele é livre para escolher não ser consciente, mas não consegue escapar das penalidades de sua inconsciência: sua própria destruição.

A ética, então, seria algo objetivo, uma necessidade metafísica para a sobrevivência do homem, e não algo proveniente da graça sobrenatural ou dos desejos de nossos vizinhos. Se alguns homens optam por não pensar, e sobrevivem imitando outros e repetindo, como animais treinados, a rotina aprendida com terceiros, sem fazer o esforço de compreender por conta própria sua conduta, ainda assim sua sobrevivência só é possível pois alguém pensou por ele. A sobrevivência de tais parasitas depende de puro acaso, pois suas mentes sem foco precisam decidir quem copiar e seguir. São facilmente vítimas, os seguidores que se atiram do abismo, se auto destruindo em nome de alguém que prometeu assumir as responsabilidades que eles se esquivaram, a responsabilidade de ser consciente.

Se o homem não quer depender do puro acaso para sobreviver, se não quer tomar um caminho que leva a sua própria destruição, precisa escolher pensar, adotar um código de ética que o ensine como viver, não dependendo assim de sensações e instinto. O homem tem que escolher ser homem, caso contrário vive como sub-humano, pouco mais que os outros animais, sobrevivendo, com sorte, apenas via mecanismos automáticos. Assim, o pior vício que pode existir num homem, fonte de todos os males, é o ato de não focar sua mente, suspender sua autoconsciência, que não significa cegueira, mas sim a recusa de enxergar, não a ignorância, mas a recusa em saber. *

O princípio básico da ética objetivista é que, da mesma forma que a vida é um fim em si, cada ser humano é um fim em si também, e não simplesmente um meio para outros fins ou o bem de outros. Portanto, ele deve viver focando em sua própria felicidade, e não se sacrificando por outros. O alcance da felicidade seria o maior objetivo moral do homem.

A felicidade seria o estado consciente que procede ao alcance dos seus valores. Se um homem valoriza a destruição, como um sádico ou masoquista, ou então a vida após a morte, como os místicos, sua “felicidade” aparente será medida pelo sucesso de ações que levam a sua própria destruição. Nem a felicidade nem a vida podem ser alcançadas através da busca de desejos irracionais. A tarefa da ética é definir o código de valores adequado para que o homem possa atingir sua felicidade. Declarar que o valor adequado é aquele que dê prazer, não importa qual, é o mesmo que dizer que o valor correto é qualquer um que alguém escolha. Mas se somente o desejo é o padrão dos valores éticos, o desejo de um homem produzir e o desejo de outro o roubar teriam a mesma validade ética. O desejo de alguém ser livre e de outro escravizá-lo teria a mesma validade. A ética objetivista advoga e defende o egoísmo racional, não valores produzidos por desejos ou emoções e aspirações, que podem ser irracionais.

Em resumo, o egoísmo, entendido como o foco nos interesses particulares – que coloca cada indivíduo como um fim em si mesmo – é uma virtude, não um pecado. O instrumento epistemológico para a busca dos valores deve ser a razão, não emoções irracionais e avulsas. O sacrifício humano despreza a vida como valor máximo. Na sua essência, o altruísmo diz que sacrificar seu próprio filho para salvar dez estranhos é um ato nobre. Para o bem da humanidade e até mesmo sua sobrevivência, isso deve ser condenado. Humanos não são cupins que vivem como meios sacrificáveis para o bem da colônia. Está na hora de reconhecermos a virtude do egoísmo.

* Em sua autobiografia A Era da Turbulência, o ex-presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, dedica longos parágrafos à influência que Ayn Rand exerceu em sua vida. Seu livroA Nascente teria causado profundo impacto em suas idéias, e Greenspan comenta sobre a obra: “Rand escreveu a história para ilustrar uma filosofia a que aderira, que enfatizava a razão, o individualismo e o auto-interesse esclarecido. Mais tarde, ela o denominou de objetivismo; hoje, seria chamado de libertarismo”. Para Greenspan, Rand era “extremamente analítica, sempre disposta a dissecar uma idéia até seus fundamentos, e não se interessava por bate-papos inconseqüentes”. Para ele, “ela parecia sempre disposta a considerar qualquer idéia, de qualquer pessoa, sob o ponto de vista exclusivo de seus méritos”. Em suma, era intelectualmente honesta, segundo Greesnpan. Os elogios continuam: “Rand convenceu-me a observar os seres humanos, seus valores, como trabalham, o que fazem e por que fazem o que fazem; como pensam, e por que pensam assim. Isso ampliou meus horizontes muito além dos modelos econômicos que aprendera”. Para maiores informações sobre esta pensadora que tanta influência exerceu numa das figuras mais influentes da segunda metade do século XX, sugiro a leitura do meu livroEgoísmo Racional: O Individualismo de Ayn Rand, onde tento fazer um resumo de suas principais idéias.

PS: Hoje em dia tenho muitas ressalvas a essa visão filosófica de Ayn Rand, por depositar um peso exagerado na capacidade da razão para produzir todo o arcabouço moral necessário para uma vida ética em sociedade, e também por acabar fomentando um individualismo exacerbado nos que confundem o “egoísmo racional” com uma espécie de “sociopatia” que diz “dane-se o outro”. Tenho profunda admiração por Ayn Rand, mas ela precisa ser lida com cautela…
Por: Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O INTELECTUAL E O MERCADO

“A justificativa da concorrência é mais forte no ensino do que no pão.” (George Stigler)

Goerge J. Stigler foi um dos grandes nomes da Escola de Chicago, ao lado do seu amigo Milton Friedman. Ele ganhou o Prêmio Nobel em economia no ano de 1982, e foi um dos fundadores da Mont Pelerin. Enquanto cursava em Chicago, sofreu bastante influência de Frank Knight, que foi seu supervisor de dissertação do PhD. Sua fama advém principalmente de sua teoria sobre regulação, também conhecida como “captura”, que mostra como os grupos de interesse usam as forças coercitivas do governo para moldar as leis em benefício próprio.

Sua teoria foi um componente importante do campo econômico das falhas de governo. Defendeu ainda a indagação intelectual irrestrita, lutando contra os limites impostos pelos próprios acadêmicos aos temas impopulares ou controversos. No livro O Intelectual e o Mercado, Stigler trata de diversos assuntos do mundo acadêmico. A seguir veremos uma síntese de sua visão acerca da hostilidade dos intelectuais para com o mercado.

