sábado, 14 de fevereiro de 2015

O QUE PRETENDE MOSCOU?

“Quando discutia com os seguidores de Dugin na internet em 1998, eles mandavam uma enxurrada de e-mails dizendo ‘Morte nuclear à América’. Naqueles dias tratava-se de uma turma minúscula e insignificante. Hoje eles são os mais influentes ideólogos da Rússia.”


Rússia e Irã assinaram um acordo de cooperação militar. Por que eles fizeram isso agora?

No artigo intitulado “General russo alerta para Terceira Guerra Mundial e fala dos planos nucleares para o mundo” lemos que os russos estão envolvidos em projetos conjuntos de defesa com China, Índia e outros países. O Coronel-General Leonid Ivashov é citado no Pravda dizendo que os EUA não fizeram “upgrade de um único míssil balístico e tampouco construíram novos”. Ele gabou-se da vantagem nuclear russa: “A situação mudou drasticamente e nós estamos à beira de uma guerra — e não uma fria, mas quente. Por conseguinte, a Rússia hodierna está, antes de todos, empreendendo esforços para reconstruir a capacidade defensiva das forças armadas e mudar a doutrina militar”.

Abordando assunto similar, na semana retrasada um analista ucraniano comentou em privado as alegações de Pavel Gubarev (no leste ucraniano) de que o homem de Putin na Chechênia, Ramzon Kadyrov, estava por trás dos ataques terroristas na França: “Se Gubarev diz que Kadyrov está envolvido com terrorismo na França, provavelmente é verdade”. Ele então acrescentou posteriormente: “A Rússia está em velocidade máxima com seu modelo de ameaça bélica”.

Eu disse ao meu colega ucraniano: “Mas Gubarev é homem de confiança de Moscou. Ele é um dos líderes separatistas. Por que ele deduraria Kadyrov — outro de confiança de Moscou?”

O ucraniano respondeu: “Porque essa é a nova estratégia russa. Eles não estão se escondendo mais e eles não ligam mais se as pessoas sabem. Não sou eu quem diz isso. Li a mesma coisa no blog de Illarionov. A fraqueza é associada ao fingimento. Se eles vão enfrentar o Ocidente eles precisam parar de fingir. E é assim que eles mostram suas garras. Eles abrem a grande boca para que vejamos suas presas. Eu sei disso, posso sentir. Recentemente, quando o correspondente da BBC perguntou sobre a prova que a OTAN tem que os russos derrubaram o avião da Malaysian Airlines, um oficial russo disse ‘Tudo isso é mentira, uma fabricação da OTAN.’ E assim eles estão se colocando do lado da Coréia do Norte. ‘Estamos cercados’ dizem. ‘Somos o único povo bom do planeta. O mundo todo está contra nós, exceto a Bielorrússia e o Cazaquistão’. É o que eles dizem”.

Perguntei o que motivava os líderes russos.

Meu colega ucraniano respondeu: “Quando discutia com os seguidores de Dugin na internet em 1998, eles mandavam uma enxurrada de e-mails dizendo ‘Morte nuclear à América’. Naqueles dias tratava-se de uma turma minúscula e insignificante. Hoje eles são os mais influentes ideólogos da Rússia.”

Meu amigo ucraniano diz que há um rumor em Moscou. Trata-se de uma guerra nuclear em junho. Não há como confirmar esses rumores. Já ouvimos esses rumores antes — como o rumor de uma jovem russa se escondendo na América Latina. O pai dela era um diplomata russo que mandou-a secretamente para longe antes de embarcar em uma perigosa viagem para alertar o Ocidente. Supõe-se que ele foi morto antes que esse alerta fosse dado. Ele havia sido parte de um time secreto que negociava com oficiais [chineses?] do Extremo Oriente, ou algo do tipo. Ele havia dito à sua filha que sob condição nenhuma viajasse para os Estados Unidos, pois os americanos estavam marcados para morrer. De outra fonte russa eu ouvi sobre os futuros planos de guerra da Rússia. Um ex-militar russo disse que após a derrota dos Estados Unidos, a Rússia pegaria para si o Alaska e partes do Canadá, enquanto a China ocuparia os demais 48 estados.

Você acha uma fantasia absurda?

Seria, se não fosse o fato de que há um discurso secreto proferido em 2005 pelo Ministro da Defesa chinês, Chi Haotian, dizendo que seu plano era aniquilar os americanos. Chi diz que “Na história chinesa das substituições das monarquias, o impiedoso sempre ganhou e o benevolente sempre fracassou”. Mais adiante ele afirmou: “De fato é brutal matar cem ou duzentos mulhões de americanos. Mas esse é o único caminho que assegurará o século chinês; um século em que o PCC [Partido Comunista Chinês] dominará o mundo. Nós, como revolucionários humanitários, não queremos mortes. Mas se a história nos confrontar com a escolha entre a morte de chineses ou a morte de americanos, escolheremos a segunda opção, pois para nós é mais importante salvaguardar as vidas chinesas e a vida do nosso Partido”.

Que idealista! Que humanitário! O benevolente, claro, “sempre fracassa”. Tal é a brutalidade do idealismo chinês. É uma pena que nossos ideais e utopias continuam em sua maioria irrealizados, enquanto os horrores da inumanidade do homem preenchem as páginas da história desde os escritos de Heródoto até o New York Times de ontem. E aqui temos a explicação completa, direto da fonte primária.

Por que deveríamos acreditar seriamente que alguém pretende assassinar em massa o povo americano? Essa é a questão que apresentamos diante das palavras de Chi. Por que os líderes russos ou chineses levariam em consideração a matança de 100 ou 200 milhões de americanos? Respondo essa questão com outra questão. Você não leu a história que Heródoto descreveu a fundação do Império Persa, rodeada de traições e sangue derramado? Você não leu a história de Tucídides que conta o Diálogo Meliano onde os atenienses falam de cenários de poder bruto como forma de exterminar a população masculina de Melos? Essas coisas por acaso não aconteceram? Será possível que jamais acontecerão de novo?

Você poderia rir com desdém, mas é a lei do mais forte.

Acreditar que isso jamais se repetirá é acreditar no equivalente histórico ao coelhinho da Páscoa. Para acreditar nisso a pessoa precisa assistir muita televisão americana, onde os “mocinhos” sempre ganham. Talvez eles ganhem num sentido mais extenso (i.e. metafisicamente), mas não em termos históricos. Ser bom certamente era de grande conforto para Sir Thomas Moore quando ele subiu o cadafalso. Ser bom era talvez um grande conforto para um pequeno punhado das incontáveis vítimas de Stálin. Mas ser bom não é completamente suficiente para a salvação deste mundo — a menos que por “bom” queiramos dizer a “virtude” descrita por Maquiavel (i.e. ser impiedoso e mau porque os outros são impiedosos e maus).

É infantil acreditar que nossas boas intenções nos salvarão das bombas atômicas russas e chinesas. É infantil acreditar que nossas boas intenções nos protegerão da próxima onda de terrorismo islâmico. Ficamos tão fracos e tão ingênuos a ponto de acreditar que os mansos herdaram a Terra e que a implacável ânsia de poder é coisa do passado? A ânsia de poder foi, no final das contas, o romance dos assassinos em massa da história. Foi o romance dos reis persas e de Alexandre O Grande. Foi o romance de Gaius Julius César e da maior parte daqueles que o sucederam. Sim, história é um assunto consternador cheio de ações maldosas em nome do poder. Você não leu sobre o corte da cabeça e das mãos do estadista romano Marcus Cícero, cujos membros foram parar na Rostra no Forum Romanum? E o executor de Cícero por acaso não era o tribuno militar Popílio, que outrora havia sido defendido eloquentemente por Cícero na corte? E o próprio traidor de Cícero não foi levado à ex-esposa de Cícero que forçou o traidor a cortar e comer partes assadas do seu próprio corpo?

Não se iluda achando que a história é o enredo feito para o bem triunfar sobre o mal. Essa era a propaganda da última guerra e será a propaganda da próxima, independente de qual lado ganhe. Já hoje, um lado está começando a contar sua história antes dos demais (para o seu próprio povo). Veja a televisão russa que justifica a “morte nuclear à América”. Veja também o que estão fazendo os líderes russos. Rússia e Irã assinaram um acordo de cooperação militar. Por que eles fizeram isso agora?

Considere o líder da América, o Presidente Barack Obama. Recentemente ele ignorou o Primeiro Ministro de Israel para poder encontrar uma mulher que tornou-se famosa banhando-se de Fruit Loops e leite (não, não estou inventando). Obama estava muito ocupado para Netanyahu, mas não tão ocupado assim para a mulher do Fruit Loops. Isso é o tipo de coisa importante que serve para ver que tipo de liderança temos. É importante calcular nossas chances — não em termos de mísseis, mas de estupidez. Coréia do Norte, China e Irã estão se preparando para a guerra. Apenas nós não conseguimos ver tão claramente a preparação deles da mesma forma que vemos a preparação russa. Sim, a Rússia lidera o bando e o bando está determinado a segui-la. Evidentemente o ditador chinês ainda finge que não apoia Coreia do Norte e Rússia. Devemos acreditar nele? Costumávamos acreditar nas mentiras russas. Hoje mal conseguimos acreditar nos nossos ouvidos quando ouvimos que os russos gabam-se da sua força e da nossa fraqueza. Estariam eles se gabando se estivessem incertos dos seus aliados?

O homem prudente procuraria meios de se defender. O bravo homem falaria verdadeiramente sobre o perigo que se aproxima. O homem justo não mataria o mensageiro que disse que a festa acabou e que o inimigo está nos portões (e já entrou). E last but not least, o homem moderado não teria problemas em aceitar que a festa já acabou.

Contudo não vejo homens virtuosos no comando da América. Não vejo homens prudentes ou bravos ou justos ou moderados. Vejo homens “bem-sucedidos” e ricos no pleno auto-engano. Esses homens não são “bons” ou inocentes em qualquer sentido. Eles não possuem discernimento porque eles são vazios. É isso que fez com que eles tapassem o sol com a peneira. Eles não estão ancorados na virtude. Eles estão à espreita e sem porto seguro.

O Gen. Chi Haotian disse que na história chinesa “o impiedoso sempre ganhou e o benevolente sempre fracassou”. Seu sistema de crenças é o oposto ao de Deus; isto é, a pervertida fé da “ânsia de poder”. Essa é a fé dos Grandes e Poderosos. Esse tipo de gente prevalece em Beijing e Moscou, Pyongyang e Teerã. Talvez até mesmo em Washington e Bruxelas.

