quinta-feira, 14 de maio de 2015

UMA SOCIEDADE MORALMENTE SEDENTÁRIA

Li “O homem medíocre” pela primeira vez em 1999. Na época, o cetro do poder político brasileiro estava em outras mãos e a oposição de então apresentava-se como modelo das mais seráficas virtudes. Um capítulo do livro, em especial, chamou-me a atenção por parecer escrito para aquela realidade. O autor, José Ingenieros, tratava, ali, da diferença entre a mera honestidade e a virtude, bem como da falsa honestidade daqueles que a exibem como troféu.


“Em todos os tempos, a ditadura dos medíocres é inimiga do homem virtuoso. Prefere o honesto e o exibe como exemplo. Mas há nisso um erro ou mentira que cabe apontar. Honestidade não é virtude, ainda que não seja vício. A virtude se eleva sobre a moral corrente, implica uma certa aristocracia do coração, própria do talento moral. O virtuoso se empenha em busca da perfeição.”

Com efeito, não fazer o mal é bem menos do que fazer todo o bem que se possa. Ser e proclamar-se honesto para consumo externo é moldar-se às expectativas da massa e isso fica muito aquém da verdadeira virtude. “Não há diferença entre o covarde que modera suas ações por medo do castigo e o cobiçoso que age em busca da recompensa“, afirma o filósofo portenho enquanto sentencia sobre o homem medíocre: “Ele teme a opinião pública porque ela é a medida de todas as coisas, senhora de seus atos“. Temia, filósofo Ingenieros, temia. O medíocre não mais teme a opinião pública porque a nação tolerou prostituir-se em troca de umas poucas moedas.

Não demorou muito, daquela minha leitura, para que as palavras de Ingenieros desnudassem a intimidade do novo círculo de poder que se instalara no país! Presentemente, após 12 anos disso, sempre em dose crescente, estou convencido, como nunca, de que jamais enfrentaremos de modo correto a degradação das práticas políticas brasileiras se não compreendermos o que é a virtude e como ela se expressa no plano pessoal e no plano institucional.

Há alguns anos, quando se discutia com disposição semelhante à de agora a conveniência e o conteúdo de uma reforma política, instalou-se na opinião pública ampla convergência quanto à indispensabilidade de ser criado preceito que impusesse a fidelidade partidária. “É preciso estabelecer a fidelidade partidária!”, clamavam as vozes nas calçadas, em torno das mesas de bar, nas academias e nos salões do poder. Cansei de alertar, em sucessivos artigos, contra a falsa esperança que a nação depositava nesse instrumento de coerção. Tudo que se lia sobre o assunto passava a impressão de que a infidelidade partidária sintetizava nossos males políticos e era o coração ético de uma boa reforma. Por quê? Nunca entendi. Há coisas que se repetem sem explicação plausível.

Decorridos, já, sete anos de vigência do instituto da fidelidade partidária está demonstrado que ela em nada melhorou o padrão das relações institucionais entre o governo e o parlamento, nem a conduta dos agentes políticos nacionais.

É preciso distinguir, portanto, a virtude que se alcança por adesão voluntária a um determinado bem, da virtude intrínseca a modelos institucionais que inibem a conduta não virtuosa. A fidelidade será, sempre, um produto da vontade humana. O pérfido só renunciará a perfídia quando ela se mostrar inconveniente. O venal pode trocar de camiseta, mas só não terá preço se não houver negócio a ser feito. É por esse motivo que quando o STF proclamou a constitucionalidade da Lei da Ficha Lima, eu escrevi que estávamos trocando de fichas, ou de fraldas como diriam alguns, mas não estávamos acabando com a sujeira que, logo iria encardir outras tantas.

Por quê? Porque essa lei parece desconhecer que a corrupção tem causas em duas fragilidades, a da moralidade individual e a institucional. No plano das individualidades, só teremos pessoas virtuosas em maior número quando forem enfrentadas certas questões mais amplas, na ordem social. Ou seja, quando:

• a virtude for socialmente reconhecida como um bem a ser buscado;
• escolas e universidades retomarem o espírito que lhes deu origem e levarem a sério sua missão de formação e informação e não cooptação;
• famílias e meios de comunicação compreenderem a relação existente entre o desvario das condutas instalado na vida pública e o estrago que vêm produzindo na formação da consciência moral e na vida privada dos indivíduos;
• o Estado deixar de ser fonte de privilégios;
• for vedada a filiação partidária dos servidores públicos;
• forem extintos os CCs na administração direta, indireta e Estatais;
• a sociedade observar com a atenção devida o método formativo e educacional das corporações militares;
• voltar a ser cultivado o amor à Pátria;
• a noção ideológica de “la pátria grande” for banida por inspirar alta traição;
• as Igrejas voltarem a reconhecer que sua missão salvadora nada tem a ver com sociedade do bem estar social, mas com sociedade comprometida com os valores que levam ao supremo Bem.

Não há virtude onde não há uma robusta adesão da vontade ao Bem. E isso não acontece por acaso. É uma busca que exige grande empenho.

Contudo, a democracia (governo de todos), não é necessariamente aristocracia (governo dos melhores). E será sempre tão sensível à demagogia quanto a aristocracia é sensível à oligarquia. Portanto, numa ordem democrática, como tanto a desejamos, é necessário estabelecer instituições que, na melhor hipótese, induzam os agentes políticos a comportamentos virtuosos ou, com expectativas mais modestas, inibam as condutas viciosas. Ora, o modelo político brasileiro parece ter sido costurado para compor guarda-roupa de cabaré. Não há como frear a corrupção que se nutre num modelo institucional que a favorece tão eficientemente, seja na ponta das oportunidades, seja na ponta da impunidade, vale dizer, pela via das causas e pela via das consequências. Não estou falando de leis que a combatam, mas de um modelo político que a desestimule.

Como? Adotando procedimentos e preceitos comuns nas Forças Armadas. Libertando a administração pública dos arreios partidários, por exemplo. Ao entregar para o aparelhamento partidário a imensa máquina da administração (que a mais elementar prudência aconselharia afastar das ambições eleitorais), o Brasil amarra cachorro com linguiça e dá operosidades e dimensões de serraria industrial ao velho e solitário “toco”. “É politicamente inviável fazer isso no Brasil”, estará pensando o leitor destas linhas em coro com a grande maioria dos que, entre nós, exercitam poder político. Eu sei, eu sei. Não sou ingênuo. Está tudo errado, mas não se mexe. As coisas são assim, por aqui.

Do mesmo modo como a fusão do Governo (necessariamente partidário e transitório) com a Administração (necessariamente técnica e neutra porque permanente no tempo) cria problemas e distorções de conduta, a fusão do Governo com o Estado (que, por ser de todos, não pode ter partido) faz coisa ainda pior no plano da política interna e externa. Desde a proclamação da República, todo governante trata de aparelhar o Estado e exercer influência sobre suas estruturas.

Por fim, quero lembrar que o relativismo moral veio para acabar com a moral. O novo totalitarismo elegeu como adversário os valores do Ocidente. Multidões, sem o perceber, tornaram-se moralmente sedentárias.

Abandonaram os exercícios que moldam a consciência e fortalecem a vontade. Ao fim e ao cabo, em vez de uma sociedade onde os indivíduos orientam suas vidas segundo os conceitos que têm, constituímos uma sociedade onde os indivíduos conformam seus princípios e seus valores à vida que levam.
Por: Percival Puggina Do site: www.puggina.org


segunda-feira, 11 de maio de 2015

POR LINHAS TORTAS

“Gramscismo sob pretextos faorianos” é uma expressão que resume perfeitamente bem a política do PT ao longo de toda a sua existência.

Na vasta bibliografia sobre temas nacionais, especialmente a assinada por autores de esquerda, não há tópico mais abundantemente estudado, explorado, revirado de alto a baixo, do que “a revolução brasileira”. Perdão. É com maiúsculas: Revolução Brasileira.

Livros com esse título, ou com essa expressão no título, foram produzidos por Nelson Werneck Sodré, Franklin de Oliveira, Octávio Malta, Celso Furtado, Pessoa de Moraes, Guerreiro Ramos, Azevedo do Amaral, Jamil Almansur Haddad, Florestan Fernandes, Moisés Vinhas, Danton Jobim, Hélio Silva, José Maria Crispim, Celso Brant e uma infinidade de outros, sem contar aqueles, muito mais numerosos, que trataram do mesmo assunto sem ostentá-lo no título.

Pode parecer estranho o interesse quase obsessivo por esse fenômeno num país que não atravessou nenhuma experiência comparável às revoluções da França, da América, da Rússia, da Espanha ou mesmo do México, limitando-se, a nossa sanha revolucionária, a escaramuças locais com derramamento de sangue relativamente modesto no ranking internacional.