Em primeiro lugar, Stigler lembra que nenhuma sociedade foi capaz de sustentar muitos intelectuais – que não são baratos – até o surgimento do sistema moderno de mercado. Em Atenas, ele calcula que deveria existir apenas algo como um intelectual por cada 1.500 habitantes. Atualmente, a maioria dos americanos leva uma vida confortável por causa justamente das grandes realizações do mercado. Como diz Stigler, os “professores devem muito mais a Henry Ford do que à fundação que lhe leva o nome e lhe gasta o patrimônio”. Os êxitos do mercado permitem que uma classe intelectual bem mais numerosa seja sustentada.

Além disso, os princípios organizadores tanto do mercado como dos intelectuais são os mesmos, e isso deveria ser outra razão para que o intelectual fosse simpático ao mercado. Ambas as áreas adotam um sistema de livre iniciativa, ou seja, de contrato voluntário. Nem a fraude nem a coerção fazem parte da ética do sistema de mercado. Da mesma forma, o credo fundamental do mundo intelectual é que “as opiniões devem nascer da discussão livre e na base da revelação plena e total de evidências”. Logo, a fraude e a coerção são igualmente repugnantes ao intelectual.

A liberdade de pensamento deve ser preservada, e o meio para tanto é através da concorrência entre diferentes idéias. Portanto, a autoridade é a grande inimiga da liberdade de indagação. Se uma idéia é boa ou verdadeira, não importará, ao verdadeiro intelectual, de qual raça, credo ou classe social ela é proveniente. O mesmo vale para a eficiência no mercado, cuja impessoalidade defende que toda pessoa capaz possa ingressar numa indústria ou exercer uma ocupação.

Para concluir as afinidades, Stigler afirma que ambos os campos dão muita atenção à embalagem e à publicidade, e ambos atribuem um valor absurdamente alto à originalidade. Não obstante tudo isso, as hostilidades que os intelectuais costumam direcionar ao mercado são evidentes. Normalmente, deve-se ao profundo desprezo pelo lucro, que dirige a atividade econômica, além de uma profunda desconfiança do comportamento a que ele conduz.

Muitos acusam a sociedade moderna, especialmente a americana, de materialismo, apontando as preferências vulgares do povo. Stigler enxerga nisso certa hipocrisia, já que muitos dos próprios intelectuais costumam desfrutar dos mesmos bens vulgares que criticam. Além disso, lembra que a economia norte-americana não produz somente bens deste tipo, mas inúmeros artigos refinados. A comparação é injusta também quando se coloca de um lado as aristocracias antigas, e do outro todo o povo de uma nação. Em períodos anteriores, como explica Stigler, “a vasta maioria da sociedade nem mesmo era considerada parte da sua cultura, pois era analfabeta, dominada pela tradição e vivia na maior parte como animais em cabanas primitivas”.

Comparar os gostos de toda uma população com uma minúscula parcela da elite de uma cultura não parece muito honesto. Mas essa ressalva não anula a crítica válida de que os gostos do público em geral – e dos intelectuais também – possam ser refinados. O problema principal consiste em mirar no alvo errado para fazer tal crítica.

Stigler diz: “O mercado reage aos gostos dos consumidores com bens e serviços vendáveis, sejam os gostos refinados ou grosseiros”. Trata-se de uma constatação bastante óbvia, mas curiosamente ignorada pelos críticos do mercado. Não faz sentido condenar o termômetro pela febre, assim como é injusto condenar o garçom pela obesidade do cliente. Os defeitos, portanto, não se encontram no mercado em si, mas são dos próprios gostos populares.

Alguns intelectuais reagem afirmando que a propaganda decide o gosto, mas, como acredita Stigler, “a indústria publicitária não dispõe de poder soberano para dobrar a vontade do homem”. Na verdade, basta verificar como os grandes publicitários procuram justamente entender as preferências para depois escolher a estratégia de venda. Os consumidores não são crianças irracionais que correm feito autômatos para onde a propaganda aponta. Isso sem falar dos apelos contraditórios entre diferentes propagandas, já que os interesses das diferentes indústrias são muitas vezes conflitantes.

Seria mais sincero por parte dos intelectuais, portanto, pregar diretamente ao público, sem apelar para bodes expiatórios ou usar a publicidade como saco de pancadas. E Stigler vai mais longe, acreditando que esses intelectuais ganhariam em virtude também se examinassem mais criticamente seus próprios gostos. Eis o exemplo que ele dá: “Quando um bom comediante e uma produção de Hamlet estão sendo passadas em canais rivais, eu gostaria de acreditar que menos de metade dos professores estão rindo”. Será?

Um dos maiores motivos de implicância com o mercado é a idéia de que ele está condicionado aos interesses egoístas das pessoas. Isso acaba parecendo uma mistura de hipocrisia com ignorância, pois ignora que em diversas outras tarefas o mesmo “egoísmo” está presente, e ignora também que esta busca pelos próprios interesses não necessariamente é negativa para a sociedade. Será que o mesmo intelectual que faz esta crítica não está em busca de statusprofissional? Será que o egoísmo de um empresário inovador não deve ser comemorado por todos que se beneficiam de sua invenção?

A visão de que a economia é um jogo de soma zero não ajuda, pois muitos passam a crer que o lucro de um homem é o prejuízo do outro. Nada mais falso, entretanto, já que a riqueza da sociedade como um todo vem aumentando sistematicamente, graças aos ganhos de produtividade que são resultado justamente desse mecanismo de mercado. A maior parte dos ganhos das inovações no mercado é transferida para a comunidade em geral, e basta observar o conforto material que um simples trabalhador americano pode desfrutar hoje comparado ao que a nobreza tinha no passado. Logo, ao menos em parte, a antipatia dos intelectuais pelo lucro no mercado tem origem na falta de compreensão de sua lógica e da maneira como funciona.