Edmund Burke disse: “A única coisa necessária para o triunfo do mal é que o homem de bem não faça nada”. Mesmo se houver homens de bem, a intervenção deles não é garantia de vitória da boa causa. Ela garantiria, entretanto, um tipo de imortalidade. E isso é algo a se contemplar.
Por: Jeffrey Nyquist   http://jrnyquist.com  Tradução: Leonildo Trombela Junior






sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

'MADE IN BRASIL"

No final de 2013, muito se falava sobre a possibilidade da chamada "tempestade perfeita", entendida à época como a combinação profana do rebaixamento da nota da dívida brasileira com o aumento das taxas de juros nos EUA.


Segundo o ex-ministro Delfim Netto, em tal cenário teríamos "uma rápida elevação da taxa de juros no mundo, uma mudança dos fluxos de capitais, um ajuste instantâneo e profundo da nossa taxa de câmbio, uma redução do crédito bancário, uma queda dramática da renda real dos trabalhadores e a volta (...) de taxas de juros reais aos absurdos níveis com que vivemos durante tantos anos, acompanhados por um aumento do desemprego".

Embora a nota da dívida tenha sido rebaixada, não chegamos a perder (ainda!) o "grau de investimento", nosso atestado de bons pagadores. Por outro lado, em que pesem os sinais de recuperação cada vez mais evidentes da economia americana, como mostrado no mais recente relatório do mercado de trabalho, as taxas de juros (no caso para aplicação nos títulos de dez anos do Tesouro) se encontram cerca de um ponto percentual mais baixas do que eram à época, na casa de 1,80% ao ano. A verdade é que essa temida "tempestade perfeita" (ainda) não ocorreu.

No entanto, à falta da ajuda meteorológica estrangeira o governo, com sua competência habitual, tratou de criar a versão brasileira desse desastre climatológico-econômico.

O consenso entre os economistas que contribuem para a pesquisa Focus, do BC, aponta para crescimento nulo em 2015, com a inflação superando 7%, e isso num cenário que não contempla racionamento de energia e água (ainda; perdão pela repetição do advérbio).

Assim, o mercado de trabalho, que não foi bem do ponto de vista de geração de empregos em 2014, deve provavelmente ter desempenho ainda pior em 2015. Nesse contexto, é difícil imaginar que a taxa de desemprego vá permanecer tão baixa quanto nos últimos anos.

É tentador atribuir esse quadro desolador às políticas adotadas no período mais recente e não tenho a menor dúvida de que economistas já conhecidos por seu baixo apego à honestidade intelectual não hesitarão em fazer exatamente isso. Aliás, não parece ser outra a motivação do manifesto "heterodoxo" publicado na semana passada.

A verdade, contudo, é que a "tempestade perfeita" vem sendo gestada domesticamente há anos, mas ganhou velocidade do fim de 2014 para cá.

Do lado da política macroeconômica, a irresponsabilidade foi a norma. A incapacidade de reconhecer que a desaceleração da economia brasileira resultava essencialmente de limitações do lado da oferta levou a políticas de aumento sem precedentes do gasto governamental, assim como ao desmonte da estrutura institucional que impunha alguma disciplina ao setor público. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi devidamente imolada no altar da "nova matriz macroeconômica".

Da mesma forma, o descaso com a inflação ficou evidente na condução desastrada da política monetária de 2011 para cá, também implicando considerável retrocesso institucional.

Tão ou mais importante, porém, foi a deterioração da política microeconômica. Retomando velhos vícios no que se refere à intervenção no domínio econômico, o governo desarticulou setores importantes, reduzindo ainda mais o ritmo de expansão da produtividade, agravando o problema do baixo crescimento.

O resultado dessas políticas não poderia ser diferente do observado: estagnação, inflação acima da meta, deficit externos elevados e dívida pública crescente, agravados agora pela gestão desastrosa tanto da Petrobras quanto do setor energético, supostamente áreas de especialidade da presidente.

A "tempestade perfeita" é apenas o ponto culminante dos erros do governo, cuja responsabilidade cabe igualmente aos economistas que não só aplaudiram a política econômica da presidente mas também pediram bis e agora tentam desajeitadamente fingir que nada têm a ver com o problema. 
Por: Alexandre Schwartsman  Publicado na Folha de SP



quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O NOVO IMBECIL COLETIVO

Quando entre os anos 80 e 90 comecei a redigir as notas que viriam a compor O Imbecil Coletivo, os personagens a que ali eu me referia eram indivíduos inteligentes, razoavelmente cultos, apenas corrompidos pela auto-intoxicação ideológica e por um corporativismo de partido que, alçando-os a posições muito superiores aos seus méritos, deformavam completamente sua visão do universo e de si mesmos. Foi por isso que os defini como “um grupo de pessoas de inteligência normal ou mesmo superior que se reúnem com a finalidade de imbecilizar-se umas às outras”.

Essa definição já não se aplica aos novos tagarelas e opinadores, que atuam sobretudo através da internete que hoje estão entre os vinte e os quarenta anos de idade. Tal como seus antecessores, são pessoas de inteligência normal ou superior separadas do pleno uso de seus dons pela intervenção de forças sociais e culturais. A diferença é que essas forças os atacaram numa idade mais tenra e já não são bem as mesmas que lesaram os seus antecessores.

Até os anos 70, os brasileiros recebiam no primário e no ginásio uma educação normal, deficiente o quanto fosse. Só vinham a corromper-se quando chegavam à universidade e, em vez de uma abertura efetiva para o mundo da alta cultura, recebiam doses maciças de doutrinação comunista, oferecida sob o pretexto, àquela altura bastante verossímil, da luta pela restauração das liberdades democráticas. A pressão do ambiente, a imposição do vocabulário e o controle altamente seletivo dos temas e da bibliografia faziam com que a aquisição do status de brasileiro culto se identificasse, na mente de cada estudante, com a absorção do estilo esquerdista de pensar, de sentir e de ser – na verdade, nada mais que um conjunto de cacoetes mentais.

O trabalho dos professores-doutrinadores era complementado pela grande mídia, que, então já amplamente dominada por ativistas e simpatizantes de esquerda, envolvia os intelectuais e artistas de sua preferência ideológica numa aura de prestígio sublime, ao mesmo tempo que jogava na lata de lixo do esquecimento os escritores e pensadores considerados inconvenientes, exceto quando podia explorá-los como exceções que por sua própria raridade e exotismo confirmavam a regra.

Criada e mantida pelas universidades, pelo movimento editorial e pela mídia impressa, a atmosfera de imbecilização ideológica era, por assim dizer, um produto de luxo, só acessível às classes média e alta, deixando intacta a massa popular.

A partir dos anos 80, a elite esquerdista tomou posse da educação pública, aí introduzindo o sistema de alfabetização “socioconstrutivista”, concebido por pedagogos esquerdistas como Emilia Ferrero, Lev Vigotsky e Paulo Freire para implantar na mente infantil as estruturas cognitivas aptas a preparar o desenvolvimento mais ou menos espontâneo de uma cosmovisão socialista, praticamente sem necessidade de “doutrinação” explícita.

Do ponto de vista do aprendizado, do rendimento escolar dos alunos, e sobretudo da alfabetização, os resultados foram catastróficos.

Não há espaço aqui para explicar a coisa toda, mas, em resumidas contas, é o seguinte. Todo idioma compõe-se de uma parte mais ou menos fechada, estável e mecânica – o alfabeto, a ortografia, a lista de fonemas e suas combinações, as regras básicas da morfologia e da sintaxe -- e de uma parte aberta, movente e fluida: o universo inteiro dos significados, dos valores, das nuances e das intenções de discurso. A primeira aprende-se eminentemente por memorização e exercícios repetitivos. A segunda, pelo auto-enriquecimento intelectual permanente, pelo acesso aos bens de alta cultura, pelo uso da inteligência comparativa, crítica e analítica e, last not least, pelo exercício das habilidades pessoais de comunicação e expressão. Sem o domínio adequado da primeira parte, é impossível orientar-se na segunda. Seria como saltar e dançar antes de ter aprendido a andar. É exatamente essa inversão que o socioconstrutivismo impõe aos alunos, pretendendo que participem ativamente – e até criativamente – do “universo da cultura” antes de ter os instrumentos de base necessários à articulação verbal de seus pensamentos, percepções e estados interiores.

O socioconstrutivismo mistura a alfabetização com a aquisição de conteúdos, com a socialização e até com o exercício da reflexão crítica, tornando o processo enormemente complicado e, no caminho, negligenciando a aquisição das habilidades fonético-silábicas elementares sem as quais ninguém pode chegar a um domínio suficiente da linguagem. 

O produto dessa monstruosidade pedagógica são estudantes que chegam ao mestrado e ao doutorado sem conhecimentos mínimos de ortografia e com uma reduzida capacidade de articular experiência e linguagem. Na universidade aprendem a macaquear o jargão de uma ou várias especialidades acadêmicas que, na falta de um domínio razoável da língua geral e literária, compreendem de maneira coisificada, quase fetichista, permanecendo quase sempre insensíveis às nuances de sentido e incapazes de apreender, na prática, a diferença entre um conceito e uma figura de linguagem. Em geral não têm sequer o senso da “forma”, seja no que lêem, seja no que escrevem.

Aplicado em escala nacional, o socioconstrutivismo resultou numa espetacular democratização da inépcia, que hoje se distribui mais ou menos equitativamente entre todos os jovens brasileiros estudantes ou diplomados, sem distinções de credo ou de ideologia. O novo imbecil coletivo, ao contrário do antigo, não tem carteirinha de partido. 
Por: Olavo de Carvalho Do site: http://www.olavodecarvalho.org
Diário do Comércio, 30 de outubro de 2012 




terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

AMENIZANDO AS PERVERSIDADES POR MEIO DE FIGURAS DE LINGUAGEM

Um dos mais ardilosos truques criados pelos defensores de políticas socialistas foi o de recorrer a expressões aparentemente nobres utilizadas para conferir uma aura de legitimidade moral a atos essencialmente maléficos. Assim, confiscar a propriedade alheia e espoliar o dinheiro de terceiros passou a ser chamado de "espalhar a riqueza", "redistribuir a renda", "cuidar dos menos afortunados", e "atender aos desejos da maioria".


Façamos um experimento mental para ver se você aprova um ato essencialmente criminoso.

Imagine que haja várias viúvas já idosas em sua vizinhança. Elas não têm a aptidão física para fazer faxina em suas casas, limpar suas janelas, cozinhar e efetuar outras tarefas domésticas. Tampouco têm elas meios financeiros para contratar alguém para ajudá-las. 

Eis uma pergunta que tenho até receio de fazer: você defenderia um decreto governamental que obrigasse algum dos seus vizinhos a efetuar essas tarefas para as viúvas?

Vou ainda mais adiante: se a pessoa escolhida para obedecer a esse decreto governamental se recusasse a fazê-lo, você apoiaria algum tipo de sanção a ela, como multa, confisco de propriedade ou até mesmo encarceramento?

Tenho a esperança de que a maioria das pessoas iria condenar este decreto estatal. Elas concordariam que se trata de uma espécie de escravidão — mais especificamente, do uso forçoso de uma pessoa para servir aos propósitos de outra.

