sábado, 21 de julho de 2012

CELULAR ILIMITADO POR R$ 30/MÊS



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Isso mesmo, ilimitado.  Sem truques.  Fale o quanto quiser, envie quantas mensagens quiser e navegue à vontade na internet.  E não é um "ilimitado com limites", como é o "realmente ilimitado" que o Wagner Moura está anunciando, que só vale de TIM para TIM.  Vale para qualquer operadora.  E mais: com ótima qualidade de chamadas, com sinal em toda área minimamente povoada e com um excelente atendimento ao consumidor.  Pode acreditar.  Você nunca mais ficará horas pendurado na linha com um atendente tentado cancelar uma linha ou resolver algum problema na sua conta — e, após ser passado para inúmeros setores, a ligação misteriosamente cair e você ser obrigado a recomeçar do zero.  Frustrações com ligações importantes caindo e com contas absurdas no final do mês serão coisas que remeterão à Idade da Pedra da telefonia.  Mas como?  Onde?  Calma, chagarei lá.

Cobrança por ligações e torpedos serão em breve coisa do passado.   Randall Stephenson, CEO da AT&T, declarou que, inevitavelmente, dentro de 2 anos, apenas planos de dados existirão.  Atualmente, o celular já vem sendo usado cada vez menos para ligações e torpedos e cada vez mais para dados — e a previsão é que esse usoaumente 18 vezes nos próximos 5 anos.  Para a Geração Z, crescida na era da internet, já é algo incompreensível se pagar por "torpedos".  Um torpedo corresponde a um envio de mensagem no Messenger ou no chat do Facebook, que são serviços gratuitos e usados indiscriminadamente.  Tanto é que, ano passado, uma garota de 13 anos enviou 10 mil torpedos em um mês, e recebeu uma conta de mais de R$10 mil.  A reação do pai foi destruir o telefone da filha com um martelo — mas é preciso levar em conta a absurdidade desse tipo de cobrança. 
Já é cada vez mais comum o uso de aplicativos que enviam torpedo por meio dos dados, como o Whatsapp, e aplicativos que fazem ligações telefônicas também por meio dos dados, como as versões do Skype para telefones móveis e o Google Voice, muito mais barato que o Skype.  De fato, Stephenson também declarou nesta mesma entrevista que a tecnologia para aposentar os planos de ligações e torpedos e substituí-los por planos de dados já existe — eles só não têm planos de implementá-la ainda.
Poderia repetir isso?  Como assim, uma empresa tem em mãos uma tecnologia inovadora que pode revolucionar o mercado e não tem pressa de implementá-la?  Esta empresa não quer ser a pioneira na oferta de uma inovação tecnológica, garantindo assim um mercado consumidor ávido por novas e mais baratas tecnologias?  Que morosidade é essa?  Falando em morosidade, como é que no Brasil as empresas que concorrem no mercado de telefonia estão sempre ainda mais atrasadas na oferta de novas tecnologias?  A tecnologia de dados atualmente no Brasil é a 3G, que já demorou três anos a mais do que a maioria dos países do mundo para chegar aqui.  Os EUA já têm o 4G há dois anos, tecnologia essa que tem previsão de implementação no Brasil só em 2014.  Com o 4G, a velocidade vai do 1 Mbps da 3G para 10 Mbps.  No Japão, a velocidade atual é de 42 Mbps, com planos para em breve chegar a 100 Mbps. 
Pelo que eu saiba, morosidade e capitalismo não combinam.  Então, o que está acontecendo nos EUA, e no Brasil com ainda mais gravidade? 
A resposta é simples: não existe capitalismo de livre mercado nestes setores, e onde a intervenção estatal é maior — no caso, o Brasil — a morosidade das empresas é maior.  No Brasil, o culpado tem um nome: Estado.  Com sua agência reguladora coercitiva, a Anatel, e seus impostos, ele é a responsável pelo Brasil ter a tarifa de celular mais cara do mundo.[1]  E as regulamentações do governo americano são, em menor grau, as responsáveis pela morosidade das empresas telefônicas de lá. 
