domingo, 2 de fevereiro de 2014

VOI CHE ENTRATE...

O mundo televisivo em nada em atrai. Para começar, exceção feita do Globo News, não assisto televisão nacional. A TV paga tampouco atrai muito. Me resumo a filmes e mesmo assim a vida não é fácil. Se em cada cem filmes exibidos você encontra cinco ou seis que valham a pena ser vistos, dê-se por contente.

A bem da verdade, já curti a mediocridade audiovisual. Em certa época, dediquei alguns minutos na madrugada para assistir às pregações dos pastores. Mas logo cansei. Não que pretendesse ouvir suas baboseiras. O que me fascinava era ver aqueles templos imensos lotados, com quatro mil, cinco mil ou mais pessoas, sem que se veja uma só cadeira vazia, todos fanatizados por um discurso estúpido e obviamente desonesto. Gosto de ver quando a câmera foca rostos. Pessoas de boa aparência, com traços até mesmo inteligentes, hipnotizadas pela lábia precária do pastor.

É meu modo de entender melhor o mundo. Vivo em um pequeno universo rarefeito, de poucos amigos, todos cultos e inteligentes. Corro o risco de achar que o mundo é mais ou menos assim. A televisão então me mostra, sem que eu precise sair de casa, a verdadeira face dessa pobre humanidade. Os pastores, sem nenhum pudor, ensinam como preencher cheques e boletos bancários.

Os tais de pastores evangélicos, que há muito deviam estar na cadeia, controlam, isto sim, cadeias de televisão. Não administram religiões, mas caça-níqueis. Isso sem falar no exercício ilegal da medicina. Em cada emissão televisiva, os milagres superam de longe o número de milagres que Cristo realizou em toda sua vida. Ocorrem em cadeia industrial, ao ritmo de dois ou três por minuto. O pastor até parece entediar-se com a freqüência dos mesmos e descarta rapidamente o miraculado que tem nos braços para abraçar o seguinte.

Ultimamente, em função de minhas auxiliares, tenho a televisão como música de fundo. Para elas, o silêncio é tortura. Como não posso pensar em torturar quem me serve, libero a mediocridade. De qualquer forma, as notícias que tenho da televisão, eu as leio em jornal.

Desde há muito as novelas ocuparam, para o brasileiro médio – e nem tão médio assim – o lugar antes destinado à literatura. A novela mostra o personagem como ele é, coisa que no livro só se deduz. A ação, cinematográfica, é mais rápida e dispensa palavras. Melhor ainda, a novela dispensa esse terrível esforço mental, o ato de ler. Neste sentido, é até espantoso que no Brasil ainda se leiam livros.

Assim sendo, foi pelos jornais que tomei conhecimento deste fato insólito – e certamente de grande significado histórico – o beijo gay culminando o final de uma novela. Pelo que se lê, é um marco na história da cultura nacional e seria algo inevitável na evolução do gênero. Milhões de basbaques se plantaram frente à tela para ver dois barbados trançando os bigodes. Haja apreço pela vulgaridade neste país nosso.

Nada tenho contra homossexualismo, quem me acompanha sabe muito bem disso. Sempre defendi toda e qualquer opção sexual, desde que não implique violência. Assim sendo, os barbados que se beijem à vontade. O que me espanta é ver um país todo esperando pela cena. 

Ainda há pouco, falando das badernas que a imprensa houve por bem chamar de rolezinhos, eu dizia não ver futuro brilhante neste país nosso. Uma boa amiga tentava me dar um pouco de esperança: “talvez com outras gerações, daqui a uns trinta anos...”

Ora, pelo andar da carroça, não vejo esperança nem daqui a um século. A ignorância, em vez de recuar, se multiplica. A Veja da semana passada, com o pretexto de uma reportagem sobre a periferia, faz uma extensa ode ao funk. Que o funk seja o hino de quatorze milhões de brasileiros, como afirma a pesquisa, isto até se entende. Em uma cultura que vive pregada à televisão, aos BBBs da vida e demais programas de auditório, não espanta. O que causa espécie é ver uma revista que se pretende séria dando um enfoque simpático à indigência nacional. Isso sem falar em rock e futebol.

Pelas circunstâncias que vivo, andei vendo trechos da programação da Globo aos domingos. Meu Deus – nestas horas viro místico! – nunca imaginei que a estupidez e a ausência de qualquer pingo de inteligência fossem tamanhas. Que esperar de uma nação que senta e baba diante de tais programas?

Comentei há pouco um filme de meus dias de juventude, Les Amants, de Louis Malle. O filme é de 1958, é obra das mais castas, mas causou repulsa no país todo, por uma cena na qual Jean-Marc Bory, no papel de Bernard, desce os lábios pelo corpo de Jeanne Moureau, a musa da época. 

A cena é tão sutil que, nos dias de hoje, ninguém pensaria em sexo oral. A única sugestão do gesto nefando é a cabeça de Bory que some da tela, enquanto a mão de La Moureau faz um leve gesto, que poderia significar tanto desconforto quanto prazer. Mas o público viu bem mais longe.

A cena terminava aí. Ao ser exibido em Porto Alegre, já nos anos 60, um grupo de espectadores criou a Turma do Apito. No momento da cena, a turma apitava em protesto ao gesto abominável. Isso que a câmera não descia nem mesmo até os seios! A Turma do Apito, talvez intuindo o próprio ridículo, se manteve sempre no anonimato. Hoje, meio século depois, quando sexo oral é praticamente obrigatório em qualquer filme que trate de relações homem/mulher, é difícil conceber que haja quem espere como novidade dois marmanjos se beijando. É difícil conceber, mas eles existem aos milhões. 

Que se pode esperar desta miséria humana?

Por: Janer Cristaldo Do site: http://cristaldo.blogspot.com.br/

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