Hayek, quando escreveu sobre a tendência dos intelectuais defenderem o socialismo, concluiu que o sucesso dos socialistas estava em sua postura utópica que captura o apoio dos intelectuais e influencia a opinião pública. Isso vai ao encontro do que Stigler diz, quando afirma que as pessoas são românticas e preferem muito mais soluções fáceis e diretas para seus problemas. O “analfabetismo econômico”, do qual os intelectuais não estão livres, complica o quadro, e somado aos interesses de determinados grupos, gera esta hostilidade em relação ao mercado.

Muitos intelectuais, é importante destacar, recebem benefícios diretos do governo. Que cão morde a mão que o alimenta? Uma mistura de interesses, ideologia romântica e ignorância, portanto, poderia afastar muitos intelectuais da defesa do livre mercado. A sociedade perde muito com isso.

George Stigler conclui em seu livro: “Nossa atitude dominante em relação ao mercado não mudou desde os tempos de Platão; não será possível que tenha chegado a época de repensar a questão?”
Por: Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

A FÁBRICA DE INVEJA


“Todos gostam do sucesso, mas detestam as pessoas bem-sucedidas.” (John McEnroe)

A lei moral de que o justo é tirar de cada um de acordo com sua habilidade e dar para cada um de acordo com sua necessidade corrompeu milhões de corações ao longo dos anos, e ainda o faz. No entanto, nada poderia ser mais imoral, injusto e ineficaz que este conceito. A novelista Ayn Rand fez um dos melhores retratos das conseqüências dessa máxima colocada em prática, no seu livro Atlas Shrugged, assim como expôs com perfeição os reais motivadores de seus defensores.

Na ficção, infelizmente nada distante da realidade de muitos, uma fábrica de motores decidiu votar um plano onde todos os funcionários iriam trabalhar de acordo com suas habilidades, mas o pagamento seria de acordo com as necessidades. O plano objetivava um nobre ideal de justiça. Era chegada a hora de acabar com a ganância individual, com a busca pelo lucro, com a competição selvagem. Todos os trabalhadores formariam uma grande família, e o bem coletivo seria colocado à frente dos interesses particulares.

Um ex-operário relata como o plano funcionou. Tente colocar água num tanque onde há um duto no fundo drenando o líquido mais rápido do que você é capaz de enchê-lo, e quanto mais você joga água dentro, maior fica o duto. Quanto mais você trabalha, mais lhe é demandado, até que suas horas trabalhadas multiplicam-se para que seu vizinho tenha sua refeição diária, a esposa dele tenha a operação necessária, a mãe tenha a cadeira de rodas, o tio tenha a camiseta, o sobrinho a escola etc. Até pelo bebê que ainda não veio, por todos à sua volta, mais e mais é demandado de você, sempre em nome da “família”. A cada um pela necessidade, de cada um pela habilidade.

Foi necessária apenas uma reunião para perceberem que todos haviam se transformado em vagabundos pedindo esmolas, pois ninguém poderia reclamar um pagamento justo, não havia direitos e salários, seu trabalho não lhes pertencia, mas sim à “família”, e nada era devido em troca, sendo o único direito sobre ela a “necessidade”. Cada um tinha que demandar tudo, alegar miséria, pois sua miséria, não seu trabalho, tinha se tornado a moeda de troca. Ninguém podia mais nada.

Afinal, ninguém era pago pelo trabalho, pelo valor gerado, mas apenas de acordo com a “necessidade”. Em pouco tempo, sendo a necessidade algo subjetivo, todos passam a necessitar de tudo, e a “família” experimenta enorme crescimento de ressentimento mútuo, trapaças, mentiras. A cirurgia da mãe do vizinho passa a ser vista com desconfiança, pois é seu trabalho que paga a conta. Cada nova demanda através do apelo de “necessidade” gera mais intrigas e brigas.

Bebês eram o único item de produção em alta, pois ninguém tinha que se preocupar com o custo dos cuidados com um filho, já que a conta recaía sobre a “família”. Além disto, não havia muito que fazer, pois a diversão era vista como algo totalmente supérfluo, um dos primeiros itens a ser cortado em nome da “necessidade” de todos. A diversão passa a ser vista quase como um pecado. Um dos meios mais fáceis de conseguir um aumento no pagamento era justamente pedir permissão para ter filhos, ou alegar alguma doença grave.

Não há meio mais seguro de destruir um homem que forçá-lo a um mecanismo de incentivo onde seu objetivo passa a ser não fazer o seu melhor, onde sua luta é por fazer um trabalho ruim, dia após dia. Isto irá acabar com ele mais rápido que qualquer bebida o faria, ou o ócio. A acusação mais temida era a de ser mais habilidoso que o demonstrado, pois sua habilidade era como uma hipoteca que os outros tinham sobre você. Mas para quê alguém iria querer ser mais habilidoso, se seus ganhos estavam limitados pela “necessidade”, e suas habilidades significariam apenas mais trabalho pesado para que outros ficassem com os benefícios?

A explicação sobre os motivos que levaram tal plano a ser aprovado está na passagem em que o ex-operário diz que não havia um único homem votando que não pensasse que, sob tais regras, poderia avançar sobre os lucros de outros homens mais habilidosos que ele. Não havia quem, rico ou esperto o suficiente, não achasse que outro seria mais rico ou mais esperto, e que tal plano lhe daria uma parcela de sua maior fortuna ou cérebro.

O trabalhador que gostava da idéia de que sua “necessidade” lhe daria o direito a ter o carro que seu chefe tinha, esquecia que todos os vagabundos do mundo poderiam demandar aquilo que ele tinha conquistado pelo seu trabalho. Este era o verdadeiro motivo para a aprovação deste plano igualitário, mas ninguém gostava de refletir sobre o assunto, e, quanto menos gostavam da idéia, mais alto gritavam sobre o amor pelo bem geral.

A fábrica continuou perdendo os melhores homens, pois os habilidosos “egoístas” iam fugindo como podiam para lugares onde pudessem trabalhar pelos próprios interesses, sem o fardo de sustentar os parasitas. Em pouco tempo, não havia mais nada além dos homens “necessitados”, e já não havia um único homem de habilidade. E a fábrica teve que começar a apelar para as suas necessidades, tentando não perder todos os clientes, pois seus produtos não mais eram competitivos ou eficientes.