O que nós temos nestes setores regulamentados é uma brincadeira de capitalismo.  No Brasil, Vivo, Oi, TIM e Claro brincam de concorrência umas com as outras — concorrência capitalista, no entanto, nunca existiu.  Essas empresas são protegidas pelo governo de potenciais concorrentes, e vão empurrando com a barriga as inovações, e cobrando altíssimos preços por serviços porcos.  Todas são recordistas de reclamações no Procon.  Dado que todo mundo que está lendo esse artigo possui um celular, eu não preciso me alongar neste ponto.  O que precisa ser dito é que toda essa regulamentação e a própria existência da Anatel são desnecessárias e só existem em decorrência deargumentos caquéticos e totalmente refutados.  O economista Felipe Rosa explica magistralmente esta situação:
O argumento pró intervenção da Anatel é julgado como necessário para que se evite práticas predatórias no setor (preços exageradamente baixos) ou preços monopolísticos (alto grau de poder de mercado). Ora, preços baixos são benéficos ao consumidor e preços altos (quando não há barreiras legais a entrada e saída de concorrentes) tendem a ser expurgados do mercado no curto prazo. Logo, a regulação não faz sentido quando a competição é cataláctica.
Porém, tal característica competitiva é impedida atualmente pela Anatel que também regula a quantidade de empresas que atuam por região, assim como, proíbe a livre entrada e saída de empresas ofertantes de produtos e serviços no atacado e no varejo. Essa combinação no controle de entradas e saídas de produtos e empresas, somadas ao rígido regime tarifário imposto pela Anatel, são aspectos preponderantes para o fraco desempenho brasileiro no setor quando o comparamos ao britânico.
[...]
A Anatel ao regular a entrada e saída de empresas nas telecomunicações, está protegendo as concessionárias que possuem a outorga de ofertar o serviço em suas regiões. Tal ação garante as quatro empresas dominantes nesse segmento total e completa segurança contra a entrada de potenciais concorrentes. Essa característica de mercado proposta pela agência reguladora brasileira carteliza o mercado institucionalmente, tornando o arranjo concorrencial propício para uma política de preços altos e/ou serviços ineficientes. [Privatização Vs. Desestatização: A Escola Austríaca e o caso das telecomunicações, Universidade Federal de Santa Catarina, 2011]
Muita gente se espanta com a ideia de nenhuma regulamentação, e embora concordem com a teoria e a argumentação, a primeira reação é: "Ok, mas alguma regulamentação tem de existir".  E é aí que reside o problema, pois, como Mises demonstrou, uma intervenção no livre mercado não vai conseguir obter seus objetivos, e uma nova intervenção será necessária.  Se essa cadeia de intervencionismo não for quebrada e revertida, o resultado será o socialismo, com o governo controlando tudo, e o resultante (e inevitável) caos calculacional levando a civilização à pobreza. 
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Por exemplo, o Brasil interveio no mercado de telefonia criando a agência reguladora Anatel, que ergueu barreiras coercitivas de entrada no setor, fechando o mercado para algumas poucas empresas privilegiadas.  Como consequência da falta de livre concorrência, as empresas começaram a apresentar uma série de problemas na prestação de serviços.  Um desses problemas foi o péssimo atendimento aos clientes.  Se o cliente não pode procurar um concorrente que o atenda bem, e capitalistas não podem entrar nesse mercado para atender melhor a estes clientes insatisfeitos, por que as empresas oligopolistas iriam se importar?  O consumidor fica sem ter para onde correr e é obrigado a continuar cliente de umas dessas empresas ruins. 

