terça-feira, 17 de julho de 2012

BRF E A SUINOCULTURA


O penoso processo de fusão da Sadia com a Perdigão imposto pelo Cade pode ter levado os suinocultores catarinenses à falência: eis mais uma demonstração dos malefícios do
intervencionismo estatal.

Em 13 de julho de 2011, o Cade finalmente aprovou, por 4 votos a 1, a fusão da Sadia com a Perdigão, após um processo de negociações que vinha se arrastando por cerca de dois anos, e que ao fim resultou em uma série de medidas tão gravosas que por apenas um pouco mais inviabilizaram definitivamente a operação.

Da fusão entre as duas bem-sucedidas empresas, nasceu a holding BRF – Brasil Foods, amputada ainda na maternidade, obrigada que foi a alijar uma parte substantiva dos seus ativos, e submetida a uma severa dieta de participação no mercado.
Nada menos que 10 fábricas de alimentos, 4 abatedouros, 12 granjas, 2 incubatórios de aves, 8 centros de distribuição e 4 unidades de produção de ração terão de ser vendidos, a serem vendidos para uma única compradora; além disso, terá de desfazer-se de nada menos que 12 marcas consagradas pelo público consumidor: Resende, Wilson, Doriana, Texas Burguer, Confiança, Patitas, Escolha Saudável, Fiesta, Delicata, Light & Elegant, Tekitos e Freski.
Acabou? Mal começou: o conglomerado ficou ainda impedido de entrar em campo por três anos para a produção e comercialização no mercado interno de presunto, linguiça, paio, palheta, pernil, lombo e produtos natalinos, em especial, suínos (grifos meus); 04 anos para o salame, e 05 anos para comidas prontas, tais como almôndegas, Mais: a marca Batavo ficou proibida de produzir e comercializar produtos de origem em carne animal, tendo sido limitada ao setor dos produtos lácteos, e finalmente, à holding BRF, restou resignar-se com a proibição de substituir as marcas alienadas e de estabelecer parcerias com o varejo para vendas com exclusividade ou criar pontos de vendas exclusivos.
Será que me esqueci de algum detalhe? No total, a BRF foi decepada em uma capacidade operacional de 730 mil toneladas por ano, o equivalente a 80% da capacidade produtiva da antiga Perdigão. (Fonte: Veja Economia)
Uma pausa para um suspiro e uma reflexão...
Estamos em 2012, exatamente um ano depois, faceando as seguintes manchetes: 






Será que alguém conseguiu enxergar no cotejo entre as duas notícias alguma relação de causa e efeito? Pois é...
Com o impedimento da BRF de participar do mercado e de forma agravante, de ter de vender um substancial conjunto de ativos para os quais ainda não encontrou um comprador único, naturalmente criou-se um enorme vácuo na cadeia econômica, especialmente danoso para o setor da suinocultura, que tem no estado de Santa Catarina o principal produtor nacional.
Sem haver quem compre a produção, que a beneficie e a distribua para todo o país, naturalmente, somente restou ao produtor ver os preços de sua produção despencarem na cratera logística aberta pelo governo. 

Mas pasmem, o preço ao consumidor final, no varejo, longe de ter diminuído proporcionalmente, como seria de se esperar segundo um raciocínio mais ligeiro, curiosamente tomou o rumo inverso e encareceu significativamente, tanto mais quanto mais afastado o mercado consumidor das regiões produtoras. Isto só pode ser explicado logicamente, pelo duro golpe na estrutura logística promovida pela pretensiosa mão estatal do “Super Cade”. Moral da história: o consumidor saiu (muito) mais lesado do que se a fusão entre as duas empresas não tivesse sido submetida a nenhum óbice.