Mas qual o bem que faz aos passageiros de um avião um motor que falha em pleno vôo? Se um produto for comprado não pelo seu mérito, mas por causa da necessidade dos empregados da fábrica ineficiente, seria isto correto, bom, ou a coisa moral a ser feita pelo dono da empresa aérea? Se um cirurgião compra um equipamento não pela sua qualidade, mas pela necessidade dos funcionários do produtor, seria correto com seu paciente?

No entanto, é esta a lei moral pregada pelos vários líderes, intelectuais e filósofos no mundo. A cada um pela necessidade, de cada um pela capacidade. A fábrica da inveja, na brilhante novela de Ayn Rand, faliu, virou uma fábrica de miséria, assim como os países socialistas que tentaram adotar a mesma máxima de vida.Por: Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

OLIVER: "ANATOMIA DE UM IMBECIL"

Leonardo, o Bofe, não é Charlie. Je ne suis pas Charlie. Leonardo, o Bofe, é tão somente um cretino. Ele publica o texto de um padre teólogo que, se não me falha a memória, atende pela alcunha dele mesmo, o idiota. Ele condena os atentados, mas entre aspas. Ele xinga e esbraveja, apesar de ser da paz. Na idiotia fundamental do carcamano, os cartunistas não “mereciam” levar um tiro; eles mereciam “evoluir”.

E quanto aos atiradores? Estes não merecem “evoluir”, segundo sua ótica rasteira e vagabunda? Ou eles servem aos seus “propósitos” pacíficos armando guerra? Ele está constrangido. Mas com a VEJA e a Globo, que, segundo o deliquente senil — o upgrade do deliquente juvenil — atentam contra a verdade e a boa imprensa. Ele conheceu o “Pasquim de lá” de um forma bastante negativa, segundo o bravo. Porque republicou charges de um jornal dinamarquês “liberal-conservador”, em nome de uma tal de “liberdade de expressão”. Tudo entre aspas.

Foi esse o crime cometido pelas vítimas do terror — julgadas e condenadas à morte por um tribunal de exceção que o bode velho finge não ver. Mas tem mais… ACUMA? Mais o quê, cara pálida? O crime é esse? Ser “liberal-conservador”? Não serem seres evoluídos como os algozes que tangem em ferro, engordam e matam seu grupamento bovino? Nenhuma linha contra a violência e a barbárie do grupo, é evidente. Está preocupado, o bofe, é com as “charges de péssimo gosto” do Charlie. Com a “França dos excluídos”. Criminosas mesmo são as charges do jornal.

Dá pra entender a inversão de valores? Segundo o irado picareta o islã não pode ser banalizado como o catolicismo. Talvez por isso, pela rédea solta, que um carcamano se denomine “padre teólogo” e siga essa doutrinação rasteira e vigarista entre os cérebros baldios. Ninguém cassa a carteirinha de habilitação desse cretino? O vagabundo continua por aí a dirigir paróquias com essa desfaçatez? Segundo o padreco, a justiça deveria traçar uma linha enquadrando o Charlie… e a VEJA !!! Quanta meiguice. “Nem toda censura é ruim…”, sentencia o cavalgadura da teologia barata. Mas censura prévia não, que ela é burra.

Inteligente é ele, com sua visão contida nas viseiras do esquerdismo mais rampeiro. A comunidade é incômoda porque não se mistura. É incômoda porque não abandona sua identidade. Eu já vejo diferente, meu caro bofe. Ela é incômoda porque é encostada num barranco. Por que não larga as armas. Por que mata gente que, se não é inocente como você prega, NÃO ANDA ARMADA como a cambada que você defende. Eu entendo. Tem gente que não serve nem pra adubo.Vagabundo. Por: VLADY OLIVER
Do site: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/opiniao-2/oliver-anatomia-de-um-imbecil/#more-842435

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

PENSAR A CRISE EM PORTUGUÊS.

Os efeitos judiciais do processo do petrolão vão atingir em cheio o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto


Já escreveu o filósofo João Cruz Costa que o Brasil tem a sua própria história das ideias. Desde o processo independentista foram elaborados diversos projetos para o país. Alguns — menos ousados — optaram por discutir e apresentar propostas de questões mais imediatas. Mesmo sendo um país da periferia, temos um pensamento político e econômico. Mas, cabe reconhecer, que nem sempre fomos muito originais. No século XX, especialmente a partir dos anos 1930, o principal embate ideológico foi entre os marxistas e liberais. Na maioria das vezes, os dois campos produziram pastiches adaptando a fórceps a especificidade brasileira aos cânones ideológicos ocidentais. Consequentemente, a qualidade e a originalidade da produção e do debate político-econômico foram ruins, não passando da recitação de slogans vazios.

Durante decênios assistimos a um embate entre dois modelos que o Brasil deveria seguir: o socialista (tendo na União Soviética a principal matriz) ou o capitalista (a referência maior era os Estados Unidos). Foi produzida ampla literatura — geralmente de qualidade sofrível. Nenhum dos dois lados conseguiu identificar que o Brasil teve uma história muito distinta. O desenvolvimento de um capitalismo tardio na periferia deu ao nosso pais tarefas e problemas a serem enfrentados que não eram os mesmos dos modelos apregoados pelos repetidores do liberalismo ou do marxismo.

O Estado forjado pela Revolução de 1930 passou a ter decisiva presença na economia devido a uma necessidade histórica. Não havia capitais privados para o enfrentamento das tarefas indispensáveis ao desenvolvimento nacional. Sem isso, o Brasil continuaria um país de segunda classe. O problema foi que, de um lado, os marxistas idealizaram este processo fechando os olhos para, entre outros problemas, o empreguismo e a corrupção. Por outro lado, os liberais demonizaram o intervencionismo estatal como se não houvesse distinções radicais entre a formação histórica brasileira e a estadunidense. Apesar do oportunismo marxista, isto não alterou em nada a ação repressiva estatal contra eles próprios. Também em relação aos liberais, seus pregoeiros silenciaram (quando não apoiaram) as ditaduras (tanto a militar como a do Estado Novo, ambas sob forte influência do positivismo).