E o que o governo faz?  Em vez de abolir a intervenção inicial e liberar a concorrência no setor, ele cria uma nova intervenção, como a estapafúrdia regulamentação que define regras de atendimento ao cliente para essas empresas. Essa nova intervenção também não funcionou.  No livre mercado, a motivação das empresas para atender bem seus clientes é o lucro.  No socialismo, a motivação é o chicote estatal.  O governo passou a punir as empresas que não cumpriam suas regras de atendimento.  A cadeia de intervenção nunca foi quebrada ou revertida.  Inúmeras intervenções existem, desde a que determina preços máximos para telefones populares até estes leilões que criam reservas de mercado em regiões em que a entrada deveria ser livre.  Na página web da Anatel, existe uma compilação chamada Coleção Brasileira de Direito das Telecomunicações.  Essa coleção procura reunir tudo o que se refere à regulação de telecomunicações no Brasil.  Sugiro que dê uma olhada no Índice Mestre. Está sentado aí?  Só o Índice Mestre tem 485 páginas!!!  Vá até a letra "R" e veja quantas vezes aparece a palavra "regulamento".  São 10 páginas do Índice só com regulamentos sobre absolutamente tudo!  Assim fica provado que "concorrência" e "livre iniciativa" em telecomunicações não passam de palavras desprovidas de sentido.
E, esta semana, o governo anuncia uma nova intervenção que aproxima muito o setor de um socialismo total, como o que existia antes da privatização (a necessária desestatização nunca houve) — a Anatel decidiu suspender vendas de Claro, Oi e TIM.  Estamos a poucos passos da volta da Telebrás, tempo em que uma linha telefônica custava milhares de reais e demorava até 5 anos para ser instalada. 
Não, nenhuma regulamentação é necessária para nada.  Apenas leis contra fraude e violações da propriedade privada são necessárias.  Somente um mercado completamente livre e desimpedido pode fazer com que os preços caiam e a qualidade dos serviços prestados suba, constantemente. 
Foi o que aconteceu na Guatemala, onde um setor altamente regulado foi totalmente liberado.  Os resultados podem ser vistos neste vídeo.
"A história inicial é simples e praticamente idêntica à do Brasil, em termos proporcionais: em 1995, havia 11 milhões de habitantes no país e apenas 289 mil linhas telefônicas."  Quando as regulamentações e os monopólios estatais foram abolidos e a concorrência permitida, tudo mudou rapidamente.  "Resultado: hoje o país tem uma população de 13,5 milhões de pessoas e nada menos que 18 milhões de linhas telefônicas, móveis e fixas.  Quatrooperadoras privadas disputam clientes em um ambiente de genuína livre concorrência, sem regulamentações e sem controle de preços — considerando-se o tamanho do país e sua renda per capita, trata-se de um número significante.  Conseguir uma nova linha de telefone "é tão fácil quanto comprar um cachorro-quente", a qualidade dos celulares chega a ser superior à existente em cidades como Nova York, Paris, Londres, Tóquio, e os preços por minuto são ridículos."
Deixando a qualidade de lado — entre outras coisas, os guatemaltecos já contam com o 4G — vamos comparar o preço dos planos da Claro da Guatemala com a Claro do Brasil:
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O plano de 2.500 minutos da Claro da Guatemala custa R$190,66 e o plano de 2.000 minutos da Claro do Brasil custa R$788,75.  Preciso dizer mais alguma coisa?
"Precisa, você prometeu contar como conseguir celular ilimitado e de qualidade por apenas R$30 mensais."  Pois bem, vamos a isso.  Acima, foi demonstrado como o livre mercado na Guatemala pôde avançar nessa direção em poucos anos.  O próprio Brasil teve um avanço tremendo na redução de preços e aumento da qualidade com a privatização do setor, mas, graças à Anatel, não pôde avançar tanto e agora esta regredindo com o intervencionismo, que está levando novamente o setor de telefonia ao caos da estatização.  A Guatemala ainda não chegou nos R$30 ilimitados, mas se a concorrência continuar livre, e com novas tecnologias de dados sendo implementadas, em muito pouco tempo ela estará lá.  Mesmo com tantas intervenções, o capitalismo consegue oferecer produtos e serviços cada vez melhores, e podemos apenas imaginar as maravilhas que poderíamos estar desfrutando se não fossem as intervenções estatais no livre mercado.  E creio não ser nada fora da realidade pensar que os preços e qualidades da telefonia seriam estes que mencionei.  Como Hans-Hermann Hoppe explicou em sua mais recente entrevista:
O fato de todo o castelo de cartas da democracia ainda não ter desabado completamente é uma enorme prova do tremendo poder criativo do capitalismo, mesmo em meio aos crescentes obstáculos e estrangulamentos criados pelo governo.  E este fato também nos leva a imaginar todos os 'milagres' econômicos que seriam possíveis caso tivéssemos um capitalismo livre e desimpedido, um capitalismo não obstruído e asfixiado por todo este parasitismo, um capitalismo completamente desregulamentado e desburocratizado.
O que você deve fazer é simplesmente retirar seu consentimento quanto à existência da Anatal e de toda e qualquer regulamentação.  O governo só consegue intervir coercitivamente no setor porque conta com o apoio de uma maioria para isso, que é enganada sobre a necessidade dessas intervenções.  Infelizmente, apenas a retirada do seu consentimento não será suficiente — eu retirei o meu faz tempo, e continuo sendo assaltado todos os meses na conta de celular e recebendo serviços imprestáveis. 
Você terá de convencer sua família, seus colegas de trabalho e seus vizinhos, pois a ignorância deles é a nossa prisão.  O governo e as empresas monopolistas tentarão manter a situação inalterada o máximo de tempo que conseguirem.  Manterão os preços os mais altos possíveis e a qualidade, a menor possível, enquanto puderem se safar com essa situação, que é aceita passivamente pela maioria.  Este é o único propósito do governo, explorar ao máximo seus súditos.  Somente quando uma maioria se conscientizar e rejeitar essa exploração, exigindo o fim das agências reguladoras e de todas as regulamentações, e não tolerando nenhuma intervenção no livre mercado, é que poderemos desfrutar do máximo que a engenhosidade humana pode oferecer.


