sexta-feira, 29 de abril de 2016

E AGORA, BRASIL?

Há tempos, venho afirmando que se o governo Dilma não fosse capaz de colocar as contas públicas em ordem e retomar a confiança de investidores, empresários e consumidores – como, infelizmente, não foi – dificilmente a Presidente chegaria ao final de seu mandato. A decisão de ontem da Câmara dos Deputados de aprovar o pedido de impeachment da Presidente torna uma transição política em um horizonte relativamente breve praticamente inevitável.

Até meados de maio, o Senado deve aprovar por maioria simples – 41 ou mais dos 81 Senadores - a instauração do processo contra a Presidente. A partir daí, o Senado terá até novembro para julgar o mérito do processo. Neste momento, a aprovação vai requerer os votos de pelo menos 54 dos 81 senadores. O fundamental é que a instauração do processo no Senado é praticamente certa. Ela já afastaria Dilma da Presidência por 180 dias do cargo, na prática antecipando a transição do poder ao atual vice-presidente Michel Temer. Exatamente por isso, o Vice-Presidente já começou a discutir medidas e composição da equipe caso efetivamente venha a assumir a Presidência.

É importante lembrar também que nos dias 2 e 30 de outubro, teremos o primeiro e segundo turnos das eleições municipais e parte dos senadores governistas talvez prefira antecipar o trâmite de todo o processo de impeachment – como querem os oposicionistas – a ir às eleições municipais como defensores da manutenção no poder de uma Presidente comum único dígito de taxa de aprovação popular.

Até por isso, alguns senadores petistas, com o apoio de ministros do atual governo, pretendem enviar ao Senado um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que anteciparia o fim do mandato do atual governo federal para o final deste ano, alongaria o mandato do próximo presidente de quatro para seis anos e anteciparia as próximas eleições presidenciais para as mesmas datas das eleições municipais.

Se esta solução tivesse sido proposta no ano passado ou ao menos antes do início do andamento do processo de impeachment da Presidente na Câmara dos Deputados, talvez as crises política e econômica não tivessem tomado proporções tão graves e a perspectiva de eleição de um Presidente com um mandato mais longo e, portanto, mais poderoso, talvez criasse condições mais propícias para o avanço de reformas estruturais fundamentais para o desenvolvimento brasileiro, como as reformas da previdência, trabalhista, tributária e política.

Neste momento, parece mais uma tentativa desesperada para fugir de uma provável derrota do governo no Senado, ou um golpe, para usar um jargão petista. Além disso, como os próprios autores da PEC reconhecem, mesmo que aprovada pelo Congresso, para não criar um limbo jurídico, a proposta de encurtamento dos mandatos atuais teria de ter o aval da Presidente Dilma e do Vice-Presidente Temer. Talvez, a Presidente Dilma concordasse com isso, o que está longe de ser certeza, dada sua personalidade aguerrida, mas é bastante possível em função da sua falta de apoio mesmo entre governistas, como ficou evidente na votação de ontem. No entanto, no momento atual, o Vice-Presidente Temer certamente não concordará.

Restam ainda as ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) alegando que dinheiro de corrupção foi usado no financiamento da campanha eleitoral de Dilma e Temer – fato já confirmado por alguns dos financiadores da campanha eleitoral – que, a princípio começariam a ser julgadas já em maio. Se uma delas for aprovada, haveria a cassação tanto de Dilma quanto de Temer e, provavelmente, novas eleições seriam chamadas. Estas ações foram impetradas pelo PSDB, partido que se aliou a Temer para dar andamento ao Impeachment e já publicou uma carta de intenções para apoiar e eventualmente até participar da composição do governo Temer. Entretanto, ainda não é clara qual será a postura do partido em relação a elas caso Temer assuma a Presidência, em particular considerando-se que os três principais caciques do partido - Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin – têm interesses divergentes em relação ao grau de sucesso de um eventual governo Temer.

Em resumo, as incertezas políticas continuam grandes. Se quer não apenas assumir a Presidência, mas ter condições de tirar o país do fundo do buraco, cabe a Temer a difícil tarefa de costurar uma base de sustentação suficientemente ampla e coesa para conseguir avançar no Congresso as reformas estruturais. Além delas, cortes de gastos públicos, medidas administrativas que melhorem o ambiente de negócios e a eficiência da economia brasileira - têm de ser parte de um pacote de retomada da confiança.