Este processo de esquizofrenia política foi se acentuando no fim do século passado. A queda do Muro de Berlim poderia ter conduzido a uma revisão do pensamento marxista (e seus assemelhados) e do liberalismo. Mas não. O primarismo analítico permaneceu. Os marxistas mantiveram o antigo inimigo (o imperialismo americano) e adaptaram sua visão de mundo tendo no velho caudilhismo latino-americano — agora recauchutado — o pilar principal de atuação política. No caso brasileiro — como o caudilhismo clássico nunca foi um elemento dominante — restou dar a Lula este papel, com nuances, claro, dada a distinção entre a formação social brasileira e a América Latina de colonização espanhola. Já os liberais adotaram como referência as ações desenvolvidas nos Estados Unidos e na Inglaterra nos governos Reagan e Thatcher, como se o capitalismo tupiniquim fosse similar ao daqueles países.

Em meio a este terreno coalhado de néscios, pensar o Brasil na complexa conjuntura que vivemos não é tarefa fácil. Um bom caminho é retomar a nossa história das ideias, ler nossos clássicos, aqueles que pensaram de forma original o Brasil. E desafios não faltam. O que fazer com a Petrobras? Novamente temos de romper o círculo de ferro das soluções primárias. A questão central é entender o que aconteceu com a ex-maior empresa brasileira. Não cabe dizer que tudo o que está ocorrendo não passa de uma conspiração externa e, portanto, deixar tudo como está. Ou afirmar como solução mágica a privatização da empresa fazendo coro com o marido traído que resolveu trocar o sofá da sala. São dois meios de pensar que reforçam a adoção de soluções simples e, geralmente, absolutamente equivocadas. Cabe entender histórica e politicamente como a Petrobras chegou a essa situação e quais os caminhos para retirá-la das mãos dos marginais do poder e seu projeto criminoso antirrepublicano e antinacional.

Da mesma forma, teremos de encontrar os meios para combater a administração Dilma. Tudo indica que viveremos uma presidência sob crise permanente. O governo nem bem começou e já ocorreu um atrito entre a presidente e seu ministro do Planejamento. E é só o primeiro. A bacharel — que durante anos se apresentou como “doutora” em Economia — chegou até a recusar um convite para um banca de doutorado dizendo “não ter tempo para essas bobagens” — vai querer dar seus pitacos, principalmente com o agravamento da situação econômica. E, também nesta questão, temos de fugir da velha polaridade.

A crise política é inevitável. Os efeitos judiciais do processo do petrolão vão atingir em cheio o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Teremos, efetivamente, o grande teste das nossas instituições — o impeachment, em 1992, não passou de um ensaiozinho: chutar cachorro morto, todo mundo chuta. As antigas formas de pensar vão, como de hábito, recitar suas ladainhas, eivadas de estrangeirismo, preconceito e autoritarismo. O desafio vai ser o de encontrar uma saída democrática, original e de acordo com a nossa formação histórica. Pode ser o tão esperado momento de ruptura que estamos aguardando desde 15 de novembro de 1889, quando a República foi anunciada, mas até hoje aguarda, ansiosamente, ser proclamada.
Por: Marco Antonio Villa é historiador Publicado em: O Globo e no site: http://www.marcovilla.com.br/

SEM TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Leonardo Boff descreve episódios históricos inexistentes e ousa travestir a biografia de são Francisco


O estilo é o homem? Sim, e o é para o bem e para o mal. Para o bem, quando a análise revela, por trás das construções sintáticas e figuras de linguagem, a percepção viva de aspectos obscuros e dificilmente dizíveis da experiência humana, que assim emergem da nebulosidade hipnótica onde jaziam e se tornam objetos dóceis da meditação e da ação, transfigurando-se de fatores de escravidão em instrumentos da liberdade. Para o mal, quando nada mais se encontra por baixo da trama verbal senão o intuito perverso de construir uma “segunda realidade” à força de meras palavras, transportando o leitor do mundo real para um teatro de fantoches onde tudo e todos se movem sob as ordens do distinto autor, elevado assim às alturas de um pequeno demiurgo, criador de “outro mundo possível”.

Para demonstrá-lo, pedirei ao leitor a caridade de seguir até o fim esta exposição do sr. Leonardo Boff, conselheiro de governantes e, segundo se diz, até de um Papa, bem como, e sobretudo, porta-voz eminente de uma “teologia da libertação” onde não se encontra nenhuma teologia nem muito menos libertação:

“A pobreza não se restringe ao seu aspecto principal e dramático, aquele material, mas se desdobra em pobreza política pela exclusão da participação social, em pobreza cultural pela marginalização dos processos de produção dos bens simbólicos...

“A pauperização gera por sua vez a massificação dos seres humanos. O povo deixa de existir como aquele conjunto articulado de comunidades que elaboram sua consciência, conservam e aprofundam sua identidade, trabalham por um projeto coletivo e passa a ser um conglomerado de indivíduos desgarrados e desenraizados, um exército de mão-de-obra barata e manipulável consoante o projeto da acumulação ilimitada e desumana.

“Essa situação provoca um modelo político altamente autoritário... Somente mediante formas de governo autoritárias e ditatoriais se pode manter um mínimo de coesão e se abafam os gritos ameaçadores que vêm da pobreza.”

O trecho é extraído do livro E a Igreja se Fez Povo (Círculo do Livro, 2011, p. 167). Tudo o que aí se descreve realmente aconteceu. São fatos, e fatos tão bem comprovados historicamente, que não teríamos como recusar ao sr. Boff um definitivo “Amém”, se não nos ocorresse a idéia horrível de perguntar: Aconteceu onde e quando?

O segundo parágrafo fala-nos de algo que aconteceu na Europa nas primeiras décadas do século XIX: massas de camponeses reduzidos à miséria pelo rateio dos seus parcos bens e obrigados a deixar suas terras para vir à cidade compor um “conglomerado de indivíduos desgarrados e desenraizados”, reservatório de mão-de-obra barata para a prosperidade dos novos capitalistas. Karl Marx descreve em páginas que se tornaram clássicas a formação do proletariado urbano com os destroços do antigo campesinato, no começo da Revolução Industrial.