Agora, será que haveria essa mesma condenação se, em vez de forçar seu vizinho a realmente efetuar as tarefas domésticas para as viúvas, o governo apenas o obrigasse a dar a elas uma determinada quantia monetária mensal? Desta maneira, as viúvas poderiam utilizar esse dinheiro para contratar alguém para efetuar as tarefas domésticas. Por acaso este decreto governamental se difere daquele que obriga alguém a realmente efetuar as tarefas domésticas?

Eu diria que há muito pouca diferença entre os dois decretos. Mudou apenas o mecanismo da servidão. Em ambos os casos, uma pessoa está sendo coercivamente usada para servir aos propósitos de outra pessoa.

Tenho quase certeza de que a maioria dos vizinhos iria querer ajudar essas necessitadas viúvas. Mas também desconfio fortemente que eles considerariam qualquer arranjo que colocasse uma pessoa em uma posição semelhante à servidão algo profundamente ofensivo. 

Por outro lado, caso todos os moradores dessa vizinhança fossem igualmente obrigados a dar esse dinheiro para o governo, que então o repassaria às viúvas, a consciência deles poderia ficar mais amenizada. Este mecanismo coletivo faz com que aquela vítima de escravidão se torne agora invisível, mas não altera o fato de que há uma pessoa sendo forçosamente usada para servir aos propósitos de outra. Ser obrigado a dar dinheiro para o governo simplesmente oculta um ato que, caso fosse praticado de maneira mais explícita, seria considerado profundamente imoral e depravado.

É por isso que o socialismo é maléfico. Ele recorre a meios perversos — confisco e intimidação — para alcançar objetivos que frequentemente são vistos como nobres. Você ajudar uma pessoa necessitada utilizando o seu próprio dinheiro e os seus próprios bens é uma atitude extremamente admirável e digna de louvor. Ajudar uma pessoa necessitada utilizando coerção e espoliando a propriedade alheia é algo perverso, imoral e digno de condenação. 

Tragicamente, grande parte dos ensinamentos em voga, propugnados desde as igrejas até as salas de aula, defendem que o governo use uma pessoa para servir aos propósitos de outra. Os defensores deste arranjo não têm a honra e a coragem de chamá-lo pelo nome correto, e preferem apenas dizer que ser trata de 'caridade' ou de uma 'função social'.

Alguns argumentam que vivemos em uma democracia, e que, na democracia, a maioria decide. Mas será que o mero consenso da maioria faz com que atos que em outras circunstâncias seriam considerados imorais passem a ser morais e perfeitamente aceitáveis? Em outras palavras, se os membros de uma vizinhança fizessem uma votação e a maioria decidisse que um determinado membro desta vizinhança — sob ameaça de punição — deveria efetuar as tarefas domésticas das viúvas, tal votação tornaria todo este arranjo moral?

Chega a ser inacreditável a quantidade de pessoas que ainda aceita o argumento de que, se a vida é injusta, a solução é confiscar a propriedade das pessoas e dar mais dinheiro e mais poder a políticos. É muita sensatez!
Por: Walter Williams, professor honorário de economia da George Mason University e autor de sete livros. Suas colunas semanais são publicadas em mais de 140 jornais americanos.
Tradução de Leandro Roque
Do site: http://www.mises.org.br

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

BILDERBERG 2015: ENCONTRO SERÁ NOS ALPES AUSTRÍACOS

Enquanto a grande mídia evita cobrir o encontro Bilderberg, considerando-o apenas um grupo de debates, inúmeros exemplos de poder da organização e seus impactos diretos sobre a política global foram documentados nos últimos anos.



A localização e datas do encontro do grupo Bilderberg em 2015 foi confirmada. O evento será realizado no opulento hotel Interalpen, nos Alpes austríacos, próximo a Telfs.

Em uma nota de imprensa a polícia austríaca revelou que a segurança para a reunião estará em operação entre 09 e 15 de junho. Como é de costume nos encontros Bilderberg as reuniões acontecem entre 11 e 14 de junho.

A nota à imprensa da polícia observa que a segurança na reunião Bilderberg será parte da mesma operação de segurança para a reunião do G7, que está programada para ocorrer no início da mesma semana, de 07-08 de junho, em Schloss Emau, na Alemanha.

O local da reunião do G7 fica a apenas 3,6 km da fronteira austríaca. Ambos os eventos vão cobrir questões semelhantes e ocorrem em sequência. A cúpula do G7, entre 7 e 8 de junho; a conferência Bilderberg, entre 9 e 14 de junho, avisa o comunicado.

A unidade anti-terrorista COBRA vai estar sob o controle da operação. Uma zona de 30 milhas em torno do hotel será considerada zona área proibida para vôos, incluíndo paragliders e paraquedas.

Os rumores sobre a localização da reunião dos Bilderberg em 2015, no Interalpen Hotel, foram notadas pela primeira vez em agosto de 2014, após investigadores do grupo descobrirem que o hotel estava reservado para os primeiros fins de semana de junho de 2015. A confirmação oficial veio mais cedo do que nos outros encontros, talvez refletindo a grande notabilidade que o grupo vem ganhando nos últimos anos.


O hotel Interalpen está rodeado por florestas e montanhas ao lado de uma estação de esqui e próximo ao aeroporto de Innsbruck. Suas instalações oferecem espaços para reuniões e eventos. Está situado a uma altitude acima de 1.300 metros do nível do mar em um ambiente exclusivo nos alpes austríacos.

O local é propriedade do grupo Liebherr. Conta com um centro de conferências com capacidade para 400 participantes. O hotel já sediou o encontro em 1988. É a terceira vez que a conferência é realizada na Áustria.

O encontro deste ano segue o modelo da reunião realizada em 2011 em St.Moritz na Suíça. Essa região fica protegida por montanhas, florestas e estradas sinuosas.

Enquanto a grande mídia evita cobrir o encontro Bilderberg, considerando-o apenas um grupo de debates, inúmeros exemplos de poder da organização e seus impactos diretos sobre a política global foram documentados nos últimos anos, com diversas acusações de que o grupo é fundamentalmente de natureza antidemocrática.

Em 2010, Willy Claes, ex-secretário da OTAN e membro do Bilderberg, admitiu que os participantes do grupo são obrigados a implementar as decisões políticas que são formuladas nos encontros.

Em 2013, o advogado italiano Alfonso Luigi Marra solicitou ao Ministério Público de Roma para investigar as atividades criminais clandestinas do grupo, questionando se a reunião de 2011 foi responsável pela escolha de Mario Monti como primeiro-ministro da Itália.

Em 2009, o presidente do Bilderberg, Étienne Davignon, se gabava que a criação da moeda única da Comunidade Européia, o Euro, foi uma criação do grupo.

Por: Steve Watson   Do Infowars.
Tradução: Alex Pereira
Publicado no site da Rádio Vox.




domingo, 8 de fevereiro de 2015

SOBRA PETRÓLEO E FALTA ÁGUA. POR QUÊ?

A água é um recurso renovável, fácil de captar e muito mais abundante que petróleo. Mas então por que as represas estão vazias e os tanques de petróleo transbordam?


Não só o Brasil ou países pobres sofrem com a seca. Faltou água nos Estados Unidos em 1999, quando uma seca de verão atingiu a costa leste. Na Austrália, em 2007, a falta de chuvas levou à ruína produtores de frutas à base de irrigação.

Já as reservas de petróleo só crescem — e o preço do barril está em queda porque a produção está alta demais em relação à demanda mundial. De vez em quando o petróleo encarece; mas faltar, não falta.

A resposta para esse mistério é uma simples palavra: preço.

A beleza do mercado de petróleo, onde há concorrência e preços livres, é que a escassez leva à abundância. Se a oferta de petróleo diminui, o preço sobe. Com preço alto, há incentivo para a economia de gasolina entre os consumidores e para a pesquisa de fontes alternativas, novas reservas e processos de extração.

Foi o que aconteceu de 1973 para cá. A crise do petróleo empurrou o mundo para motores mais econômicos, etanol, carros elétricos, pré-sal e petróleo de xisto. O resultado é abundância e preços baixos em 2015.

O petróleo confirma o que economistas já sabem há algum tempo: o mecanismo de informação e de incentivos criado pelos preços é o melhor sistema de alocação de recursos existente. Não é exagero falar em beleza, como fiz ali acima, pois esse fenômeno é dos mais bonitos da economia.

O mecanismo de preços funciona todo dia no setor de alimentação, o mais essencial de todos. Se falta tomate, o preço sobe. É como se emitissem um alerta a todos os envolvidos, desencadeando uma série de mudanças de atitude. No supermercado, a dona de casa se assusta com o preço e coloca menos tomates na sacola. O dono do restaurante reduz o desperdício de tomates e sobe o valor do espaguete ao sugo, empurrando clientes para a pizza quatro-queijos. O importador aumenta o pedido de tomates enlatados da Itália. O agricultor brasileiro percebe que lucraria mais se destinasse parte da fazenda à plantação de tomates. De repente há tomate demais para uma demanda menor. Pronto: a varinha de condão dos preços livres transformou a escassez em abundância.

O chato é que o mercado de água não é assim. A concorrência entre sistemas de água encanada é difícil, pois é caro demais haver empresas com encanamentos paralelos competindo entre si. [Nota do IMB: isso não é necessariamente verdade, como mostra este artigo. Para um relato histórico sobre como havia concorrência nesse mercado, veja este artigo.]

Por isso empresas de água geralmente são monopólios públicos ou privados. Para evitar abusos da empresa dona do monopólio, o preço é regulado ou tabelado pelo governo.

Com o tabelamento, os superpoderes do preço desaparecem. Ele perde a capacidade de distribuir informação e incentivo. As pessoas utilizam demais o recurso mesmo quando ele é escasso. Fornecedores não têm incentivos para pesquisar novas fontes, pois a água é barata demais. No caso dos tomates, é como se a dona de casa continuasse comprando como antes, sem que ninguém se interessasse em aumentar a produção. Uma hora todos percebem que há uma crise de tomates no país.

Nos anos 80, o congelamento de preços deixava prateleiras vazias no mercado. Em 2015, a regulação do preço da água resulta em torneiras secas. Nos anos 80, o mercado negro vendia, com ágio, a carne e o leite que ninguém encontrava no mercado. Em 2015, serão os caminhões-pipa, vendendo a preço livre, que vão nos livrar do desabastecimento causado pela seca — e pela regulação do preço da água.

Três mitos sobre a Sabesp

Muitas falhas podem ser atribuídas à Sabesp, a estatal de saneamento de São Paulo. Mas entre acusações justas há equívocos que exalam pura ignorância econômica. Vejo muita gente dizer, por exemplo, que a seca em São Paulo se agravou porque a Sabesp, ao vender parte de suas ações na Bolsa, "passou a seguir a lógica do mercado", "maximizando lucros e reduzindo investimentos", para "privilegiar acionistas em detrimento do interesse público".