No entanto, a referência naqueles títulos não é a nenhum episódio histórico em particular, grande ou pequeno. “Revolução brasileira”, na acepção geral que o termo assumiu numa longa tradição de “interpretações do Brasil”, designa algo como um rio que flui, uma história inteira, um processo intermitente na superfície, contínuo no fundo. Na verdade, não houve um único grande acontecimento histórico que se pudesse chamar “Revolução Brasileira”. É a série inteira dos pequenos que leva esse nome, designando uma intenção, uma teleologia simbólica subjacente a todos eles: o processo pelo qual o povo, inicialmente um bando de desgarrados e escravos mantidos em obediência estrita sob o peso de uma claque de altos funcionários e senhores de terras (mais tarde banqueiros e capitães de indústria), vai aos poucos emergindo de um estado de passividade abjeta para tentar se tornar o senhor e autor da sua própria História, sempre com sucesso inferior às suas mais ambiciosas expectativas, e por isso mesmo fadado a repetir a tentativa de novo e de novo, em escala um pouco maior. 

Contra quem se volta precisamente esse processo? Qual a “classe dominante” que se tenta remover de cima para dar espaço à iniciativa popular? As tentativas de defini-la em termos do marxismo ortodoxo, como “burguesia capitalista exploradora do proletariado”, falharam miseravelmente, tal a míngua de proletários e burgueses num país de poucas indústrias, onde a burguesia industrial só conseguiu ela própria algum espaço quando carregada no colo pela ditadura estatista, semifascista, de Getúlio Vargas.

Na verdade os autores marxistas não conseguiram sequer entrar num acordo quanto às etapas iniciais e mais remotas do processo, anteriores à Independência, uns falando de “feudalismo”, outros de “capitalismo rural”, outros, ainda, propondo a teoria de uma formação sócio-econômica sui generis, alheia às categorias usuais do marxismo, o “escravismo colonial”.

Quem melhor definiu o vilão da história, a meu ver, foi Raymundo Faoro, no clássico Os Donos do Poder.Formação do Patronato Político Brasileiro (Globo, 1958; ainda prefiro a primeira edição à versão reescrita de 1974, mais volumosa). Partindo de noções obtidas em Max Weber, Faoro redefinia a índole e os objetivos da Revolução Brasileira em termos mais adequados à realidade do que qualquer marxista teria podido fazer no lugar dele. E eu não conseguiria resumir sua tese com mais exatidão do que o fez Fábio Konder Comparato (v. (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142003000200024&script=sci_arttext):

“Para Raymundo Faoro, a sociedade brasileira – tal como a portuguesa, de resto – foi tradicionalmente moldada por um estamento patrimonialista, formado, primeiro, pelos altos funcionários da Coroa, e depois pelo grupo funcional que sempre cercou o Chefe de Estado, no período republicano. Ao contrário do que se disse erroneamente em crítica a essa interpretação, o estamento funcional governante, posto em evidência por Faoro, nunca correspondeu àquela burocracia moderna, organizada em carreira administrativa, e cujos integrantes agem segundo padrões bem assentados de legalidade e racionalidade. Não se trata, pois, daquele estamento de funcionários públicos encontrável nas situações de ‘poderio legal com quadro administrativo burocrático’ da classificação weberiana, mas de um grupo estamental correspondente ao tipo tradicional de dominação política, em que o poder não é uma função pública, mas sim objeto de apropriação privada.”

O livro demorou para atrair a atenção pública, mas a segunda edição apareceu como uma balsa para os náufragos numa época em que, esfaceladas as guerrilhas, a esquerda brasileira buscava caminhos para a redemocratização do país e ansiava por um discurso que não soasse demasiado comunista aos ouvidos do governo militar – um esforço cujo primeiro resultado objetivo veio com a fundação do PT em 1980. Faoro tornou-se quase espontaneamente o santo padroeiro do novo partido. Sua casa era freqüentada assiduamente pelo sr. Luís Inácio Lula da Silva, que em 1989 chegou a convidá-lo, em vão, para ser candidato à vice-presidência.

Vestindo a camiseta faoriana de inimigo primordial da apropriação privada dos poderes públicos, o PT fez um sucesso tremendo nos anos 90, como denunciador-mor da corrupção nas altas esferas federais e promotor de uma vasta campanha pela “ética na política”, que resultou na quase beatificação do seu líder principal (quando Lula viajava pelas áreas mais pobres do Nordeste, doentes vinham lhe pedir que os curasse por imposição de mãos, como os reis da França).

Àquela altura, o partido parecia mesmo resumir e encarnar o espírito da “Revolução Brasileira”, com toda a expectativa messiânica embutida nesse símbolo. Daí a vitória espetacular de Lula na eleição de 2002.

Aconteceu – sempre acontece alguma coisa – que a liderança esquerdista em geral, e a petista em especial, não lia nem seguia só Raymundo Faoro. Desde os anos 60-70 lia com deleitação crescente os Cadernos do Cárcere e as Cartas de Antonio Gramsci, o fundador do Partido Comunista Italiano e criador da estratégia comunista mais sutil e mais calhorda de todos os tempos: a “revolução cultural” a ser implementada mediante a “ocupação de espaços” em todos os órgãos da administração pública, da mídia, do ensino etc., para culminar no momento em que todo o povo seria socialista sem saber e o partido se tornaria “um poder onipresente e invisível”.

Se Faoro forneceu ao PT a sua identidade aparente e a base do seu discurso “ético”, foi Gramsci quem deu à agremiação a sua estratégia e as suas táticas substantivas. “Gramscismo sob pretextos faorianos” é uma expressão que resume perfeitamente bem a política do PT ao longo de toda a sua existência. Nunca um partido teve tão bela oportunidade de colocar em prática uma estratégia estritamente comunista sob uma camuflagem weberiana tão insuspeita.

Tudo parecia perfeito. Diante de uma platéia sonsa, a quem a sugestão de que houvesse algum comunismo nisso soava como delírio de “saudosistas da Guerra Fria”, o partido foi “ocupando espaços” e concentrando poder até fazer da administração federal inteira – sem contar o sistema de ensino e a mídia – o instrumento servil dos seus objetivos privados.

Nenhum, nenhum dos seus guias iluminados notou que era impossível fazer isso sem que o partido se transformasse, ele próprio, no odioso e odiado “estamento burocrático”, com o formidável agravante de que, na ânsia de concentrar todo o poder em suas mãos, e sempre enleado na boa consciência de servir à causa da Revolução Brasileira, passou a roubar, trapacear e explorar o povo incomparavelmente mais do que todos os estamentos anteriores.

Faoro morreu em maio de 2003, quatro meses depois de Lula tomar posse no seu primeiro mandato, e não teve tempo de meditar, nem muito menos de alertar o PT, quanto ao desastre que a síntese artificiosa e perversa, o “faorogramscismo”, anunciava como desenvolvimento fatal do processo.

Inevitavelmente, os papéis se inverteram: transmutado por obra do gramscismo na encarnação máxima e mais cínica do “tipo tradicional de dominação política, em que o poder não é uma função pública, mas sim objeto de apropriação privada”, o PT, quando por fim a população em massa se voltou contra ele, revoltada ante os maiores escândalos financeiros de todos os tempos, no fundo dos quais ela enxergava ainda que vagamente a premeditação gramsciana, viu-se perdido, desorientado, atônito, seus líderes ora escondendo-se no palácio como aristocratas assustados na Paris de 1789, ora tentando camuflar o medo mediante bravatas truculentas de um ridículo sem par.

Sim, a Revolução Brasileira está nas ruas. É ela, e não outro personagem qualquer. E veio com mais força do que nunca, brotando da pura espontaneidade popular, quase sem líderes (ou com tantos que se diluem uns aos outros), sem dinheiro, sem respaldo em partidos – o povo contra o “estamento burocrático”. Como diria o próprio alvo supremo da ira popular, “nunca ânftef na iftória dêfte paíf” esse povo demonstrou vontade tão firme e inabalável de ser seu próprio mentor e guia, de criar sua própria História, de mandar às favas todos os importantões e de calar de vez as bocas dos mentirosos. A começar pelas da sra. Rousseff e do sr. Lula.

Quem mandou o PT confiar nas falsas espertezas do gramscismo? Deus realmente escreve direito por linhas tortas. 
Por: Olavo de carvalho Publicado no Diário do Comércio.

domingo, 10 de maio de 2015

AOS TEOLOGUINHOS DE PLANTÃO

Ao simplificar o conceito, o novo Código de João Paulo II, ao contrário do que dizem alguns sapientíssimos intérpretes, não isentou de excomunhão os católicos colaboracionistas, mas apenas reiterou o óbvio: não existe católico pró-comunista que não seja apóstata.


A coisa mais difícil, neste país, é encontrar um liberal, conservador ou similar que entenda, mesmo de longe, o que é comunismo. Outro dia, um blogueiro católico jurava que o novo Código de Direito Canônico já não condena à excomunhão automática os católicos que colaborem com o movimento comunista, mas só aqueles que “professem o materialismo dialético”, pois só neste caso haveria apostasia, motivo de excomunhão. Sem entrar no mérito da questão teológica aí envolvida, e analisando a coisa só do ponto de vista semântico e estilístico, vejo nessa afirmativa o tipo mesmo da linguagem falsificada em que a total ignorância de um problema se camufla de ciência superior e até de doutrina sacra. 