Mas justamente onde isso aconteceu não aconteceu nem pode ter acontecido o que se descreve no parágrafo anterior: a “pobreza política pela exclusão da participação social” e a “pobreza cultural pela marginalização dos processos de produção dos bens simbólicos”. Bem ao contrário, a vinda dos camponeses para as concentrações urbanas coincidiu com o advento das eleições gerais, não apenas convidando mas forçando a participação das massas numa política que lhes era totalmente desconhecida no tempo em que viviam no campo, isoladas dos grandes centros. E coincidiu também com a criação da instrução escolar obrigatória, que extraía os filhos dos proletários das suas culturas locais provincianas para integrá-los na grande cultura urbana da razão, da ciência e da tecnologia, substancialmente a mesma cultura das classes altas, dos malditos capitalistas. Pode-se lamentar a dissolução das velhas culturas locais, mas ela não aconteceu pela exclusão e sim pela inclusão das massas na vida política e na cultura urbana.

A “exclusão da participação social” e a “marginalização dos processos de produção de bens simbólicos” aconteceram, sim, mas a centenas de milhares de quilômetros dali, em países da África, da Ásia e da América Latina que viriam a ser chamados de “Terceiro Mundo” justamente porque neles não houve Revolução Industrial nenhuma, nem portanto integração das massas, seja na política, seja na cultura urbana. O sr. Boff cria a unidade fictícia de um espantalho hediondo com recortes de processos históricos heterogêneos e incompatíveis, ocorridos em lugares enormemente distantes uns dos outros. A única realidade substantiva desse monstro de Frankenstein é o ódio que o sr. Boff desejaria instilar contra ele na alma do leitor.

Mas a fisionomia do monstro não estaria completa sem uma terceira peça, que o sr. Boff vai buscar em outro lugar ainda:

“Esta situação, diz ele, provoca um modelo político altamente autoritário... Somente mediante formas de governo autoritárias e ditatoriais se pode manter um mínimo de coesão e se abafam os gritos ameaçadores que vêm da pobreza.”

Descontemos a imprecisão vocabular -- “provocam” em vez de “produzem” – e a sintaxe subginasiana: “esta” em vez de “essa” e “se pode manter um mínimo de coesão e se abafam os gritos” em vez de “se pode produzir um mínimo de coesão e abafar os gritos”. Vamos direto aos ponto essencial: é verdade que para controlar as massas esfomeadas surgiram governos autoritários, mas não na Europa da Revolução Industrial nem nos EUA da mesma época, onde justamente iam triunfando as instituições democráticas junto com o capitalismo nascente, e sim, bem ao contrário, em países subdesenvolvidos (ou empobrecidos pela guerra), que, invejando a prosperidade das nações industrializadas, mas não dispondo de uma classe capitalista pujante e criativa, resolveram industrializar-se às pressas e à força por via burocrática, desde cima, por meio do investimento estatal maciço e da economia planificada. Foi essa a fórmula econômica da Alemanha nazista, da Itália fascista e, obviamente, a de todas as nações socialistas queridinhas do sr. Boff. Foi também, pelas mesmíssimas razões, e embora em menor grau, a da ditadura Vargas e a do governo militar brasileiro.

Em suma, se fosse possível juntar o que há de mau nos países mais distantes, nos tempos mais diversos e nos regimes mais heterogêneos, teríamos aí o monstro ideal contra o qual o sr. Boff deseja voltar a ira da platéia. O sr. Boff aposta na possibilidade de que o leitor não repare na superposição postiça de recortes e, impressionado pela soma de maldades, acredite piamente estar vivendo entre as garras do monstro, tirando daí a conclusão lógica de que deve deixar-se libertar pelo sr. Boff.

Nisso, e em nada mais, consiste a “teologia da libertação”. A técnica da superposição é, a rigor, o único procedimento estilístico e dialético do sr. Boff e o resumo quintessencial do seu, digamos, pensamento. Podemos encontrá-la, praticamente, em cada página da sua autoria, onde em vão procuraremos outra coisa.

Já poucas linhas adiante temos outro exemplo, no trecho em que ele usa a figura de são Francisco de Assis como protótipo do revolucionário que ele mesmo pretende ser. O leitor, paciente e bondoso, por favor, siga mais este paragrafinho:

“Tal atitude [a de S. Francisco ao rejeitar os bens do mundo] corresponde à do revolucionário e não a do reformador e do agente do sistema vigente. O reformador reproduz o sistema, introduzindo apenas correções aos abusos por meio de reformas.... O que [Francisco] faz representa uma crítica radical às forças dominantes do tempo... Não optou simplesmente pelos pobres, mas pelos mais pobres entre os pobres, os leprosos, aos quais chamava carinhosamente ‘meus irmãos em Cristo’.”

Francisco aparece aí, pois, como o revolucionário que em vez de servir ao sistema vigente busca destruí-lo e substituí-lo por algo de totalmente diverso. Nem discuto a inverdade histórica, que é demasiado patente. São Francisco jamais se voltou contra o sistema hierárquico da Igreja, mas, ao contrário, fez da sua ordem mendicante o instrumento mais dócil e eficiente da autoridade papal. Para usar os termos do próprio Boff, corresponde rigorosamente à definição do “reformador” e não à do “revolucionário”. Mas o ponto não é esse. A coisa mais linda é que, segundo o sr. Boff, quando Francisco se aproxima não somente dos pobres, mas “dos mais pobres entre os pobres”, isto é, dos leprosos, há nisso um claro protesto contra a hierarquia social. Mas desde quando a lepra escolhe suas vítimas por classe social? Não eram leprosos o rei de Jerusalém, Balduíno IV, e o rei da Alemanha, Henrique VII, filho do grande imperador Frederico II e de Constança de Aragão? Francisco recusaria o beijo ao leproso de família rica? Superpondo artificialmente a idéia da deformidade mórbida à da inferioridade econômica, que lhe é totalmente alheia, o sr. Boff faz do menos anti-social dos gestos de caridade cristã um símbolo do ódio revolucionário, e o leitor, estonteado pela imagem composta, nem percebe que foi feito de trouxa mais uma vez, engolindo como pura teologia católica a velha distinção marxista entre reforma e revolução. Desfeito pela análise o jogo de impressões, a “teologia da libertação” do sr. Boff revela-se nada mais que uma técnica de escravização mental.