Ademais, os produtos de ambas as marcas, digo, Perdigão e Sadia, vinham sendo oferecidos com um certo equilíbrio entre qualidade e custo, de modo que suas concorrentes, até então, vinham buscando a diferenciação pela priorização de uma ou outra característica, de modo que, dado o novo cenário, as rivais que primavam pelo preço mais acessível viram-se livres para praticar preços mais altos sem ter necessariamente de melhorar a qualidade de seus produtos, ao passo que as concorrentes que se diferenciavam pela qualidade não viram motivo para manchar a reputação perante o público-alvo mais seleto para o qual se especializaram. No frigir dos ovos, o consumidor saiu-se triplamente prejudicado: perdeu o bem da marca favorita e viu-se diante da inglória alternativa de comprar um substituto de pior qualidade por um preço majorado!
Da minha experiência pessoal, há várias marcas para as quais não me contentei com os substitutos e ao final, fossem por ser de qualidade inferior ou de preço não razoável para os meus padrões de consumo, simplesmente abdiquei completamente de adquirir os respectivos gêneros. Portanto, creio ser possível acreditar que outras pessoas de classe média tenham repetido, em maior ou menor grau, o meu comportamento, o que revela uma forma não contábil de empobrecimento relativo ou diminuição da qualidade de vida.
Como tem sido anunciado, o governo catarinense tem acenado com medidas paliativas, tais como a de incluir a carne suína na merenda escolar e de promover campanhas midiáticas enaltecendo o valor nutritivo e os benefícios para a saúde promovidos pelo seu consumo. Da parte do governo federal surgiram propostas de facilitação de créditos, prorrogação de dívidas e diminuição de alguns tributos.
Como sempre, remédios absolutamente ineficazes, e pior do que isto, geradores de ainda novas distorções, a demandar novas medidas de contenção dos indesejados efeitos colaterais, e assim gerando uma insana espiral de insucessos.
Vamos lá, detalhadamente: pra começar, no que me aconselha a prudência a não tomar o lugar de um nutricionista, declino da tarefa de especular o prejuízo alimentar para as crianças da rede escolar que serão submetidas a tal esperável monotonia em seus cardápios, mas do ponto de vista psicológico ou ainda, do mero bom senso, não há quem aguente ingerir carne suína permanentemente, isto sem falar das que não gostam, não consomem por motivos religiosos, e das que não podem consumir por motivo de alergia.
No meu tempo como aluno da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante, passei por uma situação semelhante, de modo que não me é difícil imaginar o cenário a porvir: naquela época, o governo do então presidente José Sarney se negava a pagar ágio pela carne bovina cujo preço havia sido congelado por meio do plano Cruzado, de modo que só nos era servido peixe, dia após dia (Arre!), e consequentemente, depois de algum tempo já recusávamos as piscosas porções antes mesmo de nos serem servidas, as quais possivelmente iam acabar parando no lixo.
À parte do empobrecimento não monetário da qualidade de vida dos alunos da rede pública de ensino catarinense, frise-se que uma preferência pela carne suína na merenda escolar só pode ser efetivada por uma concomitante preterição dos outros produtos de origem animal, com injusto prejuízo para os respectivos produtores, resultando afinal que a ação promete ser absolutamente ineficaz do ponto de vista econômico (conquanto o possa ser do político, ou melhor, do politiqueiro...)
Com relação às campanhas midiáticas, há pouco que seja mais nonsense! De partida, é extremamente injusto, senão ilegal ou inconstitucional, que o governo pague por propaganda para beneficiar cidadãos particulares com o dinheiro dos impostos, isto é, tanto de consumidores quanto de não consumidores de carne suína; complementarmente, a medida teria o mesmo resultado que disparar um tiro no ar, já que não se trata de um problema relacionado à rejeição da carne suína pelos consumidores, mas antes, pela impossibilidade ou dificuldade destes de encontrá-la nas gôndolas e balcões frigoríficos, processada ou não processada.
Já o governo federal aponta com soluções ainda mais caquéticas do que o estado sulista, vez que promete encurralar os produtores em uma espiral de endividamentos sem prover-lhes absolutamente nenhuma saída viável da crise que lhes assola.
Na literatura internacional, destacam-se os trabalhos de Dominick Armentano, Thomas DiLorenzo e Mary Bennett Peterson, autores que se empenharam em demonstrar, tanto teórica quanto empiricamente, que todas as empresas processadas pelas leis antitruste nos EUA e por eles pesquisadas, longe de diminuir a produção, aumentar o preço dos seus produtos e serviços e estagnarem tecnologicamente, sempre estiveram focadas em proporcionar ganhos para os seus clientes, progrediram tecnologicamente em uma escala inaudita e baixaram os preços vertiginosamente; que o Shermann Act, a primeira lei antitruste do mundo, nasceu de um lobby de empresários mercadologicamente incompetentes mas politicamente influentes que operaram incomensuráveis prejuízos para a sociedade americana, na forma de cotas de participação, gravames aduaneiros, políticas de preços máximos e de preços mínimos, bem como programas estatais de estocagem de grãos e pasmem, até mesmo de programas de subsídios para que fazendeiros NÃO produzissem! Em uma frase genial, a economista Mary Bennett Peterson sintetizou: “a legislação antitruste não nasceu para proteger a concorrência, mas os concorrentes!”.
Nem só de concorrência vive o mercado, mas também de cooperação, parcerias e de coordenação. Muitas vezes, os concorrentes servem, eles próprios e em conjunto, como fomentadores de um determinado mercado. Como exemplos, lancemos os olhos à rua 25 de Março, em São Paulo-SP, ou à rua Teresa, em Petrópolis-RJ. Nestas ruas compreende-se claramente que o aglomerado de concorrentes favorece o comparecimento da clientela muito mais do que se houvesse um único participante em cada um daqueles lugares.
Nos seus delírios macroeconômicos, os economistas apontam-nos irreais modelos de competição perfeita para defender um cenário de concorrentes atomizados como a solução para o que afirmam ser desejável, isto é, um (jamais alcançável) “equilíbrio do mercado”. Fogo fátuo! Um único participante de um dado mercado inteiramente livre de intervenções estatais está mais sujeito à concorrência do que uma dúzia de comensais em um sistema de mercado autarquizado, pois a qualquer momento podem candidatar-se novos participantes, seja com produtos semelhantes, seja com soluções totalmente inovadoras, tal como Mary Bennet Peterson muito bem elucidou-nos:
Quem de fato pôs o ferreiro da vila fora do mercado, ou mais recentemente, o fez com o vendedor de gelo, ou ainda mais recentemente, com o doceiro da esquina? Muitos podem estar inclinados a dizer que estes empreendedores de outra era foram economicamente vencidos pelos gigantes de Detroit, as grandes utilidades (domésticas), Westinghouse e General Eletric, as redes de alimentos de A&P, Safeway, Grand Union e outros grandes conglomerados. Eu argumentaria, ao contrário, que o real algoz do vendedor de gelo foi o consumidor – a pessoa que comprou um refrigerador elétrico ou a gás. (PETERSON, Mary Bennett. The regulated consumer. The Ludwig von Mises Institute, Auburn Alabama, 2007).
Assim tem sido com a Brasil Foods, um empreendimento que só terá condições de competir com gigantes globais se munir-se dos ganhos de escala advindos da fusão, o que promete servir aos consumidores preços mais baratos e produtos de maior qualidade e mais inovadores.
Causa-me um desconsolo ter tido conhecimento de que os setores atingidos, mormente o da produção suína, estejam a pedir de joelhos ao governo por ajuda na forma de benefícios e privilégios particularizados que nada têm a proporcionar-lhes senão mais dependência e prejuízos, quando deveriam raciocinar se não estão sendo vítimas de pretéritas e malogradas ingerências estatais na economia, sendo o caso especificamente, como os fatos levam a crer, resultantes da desastrada atuação do Cade. Que este singelo artigo alimente o debate e sirva como um botão de parada de emergência para tal vicioso ciclo, eis uma das minhas mais caras esperanças.
Até lá, vou tristemente recitando “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho tinha uma pedra; Tinha uma pedra no meio do caminho;...” Por:  KLAUBER CRISTOFEN PIRES

INTERNET E DEMOCRACIA


O Grande Problema da Internet e da Democracia 

A internet tem sido aclamada como um grande avanço para a democracia.
De fato, nunca tantos puderam manifestar as suas opiniões, antes seara exclusiva de alguns poucos editorialistas de jornais e colunistas famosos.
Mas eis que surge um problema.
Temos agora opiniões demais, cada um opinando sobre tudo em blogs, twitter e Facebook, e pouco consenso ou progresso de soluções.
A verdade é que não queremos a opinião dos outros.
Eu não quero a sua opinião. O que eu quero é dados novos que eu não tenho que possam mudar a MINHA opinião.
O que eu quero é uma outra forma de analisar o problema que eu não havia pensado ainda e que me faça MUDAR de opinião, já que eu não quero ter opinião errada sobre coisas importantes. 
Se todos fizessem isto, lentamente as nossas "opiniões" se aprimorariam e convergiriam para uma solução de consenso e inteligente.
Mas o que vemos é justamente o contrário.
Opiniões mal construídas, com poucos dados ou até dados falsos, normalmente recheadas de ideologia ou melhor pré-conceitos.
De tantas "opiniões", jamais chegaremos a um consenso e teremos uma solução para os problemas mundiais. 
Vejamos um exemplo.
Fato: 25% Ricos dos americanos mais ricos, ficaram mais pobres de 2007 a 2009.
E, 31% dos mais pobres ficaram mais ricos neste período de somente 3 anos. 

Dist renda 1
Tem mais, os 20% dos mais ricos perderam 18% da sua riqueza nesta crise, o dobro de todas as demais classes sociais.
Nesta toada, daqui 10 anos todos ficarão pobres. 
Mas não é isto que você descobre lendo hoje a internet. 
Um artigo após o outro alerta que os ricos estão ficando mais ricos, e que os 1% precisam ser destruídos. O que provavelmente inclui você caro leitor, infelizmente.
(Se você fez uma faculdade famosa, onde o número de candidatos vaga é de 10 para 1, e somente 10% fazem faculdade, só aí você já é 1 em 100, mesmo sendo o pior da sua turma.)
Obviamente, a soma de milhares de "opiniões" equivocadas pode gerar resultados políticos e econômicos equivocados.
Os ricos em questão, e eu vou mostrar a tabela num próximo post, na sua maioria são pequenos e médios empreendedores com empresas com capital de US$ 300.000 na média, nada espetacular.
Por isto, 25% despencam de posição em 3 anos somente, porque nem toda empresa continua bombando ano após ano.
São estes os 20% mais ricos que criam as empresas e os empregos que precisamos. 
Tirar dos ricos é tirar os US$ 300.000 de capital destas empresas, algo que eu não acho muito inteligente. 
Mas a falta de rigor ético e científico não é o que se encontra na internet.
Pelo contrário. Joseph Stiglitz que mora numa casa de US$ 3 milhões e ganha mais do que US$ 500.000 por ano, se tornou o líder dos contra a má "distribuição" da renda nos Estados Unidos.
E, seu foco são os administradores das 500 maiores empresas que ganham bônus e não os milhares de empreendedores que criam empresas.
Mais uma birra de economista contra administradores que pode gerar enormes consequências sociais. Por: Stephen Kanitz