A mim me parece auto-evidente que nenhuma decisão papal pode ser interpretada, por um católico, de tal maneira que leve a conclusões absurdas e autocontraditórias. 


“Professar” uma doutrina é declarar publicamente que se acredita nela. Revirem as obras de Marx, Lênin, Stálin e Mao Dzedong e não encontrarão semelhante declaração de fé. Eles expõem o materialismo dialético, aplicam-no à solução de problemas filosóficos e à condução da estratégia revolucionária, mas em nenhum momento o “professam”, no sentido em que o cristão professa a fé em Jesus Cristo e o muçulmano nos ditames do Corão. Só se pode “professar” o que é matéria de fé. Se um comunista “professasse” o materialismo dialético, estaria negando, no ato, o seu estatuto de teoria científica objetiva, que é o fundamento da sua respeitabilidade para a mente comunista. Declarar a validade científica de uma teoria não é “professá-la”. Um sujeito pode perfeitamente dizer: “O materialismo dialético é a mais válida explicação da História” sem poder, por isso, ser acusado de “professá-lo”, pois sua afirmativa vem na clave da veracidade científica e não da fé. 

De fato, a expressão “professar o materialismo dialético” não tem sentido nenhum. Se o correspondente artigo do Código de Direito Canônico pudesse ser interpretado nessa direção, aplicá-lo seria impossível. Ele próprio estaria se declarando letra morta. 

Em segundo lugar, quem disse que o materialismo dialético é uma doutrina formulada e pronta de uma vez para sempre, como os Dez Mandamentos, o Credo católico ou os Cinco Pilares do Corão, que se possa, sem ambigüidades, “professar” ou deixar de professar? 
Tanto os textos clássicos de Marx e Lênin quanto os seus sucessivos intérpretes marxistas, bem como a experiência histórica de mais de um século e meio demonstram que o materialismo dialético não vem pronto, mas se cria e se recria no processo da “praxis”, reformulando-se ao ponto de se converter, por vezes, no seu contrário, negando-se como teoria para afirmar-se como ação revolucionária que, por sua vez, retroage sobre a teoria, revivificando-a sob nova formatação. 

O exemplo mais eloqüente dos últimos tempos é Ernesto Laclau, que, em busca de uma estratégia revolucionária mais eficiente, nega na base a teoria marxista da “ideologia de classe”, afirmando que “a propaganda revolucionária cria a classe que ela vai representar”. É isso uma crise do marxismo? Ao contrário: é uma prova da sua capacidade proteiforme de renovar-se como praxis. 

Não existe portanto um materialismo dialético que possa ser “professado”. Só há um que pode ser vivenciado, posto em ação, praticado -- e praticá-lo, com ou sem nome, é tudo quanto é preciso para que um indivíduo, católico ou não, se caracterize como seu servidor fiel. 

Por fim, é possível servir ao comunismo sem tornar-se “materialista dialético”? É absolutamente impossível. Toda a estratégia, cada ação do movimento comunista é praxis materialista dialética. Não há nada, em qualquer iniciativa ou empreendimento comunista, que seja outra coisa. Qualquer ação ou palavra dita em favor do comunismo – com ou sem esse nome – está de antemão englobada e absorvida na praxis segundo a mais requintada dialética materialista. Foi por isso que, nos seus esclarecimentos acrescentados em 1966 aos decreto de 1947 em que Pio XII condenava à excomunhão automática os católicos que colaborassem com o comunismo, João XXIII, com presciência admirável, enfatizou que a punição se estendia mesmo a entidades que não fossem abertamente anticristãs, que, ao contrário, se apresentassem como cristãs, mas que na prática fortalecessem o movimento comunista. 

Ao simplificar o conceito, o novo Código de João Paulo II, ao contrário do que dizem alguns sapientíssimos intérpretes, não isentou de excomunhão os católicos colaboracionistas, mas apenas reiterou o óbvio: não existe católico pró-comunista que não seja apóstata. Se o é com plena consciência ou meio às tontas, se portanto está excomungado ou apenas resvalou na excomunhão, é algo que só a Santa Sé pode decidir. Mas esperar que um sujeito “professe” o materialismo dialético para só então condená-lo reduziria o tribunal à completa impotência e aquele artigo do Código a uma palhaçada, a uma autorização lavrada nos seguintes termos: “Seja materialista dialético o quanto queira, só não diga que é.”
Por: Olavo de carvalho Publicado em: http://www.midiasemmascara.org


terça-feira, 5 de maio de 2015

QUEM FOI QUE INVENTOU O BRASIL?

Se todos os meios de produção são estatizados, não há mercado. Sem mercado, os produtos não têm preços. Sem preços, não se pode fazer cálculo de preços. Sem cálculo de preços, não há planejamento econômico. Sem planejamento, não há economia estatizada. “Comunismo” é apenas uma construção hipotética destituída de materialidade, um nome sem coisa nenhuma dentro, um formalismo universal abstrato que não escapa ileso à navalha de Occam. Não existiu nem existirá jamais uma economia comunista, apenas uma economia capitalista camuflada ou pervertida, boa somente para sustentar uma gangue de sanguessugas politicamente lindinhos.


Desde que Ludwig von Mises explicou essas obviedades em 1922, muitas conseqüências se seguiram.

Os líderes comunistas, por mais burros que fossem, entenderam imediatamente que o sábio austríaco tinha razão, mas não podiam, em público, dar o braço a torcer. Tolerando doses cada vez maiores de capitalismo legal ou clandestino nos territórios que dominavam, continuaram teimando em buscar algum arranjo que maquiasse o inevitável. Eduard Kardelij, ministro da Economia da Iugoslávia, chegou mesmo a imaginar que seria possível uma comissão de planejadores iluminados determinar um a um, por decreto, os preços de milhões de artigos, desde aviões supersônicos até agulhas de costura. A idéia jamais foi levada à prática, porque se assemelhava demasiado ao método português de matar baratas jogando uma bolinha de naftalina em cada uma. Os soviéticos permitiram que o capitalismo oficialmente banido continuasse prosperando na sombra e respondesse por quase cinqüenta por cento da economia da URSS. Daí o enxame de milionários que emergiram da toca, da noite para o dia, quando da queda do Estado soviético: eles jamais teriam podido existir num regime de proibição efetiva da propriedade privada.

Alguns grandes capitalistas ocidentais tiraram da demonstração de von Mises algumas conclusões mais agradáveis (para eles próprios). Se a economia comunista era impossível, todos os esforços destinados nominalmente a criá-la acabariam gerando alguma outra coisa. Essa outra coisa só poderia ser um capitalismo oculto, como na URSS, ou um socialismo meia-bomba, uma simbiose entre o poder do Estado e os grupos econômicos mais poderosos, um oligopólio, em suma. As duas hipóteses prometiam lucros formidáveis, aquela pela absoluta ausência de impostos, esta pela garantia estatal oferecida aos amigos do governo contra os concorrentes menos dotados. Se a primeira ainda comportava alguns riscos menores (extorsão, vinganças pessoais de funcionários públicos mal subornados), a segunda era absolutamente segura. Foi então que um grupo de bilionários criou o plano estratégico mais maquiavélico da história econômica mundial -- inventaram a fórmula assim resumida ironicamente pela colunista Edith Kermit Roosevelt (neta de Theodore Roosevelt): “A melhor maneira de combater o comunismo seria uma Nova Ordem socialista governada por ‘especialistas’ como eles próprios.” Essa idéia espalhou-se como fogo entre os membros do CFR, Council on Foreign Relations, o poderoso think tanknovaiorquino. A política adotada desde então por todos os governos americanos (exceto Reagan) para com o Terceiro Mundo, na base de combater a “extrema esquerda” mediante o apoio dado à “esquerda moderada”, foi criada diretamente pelo CFR. O esquema era infalível: se os “moderados” vencessem a parada, estaria instaurado o monopolismo; se os comunistas subissem ao poder, entraria automaticamente em ação o Plano B, o capitalismo clandestino. A “extrema esquerda”, apresentada como “o” inimigo, não era na verdade o alvo visado, era apenas a mão esquerda do plano. O verdadeiro alvo era o livre mercado, que deveria perecer sob o duplo ataque de seus inimigos e de seus “defensores” os quais, usando o espantalho da revolução comunista, o induziam a fazer concessões cada vez maiores ao socialismo alegadamente profilático da esquerda “boazinha”.

Reduzir o leque das opções políticas a uma disputa entre comunistas e socialdemocratas tem sido há meio século o objetivo constante dos bilionários inventores da Nova Ordem global. O Brasil de hoje é o laboratório dos seus sonhos.
Por: Olavo de Carvalho Publicado em: Zero Hora, 11 de junho de 2006




segunda-feira, 4 de maio de 2015

ATROPELADOS POR UM TREM

1. O escritor Jeffrey Archer escreveu há uns tempos que dez jovens são mortos todos os dias em Mumbai, na Índia, quando cruzam a linha férrea. Mas não pelos motivos que o leitor imagina.