Há nesse raciocínio pelo menos três equívocos graúdos.

Mito 1: "Seguindo a lógica do mercado, a Sabesp reduziu investimentos"

Se a lógica do mercado levasse empresas a reduzir investimentos e privilegiar o lucro dos acionistas, o mundo viveria uma escassez generalizada. Enfrentaríamos falta de Coca-Cola, pois a empresa teria transferido dividendos a acionistas em vez de construir novas fábricas. Supermercados seriam lugares tristes repletos de prateleiras vazias, porque a Nestlé, a Ambev, Unilever e os produtores de frutas e verduras embolsariam lucros em vez de investir o necessário para atender o aumento da demanda.

É verdade que investir em novas tubulações para evitar vazamentos não é tão rentável quanto uma nova fábrica de refrigerantes. No entanto, pela lógica da "maximização de lucros" no longo prazo, a pior coisa que pode acontecer a uma empresa é não ter o que oferecer aos consumidores, como é o caso da Sabesp hoje em dia. A melhor é crescer e conquistar mercados. Por isso previsões de demanda, aquisições, estudos de ampliação e análises do "capex" (o capital destinado a investimentos) são parte do dia a dia de empresas que buscam lucro.

Quem acompanha o mercado financeiro sabe que toda a semana o preço de ações cai porque empresas anunciam projetos e aquisições. Como investimentos geralmente significam menos lucros ou dividendos nos meses seguintes, acionistas interessados no gráfico de curto prazo se livram dos papéis. Isso aconteceu recentemente com ações do Facebook, da Intel, da Microsoft, da Vale, da Lenovo, da Tim, entre muitas outras. O preço da ação costuma se reerguer depois de algumas semanas. Os acionistas mais ligados ao longo prazo entendem que, se a empresa está investindo, terá melhores fundamentos no futuro.

Mito 2: "A Sabesp enriqueceu os acionistas"

Só existe um motivo para uma empresa evitar investimentos e privilegiar os acionistas: se o principal acionista for o próprio governo. No caso de empresas estatais, uma distribuição maior de dividendos resulta em caixa mais gordo aos políticos no poder. E o que político gosta de fazer é gastar dinheiro o mais rápido possível. Diferentemente de donos de empresas, políticos têm um objetivo de curto prazo: a próxima eleição. Poucos resistem à tentação de sacrificar o futuro de estatais ou das contas públicas para gastar em obras ou propaganda.

Foi esse o caso da Sabesp? Se a empresa não sofreu da lógica do mercado, teria sido vítima da lógica da política? Difícil dizer. Segundo esta reportagem da Exame, a Sabesp é uma das empresas de saneamento que mais pagam dividendos no mundo. O governo de São Paulo, dono de 50,3% das ações, é o maior beneficiário desses repasses.

No entanto, entre 2008 e 2013, de acordo com a consultoria Economática, a Sabesp ficou em 28º lugar entre as 30 maiores pagadoras de dividendos do Brasil. O retorno médio aos acionistas foi de 4,9%. É uma boa média, mas bem inferior à Eletropaulo (23%) ou estatais administradas pelo governo federal, como o Banco do Brasil (6,9%).

Sem contar o rendimento das ações, que depende da sorte, os acionistas da Sabesp ganharam de dividendos menos do que se tivessem investido na poupança. "A Sabesp é uma boa pagadora de dividendos, mas não é um caso excepcional", me disse Gianmarcelo Germani, da MoneyMark. "Outras estatais, como a Copel ou a Cemig, pagam dividendos muito superiores."

Mito 3: "Distribuir dividendos vai contra o interesse público"

Se você tem uma empresa e precisa de dinheiro para ampliar o negócio, é geralmente mais barato lançar ações na Bolsa que emprestar no banco. De um dia para o outro, investidores jogam milhões de reais na sua mão. Em troca, esperam uma remuneração anual que, segundo a lei, precisa ser no mínimo 25% dos lucros que você conseguir. As empresas costumam pagar um pouco mais do que manda a lei, para ficar em paz com os acionistas e poder captar mais dinheiro da próxima vez que precisarem.

Se o governo paulista quisesse manter a Sabesp 100% estatal e se recusasse a vender ações, teria que emprestar do BNDES ou de bancos internacionais, ou bancar do próprio bolso investimentos para a ampliação de represas e da rede de abastecimento. Isso significa tirar dinheiro de hospitais e escolas para colocar numa empresa que poderia andar com as próprias pernas. Diversas estatais de saneamento dão prejuízo no Brasil: o rombo que elas causam acaba sendo pago com o imposto dos cidadãos.

É tentador imaginar um acionista milionário nadando no dinheiro enquanto o povo morre de sede, mas isso não passa de ficção marxista. Se a empresa é bem administrada, a participação de investidores provoca melhoria e ampliação de serviços.

É uma tremenda loucura legar a uma estatal algo tão importante quanto o abastecimento de água. Água potável só será abundante quando arranjarmos um jeito de haver concorrência nesse setor, pois monopólios legais (públicos ou privados) sempre vão decepcionar.
Por Leandro Narloch Do site: http://www.mises.org.br

EM BUSCA DA CULTURA

A chamada cultura yuppie mediocrizou os padrões intelectuais dos Estados Unidos


Em artigo escrito já há algum tempo, o publicitário Nizan Guanaes observa que às nossas classes altas falta, sobretudo, cultura. Pura verdade, mas por que somente às classes altas? Ao longo da quase totalidade da história humana, o conjunto dos homens mais cultos e sábios raramente coincidiu com o dos mais ricos e socialmente brilhantes.

“Livros e dinheiro são uma mistura perfeita para elegância, savoir faire e bom gosto”, diz Guanaes. É certo. Mas também é certo que elegância, savoir faire e bom gosto não são propriamente a alta cultura: são a vestimenta mundanizada que ela assume quando desce do círculo das inteligências possantes e criadoras para o âmbito mais vasto dos consumidores abonados, da sociedade chique. São cultura de segunda mão.

O que falta no Brasil não são apenas ricos educados. O que falta são intelectuais capazes de educá-los. Um indício claro, entre inumeráveis outros, é que nenhuma universidade brasileira, estatal ou privada, foi jamais incluída na lista de cem melhores universidades mundiais do Times Higher Education World Ranking de Londres. Não há nessa exclusão nenhuma injustiça. Rogério Cezar de Cerqueira Leite explicou o porquê em Produção científica e lixo acadêmico no Brasil.

Foi talvez sentindo obscuramente a gravidade desse estado de coisas que o próprio Guanaes mandou seu filho estudar na Phillips Exeter Academy, de New Hampshire, tida como a melhor escola preparatória americana, na esperança de colocá-lo depois em alguma universidade da Ivy League, como Harvard, Yale, ou Columbia.

Sem deixar de cumprimentar o publicitário pelo seu zelo paterno, observo que suas próprias ações provam antes o meu diagnóstico da situação do que o dele: se cultura faltasse somente aos homens ricos, bastaria enviar seus filhos a alguma universidade local ou fazê-los conviver com intelectuais de peso em São Paulo ou no Rio, e decorrida uma geração o problema estaria resolvido.

Mas aí é que está: faltam universidades que prestem, e os grandes intelectuais morreram todos, sendo substituídos por duas gerações de tagarelas incompetentes, cabos eleitorais e cultores da própria genitália, como documentei abundantemente em O Imbecil Coletivo (1996) e O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser Um Idiota (2014), além de centenas de artigos, muitos deles neste mesmo Diário do Comércio.

Ricos e até governantes incultos não são, por si, nenhuma tragédia, desde que haja em torno uma classe intelectual séria, capaz de lhes impor certos padrões de julgamento que eles não precisam compreender muito bem, só respeitar.

Foi assim na Europa ao longo de toda a Idade Média e até épocas já bem avançadas dentro da modernidade, quando a casta nobre considerava que a única ocupação digna da sua posição social era a guerra, deixando os estudos para os padres e demais interessados.

O Imperador Carlos Magno só começou a aprender a ler – de má vontade – depois dos trinta anos. Afonso de Albuquerque, sete séculos depois, ainda considerava que saber línguas estrangeiras era coisa para subalternos. A alta cultura não era sinal de posição social elevada, era um ofício especializado. Daí a palavra clerc, “clérigo”, que não designava só os sacerdotes, mas, de modo geral, toda pessoa letrada.

Complementarmente, os homens de estudos eram o que podia haver de mais diferente do grand monde, dos ricos e elegantes. Até bem recentemente, mesmo nos EUA, os intelectuais, sobretudo universitários, primavam por uma vida austera, sem divertimentos nem confortos, a não ser que, por coincidência, viessem eles próprios de alguma família rica.

Tudo mudou nos anos 80, com o advento dos yuppies. Um yuppie é um jovem com diploma de universidade prestigiosa, um emprego regiamente pago em alguma cidade grande, um círculo de amigos importantes que se reúnem em clubes chiquérrimos e uma cabeça repleta de regras de polidez politicamente corretas, um conjunto formidável de não-me-toques que facilitam a aceitação social na mesma medida em que dificultam o pensamento. Foi aí que formação cultural começou a significar elegância, bom gosto e refinamento em vez de conhecimento e seriedade intelectual.

Esse foi um dos danos maiores produzidos pela desastrosa administração Jimmy Carter. Até os anos 70 os EUA ainda tinham a melhor educação do mundo, toda ela fruto da iniciativa autônoma da sociedade. A intervenção estatal, associada ao império do esquerdismo chique e ao açambarcamento de toda atividade cultural pela burocracia universitária, iniciou o processo de degradação intelectual documentado por Russell Jacoby em The Last Intellectuals: American Culture in the Age of Academe e por Allan Bloom em The Closing of the American Mind, ambos de 1987. 

No Brasil, a palavra “Harvard” ainda pode significar altíssima cultura, mas nos EUA ela evoca antes a pessoa de Barack Hussein Obama, que chegou a diretor da Harvard Law Review sem ter ultrapassado o nível das redações ginasianas e depois fez fama de autor com dois livros escritos inteiramente por Bill Ayers, um terrorista doublé de talentoso artista da palavra. 

Nada mais expressivo do vazio intelectual de Harvard do que o sucesso de John Rawls, o qual, segundo a boutade de Eric Voegelin, escreveu uma Teoria da Justiça sem notar que se tratava de uma teoria da injustiça.

O que hoje resta da antiga pujança intelectual americana refugia-se em grupos autônomos, como o círculo de discípulos do próprio Eric Voegelin, as redações de New Criterion e Commentary, meia dúzia de editoras high brow ou o time seleto de scholars que compõem a equipe de Academic Questions, uma revista acadêmica dedicada ao estudo... da decadência acadêmica.