A RIQUEZA E A POBREZA AO LONGO DA HISTÓRIA


The99.jpg
"Nós somos os 99%". Este slogan dos manifestantes do movimento Occupy Wall Street tem sido considerado a citação mais memorável do ano passado. Aqueles que se agrupam para se manifestar o fazem em oposição aos infames indivíduos membros do 1%.
Para estes manifestantes, ser membro do 1% significa ser o afortunado beneficiário de algum incentivo governamental, ou algum outro tipo de benefício corporativista. Mas para os socialistas igualitários do movimento, significa simplesmente ser muito rico. Eles dizem que o 1% mais rico do mundo está esbulhando uma fatia injusta de riqueza da sociedade, em prejuízo dos 99%.
Qualquer que seja sua opinião sobre a difícil situação atual dos 99%, ao longo de praticamente toda a história as coisas foram muito piores para a imensa maioria da população. Na era pré-capitalista, o típico membro dos 99%, desde que tivesse a sorte de sobreviver à infância, estaria condenado a uma vida de trabalho braçal extenuante e à pobreza, constantemente no limite da fome, da doença e da morte.
Os únicos indivíduos que não levavam esta vida miserável eram os pertencentes ao "1%" de então.  E esse 1% era virtualmente idêntico ao estado. Esse grupo era formado por reis franceses, lordes ingleses, senadores romanos, vizires egípcios e sacerdotes sumérios.  Os membros desta elite viviam em esplendor olímpico: servos a seu dispor, comida farta, habitações espaçosas, joias abundantes, e uma imensa quantidade de tempo ocioso.
É claro que esse estilo de vida se apoiava nos ombros das massas. Eram os 99% que produziam o pão que enchia a boca e o estômago dos abastados membros do 1%, que derrubavam árvores para erguer as mansões deles, e que extraíam da terra os metais e pedras preciosos que adornavam seus corpos.
Tudo o que os manifestantes dizem hoje sobre os 99% e o 1% estaria totalmente correto naquele tempo. A riqueza da sociedade era um bolo de tamanho fixo. Quanto maior a fatia abiscoitada pelo 1%, menos sobrava para os 99%. Cada pequeno luxo desfrutado pelo 1% era retirado de recursos que poderiam tornar menos miserável a vida de algum membro dos 99%.
Por que os antigos 99% aceitavam esse domínio do 1%?  Por que não se revoltavam e destronavam seus senhores?  Estariam eles simplesmente intimidados pelas armaduras e pelas espadas reluzentes?
Não.  Como assinalou David Hume, já que "aqueles que são governados" sempre superam vastamente em número "aqueles que governam", o poder de um regime nunca se sustenta somente na força bruta. Os muitos "governados" têm de acreditar que o poder dos poucos mandatários é bom para eles, de alguma forma.
Talvez os sacerdotes tenham convencido o povo que os deuses ficariam furiosos se os dirigentes fossem desobedecidos, ou que a chuva não viria e que as plantações não cresceriam.  Ou talvez o populacho acreditasse que os dirigentes sejam os responsáveis pela paz e pela ordem na sociedade.
Os 99% não apenas apoiavam o 1% dominante, como também os veneravam em grandiosos pedestais. Os 99% concediam o poder ao 1%.
Como Ludwig von Mises deixou claro, o poder real — que ele chamava de "força ideológica" — sempre se depende da opinião pública. Se a opinião pública mudar a respeito de qualquer regime, os dias deste estão contados.
Mises foi ainda mais longe ao argumentar que a opinião pública determina não apenas quem está no comando, como também a característica geral da ordem legal — ou, como ele diz, ela determina "se existe liberdade ou servidão".
Em última análise, a única forma de tirania que pode durar é uma opinião pública tirânica.
A luta pela liberdade, no fim das contas, não se trata da resistência contra autocratas ou oligarcas, mas sim da resistência contra o despotismo da opinião pública.[1]
Se os 99% de qualquer país ou regime econômico são oprimidos, eles fundamentalmente são seus próprios opressores; são eles próprios que, em decorrência da própria e tirânica opinião pública, se subjugam e não apenas aceitam a opressão de seus opressores, como também a defendem.
Isso explica a situação política da velha ordem (de qualquer ordem, na verdade).  E quanto à situação econômica da antiguidade?  Por que o "bolo da riqueza" raramente crescia?
Era de se supor que, com o passar do tempo, as pessoas se tornariam mais eficientes na produção de bens, o que elevaria o nível de vida. Ainda assim, por séculos, a vida quase não melhorou.
As raízes desta estagnada situação econômica podem ser encontradas na ordem política descrita acima.
Repetindo: ao longo da maior parte da história da civilização, o 1% tomou para si uma grande parte do que era produzido pelos 99%.  E se algum indivíduo porventura conseguisse acumular riqueza suficiente ao ponto de ser notada, algum potentado a confiscaria também.  É por isso que tesouros enterrados eram práticas comuns onde quer que os soberanos se mostrassem particularmente ávidos.
Com tão violento e desenfreado confisco governamental, nunca havia incentivos para a acumulação de capital em grande escala. Sem essa acumulação de capital em grande escala, era impossível ter produção em massa. E sem a produção em massa, era impossível melhorias generalizadas nas vidas das massas.
E esse é basicamente o motivo pelo qual os 99% viveram vidas maltrapilhas por quase toda a história.
E então, nos séculos XVIII e XIX, aconteceu algo realmente revolucionário.  Um grupo de filósofos se dedicou a pensar com muito cuidado a respeito de coisas como propriedade, comércio, preços e produção. Estes filósofos foram chamados "economistas".
Ao analisar as leis econômicas que eles haviam descoberto, os economistas concluíram que a sociedade seria muito mais produtiva quanto mais respeitada fosse a propriedade privada. "Laissez faire et laissez passer", disseram os economistas.  Deixem as pessoas controlar suas propriedades o mais completamente possível, e todos serão mais prósperos.
Esses filósofos econômicos, pessoas como Richard Cantillon, Adam Smith e J. B. Say, eram teóricos.  Eles escreveram livros brilhantes, ainda que empolados, que mudaram as mentes dos comunicadores: indivíduos a quem F. A. Hayek chamou de "negociantes indiretos de ideias".
Dentre eles, havia comunicadores profissionais: escritores como Richard Cobden, e oradores como John Bright. Estes escritores e oradores escreveram panfletos e proferiram discursos que mudaram as mentes de muitos indivíduos reflexivos, ainda que menos eloquentes, a quem podemos chamar de comunicadores amadores. E esse estrato pensante, por sua vez, levou seus colegas não pensantes (os quais podemos chamar modernamente de "manada") a mudarem suas posições a respeito de questões públicas.
Por esse processo, a opinião pública mudou de direção, passando a acreditar que um governo deveria ser o mais limitado possível, e os direitos de propriedade, os mais sacrossantos possíveis.  Em suma, a opinião pública mudou e adotou uma doutrina chamada de "liberalismo".
Mais uma vez, o modo como uma sociedade é organizada depende da opinião pública. Assim como a opinião pública mudou, a política também mudou. O capital privado tornou-se mais seguro. Restrições ao comércio foram removidas. Barreiras aos negócios foram abolidas. A propriedade privada reinou suprema, como nunca antes.
E os resultados foram miraculosos. Como nunca antes na história, as energias produtivas da humanidade foram liberadas. Itens antes reservados para a elite do 1% logo foram produzidos em massa para os 99%. Amenidades que nem existiam antes foram desenvolvidas — primeiro, para pequenos mercados; após um tempo, para todas as massas.
A produção de simples necessidades disparou. As populações ao redor do mundo beneficiadas pelo liberalismo explodiram. Pessoas que viviam à margem, e que em outras circunstâncias morreriam, conseguiram subsistir.  E aqueles que em outras circunstâncias estariam condenados a passar toda a sua vida chafurdando em uma servidão vulgar tornaram-se capazes de levar uma vida de conforto e refinamento.
Nesta nova ordem, ainda havia os 99% e o 1%. Mas os 99% desse período viviam melhor que o 1% de épocas passadas.  E o principal meio para se ascender ao 1% era sendo um empreendedor capitalista de sucesso: se esforçar para servir aos 99% (a massa de consumidores) de uma maneira melhor e mais eficiente do que seus competidores.
Na velha ordem, a maioria dos candidatos a se tornar parte do 1% precisaria, para subir na vida, apenas usar suas habilidades e ambições políticas para ser conquistadores, governantes, administradores governamentais, e, nesses papéis, explorar as massas. Na nova ordem, sob o que Mises chamava de "soberania do consumidor" no mercado, as habilidades do 1% foram direcionadas para prover as massas de consumidores soberanos.
Os mestres tornaram-se servos. Servos abastados, mas ainda assim servos.
A revolução ideológica liberal engendrou uma revolução industrial. E o que Mises chamou de "Era do Liberalismo" durou de 1815 a 1914: um século de ouro no qual a humanidade teve pela primeira vez uma vaga ideia do que era realmente capaz.
Tragicamente, a Era do Liberalismo foi encerrada por uma contrarrevolução ideológica: uma onda de pensamento estatizante, responsável por todos os infortúnios do século XX, bem como pelas atuais crises econômicas e geopolíticas.
Agora, os 99%, dominados por ideias inconsistentes, estão novamente oprimindo a si mesmos. Graças ao estado calamitoso da opinião pública, as classes do 1% estão novamente sendo preenchidas, não por capitalistas empreendedores servindo aos 99%, mas sim pelo estado e seus apadrinhados, que exploram e empobrecem os 99%. E caso as soluções redistributivistas vociferadas pelos pretensos 99% sejam de fato implementadas, elas iriam apenas acelerar esta tendência.  Voltaríamos à era pré-capitalista.
Se nossa civilização for salva — isto é, se a maré da opinião pública virar algum dia —, será graças às sólidas ideias formuladas por teóricos como Mises e aos intelectuais que seguem sua tradição.  Mas isso só poderá ocorrer caso estas ideias sejam efetivamente disseminadas por uma nova geração de comunicadores.
É por isso que o Mises Institute, o Mises Brasil e todos os outros institutos voltados à disseminação de ideias libertárias são tão vitais. É também por isso que os comunicadores amadores desta geração — que espalham a mensagem da liberdade por meio de posts no Facebook, vídeos no YouTube e afins — são também de enorme importância.
Como escreveu Mises,
O florescimento da sociedade humana depende de dois fatores: da capacidade intelectual de homens excepcionalmente dotados de conceber teorias sociais e econômicas sólidas e da habilidade destes ou de outros homens em tornar estas ideologias aceitáveis pela maioria.
Que as ideias sólidas vençam, e que a sociedade humana finalmente volte a florescer.


