sábado, 15 de março de 2014

O DECLÍNIO DO OCIDENTE

1. Existem ALGUMAS regras na política internacional. Mas a primeira de todas é que as grandes potências não agem apenas de acordo com os seus interesses. Também é importante antecipar a forma como os outros reagem a eles.


Meses atrás, escrevi nesta Folha que Barack Obama tinha cometido um erro brutal com o "dossiê" sírio ao afirmar que Bashar al-Assad não poderia cruzar certas "linhas vermelhas" ("Baratinhas tontas", 10/9/2013). Quando se fazem ultimatos desses, é bom que o autor esteja disposto a agir se a outra parte não respeita a ameaça.

Bashar al-Assad foi o único que agiu, cruzando as "linhas vermelhas", ou seja, usando armamento químico contra o seu povo. E que fez Obama?

Para além do vexame internacional de não ter feito nada, contou ainda com a crítica de Vladimir Putin (em artigo no "New York Times" de uma hipocrisia humanista arrepiante) e com a intermediação russa para que o carniceiro de Damasco entregasse uma lista com todo o seu arsenal químico –uma farsa que só otários são capazes de engolir.

Sabemos agora que a principal consequência do "flop" de Obama na Síria emigrou para a Ucrânia.

Os fatos são conhecidos: por pressão russa, o anterior presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, não assinou um acordo com a União Europeia. O caso foi visto na Ucrânia como uma rendição a Moscou –que pagou o gesto com a promessa de um cheque generoso e a redução do preço do gás- e como uma dolorosa despedida a qualquer hipótese de Kiev virar para Ocidente.

No momento em que escrevo (domingo), e sabendo que a situação muda a cada minuto, o país ameaça quebrar em duas metades: a primeira, pró-ocidental, com um governo interino em Kiev que recusa a pata do urso moscovita; a segunda, sobretudo concentrada na região da Crimeia, onde já existem tropas russas "informais" nos lugares-chave (edifícios de governo, televisões, aeroporto etc.).

E paira sobre todo o caos a decisão unânime da Câmara Alta da Rússia de autorizar a invasão do país. Nada disso deveria espantar. No "Wall Street Journal", o antigo presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili, resumiu em uma única palavra a estratégia preferida do Kremlin: "balcanizar". No caso, balcanizar as antigas repúblicas da URSS –uma forma de as enfraquecer e de as manter sob a órbita de Moscou. Isso aconteceu na Geórgia, claro, quando a Rússia marchou sobre a Ossétia do Sul e a Abkhazia em 2008.

Perante essa estratégia, qual a resposta de Obama? Não passa pela cabeça de ninguém um confronto militar em larga escala. Até porque a situação na Ucrânia é mais propícia a uma guerra civil do que a um conflito internacional.

Mas é de bradar aos céus que a Casa Branca tenha um presidente que se limita a proclamações vagas ("haverá custos") ou ameaças patéticas (não participar na reunião do G8, por exemplo) quando a atitude só poderia ser uma: fazer da Rússia um pária internacional, que não respeita os acordos que assina (como o "memorando de Budapeste", onde a integridade territorial da Ucrânia era sacrossanta), e por isso merece sanções diplomáticas, políticas e econômicas pesadas.

Que Obama não tenha sido claro na hora decisiva só mostra como a sua eleição é um sintoma trágico do declínio ocidental.

2. E por falar em declínio ocidental: parece que o Google perdeu uma ação para manter on-line o filme "Intolerância dos Muçulmanos", um vídeo onde Maomé é tratado de forma desrespeitosa.

Não assisti ao vídeo porque o meu tempo é precioso e lixo não é a minha praia. Mas se a sentença vai fazer doutrina, espero que católicos, protestantes, mórmons, testemunhas de Jeová, judeus, hindus, brâmanes, budistas, confucionistas, taoístas, cientologistas, druidas e qualquer outra seita "religiosa" ou "espiritual" (como a seita ateia) possa conhecer igual tratamento na proibição de qualquer livro, filme, pintura, música ou programa de TV capaz de ferir a sensibilidade do crente.

Se isso implicar um mundo de silêncio radical, tudo bem. Desde que o silêncio não seja ofensivo para satânicos ou ocultistas, que normalmente gostam de algum barulho à mistura. Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

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