Em comparação com o que temos no Brasil, é muito, é uma abundância invejável, mas, para o antigo padrão americano, é quase miséria. Os EUA só continuam sendo o paraíso dos estudos superiores no sentido yuppie do termo. Não por coincidência, Guanaes cita como protótipo de pessoa culta a riquíssima, chiquíssima e politicamente corretíssima Ariana Huffington, fundadora do Huffington Post, um front de antijornalismo obamista empenhado em manter acesa a chama do “Yes We Can” contra todos os fatos, contra toda evidência e contra todo o descrédito geral.

Não quero me meter na vida da família Guanaes, mas mandar um filho estudar nos EUA – digo nas grandes universidades, e não nos círculos dos happy few -- é um meio de defendê-lo contra a debacle cultural brasileira? Sim, se o que você quer para ele é uma carreira de yuppie e uma alta cultura constituída de “elegância, savoir faire e bom gosto”. Não, se você quer fazer dele um estudioso sério, capaz de compreender o Brasil e ajudar o país a sair do atoleiro.

Digo isso, também, por outro motivo. Cultura não é só aquisição de conhecimento, é a formação de uma personalidade ao mesmo tempo arraigada na realidade histórico-social concreta e capaz de transcendê-la intelectualmente.

Essa formação só é possível se ela começa pela absorção da cultura local na língua local e se prossegue nesse caminho até abarcar essa cultura como um todo e, então sim, tiver necessidade de ampliar o seu horizonte pelo contato mais aprofundado com outras culturas.

Se um jovem ignorante da sua cultura nacional é transplantado para o ambiente acadêmico de outro país, é melhor que ele fique por lá mesmo, pois, se voltar, dificilmente chegará a compreender o lugar de onde saiu.

O Brasil está repleto de diplomados de universidades estrangeiras, cujos palpites sobre a situação nacional superlotam as colunas de jornais com amostras de incompreensão que raiam a alienação psicótica. O projeto “Ciência Sem Fronteiras” está se encarregando de produzir mais alguns com dinheiro público.

Pode-se retrucar que, nas presentes condições, a aquisição da cultura brasileira se tornou inviável porque o jovem interessado não encontra guiamento nem na universidade, nem fora dela. Não tenho resposta pronta para isso, mas desde quando a dificuldade de resolver um problema torna desnecessário resolvê-lo? 
Por: Olavo de Carvalho 
Do site: http://www.dcomercio.com.br/categoria/opiniao/em_busca_da_cultura

sábado, 7 de fevereiro de 2015

'DILMA, A BREVE?'

O governo Dilma acabou. É caso único na história republicana brasileira. Vitorioso nas urnas, duas semanas depois do pleito já dava sinais de exaustão. De um lado, a forma como obteve a vitória (usando da calúnia e da difamação) enfraqueceu a petista; de outro, o péssimo cenário econômico e as gravíssimas acusações de corrupção emparedaram o governo. Esperava-se que Dilma aproveitasse os louros da vitória para recompor a base política e organizasse um ministério sintonizado com o que tinha prometido na campanha eleitoral. Não foi o que aconteceu. Acabou se sujeitando ao fisiologismo descarado e montou um ministério medíocre, entre os piores já vistos em Pindorama.


A presidente imaginou (ingenuamente) que a vitória obtida nas urnas era mérito seu. Pobre Dilma. Especialmente no segundo turno, quem venceu foi Lula. Sem a participação direta do ex-presidente, ela teria sido derrotada. Vale sempre lembrar que, em vários comícios da campanha, a candidata foi “representada” por Lula. Mas ela entendeu que a vitória daria uma espécie de salvo-conduto para organizar a seu bel-prazer o Ministério e as articulações políticas com o Congresso Nacional. Ledo engano. Em um mês de governo, já gastou o crédito dado a qualquer presidente em início de mandato.

Isolada no Palácio do Planalto, a presidente perdeu a capacidade de iniciativa política. E pior: se cercou de auxiliares ruins, beirando o pusilânime. Nenhum governo sério pode ter na coordenação política Aloizio Mercadante. Na primeira presidência Dilma, ele ocupou três ministérios distintos e não deixou sequer uma simples marca administrativa. Foi um gestor de soma zero. Lula, espertamente, nunca o designou para nenhuma função executiva. Conhece profundamente as limitações do ex-senador e sabe o potencial desagregador do petista. Não satisfeita com a ruinosa escolha, Dilma nomeou para a coordenação política o inexpressivo e desconhecido Pepe Vargas. Não é a primeira vez que a presidente mete os pés pelas mãos ao formar sua equipe política. É inesquecível a dupla Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti, mas naquele momento a conjuntura política e o cenário econômico eram distintos.

Assolada pelo petrolão — que pode colocar em risco o seu mandato —, Dilma passou um mês escondida dos brasileiros. Compareceu à posse — que era o mínimo que se poderia esperar dela —, discursou e sumiu. Reapareceu na ridícula reunião ministerial, discursou sobre um país imaginário, brigou com um funcionário e só. Poderia ter aproveitado o tempo para articular a sua base de sustentação no Congresso. Mas não. Delegou aos auxiliares a atribuição presidencial. Ela dá a impressão de que não gosta da sua função, que não tem qualquer prazer no exercício da presidência e que estaria somente cumprindo uma missão (mas para quem?).

Como seria de se esperar, foi duplamente derrotada na eleição para as mesas diretoras da Câmara e do Senado. Na Câmara foi mais que derrotada, foi humilhada. Seu candidato teve quase que o mesmo número de Júlio Delgado e metade dos votos do vencedor. Em outras palavras, ficou a sensação de que o governo tem seguros apenas 25% dos votos dos deputados. Se fosse no final da gestão, seria ruim mas até compreensível. Porém, a nova presidência mal começou. Mais da metade dos parlamentares forma uma maioria gelatinosa, sem forma e que pode a qualquer momento, dependendo da situação política, se voltar contra Dilma.

No Senado, a vitória com Renan Calheiros pode ter vida curta. Ainda no ano passado foi revelada uma lista de parlamentares envolvidos com o doleiro Alberto Yousseff e dela fazia parte o senador por Alagoas. Caso se confirme, veremos novamente o filme de 2007: ele deverá renunciar à presidência para, ao menos, garantir o seu mandato. E naquela Casa — agora com uma participação mais qualificada da oposição — também a maioria dos senadores vai, primeiro, pensar em garantir o seu futuro político e depois em defender o governo.

Dessa forma, Dilma corre perigo. Sem uma segura base parlamentar, tendo, especialmente na Câmara, um presidente que não reza pela sua cartilha; e com uma pífia coordenação política, poderá ter a curto prazo sérios problemas. De forma mais direta: vai ter de engolir uma CPI sobre a Petrobras. E com o que conhecemos até hoje da Operação Lava Jato, o seu mandato pode ser abreviado — caso, evidentemente, se confirmem as denúncias envolvendo a empresa, políticos, empreiteiras e o Palácio do Planalto.

Lula se mantém em silêncio. Estranho, muito estranho. Por quê? Ele, que sempre falou sobre tudo, mesmo quando não perguntado, agora está homiziado em São Bernardo do Campo. Medo? Teria vergonha da compra da refinaria de “Passadilma”? E o projeto mais desastroso da história do Brasil, a refinaria de “Abreu e Lulla”? Como explicar que tenha custado dez vezes mais do que foi orçada? Conseguiria responder sobre a amizade com Paulo Roberto Costa, mais conhecido como “Paulinho do Lula”? O silêncio é uma forma de confissão? Afinal, foi durante a sua presidência que foram gestados estes escândalos.

Teremos um 2015 agitado, o que é muito bom. Nunca um governo na História da República esteve tão maculado pela corrupção, nunca. O que o Brasil quer saber é se a oposição estará à altura da sua tarefa histórica. Se não cometerá os mesmo erros de 2005, no auge da crise do mensalão, quando não soube ler a conjuntura e abriu caminho para a consolidação do que o ministro Celso de Mello, em um dos votos no julgamento do mensalão, chamou de “projeto criminoso de poder”.
Por: Marco Antonio Villa Publicado em O Globo


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

CHURCHILL, O ATOR QUE LIDEROU O REINO UNIDO

RESUMO Fugindo toda a vida de repetir o fracasso político de seu pai, Winston Churchill tornou-se conhecido não só pelos feitos como ministro e premiê de seu país mas também pela sua verve e oratória. Nos 50 anos de sua morte, livro defende que sua capacidade retórica foi fundamental para o sucesso britânico contra Hitler.

*
O diretor Orson Welles relembrou em documentário de TV o seu encontro providencial com Winston Churchill. Ou, para sermos mais exatos, os três encontros em menos de 24 horas, no sul da França, já depois da Segunda Guerra Mundial.

O primeiro encontro tem cheiro a maresia: Welles caminhava pela praia, conversando com um potencial investidor russo sobre os méritos do próximo filme. Churchill, que tal como Welles era fisicamente impossível de ignorar, banhava-se nas ondas. Quando o diretor passou pelo ex-premiê britânico, Churchill saudou-o, Welles retribuiu a honrosa saudação e depois continuou a caminhar.

O segundo encontro teve lugar nessa mesma noite, no bar do hotel onde ambos estavam hospedados. Orson Welles aproximou-se de Churchill e, com gratidão sincera, disse-lhe "muito obrigado". Churchill, surpreso, indagou o motivo do agradecimento. Orson Welles explicou: o investidor russo tinha ficado tão impressionado com o encontro matinal entre Welles e o grande herói da Segunda Guerra que já ponderava seriamente passar o cheque.
Zé Otavio 
O terceiro encontro foi no dia seguinte, em pleno café da manhã. Churchill já estava à mesa quando Welles entrou na sala com o seu comparsa russo. Assim que Churchill o avistou, levantou-se da cadeira, olhou com admiração o autor de "Cidadão Kane" e depois fez uma longa vênia.

Esta hilariante história revela dois fatos importantes sobre Churchill, um dos mitos do século 20, que morreu 50 anos atrás.

O primeiro, óbvio, é o seu incomparável senso de humor. Basta flanar por uma livraria inglesa e encontrar livros para todos os gostos e carteiras, nos quais a espirituosidade de Churchill está plasmada em páginas e páginas de ditos célebres. Alguns, provavelmente apócrifos, já entraram na corrente sanguínea da história britânica. Como a crítica rude da parlamentar lady Astor ("Winston, você não passa de um bêbado!") e a resposta dele, rude mas hilária ("E você, minha querida, é feia. Mas amanhã eu já estarei sóbrio").

Ou, então, um novo confronto entre ambos. Ela: "Se eu fosse sua mulher, despejava veneno no seu chá". Ele: "E se eu fosse casado consigo, bebia-o".

A pergunta imediata que devemos formular quando confrontados com esta verve é saber se Churchill teria lugar, hoje, nos nossos parlamentos e na nossa vida política previsível e rasteira. Pergunta retórica, claro. Na tirania politicamente correta que arruinou até os melhores espíritos, Churchill não sobreviveria para contar.