Sim, o estilo é o homem. Uns escrevem para mostrar, outros para esconder e esconder-se, lançando, desde as sombras, a miragem de uma falsa luz. Por: Olavo de Carvalho Do site: http://www.dcomercio.com.br/categoria/opiniao/sem_teologia_nem_libertacao

domingo, 11 de janeiro de 2015

A GRANJA DA IGUALDADE


“No meu dicionário, ‘socialista’ é o cara que alardeia intenções e dispensa resultados, adora ser generoso com o dinheiro alheio, e prega igualdade social, mas se considera mais igual que os outros…” (Roberto Campos)

Os ideais igualitários conquistaram sempre muitos adeptos, e infelizmente ainda o fazem. Inexoravelmente, entretanto, são corroídos pela própria natureza humana e desembocam em tiranias. É do que trata o pequeno livro satírico de George Orwell, A Revolução dos Bichos, escrito na época da Segunda Guerra Mundial. O livro ataca o modelo soviético sob a ditadura de Stalin, fazendo um retrato muito fiel através de bichos do que ocorre de fato na tentativa de implantar o comunismo. Aqueles que renunciam à liberdade em troca de promessas de segurança acabam sem nenhuma delas. A utopia conquista através das emoções, mas na hora dos resultados, a irracionalidade cobra um elevado preço, com juros estratosféricos. Como disse Jean-François Revel: “A utopia não tem obrigação de apresentar resultados; sua única função é permitir aos seus adeptos a condenação do que existe em nome daquilo que não existe”.

A fábula se passa na Granja do Solar, onde os animais eram explorados por seu dono. O velho porco Major fez um discurso sobre um sonho que conquistou todos os animais. O homem seria o grande inimigo, o único inimigo, e retirando-o de cena, a causa principal da fome e da sobrecarga de trabalho desapareceria para sempre. “Basta que nos livremos do Homem para que o produto de nosso trabalho seja só nosso”, disse o velho porco. Num piscar de olhos, todos seriam livres e ricos. A promessa do paraíso sem esforço. Nenhum animal iria jamais tiranizar outros animais. Todos seriam como irmãos. Todos são iguais. O mundo dos insetos gregários, sonhado por todos aqueles que odeiam o sucesso alheio, e, portanto, as diferenças entre os homens.

Logo uma canção foi criada para transmitir a mensagem igualitária do sonho dos animais da granja. Todos repetiam aqueles versos com profundo entusiasmo, até fanático. O futuro seria magnífico. A riqueza, incomensurável. Para tanto, bastava lutar, mesmo que custasse a própria vida. Sansão, o forte cavalo, era o discípulo mais fiel. Não sabia pensar por conta própria, aceitando os porcos como instrutores, por sua reconhecida sabedoria. Passava adiante o que era ensinado, através da repetição automática, como vemos de fato nos chavões e slogans repetidos ad nauseam pelos comunistas, como por vitrolas arranhadas. A figura de Sansão é o retrato perfeito do idiota útil, que bem intencionado, acaba servindo como massa de manobra dos oportunistas de plantão.

Os animais se revoltaram, e finalmente tomaram o poder da granja. Nada seria tocado na casa, que passaria a ser um museu da revolução. Nenhum animal deveria jamais morar lá. Foram criados sete mandamentos, entre eles: qualquer coisa que andar sobre duas pernas é inimigo; nenhum animal dormirá em cama; nenhum animal matará outro animal; e o mais importante, que todos os animais são iguais. Com o tempo, todos estes mandamentos foram sendo devidamente ignorados pelos novos donos do poder, que os alteravam sem cerimônia alguma.

O leite das vacas, por exemplo, desaparecera. Com o tempo, o mistério foi esclarecido: era misturado à comida dos porcos. Mas o discurso era convincente: “Camaradas, não imaginais, suponho, que nós, os porcos, fazemos isso por espírito de egoísmo e privilégio”. Não, claro. Eles eram os intelectuais, e a organização da granja dependia deles. O bem-estar geral era o único objetivo dos porcos. “É por vossa causa que bebemos aquele leite e comemos aquelas maçãs”. E como não poderia faltar no hipócrita discurso altruísta, usado para dominar os inocentes, há que existir um bode expiatório, um inimigo externo, ainda que fictício, que justifique os abusos domésticos. Logo, se os porcos falhassem nessa nobre missão, o antigo senhor voltaria ao poder, o terrível homem. E isso ninguém queria. Portanto, tudo que os sábios porcos diziam e faziam deveria ser verdade. Era pelo bem da granja!

Durante uma batalha com invasores humanos, os porcos deixavam claro que não era para ter nada de “sentimentalismo”. Guerra é guerra, e “humano bom é humano morto”. George Orwell ataca com veemência a figura de Stalin, mas curiosamente poupa Lênin, que não é identificado facilmente na obra. No entanto, algumas declarações do líder da revolução bolchevique demonstram que esta mentalidade violenta estava presente nele. Lênin disse: “Enquanto não aplicarmos o terror sobre os especuladores – uma bala na cabeça, imediatamente – não chegaremos a lugar algum!”. Seu objetivo era uma guerra civil, e ele deixava claro que este era o caminho que deveriam buscar. Suas palavras eram diretas: “É chagada a hora de levarmos adiante uma batalha cruel e sem perdão contra esses pequenos proprietários, esses camponeses abastados”. Na verdade, não eram tão abastados assim, os pobres kulaks. Mas eram os alvos perfeitos para justificar a guerra civil que os bolcheviques desejavam, para depois tomar o poder completo. Dito e feito.

O Stalin do livro é Napoleão, um porco esperto que criara em segredo uns cachorros amedrontadores. Chegada a hora de assumir o poder absoluto, Bola-de-Neve vira vítima dos cães adestrados de Napoleão, para o terror de todos os animais que olhavam a cena. Bola-de-Neve seria o Trotski no livro, iludido pela revolução, mas depois enganado. A história é totalmente reescrita por Napoleão, que transforma Bola-de-Neve num espião, que desde o começo da revolução trabalhava para o inimigo. As regras mudam, as votações acabam, e as decisões passam a ser tomadas por uma comissão de porcos, presidida por Napoleão. Isso tudo é passado aos animais como um grande sacrifício de Napoleão, tendo que carregar o fardo da responsabilidade, em prol do bem-geral. Era isso ou o retorno do homem malvado. Esse “argumento” era infalível.