Muitos deles são ceifados pelo trem por vaidade: com seus smartphones na mão, a maioria procura captar o momento em que a máquina está quase, quase, quase em cima do artista. Muitos deles, provavelmente usando um pau de selfie, não sobrevivem para contar. Haverá melhor exemplo sobre a era narcísica em que vivemos?

Não creio. Até porque o patrono da seita –Narciso "lui même"– já tinha conhecido igual fim: deslumbrado pelo reflexo da sua imagem nas águas do rio, Narciso foi ficando, ficando, ficando. Até que a morte chegou para levar o seu corpo definhado.

E quem fala dos narcisos da Índia, fala dos narcisos ocidentais. Uma amiga contava-me entre lágrimas que vivia situação delicada com a filha. Parece que o namoro da petiz terminara com estrondo e o rapaz ameaçava agora partilhar nas "redes sociais" as "selfies" que ambos tiraram em estado adâmico.

Sugeri denúncia às autoridades. E depois acrescentei que esses casos de "vingança pornográfica" não são apenas casos de polícia. São casos de educação: se o amor é sempre eterno enquanto dura, convém recordar mais vezes a segunda parte dessa frase, e não apenas a primeira. Há selvagens onde menos esperamos.

Ou, por outras palavras, a melhor forma de não ser atropelado por um trem é não tirar "selfies" na Índia.

A minha amiga, como convém, só escutou o que quis escutar. E depois perguntou, em jeito acusatório, se eu não estaria a confundir as coisas, desculpando o selvagem.

É nesses momentos que uma pessoa sente vontade de emigrar para Mumbai.

2. Haverá coisa pior do que ir ao cinema e ter o companheiro do lado a comer ruidosamente pipocas?

Ruy Castro diz que não. Escreve o emérito colunista desta Folha que, assistindo a "Um Corpo que Cai" (sim, é a obra-prima de Hitchcock), alguém abriu um Cheetos de queijo e estragou o momento épico do romance: quando James Stewart e Kim Novak se beijam, as ondas rebentam nos rochedos e a música acompanha a fúria do mar.

Durante uns tempos, também eu acreditei que não haveria coisa pior do que salas de cinema transformadas em manjedouras. Hoje sei que estou errado. Duplamente.

Primeiro, porque levar produtos gastronômicos para dentro de uma sala de espectáculos pode ter a sua utilidade (já lá vamos).

E, depois, porque a humanidade consegue sempre fazer pior –uma lei que deveria ser ensinada nas escolas desde a mais tenra idade. Exemplo?

Semanas atrás, saí de casa para assistir a "Sweeney Todd", um dos grandes musicais da Broadway "moderna", escrito e composto por Stephen Sondheim.

O programa prometia: Emma Thomson seria mrs. Lovett, o baixo-barítono Bryn Terfel seria o vingativo Todd, disposto a degolar a humanidade inteira por ofensas passadas.

Mas quando o espectáculo começou no Coliseum de Londres, apercebi-me que não seria apenas Thomson, Terfel ou outros membros da English National Opera a cantarem esta história.

Um fã de carteirinha, que decorou a obra do primeiro ao último verso, sentou-se ao meu lado e cantava todas as músicas com arrepiante devoção. Melhor: para dar maior realismo à sua interpretação, ele próprio mudava de voz (feminina-masculina-feminina) em caso de dueto.

Uma forma de acabar com aquilo seria fulminar o camarada com uma expressão assassina. Mas o camarada cantava tudo de olhos fechados, em atitude de transe, o que tornava igualmente inúteis os sons guturais da assistência circundante exigindo silêncio e até toques no ombro para que ele acordasse.

Perante o dilema, e sabendo que os teatros ingleses proíbem Cheetos, mas não álcool (um hábito civilizado), a solução foi radical: despejar nas calças do homem um copo de vinho, na impossibilidade de ser um balde de água gelada pela cabeça abaixo.

O nosso cantor despertou, olhou para as calças e então eu pedi as devidas desculpas pela imprudência: "Mil perdões. Quando você começou a cantar, eu me assustei".

Ele levantou-se para ir banheiro e, sem a pujança vocal de outros tempos, comentou apenas: "Bando de selvagens".

Inexplicavelmente, não retornou mais. 
Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

quinta-feira, 30 de abril de 2015

O POVO E A RALÉ

Ao menos Marx qualificava de proletário quem trabalhava; depois da Escola de Frankfurt e do PT, surge a valorização dos desqualificados e da estética do nojo


Karl Marx podia ter todos os defeitos do mundo, desde a vigarice intelectual até as hemorroidas, mas ele sabia que a palavra “proletário” significa “gente que trabalha” e não qualquer Zé-Mané.

Ele combatia o capitalismo porque achava que os ricos enriqueciam tomando o dinheiro dos pobres, o que é talvez a maior extravagância matemática que já passou por um cérebro humano, mas, reconheça-se o mérito, ele nunca confundiu trabalhador com vagabundo, povo com ralé.

Alguns discípulos bastardos do autor de “O Capital”, uns riquinhos muito frescos e pedantes, fundaram um instituto em Frankfurt com o dinheiro de um milionário argentino e resolveram que valorizar antes o trabalho honesto do que os vícios e o crime era uma deplorável concessão de Marx ao espírito burguês.

Usando dos mais requintados instrumentos da dialética, começaram ponderando que o problema não era bem o capitalismo e sim a civilização, e terminaram tirando daí a conclusão lógica de que para destruir a civilização o negócio era dar força aos incivilizados contra os civilizados.

Os frankfurtianos não apostavam muito no paraíso socialista, mas acreditavam que a História era movida pela força do “negativo” (uma sugestão de Hegel que eles tomaram ao pé da letra), e que, portanto, o mais belo progresso consiste em destruir, destruir e depois destruir mais um pouco.

Tentar ser razoável era apenas “razão instrumental”, artifício ideológico burguês. Séria mesmo, só a “lógica negativa”.

A destruição era feita em dois planos.

Intelectualmente, consistia em pegar um a um todos os valores, símbolos, crenças e bens culturais milenares e dar um jeito de provar que no fundo era tudo trapaça e sacanagem, que só a Escola de Frankfurt era honesta, precisamente porque só acreditava em porcaria – coisa que seu presidente, Max Horkheimer, ilustrou didaticamente pagando salários de fome aos empregados que o ajudavam a denunciar a exploração burguesa dos pobres.

Isso levou o nome hegeliano de “trabalho do negativo”. A premissa subjacente era:

- Se alguma coisa sobrar depois que a gente destruir tudo, talvez seja até um pouco boa. Não temos a menor ideia do que será e não temos tempo para pensar em tamanha bobagem. Estamos ocupados fazendo cocô no mundo.

No plano da atividade militante, tudo o que é bom deveria ser substituído pelo ruim, porque nada no mundo presta, e só a ruindade é boa. A norma foi seguida à risca pela indústria de artes e espetáculos. A música não podia ser melodiosa e harmônica, tinha de ser no mínimo dissonante, mas de preferência fazer um barulho dos diabos.

No cinema, as cenas românticas foram substituídas pelo sexo explícito. Quando todo mundo enjoou de sexo, vieram doses mastodônticas de sangue, feridas supuradas, pernas arrancadas, olhos furados, deformidades físicas de toda sorte – fruição estética digna de uma plateia high brow.

Nos filmes para crianças, os bichinhos foram substituídos por monstrengos disformes, para protegê-las da ideia perigosa de que existem coisas belas e pessoas boas. Na indumentária, mais elegante que uma barba de três dias, só mesmo vestir um smoking com sandálias havaianas -- com as unhas dos pés bem compridas e sujas, é claro.

A maquiagem das mulheres deveria sugerir que estavam mortas ou pelo menos com Aids. Quem, na nossa geração, não assistiu a essa radical inversão das aparências? Ela está por toda parte.

Logo esse princípio estético passou a ser também sociológico. O trabalhador honesto é uma fraude, só bandidos, drogados e doentes mentais têm dignidade. Abaixo o proletariado, viva a ralé. De todos os empreendimentos humanos, os mais dignos de respeito eram o sexo grupal e o consumo de drogas.

De Gyorgy Lukacs a Herbert Marcuse, a Escola de Frankfurt ilustrou seus próprios ensinamentos, descendo da mera revolta genérica contra a civilização à bajulação ostensiva da barbárie, da delinquência e da loucura. 

Vocês podem imaginar o sucesso que essas ideias tiveram no meio universitário. Desde a revelação dos crimes de Stálin, em 1956, o marxismo ortodoxo estava em baixa, era considerado coisa de gente velha e careta.