Se juntarmos ao seu humor corrosivo um estilo de vida que, digamos, não era propriamente saudável, o quadro de ostracismo fica completo. Churchill fumava. Bebia. E, sobre o exercício físico, nova máxima memorável: "O segredo da minha longevidade? Ginástica. Nunca a pratiquei".

E, de fato, era impossível praticar. Peter Clarke, que dedicou a Churchill um delicioso tratado ("Mr. Churchill's Profession", Bloomsbury, 2012), pinta o seguinte retrato do seu dia "normal": despertar às 8 horas, café da manhã na cama, jornais na cama, burocracias políticas na cama. Depois, banho de imersão (o primeiro do dia), reuniões, almoço, sesta, hora do chá (por "chá", leia-se uísque e soda); finalmente, jantar (e por "jantar", leia-se champanhe, vinho do Porto, brandy). A partir das 11, quando qualquer mortal já estaria derreado e a mendigar o leito, então, sim, começava a produção literária. Que durava até as três ou quatro da madrugada.

Mas o humor de Churchill, e as suas desgovernadas rotinas, não nos devem cegar para um segundo fato: as profundas fragilidades de um homem que, durante toda a vida, foi perseguido por uma ideia funesta - a certeza de que a sua carreira seria um fracasso só comparável ao fracasso político do pai.

Lord Randolph Churchill (1849-95) fora um nome promissor no Partido Conservador britânico e, antes da sua fragorosa queda, muitos acreditavam que ele seria o líder natural da tribo. Mas um temperamento histriônico (para usar um eufemismo) levou-o a demitir-se do governo de Salisbury (por discordar da política fiscal dos "tories"). Para ele, o gesto seria apenas mais um número de teatro, sem grandes consequências.

Não foi para Salisbury, que aceitou a demissão e, por arrastamento, colocou um ponto final na carreira de Randolph. Sifilítico e deprimido, o pai de Winston acabaria por morrer aos 46 anos no esquecimento político.

Foi essa a sombra que pairou sobre Churchill e que o transformou em "a man in a hurry" [um homem com pressa]. Sabemos que ele não morreu aos 46 anos. Mas são vários os historiadores -Gertrude Himmelfarb é apenas um exemplo- que colocam uma questão interessante: o que teria sucedido à sua reputação se a morte tivesse chegado, por exemplo, em 1939?

A hipótese não é tão absurda assim: em 1939, Churchill contava já com uns respeitáveis 65 anos. Será que hoje estaríamos a recordar a data da sua morte e a grandeza do seu legado? Dificilmente.

Pior ainda: cumprindo os seus piores presságios, Churchill não seria muito diferente do pai -alguém que prometera muito mas que conseguira muito, muito pouco. E, nas biografias menores da política britânica, seria possível ler, sem grande pompa, que Winston Churchill fora um parlamentar e escritor, nascido a 30 de novembro de 1874 no seio de uma importante família aristocrática (os Marlborough) e em palácio imponente, que fica a poucos quilômetros de Oxford -o Palácio de Blenheim.

Biógrafos mais devotos poderiam acrescentar que a sua infância não foi propriamente feliz. Com um pai distante (no sentido físico e emocional da palavra), nem a mãe, a americana Jennie Jerome, supriu as carências afetivas do filho: rezam as crônicas que Mrs. Churchill teria tanto de beleza como de "coquetterie". Se existiu um elo emocional forte, ele foi estabelecido entre Winston e a ama, Mrs. Everest.

Seguiram-se os estudos. Faz parte da lenda churchilliana, provavelmente alimentada por alunos relapsos, que o jovem Winston era um aluno relapso. Talvez fosse, se estivermos a falar de matemática ou latim. Mas a lenda não sobrevive ao gosto que o rapaz começou a mostrar por história e, em especial, pela história da Inglaterra.

Apesar de tudo, acabaria por ser aceito na Academia Militar de Sandhurst, e os anos posteriores como soldado revelaram-se importantes por dois motivos assaz heterodoxos: a leitura e a escrita.

Nas suas comissões em Cuba ou na África do Sul, os hábitos de leitura prolongaram as inclinações naturais do jovem estudante. Leu Platão, Aristóteles, Adam Smith. E absorveu sobretudo os grandes mestres da língua inglesa, em especial Macaulay e Edward Gibbon, que lhe emprestaram para o resto da vida uma cadência solene no estilo e uma visão grandiosa sobre a nobreza da civilização ocidental.

Por outro lado, se é verdade que toda a arte começa por um exercício de imitação, a leitura levou-o à escrita -e o jornalismo tornou-se sua primeira casa. Escreveu reportagens sobre as operações militares em que participava para os principais jornais londrinos, como o "Daily Telegraph", e alguns desses escritos, pela qualidade e intensidade da prosa, começaram a conquistar leitores e seguidores.

Essa ascensão seria reforçada por alguns acontecimentos no terreno, que o transformaram em celebridade: uma espetacular fuga da prisão de Pretória, na África do Sul, onde fora feito prisioneiro em plena Guerra dos Boers, rendeu mais um relato, alguma independência financeira e abriu-lhe igualmente as portas da política.

ASCENSÃO E QUEDA

Winston Churchill foi eleito deputado conservador em 1900 -e o que se segue são escaladas íngremes e descidas a pique. Até 1940.

Em 1904, por exemplo, mudaria de partido pela primeira vez, trocando os Conservadores pelos Liberais. Esse gesto ("to cross the floor", para usar a expressão devida para mudança de partido no Parlamento inglês) seria repetido em sentido inverso, duas décadas depois, quando os Conservadores o receberam de volta nas suas fileiras. Incoerência política pura?

Não creio. Digo até mais: as trocas de partido, que ficaram superficialmente gravadas como sinal de oportunismo, nasceram de uma coerência política séria. Em 1904, o que o fez afastar-se dos Conservadores foram as políticas econômicas protecionistas do partido, que lhe pareciam uma negação da herança "liberal" deixada por lorde Salisbury. Só quando os Conservadores abandonaram tais práticas, regressando aos princípios de livre comércio, é que Churchill regressou à sua primeira morada.

Mas, se a incoerência e o oportunismo político de Churchill parecem uma grosseira simplificação, difícil será salvá-lo do desastre de Gallipoli, na Primeira Guerra Mundial. Não vale a pena perder tempo com a racionalidade (ou não) da campanha naval e terrena para capturar Constantinopla aos otomanos. Os 35 mil britânicos que perderam a vida foram a primeira mancha inapagável do seu currículo. Uma mancha que os Conservadores não esqueceram quando o liberal Herbert Asquith (1852-1928) firmou um governo de coalização com eles. A cabeça de Winston -o "traidor" de 1904- foi a primeira exigência dos "tories". Era o seu fim como Primeiro Lorde do Almirantado, uma espécie de ministro da Marinha Real Britânica. Seria também o seu fim político, em premonitória semelhança com o pai?

Churchill acreditou que sim. Mas o destino ainda não tinha saldado todas as contas com ele. Uma década depois, e sob a liderança conservadora de Stanley Baldwin (1867-1947), Churchill regressava -e regressava para a pasta das Finanças. Era uma segunda oportunidade. Mas, "hélas", revelou-se também uma segunda queda: o regresso da libra ao padrão-ouro arrastou a economia para o abismo, com desemprego maciço, caos social, greves -e a vitória dos Trabalhistas em 1929. Estava novamente fora do governo.

A BESTA NAZISTA

Em 1930, Churchill contava 56 anos. Em termos puramente numéricos, ultrapassara a longevidade do pai. Mas, politicamente, a sua carreira política parecia seguir o mesmo caminho que a do progenitor. O próprio sabia disso, sobretudo quando a depressão (o seu "black dog") regressava para o assombrar. Mudara duas vezes de partido. Fora responsável por desastres militares e econômicos que não seriam esquecidos ou perdoados. Aos olhos dos seus pares, era um relíquia de tempos vitorianos -uma alma inconstante, ou coisa pior.

Mas a década de 1930 não é apenas uma longa travessia pelo deserto. Porque, mesmo no deserto, é possível vislumbrar ao longe os contornos de um oásis -não um oásis ilusório, mas real, demasiado real: na Alemanha, um certo Partido Nacional-Socialista preparava-se para tomar o poder.

O partido tinha linguagem belicista e abertamente antissemita, e espantava Churchill a relativa indiferença das elites políticas britânicas perante a tempestade que vinha a caminho. O entendimento doméstico, sobretudo depois da Grande Depressão de 1929, é que o Reino Unido tinha assuntos mais prementes em que pensar.

E, além disso, se Hitler era um feroz anticomunista, disposto a combater a influência nefanda do bolchevismo, melhor ainda.

Churchill nunca comprou essa falaciosa versão de que os inimigos dos meus inimigos meus amigos são. A "besta nazista" deveria ser enfrentada pela sua intrínseca inumanidade e pela ameaça que ela representava para a civilização judaico-cristã.

Durante essa década, discursou sobre o assunto perante a indiferença (quando não o riso) dos seus pares. E, quando os "pacificadores" acreditavam que ainda era possível "paz no nosso tempo", a mensagem de Churchill era outra: o Reino Unido deveria rearmar-se e, por mais que isso horrorizasse os que ainda tinham a experiência da Primeira Guerra bem fresca na memória, preparar-se para a possibilidade de uma nova guerra.
Zé Otavio 



Todos sabemos o que aconteceu em 1939: com a invasão da Polônia pelas tropas nazistas, a política de "pacificação" promovida por Neville Chamberlain (1869-1940) tinha falhado. A 10 de maio de 1940, Churchill era nomeado primeiro-ministro pelo rei George 6º. No momento mais negro da Europa, o filho chegara aonde não chegara o pai.

CINCO DIAS

Não será exagero afirmar que o destino do Reino Unido - e da Europa, e do Ocidente- foi decidido em cinco dias, em Londres, entre 24 e 28 de maio de 1940. O historiador John Lukacs, no seu "Cinco Dias em Londres" (Zahar, 2001) -uma preciosidade para qualquer interessado na matéria- explica com detalhes o que se passou no interior do Gabinete de Guerra. E oferece as duas escolas de pensamento que então estiveram em confronto.

A primeira foi capitaneada por lorde Halifax, para quem a melhor forma de lidar com a indestrutível Alemanha era encontrar uma qualquer forma de acomodação com Hitler. A proposta, racionalmente falando, fazia algum sentido: com a França de joelhos e os Estados Unidos ainda longe de qualquer participação militar, o Reino Unido estava só frente a Hitler. Além disso, se fosse possível garantir a paz, talvez o Império Britânico sobrevivesse também.