A habilidade de Temer de costurar estas alianças – que provavelmente incluirá um acordo onde ele se comprometa a um papel de transição, não participando das eleições de 2018 - será seu primeiro e principal teste. Vencendo-o, Temer aumenta não só suas chances de efetivamente chegar à Presidência, mas de ser bem sucedido ao longo do governo. Caso contrário, a hipótese de eleições em breve, em função do julgamento do TSE ou mesmo da PEC – cresce em probabilidade.

Enfim, os desafios para Temer e o país não são poucos, mas assim como aconteceu na Argentina após a saída de Cristina Kirchner e a posse de Mauricio Macri na Presidência, Temer deve contar com o apoio de uma classe empresarial que há muito perdeu a confiança em Dilma e que está ávida por ver a economia, os resultados de suas empresas e os valores de seus negócios se recuperarem. Além disso, em um mundo em que os países desenvolvidos vivem nas palavras do ex-secretário do Tesouro americano, Larry Summers, uma “estagnação secular” e a maioria dos países emergentes tem mercados pequenos demais para fazerem individualmente diferenças significativas nos resultados de grandes empresas globais, o Brasil e os outros poucos países emergentes com mercados grandes e bom potencial de crescimento de longo prazo encontram-se em uma posição privilegiada para atrair investimentos estrangeiros. Junte-se a isso a moeda desvalorizada e o baixo valor atual das empresas brasileiras, que coloca o país em liquidação do ponto de vista de investidores estrangeiros e está completo o quadro para uma avalanche de investimentos produtivos uma vez que a confiança tiver sido retomada.

Para completar, nos últimos meses apareceram sinais - ainda incipientes - de que, talvez, o dólar tenha revertido seu ciclo de valorização dos últimos anos, o que tem colaborado para uma elevação dos preços das commodities internacionais – grãos, metais, fontes de energia. Essa elevação beneficia a economia brasileira e, junto com a perspectiva de transição política, levou a uma apreciação recente do Real de quase 20%, que aliás só não foi maior porque o Banco Central vendeu mais de US$30 bilhões de dólares em derivativos cambiais desde a semana passada. A apreciação do Real e a intensidade da recessão já fizeram a inflação no Brasil dar os primeiros sinais de queda recentemente. Esta tendência não deve se alterar se o Real continuar a se fortalecer, o que poderá levar a taxa de juros a começar a cair entre o final deste ano e o ano que vem, permitindo a recuperação do crédito e expansão de investimentos, consumo e geração de empregos. Considerando que a taxa básica de juros SELIC é hoje de 14,25% ao ano no Brasil e a taxa média mundial equivalente é hoje de apenas 0,2% ao ano, o potencial de atração de capitais estrangeiros, queda da taxa de juros e estímulo econômico no Brasil, quando ocorrer a retomada da confiança, é brutal.

Em resumo, os desafios são muitos, mas como venho defendendo, a probabilidade de uma recuperação econômica cíclica por alguns anos que surpreenda pela força uma vez retomada a confiança é muito maior do que temem os pessimistas.

Por outro lado, a sustentação desta recuperação inicial e a aceleração do potencial de crescimento brasileiro exigirá reformas estruturais, melhora de nossa infraestrutura e ambiente de negócios, maior qualificação da mão de obra e mecanização da economia brasileira entre outros avanços.

Além disso, avanços recentes, em particular no combate à corrupção não podem se perder. O impeachment da Presidente por crime de responsabilidade em função das pedaladas fiscais tem de ser apenas o maior passo até agora de uma mudança de mentalidade no país. A prisão de importantes empresários envolvidos em corrupção foi outro passo fundamental. É importante que os políticos envolvidos em corrupção, incluindo vários pesos pesados dos Poderes Executivo e Legislativo, independentemente dos partidos a que pertencem, tenham o mesmo fim.

Em resumo, cabe a nós, brasileiros, garantir que o grande potencial de melhoras institucionais, a recuperação econômica e a construção e um país melhor e mais justo se materializem. Sem a nossa pressão, as chances diminuem bastante. Recentemente, aprendemos a cobrar a classe política e a questionar como nossos próprios atos colaboram para criar os problemas que criticamos. Não podemos perder estes hábitos. Aliás, devemos levá-los também para dentro de casa e das empresas.

Por: Ricardo Amorim, autor do livro Depois da Tempestade, apresentador do Manhattan Connection da Globonews, presidente da Ricam Consultoria, o brasileiro mais influente no LinkedIn, único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner e o economista mais influente do Brasil segundo a revista Forbes.

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