[1] Ludwig von Mises, Theory and History, capítulo 3.

Daniel James Sanchez é o editor do Mises.org e administrador da Mises Academy.  Ele escreve para o blog do Mises Institute

NO ENSINO SUPERIOR, 38% NÃO SABEM LER


A universidade da Era Apedeuta — No ensino superior, 38% dos alunos não sabem ler e escrever plenamente


analfabetismo-universitario
Entre os estudantes do ensino superior, 38% não dominam habilidades básicas de leitura e escrita, segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação Educativa. O indicador reflete o expressivo crescimento de universidades de baixa qualidade. Criado em 2001, o Inaf é realizado por meio de entrevista e teste cognitivo aplicado em uma amostra nacional de 2 mil pessoas entre 15 e 64 anos. Elas respondem a 38 perguntas relacionadas ao cotidiano, como, por exemplo, sobre o itinerário de um ônibus ou o cálculo do desconto de um produto.
O indicador classifica os avaliados em quatro níveis diferentes de alfabetização: plena, básica, rudimentar e analfabetismo (mais informações nesta pág.). Aqueles que não atingem o nível pleno são considerados analfabetos funcionais, ou seja, são capazes de ler e escrever, mas não conseguem interpretar e associar informações. Segundo a diretora executiva do IPM, Ana Lúcia Lima, os dados da pesquisa reforçam a necessidade de investimentos na qualidade do ensino, pois o aumento da escolarização não foi suficiente para assegurar aos alunos o domínio de habilidades básicas de leitura e escrita. “A primeira preocupação foi com a quantidade, com a inclusão de mais alunos nas escolas”, diz Ana Lúcia. “Porém, o relatório mostra que já passou da hora de se investir em qualidade.”
Segundo dados do IBGE e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), cerca de 30 milhões de estudantes ingressaram nos ensinos médio e superior entre 2000 e 2009. Para a diretora do IPM, o aumento foi bom, pois possibilitou a difusão da educação em vários estratos da sociedade. No entanto, a qualidade do ensino caiu por conta do crescimento acelerado. “Algumas universidades só pegam a nata e as outras se adaptaram ao público menos qualificado por uma questão de sobrevivência”, comenta. “Se houvesse demanda por conteúdos mais sofisticados, elas se adaptariam da mesma forma.”
Para a coordenadora-geral da Ação Educativa, Vera Masagão, o indicativo reflete a “popularização” do ensino superior sem qualidade. “No mundo ideal, qualquer pessoa com uma boa 8.ª série deveria ser capaz de ler e entender um texto ou fazer problemas com porcentagem, mas no Brasil ainda estamos longe disso.” Segundo Vera, o número de analfabetos só vai diminuir quando houver programas que estimulem a educação como trampolim para uma maior geração de renda e crescimento profissional. “Existem muitos empregos em que o adulto passa a maior parte da vida sem ler nem escrever, e isso prejudica a procura pela alfabetização”, afirma.
Jovens e adultos. Entre as pessoas de 50 a 64 anos, o índice de analfabetismo funcional é ainda maior, atingindo 52%. De acordo com o cientista social Bruno Santa Clara Novelli, consultor da organização Alfabetização Solidária (AlfaSol), isso ocorre porque, quando essas pessoas estavam em idade escolar, a oferta de ensino era ainda menor. “Essa faixa etária não esteve na escola e, depois, a oportunidade e o estímulo para voltar e completar escolaridade não ocorreram na amplitude necessária”, diz o especialista.
Ele observa que a solução para esse grupo, que seria a Educação de Jovens e Adultos (EJA), ainda tem uma oferta baixa no País. Ele cita que, levando em conta os 60 milhões de brasileiros que deixaram de completar o ensino fundamental de acordo com dados do Censo 2010, a oferta de vagas em EJA não chega a 5% da necessidade nacional.
(…)
Por Reinaldo Azevedo

ESPERANDO O FIASCO A CHINA....


Com as notícias de desaceleração da economia da China, inúmeros analistas começam a duvidar do vigor daquele país. Uma reportagem especial da revista The Economist (26/5) destacou vários fatores perversos ao crescimento chinês: o desequilíbrio entre investimento e consumo; a exagerada dependência de petróleo importado; a poluição excessiva; a falta de água e a escassez de mão de obra devido à regra de um filho por família. Vários autores especulam que o aumento acelerado dos salários retardará o ritmo do crescimento da China (Shaum Rein, The end of cheap China, New Jersey: John Wiley & Sons, 2012).

