A apoteose cívica em torno da empregada lembra o clima da Constituinte em 1987. A Carta promulgada por Ulisses Guimarães com “ódio e nojo à ditadura” removia o entulho autoritário, e trazia o entulho progressista. Até limite de taxa de juros enfiaram na Constituição — entre outras bondades autoritárias e/ou lunáticas. A partir dali, deu-se no Brasil o milagre da multiplicação de municípios, com a interminável criação de prefeituras e câmaras de vereadores sangrando os cofres públicos. Tudo em nome da descentralização democrática.
Agora o país comemora a Lei Áurea das domésticas, com ódio e nojo aos patrões. Eles tiveram sorte, porque não apareceu nenhum revolucionário propondo guilhotina em caso de atraso do 13º. Os escravocratas do século 21 — como os patrões foram chamados pelos libertadores das empregadas — garantiram nos últimos anos à classe das domésticas aumentos salariais bem acima da inflação (e de todas as outras categorias). Mas não interessa. Os progressistas querem direitos civis, querem que os patrões paguem encargos. A consequência será simples: para pagar os encargos, os patrões não darão mais reajustes acima da inflação. Através do FGTS, por exemplo, o dinheiro se desviará das mãos da empregada para as mãos do governo — onde será corrigido abaixo da inflação, a julgar pelas médias recentes.
O fim da escravidão aboliu o bom senso, e conseguirá trazer perdas para patrões e empregados, democraticamente. Mas os populistas serão felizes para sempre.
Já se pode antever a excitação no Primeiro de Maio, com a “presidenta” mulher e faxineira indo às lágrimas em cadeia obrigatória de rádio e TV. Mais uma pantomima social que a nação engolirá sorridente e orgulhosa. Na vida real, evidentemente, a nova Lei Áurea vai dar um tranco no mercado, com patrões temerosos de contratar mensalistas — não só pelos custos inflados, como pelos altos riscos de indenizações pesadas (as casuais e as tramadas). Muitos recorrerão a diaristas e outros improvisos para fazer frente aos serviços da casa. E o enorme contingente das empregadas domésticas que só sabem ser empregadas domésticas, diante da crescente dificuldade de se fixar no emprego “seguro” que a Constituição progressista lhe trouxe, terá que perguntar a Dilma e aos humanistas como ganhar a vida.
O governo popular não está preocupado com isso. Se o contingente das alforriadas sem-teto crescer muito rápido, isso se resolve com uma injeçãozinha a mais no Bolsa Família (o Bolsa Casa de Família). País rico é país que dá dinheiro de graça. Enquanto a Europa acorda dolorosamente desse sonho dourado, com saudades de Margaret Thatcher, o Brasil fabrica um pleno emprego pendurando parte da população numa mesada estatal. São os filhos profissionais do Brasil, que não precisam se emancipar nem procurar trabalho. É claro que isso vai explodir um dia, mas a próxima eleição (pelo menos) está garantida.
A festa da propaganda populista não tem hora para acabar. O Ministério da Educação, por exemplo, está bancando uma grande campanha nas principais mídias nacionais sobre o sistema de cotas para negros no ensino público. A peça traz a encenação de um jovem humilde, que conta ter conseguido vaga na universidade por ser afro-descendente. É o governo popular torrando o dinheiro do contribuinte para apregoar a sua própria bondade. Só um país apoplético pode consumir numa boa essa propaganda política travestida de utilidade pública.
É esse país que baba de orgulho diante da PEC das domésticas, jurando que está assistindo a uma revolução trabalhista. É típico das sociedades culturalmente débeis acharem que legislar sobre tudo é passaporte civilizatório. É um país que não acredita nos seus acordos, no que é instituído a partir da responsabilidade individual, do bom senso e dos bons costumes. É preciso cutucar Getúlio Vargas no túmulo, para empreender uma formidável marcha à ré progressista — que servirá para entulhar de vez a Justiça, porque as crianças só confiam no que está nos livros guardados por mamãe Dilma. Pobres órfãos.
Se o prezado leitor escravocrata enjoou da comida de sua empregada, melhor consultar seu advogado. O socialismo chegou à cozinha — e o tempero agora é assunto de Estado.
Por: Guilherme Fiúza O Globo – 13/04/2013
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