A proposta de jogar às urtigas a disciplina proletária e fazer a revolução por meio da gostosa rendição aos instintos mais baixos, mesmo que para isso fosse preciso a imersão preliminar em algumas páginas indecifráveis de Theodor Adorno e Walter Benjamin, era praticamente irresistível às massas estudantis que assim podiam realizar a coincidentia oppositorum do sofisticado com o animalesco. 

Com toda a certeza, a influência da Escola de Frankfurt, a partir dos anos 60 do século passado, foi muito maior sobre a esquerda nacional que a do marxismo-leninismo clássico.

Sem isso seria impossível entender o fenômeno de um partido governante que, acuado pela revolta de uma população inteira, e não tendo já o apoio senão da ralé lumpenproletária remunerada a pão com mortadela e 35 reais, ainda se fecha obstinadamente na ilusão de ser o heroico porta-voz do povão em luta contra a “elite”.

Dois anos atrás, já expliquei neste mesmo jornal (leia aqui) que uma falha estrutural de percepção levava a esquerda nacional a confundir sistematicamente o povo com o lumpenproletariado, de tal modo que, favorecendo o banditismo e praticando-o ela própria em doses continentais, ela acreditava estar fazendo o bem às massas trabalhadoras, as quais, em justa retribuição de tamanha ofensa, hoje mostram detestá-la como à peste.

O Caderno de Teses do V Congresso do PT é um dos documentos mais reveladores que já li sobre o estado subgalináceo a que os ensinamentos de Frankfurt podem reduzir os cérebros humanos. 
Por: Olavo de Carvalho Publicando no Diário do Comércio

quarta-feira, 29 de abril de 2015

DA NATUREZA DAS COISAS

Em nosso mundo, não há natureza das coisas, entende-se que tudo seja uma construção social.


Delírio puro. Prefiro os antigos, justamente por perceberem que são os limites que nos humanizam, e não o desejo sem limites.

Os inteligentinhos dirão coisas como "conservador!". Mas a vida segue, o mundo se acabará um dia, e os inteligentinhos dirão, em seu último grito de agonia, "opressão!".

Mas não quero falar de política, que trato apenas como quem lida com uma ferida para que ela não se infeccione em demasia.

Quero falar de epicurismo. Não a ideia banal de epicurista como alguém que vai muito ao shopping ou come todas as gostosas do mundo (o sonho de qualquer cara normal). Falo do epicurismo antigo, do filósofo grego Epicuro (341 a.C. - 270 a.C.). De Lucrécio (cerca de 96 a.C. - cerca de 55 a.C.), filósofo latino, autor do poema "Da Natureza das Coisas".

Para ambos, a natureza da realidade é ser contingente. Isso quer dizer que "o fundo da realidade" é o acaso (que é a mesma coisa que contingência em filosofia).

Esse acaso é o movimento livre e sem ordem dos átomos. Portanto, tanto Epicuro quanto Lucrécio eram atomistas, o que é a mesma coisa de dizer que eram materialistas. A alma, esse "ar", se perde no momento da morte.

Como dizia Epicuro, quando eu estou, a morte não está, quando ela está, não estou. Ou seja: não há o que temer na morte porque ela é uma libertação da eterna contingência que move um destino cego. E a melhor coisa nisso é que a "consciência" desaparece.

Essa ideia me parece insuperável como liberdade. Ter a pedra como destino é meu sonho de eternidade.

Sendo assim, morreu, acabou. Muita gente teme uma possibilidade como essa.

Eu tendo a achá-la sedutora principalmente quando suspeito que viver para sempre seria como ser obrigado a beber água para sempre, mesmo tendo passado a sede.

Vejo beleza nisso tudo. A contingência liberta, mas não no sentido moderninho de que por isso podemos nos "inventar" ao bel prazer. Isso é coisa de "teenager".

Mas, justamente o contrário: meu desejo também é contingente, como tudo mais. Dar asas a ele é ter fé de que eu, diferentemente do resto do universo, não sou também feito à semelhança do acaso.

Só os iniciantes confiam em si próprios. Meu desejo é a porta de entrada por onde a contingência se instala do seio da minha alma.

Não, a beleza está no que os antigos epicuristas viam nessa condição: sem deuses, sem eternidade, fruto do acaso, essa é a natureza das coisas, ser cega.

O prazer de Epicuro era justamente o de escapar da escravidão do desejo, não essa ideia contemporânea de que viver a realização contínua do desejo é a felicidade.

A concepção contemporânea de felicidade é brega, coisa de gente que se emociona quando um novo shopping é aberto na cidade.

Lucrécio entendia que a cegueira da natureza é a natureza das coisas.

É dela não carregar sentido em si mesma, e por isso é tão importante: porque me lembra continuamente que a vaidade e as expectativas, com o tempo, se tornam um tormento.

Não é totalmente absurdo escutarmos aqui o sábio israelita, também antigo, que escreveu o "Eclesiastes" (Velho Testamento): "vaidade, tudo é vaidade".

A grande questão é como se sustenta uma vida feliz decorrente dessa natureza das coisas. Podemos dizer que decorre, antes de tudo, do "relaxamento" do desejo que a consciência da contingência traz: a sabedoria da natureza é ela ser puro átomo e não uma lei.

Não há "missão" na vida. Viver segundo os prazeres do trabalho, da mesa e do corpo da mulher é tudo que podemos fazer. O puro prazer de existir.

Sem excessos, do contrário, nos tornamos escravos do trabalho, da mesa e do corpo da mulher.

Não porque uma danação eterna nos espera (ninguém nos vigia), mas porque o excesso do desejo destrói seu próprio usufruto na medida em que nos desesperamos com a possível falta do objeto desse desejo.

Dito de forma simples: não queira pegar todas as mulheres do mundo, mas cuide bem daquelas que, por graça da contingência, vierem a sua cama.
Por: Luiz Felipe Pondé  Publicado na Folha de SP

A DEMOCRACIA DO PATÍBULO



"Dilma foi reeleita por culpa daqueles que se abstiveram de votar! Eles poderiam ter decidido a eleição!"

"Quem não vota não tem o direito de reclamar!"

"Cidadãos conscientes têm de escolher o destino do seu país, e este se dá por meio da urna!"

"Vamos para as ruas!"

As frases acima, vociferadas por pessoas até bem intencionadas, mostram bem o caráter divisor (o famoso "nós e eles") que predomina em uma democracia, sem dúvida o regime mais superestimado da história.

Um regime que vê na "vontade da maioria" um exemplo de modernidade, prosperidade e respeito aos direitos individuais é, na melhor das hipóteses, incoerente; na pior, representa um atentado aos direitos de propriedade, inclusive dos mais pobres.

Na democracia, sempre haverá aqueles que quererão que seus estudos, sua saúde, sua segurança, seu transporte, seus subsídios, seu assistencialismo sejam pagos "pelo estado", o que, na prática, significa "por outros que não eu".

Como explicou Hans-Hermann Hoppe:

Dado que o homem é como ele é, em todas as sociedades existem pessoas que cobiçam a propriedade de outros.[...] 

Quando a entrada no aparato governamental é livre, qualquer um pode expressar abertamente seu desejo pela propriedade alheia. O que antes era considerado imoral e era adequadamente suprimido, agora passa a ser considerado um sentimento legítimo. Todos agora podem cobiçar abertamente a propriedade de outros em nome da democracia; e todos podem agir de acordo com esse desejo pela propriedade alheia, desde que ele já tenha conseguido entrar no governo. Assim, em uma democracia, qualquer um pode legalmente se tornar uma ameaça.

Consequentemente, sob condições democráticas, o popular — embora imoral e anti-social — desejo pela propriedade de outro homem é sistematicamente fortalecido. Toda e qualquer exigência passa a ser legítima, desde que seja proclamada publicamente. Em nome da "liberdade de expressão", todos são livres para exigir a tomada e a consequente redistribuição da propriedade alheia. Tudo pode ser dito e reivindicado, e tudo passa a ser de todos. Nem mesmo o mais aparentemente seguro direito de propriedade está isento das demandas redistributivas. 

Pior: em decorrência da existência de eleições em massa, aqueles membros da sociedade com pouca ou nenhuma inibição em relação ao confisco da propriedade de terceiros — ou seja, amorais vulgares que possuem enorme talento em agregar uma turba de seguidores adeptos de demandas populares moralmente desinibidas e mutuamente incompatíveis (demagogos eficientes) — terão as maiores chances de entrar no aparato governamental e ascender até o topo da linha de comando. Daí, uma situação ruim se torna ainda pior.

Essa mentalidade explica por que partidos de esquerda obtêm sucesso nas eleições. 

Só que sempre pode chegar o momento em que aqueles que são obrigados a sustentar esse arranjo se cansam da espoliação e, impelidos por uma eventual deterioração das condições econômicas, decidem protestar mais veementemente contra o governo, exacerbando ainda mais os problemas inerentes da democracia.

Mas esse fenômeno, observado atualmente no Brasil, é apenas um efeito colateral da democracia. O grande e real problema da democracia — abordado em vários artigos deste site — é que tal regime representa uma forma de controle quase que total sobre os indivíduos e sobre suas respectivas propriedades. 