Em contraste com esse cenário, o Brasil teria claras vantagens comparativas em relação à China: água em abundância, matriz energética limpa, petróleo para dar e vender, etc. Os salários estão abaixo do que se paga no mundo desenvolvido. Ou seja, teríamos aí uma boa chance para entrar no vácuo decorrente de uma eventual retração do crescimento chinês.

É verdade que o crescimento da China desacelerou. Será menos de 8% neste ano. Mas o país não está parado. Para resolver a escassez de recursos naturais, a China vem investindo pesadamente na África e na América Latina. A escassez de mão de obra nas cidades vem sendo enfrentada com a facilitação da migração rural-urbana. A explosão dos salários é contrabalançada por um forte aumento da produtividade decorrente da modernização tecnológica e, sobretudo, da crescente qualificação dos trabalhadores.

No caso do Brasil, o custo do trabalho vem disparando, sem contrapartida de um aumento de produtividade. Os gargalos de infraestrutura não se resolvem em tempo hábil. As reformas tributária, trabalhista e previdenciária estão engavetadas. As medidas pontuais são insuficientes para reaquecer o mercado.

Para complicar o problema da baixa produtividade do trabalho, o País decidiu desestimular os investimentos em capital humano que vinham sendo feitos pelas empresas. Refiro-me à Lei 12.513/2011 que passou a tributar aqueles investimentos - até então isentos. Um verdadeiro absurdo no momento em que o Brasil precisa melhorar a educação e alavancar a produtividade.

A China, ao contrário, continua fazendo investimentos maciços nesse campo. Em recente publicação, fiquei sabendo que as matrículas no ensino superior foram multiplicadas por seis nos últimos dez anos, tendo chegado a quase 20% dos jovens na idade respectiva (no Brasil é de 10%).

O Programa Ciência sem Fronteiras é louvável, sem dúvida. O Brasil pretende enviar 110 mil estudantes para o exterior ao longo dos próximos anos. Mas, para mostrar que a corrida é em relação a um ponto móvel, basta lembrar que só em 2008 a China enviou 180 mil estudantes às melhores universidades do mundo e vem fazendo isso todos os anos (James J. Heckman e Junjian Yi, Human Capital, Economic Growth, and Inequality in China, Bonn: Institute for the Study of Labor, maio de 2012).

O resultado é conhecido: 45% do crescimento chinês é atribuído aos ganhos de produtividade decorrentes de melhorias do capital humano. Enquanto isso, a produtividade do trabalho no Brasil cai a cada ano ao mesmo temp que salários e benefícios sobem acima da inflação. O descasamento entre custo do trabalho e produtividade está afetando em cheio a competitividade das indústrias brasileiras.

Os que acreditam no crescimento brasileiro à custa de um fiasco chinês terão de aguardar muito tempo. A busca de maior eficiência é a mais prioritária medida a ser implementada se queremos ganhar a corrida com a China, de quem tanto dependemos. Dentre as várias providências a serem operadas tem destaque a melhoria da qualidade da educação - a começar pela revogação da referida lei que desestimula as iniciativas privadas nesse campo. Por: 
JOSÉ PASTORE O ESTADÃO - 17/07

segunda-feira, 16 de julho de 2012

MILAGRES PRIVADOS E MALDADES ESTATAIS


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Gugu Liberato e Luciano Huck são respectivamente os apresentadores dos quadrosSonhar Mais Um Sonho e Lar Doce Lar, ambos praticamente iguais.  Eles consistem em selecionar a casa de uma família, geralmente muito pobre e que tenha uma história de muito sofrimento, demolir, e construir uma nova, moderna, com tudo que existe do bom e do melhor.  Tudo isso em uma ou duas semanas, período esse em que a produção do programa leva a família para uma viagem de férias.  A produção também presenteia as famílias com cursos, maquinário de trabalho e às vezes até novos empregos.  