Dá-se início a um verdadeiro culto de personalidade, como costuma ocorrer em todos os países socialistas. Napoleão passa a dormir na cama, ignorando um dos mandamentos da revolução, que passa a contar com um adendo que diz que nenhum animal deve dormir em cama com lençóis. O mandamento de que nenhum animal mataria outro foi substituído, após uma chacina de alguns dissidentes do regime, para outro onde nenhum animal deveria matar outro sem motivo. Ora, não foi difícil, com tanto poder, achar motivos para justificar o massacre de Napoleão. A miséria se abateu sobre a granja, mas os porcos comiam cada vez melhor. O cavalo Sansão trabalhava cada vez mais, convencido de que Napoleão estava sempre certo. Acabou doente de tanto cansaço, e foi levado para um abatedouro, sem piedade alguma por parte do “grande líder”.

Os sete mandamentos davam lugar a apenas um agora: “Todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que outros”. Os porcos ligados a Napoleão passaram a negociar com os homens de outras granjas vizinhas, algo totalmente condenado na revolução. Passaram a beber álcool, também condenado, e aprenderam a andar em duas patas. No fim, era completamente indistinguível quem era porco e quem era homem. Eis o destino inevitável dos igualitários revolucionários. Instalam um regime tão opressor ou mais que o anterior, tudo em nome da granja da igualdade.
Por: Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

sábado, 10 de janeiro de 2015

CINISMO E EMPULHAÇÃO

Nada acontece de repente. Tudo é processo. Por isto recordo um fato mal avaliado por analistas políticos e até mesmo desprezado e criticado: as manifestações ocorridas em junho de 2013 em todo Brasil.

Foi algo impressionante e o estopim foi um movimento de poucos jovens inebriados por um esquerdismo mais folclórico do que fundamentado teoricamente. Eles pediam passe livre apesar de andarem de carro. O que daí decorreu nada teve a ver com ônibus de graça, não era liderado por partidos políticos e não possuía característica ideológica. As multidões foram às ruas para manifestar insatisfação com o governo em múltiplos aspectos.

Em seguida, em meio às manifestações pacíficas apareceram os Black Block, horda composta por bandidos, arruaceiros e a garotada que destrói tudo em nome da esquerda, que ataca símbolos do capitalismo como agências de bancos. Aposto que a moçada, como o ditador da Coreia do Norte, adoram ir à Disneylândia ou fazer compras e estudar nos Estados Unidos. Em todo caso, diante da violência plantada estrategicamente as manifestações recuaram. Seria, porém, ingenuidade supor que a insatisfação popular diminuiu.

Outro fato significativo foi a estrondosa vaia e o xingamento que a presidente Rousseff recebeu na abertura da Copa. Um vexame pior do que a vaia sofrida por Lula nos jogos Pan-americanos. Esporadicamente ela continuou sendo vaiada em lugares aonde ia levar suas “bondades” de campanha.

E veio a campanha. A situação econômica péssima com o Brasil quebrado pela senhora presidente, enquanto eclodia o escândalo da Petrobras, mãe de todos os escândalos já havidos no Brasil depois do mensalão. Mesmo assim, João Santana, o Goebells do PT, avisou que Rousseff ganharia de lavada no primeiro turno, pois os anões tenderiam ao canibalismo.

Tal não aconteceu e veio o segundo turno entre Dilma Rousseff e Aécio Neves, depois da destruição moral da candidata Marina Silva. Os canhões petistas, então, se voltaram contra Aécio e foi um festival de acusações, de infâmias, de mentiras. Segundo o PT, Aécio acabaria com a bolsa esmola, os direitos trabalhistas, poria no ministério da Fazenda um monstro chamado Armínio Fraga, jogaria o povo na miséria. Nunca antes nesse país houve uma campanha tão sórdida, tão suja, tão abjeta. Desesperado o PT fez o diabo para não perder o bonde do poder.

Rousseff ganhou por pouco. Por pouco Aécio perdeu em Minas. Lula perdeu feio em São Paulo, seu berço político, assim com Rousseff em Porto Alegre e em Brasília. O PT diminui a bancada na Câmara, perdeu governos em Estados importantes.

Há, porém, um fato importante ainda não comentado. De modo inédito em campanhas as pessoas tomaram posição de forma clara e se instalou com firmeza o petismo e o antipetismo. Há uma probabilidade do sentimento antipetista se acentuar diante da inflação crescente, da queda da renda, do desemprego que começa a mostrar suas garras, das contradições do governo Rousseff que já cortou benefícios previdenciários e trabalhistas fazendo o que acusava levianamente seus adversários de fazer caso ganhassem.

Finalmente, depois de muitos adiamentos o ministério foi composto. Não passa de um balcão de negociação de votos no Congresso. Longe do mérito e da competência muitos dos nomeados têm folha corrida e não curriculum. O grosso dos agraciados ignora o que fazer no cargo e terá apenas por missão executar o que sua mestra mandar. No meio da chusma aliada uma exceção com base no mérito: Joaquim Levy, originário do governo Fernando Henrique Cardoso, que será o Armínio Fraga da Dilma. Levy tentará tirar a economia do buraco e, assim, preparar a volta de Lula em 2018 numa situação econômica menos caótica. Este, como sempre empoleirado no palanque já se compõe com uma “frente de esquerda” que lhe dará total apoio. No seu próximo governo, provavelmente, o baderneiro Guilherme Boulos, líder do MTST, será um ministro importante ou comandará os conselhos populares.

E veio a posse. Havia militares e militantes. Estes buscados em vários Estados e trazidos em muitos ônibus. Um sanduíche, um refrigerante e as bandeiras vermelhas se agitaram à passagem da reeleita. O povo praticamente esteve ausente da patuscada.

Menção especial deve ser feita ao discurso de posse que impressionou pelo cinismo e pela empulhação. Uma ficção de mau gosto sobre o paraíso Brasil, obra do PT onde a pobreza acabou e o pleno emprego deixa a todos imersos em felicidade. Uma dádiva que devemos agradecer de joelhos ao criador e a criatura. Falou-se em misteriosos inimigos externos, em combate à corrupção, etc., até que o delírio oratório culminou no slogan: “Brasil, pátria educadora”. Educadora com Cid Gomes? Parece piada de salão, como diria o mensaleiro Delúbio Soares. Infelizmente, nunca fomos tão parecidos com uma republiqueta das bananas.
Por: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.