Pior ainda: tal totalitarismo vigora sob o verniz da legitimidade política, o que permite àqueles que estão no poder — e, por conseguinte, aos seus defensores ideológicos — cometerem o maior número possível de atentados aos direitos dos indivíduos.

A democracia do patíbulo

Um pequeno júri de uma cidade condena um indivíduo à morte pelo "crime" de sonegação fiscal. Ele não estava "compartilhando sua riqueza" como deveria. A maioria da população não aprova a severidade da punição, mas nada pode fazer contra, pois é a lei.

O "criminoso" é então enviado ao patíbulo, prestes a ser executado.

O carrasco lê a sua sentença da seguinte maneira:

- "O senhor será condenado à morte por meio de uma votação, da qual o senhor terá o direito de participar. Há 4 formas possíveis de morrer: enforcado, queimado, decapitado ou crucificado. Haverá uma primeira votação, ao fim da qual as duas maneiras mais bem votadas irão para um segundo turno de votação, na qual será decidida a forma de sua execução."

O condenado pensa: "Prefiro morrer decapitado. É uma morte mais rápida e indolor."

Começa a votação. Todas as pessoas da vizinhança são obrigadas a votar neste espetáculo escatológico, inclusive o condenado. A ele também é dado o direito de fazer lobby e tentar convencer as pessoas a votarem na execução que mais lhe agrada — ou, melhor dizendo, na que ele considera a menos dolorosa.

Acaba a primeira votação.

1ª) Crucificado: 35% dos votos válidos

2ª) Queimado: 24% dos votos válidos

3ª) Enforcado: 22% dos votos válidos

4) Decapitado: 19% dos votos válidos

Muitas pessoas não votaram, ou por serem contra a pena de morte ou por considerarem qualquer uma das quatro penas cruel demais. A votação, portanto, é efetuada apenas por aquela fatia da população mais adepta da crueldade. 

A votação é validada e comemorada como a 'festa do povo'.

E a maneira menos dolorosa de morrer foi fragorosamente derrotada.

É então dada a largada para o segundo turno da votação.

Só que agora, tanto o condenado quanto todas as outras pessoas que não escolheram nenhuma das duas opções de execução que restaram na cédula de votação — ou seja, 41% dos eleitores que votaram (em enforcamento ou decapitação) e mais todos os outros que não votaram — terão justamente de escolher entre duas formas de morte que claramente desprezam.

Novamente, é dado ao condenado o direito de fazer lobby pela forma de morte que ele menos abomina. No entanto, compreensivelmente, o homem decide não fazer. Nenhuma das duas formas de execução "escolhidas pelo povo" é do seu agrado, de modo que ele não vê sentido em despender energia apoiando uma ou outra.

Realizada a segunda votação, o resultado se segue:

1ª) Queimado: 52% dos votos válidos

2ª) Crucificado: 48% dos votos válidos

Novamente, houve uma grande quantidade de pessoas que não votou, por motivos similares aos da primeira votação. 

Mas, dessa vez, o condenado se incluiu entre os não-votantes.

A sentença é deferida e a 'festa do povo' é celebrada pela mídia local.

E a fogueira começa a ser preparada.

O réu, compreensivelmente, protesta contra uma clara violação do seu direito de não ser submetido a algo que ele não escolheu. Mais ainda: ele protesta por não estar sendo submetido à opção "menos ruim" que lhe foi apresentada (a decapitação).

O carrasco então lhe pergunta: "Se o senhor não queria ser queimado, por que não votou na crucificação?"

Ele responde: "Porque eu preferia ser decapitado, ora! Não queimado ou crucificado!"

O carrasco rebate: "Sim, mas a decapitação perdeu, foi a escolha do povo. E a voz do povo é a voz de Deus. Foram lhe dadas mais duas opções e você não escolheu nenhuma. Portanto, seu destino ficou nas mãos do povo. E o povo sempre sabe escolher o que é melhor."

— "Mas eu nem conheço essas pessoas!", exclama o condenado.

— "Olha só: se o senhor quer reclamar de alguém, reclame dos que não votaram. Essas pessoas poderiam ter mudado o seu destino, mas não fizeram nada. Escolheram não votar também. Bote na conta delas a culpa de você estar sendo queimado!"

— "O voto delas me faria ser decapitado?"

— "Não, a decapitação perdeu na primeira votação".

— "Então, me faria escapar da morte?"

— "Não, ora! Você iria morrer de qualquer jeito. Só teria que escolher a forma, e de maneira livre e democrática. Veja que privilégio!"

O condenado explode: "Então, como diabos você acha que os votos de quem não votou em uma eleição 'livre e democrática' para decidir algo contra a minha vontade poderiam me ajudar?!"

O carrasco olha para ele de forma incisiva e diz: "Boa. Escreverei isso na sua lápide".

Da metáfora à realidade

O mais assustador da metáfora acima é que ela é muito mais branda do que a nossa realidade democrática. Exatamente: ela é muito mais branda.

Na metáfora acima, tanto as pessoas que não votaram quanto aquelas que votaram, mas cuja opção foi a derrotada, não sofreram nenhuma consequências. Suas vidas continuaram rigorosamente as mesmas, pois o único afetado foi o condenado. 

Já no nosso sistema democrático, tanto os que não votam quanto aqueles que votam e perdem sofrem as consequências da eleição de alguém que não queriam. Não apenas sua propriedade é afetada, como também elas se tornam obrigadas a viver sob políticas das quais discordam — e muitas vezes abominam.

É difícil conceber um arranjo político mais instável, anti-social e propenso a explosões do que esse.

As pessoas que irão às ruas neste próximo domingo para protestar contra o governo são aquelas que se sentem como o condenado da metáfora: ao passo que o condenado foi obrigado a aceitar uma execução que ele não quis, tais pessoas estão se vendo obrigadas a viver sob um regime comandado por um carrasco que não foi escolhido por elas e de cujas políticas elas discordam.

Só que, assim como o condenado queria apenas troca do método da execução, boa parte dessas pessoas está apenas pedindo a troca do carrasco. E de nada adianta apenas trocar o carrasco se o patíbulo democrático continuar intacto.

A única maneira de o patíbulo democrático deixar de produzir resultados que são contra a vontade da maioria das pessoas (lembrando que o número de abstenções, de votos brancos e nulos e de votos em outro carrasco é sempre maior do que o número de votos obtidos pelo carrasco vencedor) é convencendo essas pessoas a se separar desse regime.

E a solução mais viável é a secessão.

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Leandro Roque contribuiu para este artigo. 

Luciano Rocha é Coach, planejador financeiro e coordenador estadual do Estudantes Pela Liberdade do estado da Paraíba.


terça-feira, 28 de abril de 2015

ACORDO HISTÓRICO COM O IRÃ? PENSE NOVAMENTE.


A Coréia do Norte iniciou seu programa nuclear no final dos anos 50 com ajuda soviética, construindo sua primeira instalação de pesquisa em 1965. Durante os anos 70 e 80, os nortecoreanos riram dos ocidentais mentindo sobre se estavam ou não fazendo pesquisas e levantando usinas para ter sua bomba nuclear.

As tensões chegaram ao limite em 1994, durante o governo Bill Clinton. Em junho, Jimmy Carter é enviado à Coréia do Norte para negociar com Kim Il-sung (foto), o genocida que iniciou o regime mais brutal do mundo hoje, pai de Kim Jong-il e avô de Kim Jong-un. Kim Il-sung morreria poucos dias depois.

O “acordo histórico” foi comemorado pela imprensa, como tudo que um presidente democrata faz e exatamente como está fazendo agora com o acordo do governo Barack Obama com os aiatolás iranianos.

A história era a mesma: os EUA dariam dinheiro, muito dinheiro, para a Coréia do Norte e, em troca, os novos parceiros juravam de pé junto que nunca fariam uma bomba nuclear. Mesmo as pedras de Washington sabiam que Pyongyang nunca levou sua parte do acordo a sério, mas ficou muito feliz em receber caminhões de dinheiro americano em troca de nada.

O final da história você já sabe: a Coréia do Norte embolsou o dinheiro, fez sua bomba nuclear e continua escravizando seu povo e desestabilizando a região, agora com um arsenal nuclear para assombrar os vizinhos.

Qual a chance de um único analista brasileiro ser honesto sobre as reais chances de sucesso desse acordo dos EUA com o Irã? Alguém vai ao menos aceitar a hipótese de que o acordo pode ser, como foi o acordo com a Coréia do Norte em 1994, um fracasso retumbante que não conseguiu parar o programa nuclear da ditadura e ainda encheu o bolso dos genocidas de dinheiro?

A Coréia do Norte é uma potência nuclear hoje e um grande risco para o mundo em função de administrações americanas puramente ideológicas e incompetentes, para não dizer traidoras do próprio país, que insistem em criar “acordos históricos” com fotos de apertos de mão para a imprensa enquanto dão dinheiro, tempo e poder para os piores ditadores do planeta.