Estes quadros são versões brasileiras do programa da TV americana Extreme Makeover: Home Edition, que foi ao ar de 2003 a 2012.  Nele, o apresentador Ty Pennington comandava as reconstruções das casas de famílias americanas, também pobres e sofridas.  A diferença é que, devido ao fato de os EUA serem um país que vivenciou um longo período de grande liberdade econômica, a acumulação de capital lá, ou seja, a riqueza, é muito maior, ao passo que os pobres daqui são muito mais miseráveis do que os de lá.  Mas a fórmula do programa é sempre a mesma, e já se espalhou com sucesso por diversos países.
Eu já me considerava fã do programa americano que era exibido no Brasil na TV a cabo, e passei a acompanhar suas versões brasileiras sempre que posso.  Não só pelas emocionantes histórias, mas também até pelas ótimas dicas de reforma e decoração — foi lá que fiquei sabendo da existência de coisas como a torneira que abre e fecha com um toque.  Porém, analisando o show a partir da ótica praxeológica, podemos ver as maravilhas que ocorrem ali:  uma família, vivendo uma vida dura e morando em condições pra lá de precárias, sem nenhuma perspectiva de melhora, faz uma viagem de férias (muitas delas pela primeira vez na vida) e, quando retorna para o mesmo endereço poucos dias depois, tem não só uma casa incrível e confortável, como também novas e melhores oportunidades de trabalho.  Tudo isso sem a família gastar nem um tostão.  Isto é ou não é o que podemos chamar de milagre
E como todo milagre, ninguém sabe bem como acontece.  Como é possível que algo assim ocorra?  De onde surgem essas casas?  Para alguém ganhar uma casa sem esforço, outro alguém deve ter perdido uma casa, ou o valor correspondente. 
A primeira impressão é a de que as redes de televisão abriram mão das casas.  Ou, como muitos contemplados parecem acreditar, que o apresentador arcou com todos os custos — em uma entrega de casa ao vivo, uma senhora até deixou o Gugu sem graça, pois chegou a se ajoelhar diante dele em agradecimento.  Mas, obviamente, nem a rede de TV e nem o apresentador perdem nada; ao contrário, eles ganham muito dinheiro com o programa. 
Todo o material usado na construção e na decoração é doado pelas empresas que os fabricam e os comercializam.  Em troca, eles têm suas marcas anunciadas durante os programas.  E nos intervalos outras empresas pagam muito dinheiro para aparecerem.  Então são os anunciantes que estão sendo subtraídas dos valores referentes às casas, certo?  Muito menos!  As empresas que anunciam em televisão fazem fortunas em decorrência destes anúncios.  Seus produtos passam a ser — ou se mantêm sendo — vendidos em larga escala, proporcionando altíssimos lucros.  
Então agora tudo ficou claro.  Só podem ser os consumidores destas empresas que juntos perdem uma casa para a família ganhar uma casa.  Cada um deles deve arcar com uma fração do custo das casas, ao pagarem mais caro pelos produtos dos anunciantes do programa.  Errado novamente.  Estes consumidores não perdem nada, apenas ganham.  Ao comprar os produtos dos anunciantes, estes consumidores trocam aquilo que valorizam menos — seu dinheiro — por algo que valorizam mais — o produto.  Muitas vezes, se não fosse pelos anúncios, os consumidores não tomariam conhecimento dos produtos, e acabariam trocando seu dinheiro por um produto menos valorizado por eles do que o anunciado.
Não resta mais ninguém nessa cadeia de envolvidos no processo.  Espere!  Já sei a resposta.  São os trabalhadores dessas empresas, que são explorados pelos patrões, recebendo um salário menor do que merecem, e a diferença vai para cobrir os custos das casas.  Não.  Os empregados não perdem nada, só ganham.  Eles trocam seu trabalho por salário no presente, em vez de terem o valor total do produto produzido num futuro incerto.  E alguns destes trabalhadores ainda devem o emprego à expansão de vendas gerada pela participação da empresa no programa que presenteia as famílias com as casas. 
Não consigo pensar em mais ninguém.  O que aconteceu afinal?  Ninguém teve de perder nada para as famílias ganharem as casas?  Não foi nem sequer um ato de caridade, no qual o doador teria ao menos de abrir mão do valor de uma casa para doar uma casa?  Uma família morando em condições deploráveis, ganha uma casa nova e ainda todos os envolvidos no processo também ganham algo?  Está querendo me dizer que isso é realmente algum tipo de milagre?  Sim, estou.  E este milagre chama-se livre-mercado.  Livre mercado nada mais é do que o que foi descrito acima: trocas voluntárias de títulos de propriedade.  E para uma troca voluntária ocorrer, necessariamente ambas as partes envolvidas devem ganhar.  É somente quando a coerção entra na equação que uma parte perde para outra ganhar.  Ou então as duas partes perdem e o agente coercitivo não envolvido na troca, ganha. 
. . . o livre mercado "maximiza" a utilidade social, já que todos ganham em utilidade. A intervenção coercitiva, por outro lado, significa per se que um ou mais indivíduos coagidos não teriam feito o que fazem no momento, não fosse pela intervenção.  O indivíduo que é coagido a dizer ou não alguma coisa, a fazer ou não uma troca com o interventor ou outra pessoa, tem suas ações modificadas por uma ameaça de violência.  O resultado da intervenção é que o indivíduo coagido perde em utilidade, pois sua ação foi alterada pelo impacto coercitivo.  Qualquer intervenção, seja autística, binária ou triangular, leva os sujeitos a perderem em utilidade.  Na intervenção autística ou binária, cada indivíduo perde em utilidade; na intervenção triangular, ambos ou pelo menos um dos possíveis permutadores perde em utilidade.[1]
Na sociedade atual, o principal agente coercitivo é o estado.  Vamos agora analisar como o estado atua a partir do seguinte episódio do quadro Sonhar Mais Um Sonho
Em primeiro lugar o governo proíbe que uma casa seja construída em uma ou duas semanas.  Nesse período, não é nem sequer possível dar entrada com os papéis que ele exige para autorizar uma simples reforma.  E o tempo mínimo que se leva para se obter um alvará de uma obra é de 30 dias.  Sem o tal do alvará, homens armados do estado proíbem que uma obra se inicie.  É a primeira de inúmeras das intervenções coercitivas do estado sobre o livre mercado, quebrando a cadeia em que todos ganham, fazendo com que partes passem a perder para outras ganharem.  E como ganham.  Em São Paulo, o responsável pela "liberação" de obras particulares ganhou em sete anos mais de 120 apartamentos, no valor de R$50 milhões.  O conceito de se "liberar" é absurdo.  Uma obra é uma troca voluntária de livre mercado entre duas partes.  O estado intervém coercitivamente e proíbe a troca, exigindo pagamentos e cumprimento de requerimentos para "liberar" a troca.  Neste caso de pagamento de propinas de São Paulo, o interventor coercitivo ainda foi 'menos pior' do que um que não aceitasse o suborno, deixando o mercado agir com uma obstrução menor.  Estes programas de televisão são contemplados com uma exceção a esta regra nefanda, que prejudica todo o resto da população. 
Agora voltemos ao episódio.  Já no primeiro minuto, descobrimos que se trata da família da Lucinéia, a "Tia do Doces".  O governo entra nesse ponto com a facínora agência Anvisa, que transforma a atividade que sustenta essa humilde família em crime.  Fabricar cocada em casa e vender para consumidores voluntários, sem atender às especificações de fabricação, transporte e conservação dos agentes coercitivos da Anvisa é proibido.  Isso sem contar que Lucinéia não "emite nota fiscal", não paga nenhum imposto — ou seja, consegue fugir do assalto dos agentes coercitivos da Receita Federal, Estadual e Municipal.  Se estes bandidos da Anvisa ou da Receita a pegarem, ela teria seus doces confiscados e poderia sofrer agressões ainda maiores.  Olhando as condições de vida dessa família é impossível não enxergar a maldade em que consiste a função destes funcionários públicos.
No minuto 8:00, ficamos sabendo que a família está tentando construir com muito esforço a "casa" em que moram há mais de 5 anos — e não conseguiram fazer quase nada!  Nesse momento, lembramos que os impostos diretos sobre os materiais de construção são de 32,80%.  Se não fossem por estes impostos diretos, esta família poderia ter construído mais 1/3 do que conseguiram até então.  A intervenção coercitiva dos impostos sozinha fez com que eles perdessem 1/3 do pouco que tinham!  E o que não foi construído é o que Bastiat chamou de o que não se vê.  O mal que os impostos causam é hediondo. 
E quando chegamos ao minuto 9:15, eu considero que já podemos encerrar os exemplos das incontáveis intervenções coercitivas malévolas, pois esta chega a um nível de maldade que dispensa continuarmos.  Neste ponto, Lucinéia revela que a casa não possui chuveiro.  Ela precisa esquentar água num fogão à lenha para a família conseguir tomar banho.  E logo depois, no minuto 12:00, ela nos mostra o banheiro sem o chuveiro.  Você leitor tem alguma noção do que é não ter um chuveiro?  Obviamente, não é por opção voluntária que eles não têm chuveiro.  Eles não possuem chuveiro porque não têm dinheiro para comprar chuveiro.  Um chuveiro é caro demais para eles!  Um chuveiro elétrico do modelo mais barato custa por volta de R$50[2] e, até o dia da visita do Gugu, eles não conseguiram fazer sobrar este valor para comprar um chuveiro.  E é aí que podemos ver mais uma imensa maldade gerada pela intervenção coercitiva do estado, que, com os impostos, encarece o preço do chuveiro e impossibilita o acesso a esse produto para os mais pobres, como a família da Lucinéia.
A formação de um preço no livre mercado se dá no encontro do vendedor marginal com o comprador marginal.  Você que está lendo este texto provavelmente não deve ser um comprador marginal de chuveiro elétrico.  Se morasse em uma casa sem chuveiro, pagaria R$75, R$100, R$150 e até R$300 por um chuveiro elétrico quando o inverno chegasse, caso estes fossem os preços dos chuveiros.  Muitos certamente trocariam mais de R$1.000 por um chuveiro.  Mas o comprador marginal atual é aquele que paga R$50; e se o preço fosse R$51, ele não teria o chuveiro. 
O potencial comprador que pagaria R$49, não tem o chuveiro.  Lucinéia estava abaixo da margem.  Ela não tinha o chuveiro.  Um imposto de 30% que faz com que o preço do chuveiro vá de R$38 para R$50, faz com que os compradores marginais aos preços de R$39, R$40, R$41 até R$49 fiquem sem chuveiro.  E funcionários públicos cobradores de impostos fizeram isso com a família da Tia do Doce, e estão fazendo isso com os mais pobres.  Esta intervenção coercitiva pode receber um nome diferente de maldade pura?  Podemos somar aí todos os impostos indiretos, todas as barreiras alfandegárias que impedem a entrada de chuveiros importados ainda mais baratos, as regulamentações que encarecem a produção e inibem o surgimento de produtores concorrentes etc.  De fato, o estado inclusive já interveio coercitivamente no mercado de chuveiro com a declarada intenção de apenas aumentar seu preço e impedir que mais pessoas o comprassem. 
É isso.  Enquanto Gugu, Huck e os outros apresentadores orquestram uma sinfonia verdadeiramente milagrosa, na qual pessoas agindo voluntariamente no livre mercado ganham com suas ações, que resultam em uma família miserável recebendo uma linda casa de presente, as intervenções coercitivas dos agentes estatais enredam um filme sádico de terror.  São as ações cotidianas de fiscais da Receita, de policiais federais nas alfândegas, de funcionários das aduaneiras portuárias e de toda e qualquer pessoa que obstrui ou impede violentamente o livre mercado que personificam a pura maldade que vemos no banheiro da Lucinéia.