Nos primeiros dias, Churchill vacilou ante os argumentos de Halifax. Mas, a 28 de maio, no mais dramático discurso que o Gabinete de Guerra escutara, a posição do então premiê foi clara: as nações que caíram a lutar, disse ele, levantaram-se de novo. Mas aquelas que se renderam covardemente acabaram liquidadas para sempre. E acrescentou, com um toque de dramatismo gráfico: se o fim chegasse com a invasão alemã, que cada membro daquele gabinete lutasse até cair na sua própria poça de sangue. A retórica era Churchill "vintage". Que, obviamente, continuou no Parlamento, no rádio- a exortar os ingleses a lutarem -"nas praias, nos campos, nas ruas, nas montanhas"- e a nunca se renderem.

Em 1940, Churchill só tinha isso a oferecer: palavras. E palavras, às vezes, têm uma força devastadora.

*ARTISTA *

Quando olhamos para a vitória das potências aliadas em 1945, encontramos várias explicações para o feito. A participação americana a partir de 1941 foi crucial; o sacrifício soviético foi mais crucial ainda; e, por falar em União Soviética, a decisão de Hitler em rasgar o pacto de não-agressão Molotov-Ribbentrop e tentar o mesmo que Napoleão antes dele (a invasão russa), teve o mesmo desfecho: uma humilhante derrota. Mas em 1940, quando Londres combatia ainda sozinha, a guerra só não foi perdida porque Churchill era um brilhante leitor, escritor e ator.

Essa, pelo menos, é a tese do mais interessante livro sobre Churchill que surgiu nos últimos tempos para assinalar os 50 anos da morte. Intitula-se "The Literary Churchill" [Yale University Press, 528 págs., R$ 77,83 e-book], e o autor, Jonathan Rose, pretende mostrar como a política e a literatura estiveram intimamente ligadas na carreira do estadista. De tal forma que os seus objetivos políticos, e em especial a resistência face a Hitler, foram profundamente moldados pelos livros que ele lera e, não menos importante, pelas peças de teatro a que assistira.

Churchill era um "melodramático", como qualquer alma sensível formada na Inglaterra vitoriana e eduardiana. A palavra não deve ser vista como pejorativa. No melodrama, o mundo é percebido como uma luta entre contrários -o bem contra o mal, a justiça contra a injustiça. Mas é uma luta que, pela sua radicalidade e absolutismo moral, permite que o bem triunfe no fim. E há momentos históricos em que é aconselhável acreditar que tal acontece.

Essa mundividência acompanhou Churchill nas suas leituras de juventude. Mas também nas suas escritas de juventude, a começar pelo romance "Savrola" (1899), o único que publicou. O livro pode ser, como sustenta Jonathan Rose, "um dos piores romances do século 19". Mas ele revela também traços importantes sobre a formação moral e política de Churchill que seriam imprescindíveis nos anos posteriores.

Li "Savrola" com curiosidade arqueológica. E nele encontrei passagens que parecem ter sido escritas não no século 19 - mas depois de Churchill ter vencido Hitler em 1945. Superficialmente, o romance propõe-se narrar a história de uma república imaginária (Laurania), dominada por um ditador (Antonio Molara). Contra o ditador, encontramos o herói que dá nome ao romance (Savrola, ou seja, uma projeção óbvia do próprio Churchill) e que organiza um movimento armado contra o "despotismo militar" de Molara. Como afirma Jonathan Rose, e com razão, em "Savrola" o jovem autor escrevia "um melodrama antifascista" muito antes da chegada do fascismo.

Mas a formação de Churchill não se limitou aos livros que ele leu ou publicou. Ao mesmo tempo que compunha o seu "Savrola", o jovem escrevia um tratado de estética ("The Scaffolding of Rhetoric"), em que estabelecia as regras fundamentais do discurso público. São, no essencial, as regras que ele seguiu no Parlamento -essa verdadeira "Comédie Anglaise", como chamou Chips Channon (1897-1958), em comparação teatral com a Comédie Française -e, claro, quando liderou o Reino Unido na Segunda Guerra Mundial.

Entre as regras, Jonathan Rose sublinha a preocupação do autor com "uma voz clara e sonora", uma cadência teatral capaz de ir desfiando uma narrativa em crescendo, e, recusando a tradição parlamentar de usar o latim e o grego como ornamentos do discurso, uma opção declarada por palavras inglesas, simples, poderosas e integradas em frases curtas.

Dito de outra forma: Churchill era, acima de tudo, um artista. E a política era a sua tela, o seu palco. O seu verdadeiro romance. Essa predisposição estética pode conduzir a lamentáveis resultados - e o caso de Hitler, ironicamente, ilustra esse ponto na perfeição. Porque Hitler era também um artista: na sua oratória, na sua teatralidade e na forma como moldou o povo alemão à luz da sua utopia rácica. O problema, para Hitler, foi ter encontrado, do outro lado do canal da Mancha, um artista maior e mais nobre do que ele: alguém que se preparara toda a vida para aquele "papel", naquele "palco", contra aquele "vilão".

Em "The Literary Churchill", Jonathan Rose relembra as palavras do guarda-costas do premiê, que relatou o deleite com que o velho Winston escutava no gramofone o ódio com que Hitler pronunciava o seu nome nos seus discursos. A questão não era apenas política. Era pessoal.

E, para derrotar Hitler, nada melhor que prometer "sangue, trabalho, lágrimas e suor". Nada melhor que dramatizar uma luta nas praias, nos campos, nas ruas. Nada melhor que engrandecer os pilotos ingleses que defenderam a ilha com a frase de efeito: "Nunca tantos deveram tanto a tão poucos".

Como escreveu o filósofo Isaiah Berlin (1909-97) em ensaio clássico sobre o líder ("Winston Churchill in 1940"), o tempo histórico tinha finalmente reconciliado o homem com o seu destino. A Churchill cabia-lhe agora reconciliar os ingleses com a sua poderosa "imaginação histórica" - e fazê-los acreditar na vitória.

24 DE JANEIRO

Homens excepcionais são necessários para tempos excepcionais. Mas talvez eles não sejam a melhor opção para tempos normais. Isso explica, em parte, a derrota eleitoral de Churchill em 1945. Em rigor, os ingleses não estavam cansados de Churchill, a quem deviam a liberdade e a vitória. Mas estavam cansados da guerra - e Churchill era também a memória dessa guerra.

Depois de perder as eleições para o trabalhista Attlee, ele ainda terá ouvido de Clementine Churchill, sua mulher e eterna confidente: "Isto é uma bênção disfarçada". Churchill, com típico humor, terá respondido: "Então está muito bem disfarçada". Ainda regressaria ao poder pelo voto popular em 1951. Mas resignaria em 1955.

E a morte? Que dizer da morte que sempre o perseguira toda a vida?

Numa manhã de sol (coisa rara em Oxford), saio do St. Antony's College, onde estou atualmente a viver, e decido visitar o Palácio de Blenheim, a imponente residência dos Marlborough, onde Churchill nasceu. Hoje, o palácio é uma espécie de Disneylândia para admiradores do ex-premiê.

Chegamos. Um pequeno trem conduz-nos à entrada principal (sim, é preciso um trem -e o trem tem nome: Winston, naturalmente). E, depois, é possível admirar o quarto do bebê, as primeiras roupas, algumas fotografias.

Na saída, uma gigantesca loja de "memorabilia" vende de tudo: livros, bustos, mais fotos. Os turistas invadem o palácio, passeiam pelos jardins e, no final, compram uma caneca com o rosto de Churchill.

Sentado na escadaria principal do palácio, acompanho as excursões e penso, uma vez mais, que tudo isto poderia nunca ter existido. Bastava que a Churchill estivesse reservado o mesmo destino do pai.

Sabemos hoje que não esteve. Para quem sempre acreditou que morreria jovem, chegar aos 90 é um belo argumento a favor da hipocondria.

Mas então olho para o céu e penso: se Deus é perfeito, então o seu sentido de humor também é. Winston Churchill morreu a 24 de janeiro de 1965. Não é um dia importante para nós. Mas era um dia muito importante para ele: o seu pai tinha morrido nesse exato dia, 70 anos antes.
Por: JOÃO PEREIRA COUTINHO, 38, escritor, cientista político e colunista da Folha, é autor de, entre outros, "As Ideias Conservadoras" (Três Estrelas). ilustração ZÉ OTAVIO
Publicado na Folha de SP

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O PREÇO DA VERDADE

Todo mundo tem algum senso instintivo do que é normal e são, mas não sabe expressá-lo em palavras, nem usualmente é desafiado a fazê-lo. O desafio aparece quando, em épocas de crise, sentindo afrouxar-se os freios do costume e da autoridade, os interessados na promoção de alguma anormalidade específica – a sua própria ou a do seu grupo de referência -- se erguem dos bas-fonds da sociedade e partem para o ataque frontal à própria noção de normalidade e sanidade. O defensor dos antigos costumes encontra-se então numa posição de extrema desvantagem: como experiências tão abrangentes e duradouras não se deixam facilmente traduzir em conceitos, ele se apega a definições nominais e símbolos corriqueiros que a crítica corrosiva destrói com a maior facilidade. É que, não contando com a proteção do costume e do senso comum, o militante da causa mórbida entra em campo armado dos mais sofisticados instrumentos da dialética -- o que hoje em dia corresponde ao relativismo cultural e ao desconstrucionismo --, comparados aos quais o discurso do seu oponente assume a aparência grotesca de um mero apelo irracional ao argumento de autoridade e à força do conformismo banal. Eis aí, num instante, o anormal e o doentio elevados à condição de valores culturais respeitáveis, e a sanidade reduzida ao estatuto de “construção cultural” e de “preconceito”.


Comprova-se assim novamente, pela milésima vez, a lição do Eutífron de Platão, segundo a qual aqueles que estão do lado certo só por tradição e hábito, sem revigorar suas crenças pela busca ativa da verdade, se tornam presas fáceis e colaboradores inconscientes do mal.

Acontece que a busca ativa da verdade exige uma exposição profilática à experiência do erro, algo como uma vacina ou auto-intoxicação homeopática, experiência que não é sem riscos e da qual a inteligência preguiçosa, que é a da maior parte da espécie humana, foge como quem evita o contágio de uma lepra incurável.

O simples fato de que não exista erro absoluto, de que mesmo as hipóteses mais rebuscadas e antinaturais contenham uma parcela de verdade, é profundamente repugnante àquele que espera poder ter razão sem ter de pensar no assunto, ou instalar-se no reconforto da certeza sem ter de pagar o preço da dúvida. Nem sempre os valores em que ele acredita são meros preconceitos, mas é por mero preconceito que ele acredita neles. Assim, a maioria tende irresistivelmente a imitar o velho anfitrião do diálogo platônico, que, entediado e confuso ante o debate dos convivas mais jovens empenhados na busca da verdade, vai dormir.