[1] Além da avalanche de regras a serem cumpridas, o estado (governos estaduais e federal) brasileiro brinda o cidadão com uma das maiores cargas tributárias em telecomunicações do mundo (mais informações aqui e aqui).  Além do mais, existem as infinitas regulamentações municipais sobre posteamento, uso do solo, regras sobre colocação de antenas etc. etc.

Eliseu Drummond, da Anatel, colaborou com este artigo.


Fernando Chiocca é um intelectual anti-intelectualpraxeologista e conselheiro do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

CORAGEM PARA MUDAR


No dia 7 de agosto, a presidente Dilma Roussef cruzará a linha dos 40% do mandato. Dos 48 meses, 19 já se terão passado. E a verdade é que, por enquanto, os resultados ficaram muito aquém do que o governo esperava. Mas ainda há tempo para mudanças. A dúvida é se o governo conseguirá perceber que a insistência no curso atual só pode redundar em fiasco.

O desempenho da economia mostra-se cada vez mais decepcionante. Tendo crescido apenas 2,7% em 2011, o PIB deverá mostrar expansão de menos de 2% em 2012. É bem possível que, afinal, a inflação deste ano fique próxima da meta. Mas, no caso, o elogio que cabe ao Banco Central é o mesmo que poderia ser feito a um jogador de sinuca que, tendo dado uma tacada forte, sem conseguir matar a bola na caçapa "cantada", se regozija por vê-la bater nas tabelas laterais e, lentamente, escorrer para dentro de outra caçapa, do lado oposto da mesa. A arte estava em trazer a inflação para o centro da meta com a economia crescendo a uma taxa razoável. E não a menos de 2% ao ano.

A incerteza externa, em boa parte advinda da apreensão com o desfecho do imbróglio europeu, tem contribuído para a desaceleração do crescimento. Mas basta comparar o desempenho brasileiro com os de outras economias congêneres para constatar que, além do ambiente externo adverso, há um forte componente específico, verde-amarelo, por trás das dificuldades locais.

É bem provável que, na esteira dos muitos estímulos à demanda deflagrados desde o ano passado, a economia se recupere nos próximos meses e termine o ano crescendo a uma taxa anualizada razoável, ainda que mais baixa que o governo antevê. O problema é a indústria. Acumulam-se as evidências de que a falta de dinamismo da indústria não será resolvida com novos estímulos à demanda agregada, não importa quão fortes sejam. Muito pelo contrário, tudo indica que tais estímulos - num quadro de mercado de trabalho aquecido - estão, de fato, agravando as dificuldades da indústria, como bem arguem, em artigo recente, Affonso Pastore, Marcelo Gazzano e Maria Cristina Pinotti.

Exposta à concorrência externa, a indústria vem vendo sua competitividade estrangulada, pouco a pouco, pelo aumento do Custo Brasil. Especialmente, pela elevação sem fim da carga tributária. E aqui, sim, o governo poderia fazer muita diferença. Mas, por enquanto, não tem feito. Por pelo menos duas razões.