[1] Governo & Mercado, Murray N. Rothbard.  Livro que será publicado em breve pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil
[2] Uma leitora informa que comprou recentemente um chuveiro elétrico por apenas R$25.  E, de fato, podemos encontrar chuveiros por até menos que isso, como este por R$23,90.  Isto torna o artigo duas vezes mais estarrecedor.

Fernando Chiocca é um intelectual anti-intelectualpraxeologista e conselheiro do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

DEFENDENDO O INDEFENSÁVEL


O chanceler Antonio Patriota, atual porta-bandeira do terceiro-mundismo implantado no Itamaraty, revela pouco talento para uma das tarefas menos gratificantes da diplomacia: a tentativa de defender o indefensável. Seu esforço para explicar e justificar o escandaloso golpe de Mendoza - a suspensão do Paraguai e a admissão da Venezuela no Mercosul - tem servido apenas para comprovar um fato evidente desde o primeiro momento: os governantes de Brasil, Argentina e Uruguai agiram com truculência contra um sócio do bloco, desprezaram sua soberania e violaram as regras da união aduaneira para favorecer o caudilho Hugo Chávez. Em seu depoimento perante a Comissão de Relações Exteriores do Senado, na quarta-feira, o ministro limitou-se a repetir os toscos argumentos já expostos pelo governo e mostrou-se incapaz de responder convincentemente às interpelações de vários senadores.

O ministro insistiu no caráter unânime das decisões a favor do governo bolivariano e contra o Paraguai, como se a convergência de opiniões de três presidentes bastasse para transformar um erro em acerto. Insistiu, igualmente, em citar a cláusula democrática do Protocolo de Ushuaia, mas sem mencionar um detalhe apontado pelo embaixador paraguaio no Brasil, Edélio F. Arévalos, em carta enviada à Comissão: se houver suspeita razoável de ruptura da ordem democrática em algum dos países-membros, os demais Estados-parte promoverão consultas entre si e com o Estado afetado. Esse procedimento, indicado pelo artigo 4.º, foi ignorado. A presidente argentina, Cristina Kirchner, e a brasileira, Dilma Rousseff, decidiram, simplesmente, condenar o Parlamento e o Judiciário paraguaios como violadores da cláusula democrática e impor uma penalidade ao país. O presidente uruguaio, José Mujica, induzido pelas duas colegas, acabou apoiando a tramoia. Foi o único, no entanto, bastante sincero para reconhecer um detalhe escandaloso: as razões políticas prevaleceram sobre as jurídicas. Como o Paraguai foi suspenso, sem ser excluído, nenhum novo sócio poderia ser admitido sem a sua manifestação.

Isso já havia sido apontado pelo vice-presidente uruguaio, Danilo Astori. Ele reafirmou essa opinião em artigo publicado nesta semana. A decisão, segundo Astori, feriu as instituições do Mercosul e pôs em grave risco o futuro da associação. Com isso, acrescentou o vice-presidente uruguaio, a institucionalidade válida não é mais a das regras, a dos tratados, mas a da vontade dos presidentes.

Pode-se discordar da rapidez do impeachment do presidente Fernando Lugo, mas nem por isso o Brasil e outros países podem "ignorar o fato de que tudo se deu dentro da conformidade constitucional do Paraguai", disse o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) ao chanceler Patriota. Em outro cenário, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, expressou o mesmo ponto de vista: todo o processo contra o presidente Lugo seguiu as normas constitucionais. Não houve ruptura da lei nem das condições de vida normal dos cidadãos. Essa é também a posição do governo americano, segundo a subsecretária de Estado para as Américas, Roberta Jacobson. Os Estados Unidos, disse Jacobson, dão "forte apoio" à recomendação de Insulza a favor de uma posição "construtiva" da OEA em relação ao Paraguai. Mas Insulza não fala pela OEA, disse o chanceler brasileiro, respondendo, em mais um lance errado, a uma afirmação que ninguém havia feito.

Patriota insistiu, de modo igualmente inútil, em descrever a suspensão do Paraguai como um aviso: toda iniciativa antidemocrática será repelida pelo Mercosul e pela Unasul. Qual a autoridade do governo brasileiro para se apresentar como defensor da democracia na região?

Segundo o senador Francisco Dornelles, a mensagem lançada pelo governo brasileiro foi outra: "Senhores presidentes da Argentina, da Venezuela, da Bolívia, do Equador, podem continuar com suas políticas de desrespeito à liberdade de imprensa; podem desrespeitar o Congresso e o Judiciário, pois, se os Congressos desses países tomarem alguma medida para defesa constitucional, o Brasil vai intervir e fazer exercer o seu poder". Por: Editorial do Estadão

INSULTO AOS PATRIOTAS DE VERDADE


O sobrenome do chanceler que vive de joelhos é mais que   uma contradição. É um insulto aos patriotas de verdade


Sequestrado pelas Farc em 13 de outubro de 1998, Elkin Rivas sobrevive há quase 100 mil horas ao mais brutal dos cativeiros. Ele tinha 22 anos e era tenente da polícia colombiana quando foi capturado sem ter cometido qualquer crime e sentenciado, sem julgamento formal, a um tipo de horror que não tem prazo para terminar. Aos 34, não sabe quando ─ ou se ─ retomará a vida interrompida. Enquadrado na categoria dos “reféns políticos”, Elkin é um dos 13 remanescentes do grupo cuja soltura as Farc condicionam desde 2006 ao indulto de 500 narcoterroristas capturados pelo governo e condenados pela Justiça.

A interrogação sugerida no segundo parágrafo do post de 9 de agosto de 2010, reproduzido integralmente na seção O País quer Saber, foi desfeita à bala pouco mais de um ano depois. Em 26 de novembro de 2011, em meio a uma tentativa de resgate empreendida por soldados do exército, a tropa narcoterrorista cumpriu a lei da selva: antes de fugir, matou os quatro reféns que mantinha acorrentados. Um era civil. Entre os três militares estava o tenente Elkin Rivas, executado com três tiros na cabeça.

“O Brasil tem uma posição neutra sobre as Farc”, recitou Marco Aurélio Garcia desde o começo do governo Lula, para camuflar as relações de cumplicidade entre o Planalto e a organização narcoterrorista. Em 2010, orientados pelo Assessor Especial para Assuntos Internacionais, o presidente Lula e Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, não se comoveram com o martírio imposto aos sequestrados por companheiros colombianos.

Em 2011, também monitorados pelo conselheiro Garcia, Dilma Rousseff e o atual chanceler Antonio Patriota não disseram uma única palavra sobre o desfecho do drama. O silêncio da dupla reafirmou a opção obscena por um tipo de neutralidade que iguala um governo constitucional e um bando de assassinos, o certo e o errado, a claridade e a treva. E mostrou que era Garcia o chanceler de fato.

Era e é, berra o desembaraço com que vem agindo o professor de complicações cucarachas desde o impeachment sofrido pelo companheiro Fernando Lugo. Inconformado com a perda do reprodutor de batina, decidiu no mesmo minuto que Hugo Chávez e seus escoteiros bolivarianos tinham razão: houve “um golpe” contra a democracia.