Consertar o erro com a Coréia do Norte hoje é bem mais difícil do que era no início dos anos 90, estágio que a teocracia iraniana se encontra atualmente. Ano que vem teremos eleições nos EUA, uma das últimas chances de parar o Irã antes que seja tarde demais.
Por: Alexandre Borges é diretor do Instituto Liberal.
Publicado na Reaçonaria.




segunda-feira, 27 de abril de 2015

TIRADENTES, UM DOS MAIS GRAVES ENGANOS DA HISTÓRIA

Tiradentes é um dos mais graves enganos da História, contada a partir da república. Há algumas décadas passadas celebrava-se o 22 de abril. Nada mais justo: descobrimento do Brasil: Agora não. O 22 de abril passou há um dia qualquer desapercebido de comemoração, fazendo o povo esquecer-se da data. E aí passou-se a celebrar o 21 de abril de abril: Tiradentes! Mas, por que Tiradentes? O Império tivera, em sua história, muitos ícones a comemorar. Além de D. Pedro I, de D. Pedro II, de D. Leopoldina, de D. Amélia, de D. Thereza Christina e da Princesa Isabel, o Império tivera Caxias, Osório, Tamandaré, Barroso, Porto Alegre, Zacarias de Góes e Vasconcellos, Paraná, Paulo Barbosa, Ouro Preto, Alencar, Castro Alves, Amoedo, Gonçalves Dias, Silveira Martins, Ferreira Viana, Carlos Gomes, Mena Barreto, Pirajá, etc. etc. etc.


A República precisava também de um ícone. Deodoro… nem pensar! Arrependera-se de ter proclamado a República e era amigo do Imperador. Floriano Peixoto? Credo em Cruz! Mandou passar a fio da espada, 400 guardas-marinha da Esquadra Imperial, na Revolta da Armada. Prudente de Morais? Não. Chacinou Antônio Conselheiro e todos de Canudos. Campos Salles? Rodrigues Alves? Affonso Penna? Não poderiam servir. Antes da República, eram Conselheiros do Império. Barão do Rio Branco? Como um ícone da República pode ser um Barão? Jamais. Santos Dumont? Era amigo íntimo da Família Imperial no exílio de Paris. Oswaldo Cruz? Foi um grande médico, sanitarista, do período republicano, mas discípulo de outro médico, o Barão de Motta Maia, que acompanhou a Família Imperial, no exílio.

O-Mito-de-Tiradentes-Portal-Conservador

Marechal Rondon? Talvez, mas tinha sangue e cara de índio! Washington Luís? Foi deposto por Getúlio, não serve também. Quem sabe, o próprio Getúlio? O homem dos trabalhadores. Mas… como, ícone de uma República que se diz liberal e democrática… um ditador? Amigo de Hitler, de Mussolini e de Plínio Salgado, que, por sinal, traiu? Juscelino? Fez Brasília! Mas acelerou a inflação e tinha cara de palhaço. Também não serve. Jânio Quadros? Era louco! Mas, então quem? Não há ninguém? Será possível? Villa-Lobos? Gênio da música, mas era um boêmio. Não serve. Foram escarafunchar, na História Colonial, anterior à vinda da Família Rela Portuguesa. Beckman? Não, tem nome alemão. O Sabino, da Sabinada da Bahia? Não serve, não tem perfil de ícone. Os mais antigos? Duarte Coelho, Tomé de Souza, Duarte da Costa, Mem de Sá?

Não podem! Foram nomeados pelo Rei de Portugal e eram seus súditos fiéis. Então, quem? Havia um alferes (sub-oficial) em Ouro Preto, que foi patriota de fato. Participou da conjuração Mineira de 1789 (conhecida como Inconfidência Mineira) que queria a independência de Minas Gerais, da Coroa Portuguesa, e era republicano, e foi o único que se declarou, de fato, revolucionário, enquanto os outros negaram, em Tribunal. Os outros eram importantes, Padres, Juízes, desembargadores, poetas famosos, Coronéis, outros oficiais, etc…etc… Mas todos, ou se mataram na prisão (como Alvarenga Peixoto) ou traíram seus ideais negando sua participação na Inconfidência. Tanto que a pena de morte foi reformada em exílio perpétuo para a África (que não foi perpétuo, pois 33 anos depois, D. Pedro I proclamava a independência (não só de Minas, mas do Brasil todo) e eles puderam voltar (alguns voltaram já no tempo de D. João VI). Nenhum deles, portanto, serve de ícone republicano, mas e o alferes? Não é muito insignificante? Ainda mais que nas horas vagas era barbeiro, e como, costume da época, também arrancava dentes: “Cabelo, barba e dentes”, por favor, e o fulano sentava-se, corajosamente, na cadeira do “Tiradentes”. É insignificante e acabou louco, antes de ser enforcado. (Se é que foi, há dúvidas; como era “masson”, o teriam salvo e trocado por outro, também condenado à morte. Suspeita-se). É um simples alferes, tirador de dentes. Não faz mal. Nós o inventamos. Com quem ele precisa parecer-se? Claro! Com Jesus! O mártir da pátria! Vamos por lhe barbas (os enforcados tinham cabelo e barba raspados, antes da execução). E criar sua História” Será o Ícone da República, já que não há nenhum outro. Foi um patriota republicano. Haverá dúvida? Mas por que não agiu como os demais, tirando o corpo fora? Terá sido mesmo como patriota? Ou como irresponsável, por causa da loucura?

A conjuração, antes de ser descoberta pelas autoridades da coroa-portuguesa, ia de vento em popa, embora com tão poucos partícipes, que podiam reunir-se na sala do poeta Tomaz Antônio Gonzaga (o Dirceu da Marília). Todos eram homens de estatura alta, ou da política ou intelectual, ou militar, etc. entre os de pequena estatura, contava-se Joaquim José da Silva Xavier, o alferes, tiradentes. Era jovem, robusto e patriota (pelo menos parecia ser), logo, a figura indicada para ir, de viagem ao Rio de Janeiro, a fim de encontrar aderentes à Inconfidência. Foi mandado, quase como um moleque de recados. Como não tivesse muita instrução, nem tino político, ou lábia publicitária, fracassou. Todas as portas que visitou no Rio de Janeiro, lhe foram fechadas, ou melhor ainda, lhe eram batidas na cara. Fora! Não queremos nada com você! Fruto da revolução lá dos franceses; fora! E foram tantos os foras, que o já fraco equilíbrio psíquico do Tiradentes, tornou-se em loucura. Voltou para Ouro Preto, ou vila Rica, como também era chamada a capital da capitania. A volta foi mais dura que a vinda, pois se na vinda sofrera as agruras de viajante daquele tempo, pelo menos havia a esperança!

À volta, teve as mesmas agruras, mas sem a esperança. E a falta da esperança aumentou a insanidês. Pousava em fazendas, do caminho. E nas casas-grandes dos fazendeiros (em geral ligadas ao Marquês de Barbacena, governador das Minas Gerais), contava, à mesa, que tropas do Rio de Janeiro marchariam, em breve, para engrossar os exércitos de revolucionários de Ouro Preto, que a França e os Estados Unidos enviariam esquadras, para combater o Vice-Rei, no Rio de Janeiro, impedindo-o de ajudar o Barbacena. E assim por diante. Em cada parada, até Ouro Preto, aumentavam seus delírios. Resultado: O Marquês de Barbacena ficou sabendo de tudo, antes mesmo que o traidor Silvério dos Reis, lhe contasse. Por isso não deu guarida ao Silvério e mandou prendê-lo também. Também, porque, mal Tiradentes chegou a Ouro Preto foi encarcerado, junto com todos os outros inconfidentes, que ele havia delatado, na mais pura ingenuidade dos insensatos e loucos! Como já dissemos foram todos a Tribunal, e negaram; menos ele. O processo chegou a Lisboa e o Alto Tribunal da Corte, condenou todos à pena máxima: forca! Mas reinava em Portugal uma mulher, a Rainha D. Maria I, que ainda não tinha perdido suas faculdades mentais. E como mulher e bondosa católica reformou a sentença de morte, para degredo em Angola, menos para Tiradentes, que havia confessado o crime de lesa majestade. (Dizem que mais tarde, D. Maria I, melhor informada da insanidade de Tiradentes, reformara também sua sentença, para degredo, mas a reforma da sentença, teria chegado tardiamente, pois Tiradentes já tinha sido enforcado).

O Ícone da República, o alferes Tiradentes, é uma figura tão paradoxal, quanto à própria conjuração que se pavoneou do título de Inconfidência. Quem não conhece bem o latim, não entendeu porque a Coroa Portuguesa chamou o movimento de Inconfidência. Porque “Inconfidere”, em latim é o contrário de “Fidere”. “Fidere é confiar”; inconfidere” é desconfiar. Ou melhor: desconfia-se de quem é traidor, inconfidente: Traidores da Coroa. Até hoje, infelizmente, em Ouro Preto , na Praça, Central, sobre o portal da Casa da Câmara está escrito “Museu da Inconfidência” ou seja: “Museu da Traição”.