A primeira é que um programa de redução efetiva e substancial de carga tributária seria incompatível com um ponto central e inegociável do projeto político do governo, que é a manutenção da rápida expansão do dispêndio público. É por isso que a desoneração fiscal que vem sendo feita - além de discricionária e baseada em injustificável reintrodução da tributação sobre faturamento - é tão acanhada.

A segunda razão é que o governo se tem mostrado incapaz de promover a recuperação do investimento público, essencial para a redução do Custo Brasil. Muito se tem dito sobre a insolúvel paralisia dos programas de investimento do governo. Mas talvez já seja hora de adicionar às explicações usuais as deficiências que decorrem do estilo peculiar com que a presidente exerce suas funções administrativas, não obstante toda a mitologia que se construiu em torno de seus supostos talentos nessa área.

Sobram evidências de que a presidente Dilma Rousseff tem cometido erros sérios na seleção de auxiliares importantes, mostra propensão desmesurada à centralização e considera eficaz manter os escalões mais altos do governo aterrorizados com a possibilidade de desgostá-la por qualquer razão. Não é preciso ser um guru da administração para constatar o óbvio. A persistência dessas práticas na cúpula do governo constitui enorme empecilho à boa gestão das políticas públicas e ao bom andamento dos programas de investimento público.

Reconhecer as deficiências e ter disposição para mudar é a parte mais difícil. Mas o certo é que governo precisa corrigir o curso. Passados os próximos 19 meses, Dilma se verá na cabeceira da pista da sucessão presidencial. Por: Rogério Werneck, O Globo

sexta-feira, 20 de julho de 2012

OURO OU BITCOIN - O QUE VIRÁ NO FUTURO?