Contribui ainda mais para isso este segundo fator: para tirar proveito dos erros, apreendendo a sua verdade parcial e integrando-a numa verdade mais abrangente, não basta conhecê-los intelectualmente, é preciso vivenciá-los em imaginação, senti-los, impregnar-se deles pessoalmente sem assumi-los por completo, como o ator que se identifica temporariamente com o personagem sem precisar transformar-se nele na vida real.

É uma operação imaginativa das mais difíceis e problemáticas, que constitui, no entanto, a essência da educação humanística, a conditio sine qua non de todo ingresso no mundo da cultura superior. Em geral, e excetuadas certas situações incomuns que não vêm ao caso, ela só pode ser realizada sob o guiamento de um professor experimentado, que passou por todos os erros e, em vez de ser devorado por eles, emergiu fortalecido. Os Diálogos de Platão dão-nos o exemplo do destemor, da naturalidade, da abertura de alma, quase da singeleza com que Sócrates aceita e toma como suas as hipóteses mais hostis e aberrantes, para apreendê-las em profundidade e superá-las. Mas os Diálogos são apenas simplificações teatrais: resumem num debate de poucas horas aquilo que, na realidade, é uma experiência que pode se prolongar por muitos anos e comprometer a alma em situações bem mais difíceis do que um mero duelo de razões. Só as mentalidades superficiais imaginam que tudo na esfera da inteligência é uma questão de teorias, argumentos e provas. Se o conflito das cosmovisões não se transfigura em guerra de paixões dentro da nossa própria alma, não conhecemos realmente essas cosmovisões, só as suas expressões verbais, e tudo o que dissermos contra ou a favor delas não passará nunca de um flatus vocis, de uma filosofia de isopor. A filosofia genuína, como a educação efetiva, é, segundo o verso imortal, “um saber de experiência feito”.

No Brasil, onde se espera que aos dezoito anos o cidadão já tenha opinião formada sobre tudo, e onde a única função dos professores é recitar as opiniões tidas como corretas para que os alunos as repitam aos berros e apedrejem quem as negue, a educação superior, nesse sentido, é virtualmente impossível em qualquer instituição nominalmente destinada ao ensino.

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Não vi nenhum inconveniente em enviar estas notas ao Diário do Comércio antes da segunda parte da série “Um cadáver no poder”, que prosseguirei na semana que vem.

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Eu havia prometido também completar a análise do caso Bolsonaro e explicar como podem os comunistas e seus amigos ser tão loucos ao ponto de acusar de estupro, sem apontar uma única vítima, justamente o algoz mais severo de todos os estupradores. Prometi, mas não é preciso um artigo inteiro para isso. Posso resumir a explicação em poucas linhas.

Os comunistas inventaram o uso do estupro como arma de guerra psicológica, ao invadir a Alemanha (leiam Antony Beevor, Berlin: The Downfall 1945, Penguin Books, 2002), cultuaram como heróis e gurus máximos pelo menos três estupradores, Stálin, Mao Dzedong e Fidel Castro (sobre este último, v. http://cuban-exile.com/doc_326-350/doc0343.html e http://www.christusrex.org/www2/fcf/exwife.html), e ainda recentemente, no Brasil, produziram um manifesto em favor de Kim Jung-Un, que instituiu o estupro como sistema, nas cadeias do seu país, para o tratamento e “reeducação” de prisioneiros políticos.

Ninguém, no mundo, carrega mais culpa pelo fenômeno hediondo dos estupros em massa do que os comunistas. Eles sabem disso, mas não querem pensar no assunto. Reprimem a culpa. Rejeitam-na para o fundo do inconsciente, de onde, em momentos de tensão, ela emerge sob forma invertida, camuflada de acusações projetivas, como já explicava o dr. Freud.

Poucas coisas, no universo, são tão sujas quanto a mente de um comunista. Qualquer comunista.

Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

INVIDIA

“A inveja é a paixão que vê com maligno desgosto a superioridade dos que realmente têm direito a toda a superioridade que possuem.” (Adam Smith)

A inveja é um sentimento com profundas conseqüências para o progresso da humanidade, e caso não seja devidamente domesticada, pode limitar bastante nossos avanços. John Stuart Mill considerou a inveja a paixão mais antisocial de todas. O filósofo austríaco Helmut Schoeck escreveu um brilhante livro sobre o tema, chamado Envy: A Theory of Social Behaviour. Seu trabalho deveria ser lido por todos, principalmente por aqueles que defendem uma utopia na qual seria possível construir uma sociedade igualitária, desprovida da inveja. O autor deixa claro, com sólidos argumentos e vasta experiência empírica, que não só é impossível a construção de tal sociedade, como o motivador de seus defensores é muitas vezes a própria inveja.

Em primeiro lugar, é interessante traçar as diferenças entre a inveja e o ciúmes. No caso deste, uma terceira pessoa está envolvida, e o ciumento pretende preservar algo que considera sua propriedade. Ele quer preservar seu ativo de terceiros. Já no caso da inveja, há um impulso destrutivo, onde o outro não ter algo é mais importante que tudo. A eliminação do próprio ativo passa a ser o objetivo. A inveja se mistura muito com o ressentimento, fruto de um sentimento de inferioridade, onde a desgraça alheia é mais importante que a satisfação pessoal do invejoso. Se um vizinho quebrar a perna, o invejoso irá regozijar-se, ainda que isso não faça ele andar melhor. Se um rico for à bancarrota, o invejoso irá comemorar, ainda que isso não o faça mais rico. O homem intensamente invejoso pode inclusive ser possuído pelo desejo de autodestruição, incapaz de tolerar que outros saibam aproveitar a vida e demonstrar felicidade.

Helmut conclui pontos interessantes sobre a inveja, como o fato de mínimas diferenças serem suficientes para despertar muita inveja no homem invejoso, ou que normalmente a inveja está mais atrelada à proximidade das pessoas. Em outras palavras, um não precisa ser um miserável para invejar um rei, sendo mais provável a inveja surgir entre empregados de um mesmo nível onde um deles recebeu um aumento relativo ou um elogio do chefe. Isso derruba o sonho dos igualitários em criar uma sociedade onde todos fossem materialmente iguais, como se isso pudesse eliminar a inveja do mundo. Pelo contrário, em tais sociedades – caso pudessem existir – a inveja seria de um nível bastante elevado, onde um simples agrado de alguém, o olhar de uma mulher, uma mísera demonstração de superioridade intelectual, faria despertar uma inveja incontrolável no invejoso. *

No livro, o autor vai buscar os indícios de inveja – e os mecanismos desenvolvidos para evitá-la – nas sociedades mais primitivas que se tem conhecimento. A crença na magia negra, por exemplo, teria pouca diferença da fé socialista de que o pobre é pobre por ser explorado pelo patrão, ou a crença das nações subdesenvolvidas de que assim estão por culpa das nações mais ricas. O uso de algum bode expiatório, seja a magia negra, o desejo dos deuses ou o capitalismo explorador, serve para consolar aqueles invejosos que não suportam o sucesso alheio explicado por mérito ou alguma superioridade qualquer em relação a si próprio. Se o vizinho teve uma colheita melhor, não pode ser pela sua maior eficiência e produtividade, pois isso seria um atestado de superioridade que o invejoso não está disposto a dar. Diferente daquele que observa e admira o sucesso alheio, o invejoso vai buscar refúgio nas “explicações” fantasiosas, como o uso da magia pelo vizinho, a sorte, o destino traçado pelos deuses etc.

Se todos possuem, em diferentes graus, o sentimento de inveja, a busca de proteção contra o invejoso, o “mau olhado”, sempre esteve presente nas diferentes culturas também. Quanto mais uma sociedade conseguiu controlar os invejosos e dar mais espaço e liberdade para os inovadores, mais progresso atingiu. A alocação de escassos recursos não é eficiente quando o medo da inveja alheia é grande demais. Se o fruto do sucesso será tomado por medidas claramente invejosas como o imposto progressivo, deixam de existir os incentivos adequados para que o empreendedor se arrisque. Se as desigualdades não são toleradas, se alguém souber a priori que seu sucesso será motivo de forte inveja por parte de seus vizinhos, as realizações pessoais serão ínfimas, e por conseguinte a da sociedade em questão também.

Por isso que as comunas israelenses, os kibbutzin, jamais seriam capazes de evoluir da subsistência agrária, e o pouco avanço existente vem emprestado de fora, dos países industriais capitalistas. O socialismo, a pura idealização da inveja, onde todos devem ser iguais como os insetos gregários são, seria a vitória da mediocridade sobre o talento, sobre as conquistas individuais. Numa sociedade igualitária, a inveja derrota o sucesso, as realizações pessoais. Eis o ideal dos invejosos, que trabalham para incutir um forte sentimento de culpa naqueles que, de alguma maneira, destacaram-se na sociedade. Temendo a inveja alheia, muitos desses sucumbem também ao sonho – ou pesadelo – igualitário.

Com isso em mente, deixo a conclusão nas palavras do próprio filósofo: “O desejo utópico por uma sociedade igualitária não pode ter surgido por qualquer outro motivo que não a incapacidade de lidar com a própria inveja”.

* Robert Nozick disse coisas interessantes sobre o tema, em Anarchy, State, and Utopia. Ele lembra que a auto-estima se baseia nas características de diferenciação entre indivíduos. Os julgamentos sobre quão bem realizamos determinada tarefa ocorrem através da comparação com o desempenho dos outros. Não há um padrão para saber se algo é bem feito independente de como ele pode ser feito por outros. Quanto Trotsky disse que, no comunismo, o homem médio seria do peso intelectual de um Aristóteles ou Goethe, ele ignorou que, todos sendo desta forma, ninguém acharia grande coisa tal característica. Ser como Goethe seria estar na média, ser medíocre, e o indivíduo ainda poderia ter problemas com a auto-estima. Adotando um modelo simples de dimensões diferentes de importância de atributos, quando uma dessas dimensões é equalizada, como a riqueza, a sociedade acaba escolhendo outra dimensão qualquer como a mais importante. Seja a inteligência, a beleza, a força, não importa, sempre haverá uma nova dimensão para suscitar julgamentos acerca das diferenças individuais. São estas diferenças que importam para a auto-estima. Qual o orgulho que alguém pode ter por saber falar, onde todos sabem? Quem se sente satisfeito consigo mesmo apenas por ter direito ao voto, enquanto todos têm? No passado, o direito de votar poderia ser um diferencial, mas uma vez que temos o sufrágio universal, esta deixa de ser uma dimensão relevante. Portanto, para Nozick, o caminho mais promissor para que a sociedade possa evitar grandes diferenças na auto-estima seria não ter um peso comum das dimensões, mas sim uma diversidade de diferentes dimensões e pesos. Assim, cada um poderia achar as dimensões que alguns outros também consideram importantes, permitindo alguma avaliação positiva de si mesmo. A diversidade descentralizada do liberalismo é um remédio para a inveja bem mais eficiente que a igualdade centralizada do socialismo.
Por: Rodrigo Constantino
Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/