Por Otto de Alencar de Sá-Pereira, advogado, professor e historiado
Do site: http://portalconservador.com



domingo, 26 de abril de 2015

AS 50 CIDADES MAIS VIOLENTAS DO MUNDO

 Brasil tem 16 na lista

Trinta e quatro das piores cidades do ranking estão localizadas na América Latina

 Antes de escolher um destino para viajar, muitos se preocupam em conferir se o local é seguro. O Business Insider listou as 50 cidades mais violentas ao redor do mundo.

Trinta e quatro das piores cidades do ranking estão localizadas na América Latina, sendo que o assassinato é o crime mais comum na região do que em qualquer outra parte do mundo. O destaque vai para San Pedro Sula, uma cidade em Honduras.

O Brasil não passa longe dessa lista negra e abriga 16 municípios violentos. Além dos assassinatos, o tráfico de drogas, guerras de gangues, instabilidade política, corrupção e a pobreza influenciam na alta violência nas cidades da lista. Confira:

Posição Cidade País

1º lugar San Pedro Sula - Honduras 

2º lugar Caracas - Venezuela 

3º lugar Acapulco - México 

4º lugar Cali - Colômbia 

5º lugar Maceió - Brasil 

6º lugar Distrito Central-  Honduras 

7º lugar Fortaleza-  Brasil 

8º lugar Guatemala City - Guatemala 

9º lugar João Pessoa - Brasil 

10º lugar Barquisimeto - Venezuela 

11º lugar Palmira - Colômbia 

12º lugar Natal - Brasil 

13º lugar Salvador - Brasil 

14º lugar Vitória - Brasil 

15º lugar São Luís - Brasil 

16º lugar Culiacán - México 

17º lugar Ciudad Guayana - Venezuela 

18º lugar Torreón - México 

19º lugar Kingston - Jamaica 

20º lugar Cape Town - África do Sul 

21º lugar Chihuahua City - México 

22º lugar Victoria - México 

23º lugar Belém - Brasil 

24º lugar Detroit - Estados Unidos 

25º lugar Campina Grande - Brasil 

26º lugar Nova Orleans - Estados Unidos

27º lugar San Salvador - El Salvador

28º lugar Goiânia - Brasil

29º lugar Cuiabá - Brasil

30º lugar Nuevo Laredo - México

31º lugar Manaus - Brasil

32º lugar Santa Marta - Colômbia

33º lugar Cúcuta - Colômbia

34º lugar Pereira - Colômbia

35º lugar Medellín - Colômbia

36º lugar Baltimore - Estados Unidos

37º lugar Juárez - México

38º lugar San Juan - Porto Rico

39º lugar Recife - Brasil

40º lugar Macapá - Brasil

41º lugar Nelson Mandela Bay - África do Sul

42º lugar Maracaibo - Venezuela

43º lugar Cuernavaca - México

44º lugar Belo Horizonte - Brasil

45º lugar St. Louis - Estados Unidos

46º lugar Aracajú - Brasil

47º lugar Tijuana - México

48º lugar Durban - África do Sul

49º lugar Porto Príncipe - Haiti

50º lugar Valencia - Velezuela

Vale lembrar que o cálculo é feito de acordo com o número de habitantes e homicídios.

Por:  - Juliana Américo Lourenço da Silva  Fonte: Business Insider









sexta-feira, 24 de abril de 2015

O SILÊNCIO DE LULA

Ao escolher candidatos sem consulta à direção partidária, ele transformou o PT em instrumento de vontade pessoal.

Na história republicana brasileira, não houve político mais influente do que Luiz Inácio Lula da Silva. Sua exitosa carreira percorreu o regime militar, passando da distensão à abertura. Esteve presente na Campanha das Diretas. Negou apoio a Tancredo Neves, que sepultou o regime militar, e participou, desde 1989, de todas as campanhas presidenciais.

Quando, no futuro, um pesquisador se debruçar sobre a história política do Brasil dos últimos 40 anos, lá encontrará como participante mais ativo o ex-presidente Lula. E poderá ter a difícil tarefa de explicar as razões desta presença, seu significado histórico e de como o país perdeu lideranças políticas sem conseguir renová-las.

Lula, com seu estilo peculiar de fazer política, por onde passou deixou um rastro de destruição. No sindicalismo acabou sufocando a emergência de autênticas lideranças. Ou elas se submetiam ao seu comando ou seriam destruídas. E este método foi utilizado contra adversários no mundo sindical e também aos que se submeteram ao seu jugo na Central Única dos Trabalhadores. O objetivo era impedir que florescessem lideranças independentes da sua vontade pessoal. Todos os líderes da CUT acabaram tendo de aceitar seu comando para sobreviver no mundo sindical, receberam prebendas e caminharam para o ocaso. Hoje não há na CUT — e em nenhuma outra central sindical — sindicalista algum com vida própria.

No Partido dos Trabalhadores — e que para os padrões partidários brasileiros já tem uma longa existência —, após três decênios, não há nenhum quadro que possa se transformar em referência para os petistas. Todos aqueles que se opuseram ao domínio lulista acabaram tendo de sair do partido ou se sujeitaram a meros estafetas.

Lula humilhou diversas lideranças históricas do PT. Quando iniciou o processo de escolher candidatos sem nenhuma consulta à direção partidária, os chamados “postes”, transformou o partido em instrumento da sua vontade pessoal, imperial, absolutista. Não era um meio de renovar lideranças. Não. Era uma estratégia de impedir que outras lideranças pudessem ter vida própria, o que, para ele, era inadmissível.

Os “postes” foram um fracasso administrativo. Como não lembrar Fernando Haddad, o “prefeito suvinil”, aquele que descobriu uma nova forma de solucionar os graves problemas de mobilidade urbana: basta pintar o asfalto que tudo estará magicamente resolvido. Sem talento, disposição para o trabalho e conhecimento da função, o prefeito já é um dos piores da história da cidade, rivalizando em impopularidade com o finado Celso Pitta.

Mas o símbolo maior do fracasso dos “postes” é a presidente Dilma Rousseff. Seu quadriênio presidencial está entre os piores da nossa história. Não deixou marca positiva em nenhum setor. Paralisou o país. Desmoralizou ainda mais a gestão pública com ministros indicados por partidos da base congressual — e aceitos por ela —, muitos deles acusados de graves irregularidades. Não conseguiu dar viabilidade a nenhum programa governamental e desacelerou o crescimento econômico por absoluta incompetência gerencial.

Lula poderia ter reconhecido o erro da indicação de Dilma e lançado à sucessão um novo quadro petista. Mas quem? Qual líder partidário de destacou nos últimos 12 anos? Qual ministro fez uma administração que pudesse servir de referência? Sem Dilma só havia uma opção: ele próprio. Contudo, impedir a presidente de ser novamente candidata seria admitir que a “sua” escolha tinha sido equivocada. E o oráculo de São Bernardo do Campo não erra.

A pobreza política brasileira deu um protagonismo a Lula que ele nunca mereceu. Importantes líderes políticos optaram pela subserviência ou discreta colaboração com ele, sem ter a coragem de enfrentá-lo. Seus aliados receberam generosas compensações. Seus opositores, a maioria deles, buscaram algum tipo de composição, evitando a todo custo o enfrentamento.

Desta forma, foram diluindo as contradições e destruindo o mundo da política.

Na campanha presidencial de 2010, com todos os seus equívocos, 44% dos eleitores sufragaram, no segundo turno, o candidato oposicionista. Havia possibilidade de vencer mas a opção foi pela zona de conforto, trocando o Palácio do Planalto pelo controle de alguns governos estaduais.

Se em 2010 Lula teve um papel central na eleição de Dilma, agora o que assistimos é uma discreta participação, silenciosa, evitando exposição pública, contato com os jornalistas e — principalmente — associar sua figura à da presidente. Espertamente identificou a possibilidade de uma derrota e não deseja ser responsabilizado. Mais ainda: em caso de fracasso, a culpa deve ser atribuída a Dilma e, especialmente, à sua equipe econômica.

Lula já começa a preparar o novo figurino: o do criador que, apesar de todos os esforços, não conseguiu orientar devidamente a criatura, resistente aos seus conselhos. A derrota de Lula será atribuída a Dilma, que, obedientemente, aceitará a fúria do seu criador. Afinal, se não fosse ele, que papel ela teria na política brasileira?

O PT caminha para a derrota. Mais ainda: caminha para o ocaso. Não conseguirá sobreviver sem estar no aparelho de Estado. Foram 12 anos se locupletando. A derrota petista — e, mais ainda, a derrota de Lula — poderá permitir que o país retome seu rumo. E no futuro os historiadores vão ter muito trabalho para explicar um fato sem paralelo na nossa história: como o Brasil se submeteu durante tantos anos à vontade pessoal de Luiz Inácio Lula da Silva.
Por: Marco Antonio Villa,  historiador  Do site: http://sergiorochareporter.com.br