A descoberta do primeiro golpe da História que obedeceu ao que manda a Constituição do país foi a senha para a sequência de pontapés na verdade e na soberania do Paraguai. Ninguém, não custa registrar, deve espantar-se com o que diz a boca à espera de um dentista: Garcia acha que a solução para o futuro do subcontinente está num passado que não deu certo. Espantoso é o servilismo dos chefes do Itamaraty escalados para a execução da política externa da cafajestagem formulada por essa velharia perdida nos escombros do Muro de Berlim.

A vassalagem de Celso Amorim garantiu-lhe o emprego e a estima de todos os liberticidas amigos de Lula. A sabujice de Antonio Patriota ratifica a fama de melhor aluno de Amorim. A ausência de luz própria identifica um integrante da tribo que consulta o chefe até para escolher o prato no restaurante. A expressão assustadiça rima com quem vive de joelhos. E está sempre pronto para defender o indefensável, como atestou a tentativa de justificar no Senado mais um papelão internacional do Brasil.

“A suspensão do Paraguai do Mercosul e da Unasul enviou um sinal claro ao governo recém-instalado em Assunção e mostrou que a região não tolera desvios que comprometam a plena vigência da democracia no continente”, declamou Patriota. Ele considerou irrelevantes tanto o reconhecimento do novo governo paraguaio por dezenas de países quanto o relatório de Jose Miguel Insulza, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, que voltou de uma visita ao Paraguai sem ter enxergado qualquer ilegalidade no afastamento de Lugo.

“É uma opinião pessoal”, desdenhou. “A questão paraguaia precisa ser discutida por todos os membros da OEA. Nosso compromisso com a democracia é inegociável”. As eleições presidenciais marcadas para daqui a nove meses podem normalizar as coisas, concedeu o representante do governo que exigiu a devolução a Cuba da carteirinha de sócio da OEA. Por que o Paraguai só será redimido pela aparição das urnas que sumiram há mais de 50 anos da ilha-fazenda dos Irmãos Castro? “Nenhuma democracia é perfeita”, balbuciou. A ditadura comunista, portanto, é uma democracia imperfeita.

E os países governados por tiranetes amigos só precisam de ajustes, informou a continuação do palavrório: “Todos nós estamos aqui lutando para aperfeiçoar nossa democracia e pode haver aspectos em uma democracia e outra que nos pareçam aprimoráveis”. A plateia indignada com o espetáculo do autoritarismo encenado na Venezuela, na Argentina ou na Bolívia só precisa ter paciência com o bolívar-de-hospício, a viúva-de-tango e o lhama-de-franja. Os três são “aprimoráveis”.

Antes de janeiro de 2003, as diretrizes da política externa se subordinavam aos interesses do país ─ e o cargo de ministro das Relações Exteriores decididamente não era para qualquer um. Hoje, a diplomacia brasileira, humilhada pela revogação da altivez, atende aos interesses de um partido, aos caprichos do Planalto e às vontades de vizinhos vigaristas. No Brasil de Lula e Dilma, até um Celso Amorim pode virar ministro.

Até um Antonio Patriota, cujo sobrenome é mais que uma contradição. É uma afronta à história do Itamaraty. E é um insulto aos patriotas de verdade. Por: Augusto Nunes

DEMOCRATAS DE OCASIÃO



Deixei a poeira assentar para dar meu palpite sobre a polêmica surgida com o impeachment do presidente Fernando Lugo, do Paraguai. Ao saber da notícia, logo previ a reação que teriam os presidentes de alguns países sul-americanos, inclusive o Brasil.

E não deu outra. Hugo Chávez e Cristina Kirchner, como era de se esperar, reagiram de pronto e com a irreflexão que os caracteriza. Logo em seguida, manifestou-se Rafael Correa, do Equador, que, com a arrogância de sempre, rompeu relações com o novo governo paraguaio. Chávez decidiu cortar o fornecimento de petróleo àquele país. E o Brasil? Fiquei na expectativa.

Como observou certa vez García Márquez, o Brasil é um país sensato e, acrescento eu, talvez por nossa ascendência portuguesa, pé no chão. E assim foi que Dilma primeiro mandou seu ministro das Relações Exteriores qualificar o impeachment de "rito sumário". Ou seja, não teria sido dado a Lugo tempo para se defender.

Sucede que o próprio Lugo, presente à sessão do Congresso quando se votou seu impedimento, declarou: "Aceito a decisão do Congresso e estou disposto a responder por meus atos como presidente".

Não disse que o Congresso agira fora da lei nem que tinha sido impedido de se defender. De acordo com as normas constitucionais paraguaias, recorreu à Suprema Corte e ao Tribunal Superior de Justiça, que não atenderam a seus recursos por considerarem constitucional a deposição e legítima a entrega do governo ao vice-presidente.

Só depois que os vizinhos tomaram a inusitada atitude de repelir a decisão do Congresso paraguaio foi que Lugo mudou de opinião e decidiu formar um governo paralelo, este, sim, destituído de qualquer base legal.

Fala-se em golpe, mas só um presidente já politicamente inviável é impedido com o apoio praticamente unânime do Congresso: 76 votos a 1 na Câmara de Deputados e 39 a 5 no Senado. Fora isso, nem os militares nem o povo paraguaios se opuseram. Pelo contrário, o impeachment de Lugo parece fruto de uma concordância nacional. Nessa decisão pesou, sem dúvida, o Partido Liberal, de centro-direita. Mas foi com o apoio deste que ele se elegera presidente da República.

O que houve então? Um complô de que participaram todos os partidos e quase a totalidade dos deputados e senadores? Se fosse isso, o povo paraguaio teria saído às ruas para protestar e denunciá-los. Só uns poucos o fizeram. As Forças Armadas, os intelectuais, os sindicatos protestaram? Ninguém.

O inconformismo com o impeachment de Lugo veio de fora do país: de Hugo Chávez, Cristina Kirchner, Evo Morales, Dilma Rousseff, que se apresentam como defensores da democracia. Serão mesmo?

Vejamos. Hugo Chávez suspendeu o funcionamento de 60 emissoras de rádio e televisão que se opunham a seu governo, criou uma espécie de juventude nazista para atacar seus opositores e fez o Congresso mudar a Constituição para permitir que ele se reeleja indefinidamente. Cristina Kirchner apropriou-se da única empresa que fornece papel à imprensa argentina, de modo que, agora, jornal que a criticar pode parar de circular.

Já Rafael Correa processa um jornal de oposição por dia, exigindo indenizações bilionárias. Democratas como esses há poucos. Dilma mandou seu chanceler a Assunção para pressionar o Congresso paraguaio e evitar o impedimento de Lugo, como o faziam antigamente os norte-americanos conosco.

Como se vê, há um tipo de democrata que só defende a democracia quando lhe convém. Mas, mesmo que Chávez, Cristina, Morales, Correa e Dilma fossem exemplos de líderes democráticos, teriam ainda assim o direito de se sobrepor às instituições paraguaias e à opinião pública daquele país?

Como o impeachment de Lugo consumou-se de acordo com a Constituição paraguaia e pela quase unanimidade dos parlamentares, o único argumento do nosso chanceler foi o de ter sido feito em "rito sumário". No entanto, que chance deram eles ao Paraguai para se defender das sanções que lhe foram impostas? Nenhuma. Essas sanções, além de sumárias, são também ofensivas às instituições do Estado paraguaio e a seu povo.Por: Ferreira Gullar, Folha de SP