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No atual arranjo monetário em que vivemos, um fato já deve estar claro para até mesmo o mais casual dos observadores: bancos não são entidades capitalistas.  Em seu atual formato, eles pouco têm a ver com o livre mercado e não possuem lugar nele. 
Bancos estão constantemente oscilando entre duas posições: em um momento, eles nada mais são do que um protetorado do estado, em desesperada necessidade de apoio das impressoras do Banco Central ou de ilimitados financiamentos advindos dos impostos dos cidadãos, sem os quais o sistema financeiro entraria em colapso total; em outro momento, eles são uma conveniente ferramenta para políticas estatais, sendo amplamente alimentados pelos bancos centrais com fartas reservas bancárias, as quais eles irão utilizar para expandir o crédito artificialmente e, com isso, sustentar aqueles setores que o governo julgar mais adequado politicamente, como o industrial e o da construção civil.  Adicionalmente, o crescimento econômico artificial gerado por esta expansão monetária será sempre politicamente positiva.
Portanto, os bancos ora vivem do assistencialismo, ora são meras e convenientes ferramentas para as políticas econômicas dos planejadores centrais.  Em ambos os casos, não podem ser considerados empresas capitalistas.  Adicionalmente, outra excrescência do atual sistema financeiro, como veremos mais abaixo, é que os bancos representam custos e despesas indiretas para as pessoas que transacionam no mercado — um paradoxo, dado que o livre mercado está sempre tentando cortar ao máximo custos e despesas.  Os custos representados pelos bancos não existiriam em um livre mercado e só se sustentam hoje em decorrência da intervenção estatal no setor e do monopólio estatal da moeda.  Sem ambos, tais custos, assim como o atual sistema bancário, tenderiam a desaparecer.  Esta é a lógica inerente ao livre mercado: cortar custos desnecessários.
Bancos centrais e o atual sistema bancário que opera o papel-moeda fiduciário monopolizado pelo estado são uma mancha no sistema capitalista.
Para que o capitalismo funcione harmoniosamente, tais excrescências terão, em última instância, de desaparecer.  Creio que a lógica básica do capitalismo nos levará a esta direção.  Pessoalmente, creio que tentar "reformar" o atual sistema é uma perda de tempo e de energia.  Vamos reformar o sistema trocando-o por algo melhor.  Adotemos um sistema monetário genuinamente de mercado.
Quando e como exatamente o atual sistema irá acabar, ninguém sabe.  Mas creio que já estamos em seus estágios finais.  Ao longo de toda a história da humanidade, sistemas monetários baseados em moedas de papel de curso forçado nunca duraram muito tempo.  Ao redor do mundo, todos os grandes bancos centrais estabeleceram políticas de juros baixíssimos e estão inchando seus balancetes na desesperada tentativa de evitar que seus sistemas bancários se contraiam e entrem em colapso.  Se você acha que tudo isso é apenas temporário e que tudo voltará suavemente ao normal tão logo as economias "se recuperem", você provavelmente está tomando alguns remédios bem fortes, ou tem passado muito tempo dando ouvidos a economistas convencionais que, em sua maioria, são muito bem pagos para servir de apologistas do atual sistema.
O futuro do dinheiro
Frequentemente me perguntam, em minhas palestras, o que virá depois que o atual arranjo financeiro entrar em colapso.  Voltaremos ao escambo?  Não.  Obviamente, uma economia capitalista moderna necessita de um sistema monetário sólido e plenamente operante.  Minha esperança é que, das cinzas do atual sistema, um novo arranjo monetário surgirá, e este será inteiramente privado — e não gerido pelos governos em conluio com o sistema bancário, aliança esta que vai contra tudo que o livre mercado representa.
Ninguém pode dizer como será exatamente este novo sistema.  Seu formato e suas características serão em última instância definidas pelo mercado.  Nesta área, como em outras, são poucos os limites para a inventividade e genialidade humana.  Porém, de antemão, já podemos imaginar alguns pontos conceituais a respeito deste sistema.
Um padrão-ouro privado...
Sistemas monetários de livre mercado, nos quais a oferta monetária está completamente fora de qualquer ingerência política, tendem a ser sistemas nos quais o dinheiro seja uma commodity cuja oferta seja limitada e razoavelmente inelástica.  Parece improvável que um mercado completamente livre concederia a qualquer entidade privada o direito de produzir dinheiro (de papel ou eletrônico) a seu bel-prazer e sem limites.  O atual sistema é atípico justamente neste quesito e, por isso, tal arranjo evidentemente não representa uma solução de livre mercado.  Tampouco pode ser duradouro.
Os candidatos óbvios, portanto, são o ouro e a prata, ambos os quais funcionaram naturalmente como dinheiro durante milhares de anos.  É perfeitamente possível visualizar um moderno sistema em cujo centro estão empresas privadas que oferecem armazenamento de ouro e prata, provavelmente em uma variedade de jurisdições (Zurique, Londres, Hong Kong, Vancouver, São Paulo).  Ao redor destes centros de metais monetários armazenados, floresceria um sistema financeiro que utilizaria a última palavra em tecnologia de informação e de pagamento para facilitar uma segura, tranquila e barata transferência de propriedade deste dinheiro entre aqueles que voluntariamente optarem por participar deste sistema.  Sim, haveria cartões de crédito, transferências eletrônicas, e pagamentos via internet ou telefones celulares.  Não haveria, no entanto, reuniões de comitês de política monetária, nem presidentes de bancos centrais escrevendo cartas explicativas para ministros da fazenda, e nem muito menos qualquer tipo de política monetária.
Estas empresas que armazenam ouro e prata seriam bancos?  Bem, elas poderiam se transformar em bancos.  Com efeito, foi assim que nosso atual sistema bancário começou a se formar.  Mas há importantes diferenças sobre as quais falarei mais abaixo.  Em todo caso, este seria um sistema monetário sólido, internacional, privado e apolítico.  Seria definitivamente um sistema monetário capitalista.
... ou o Bitcoin
Outra solução seria um dinheiro privado virtual, como o Bitcoin.
Bitcoin é um dinheiro intangível criado na internet.  É um software.  O Bitcoin pode ser imaginado como sendo uma commodity criptográfica.  Trata-se de uma moeda criada digitalmente, completamente descentralizada, que existe somente no ciberespaço.  Ela é produzida e gerida pelos computadores conectados à rede mundial, os quais formam a rede Bitcoin.  Trata-se de um sistema de pagamento peer-to-peer que permite que as transações sejam assinadas digitalmente.  O Bitcoin não possui um emissor centralizado e não há nenhuma autoridade central controlando o processo.
Supostamente, as transações feitas em Bitcoin não podem ser rastreadas e as contas de seus usuários não podem ser congeladas.  O sistema não pode ser fechado ou destruído.  (E meus parcos conhecimentos de tecnologia informática e criptografia não me permitem julgar nenhuma destas afirmações.)
De acordo com seus criadores, a base monetária se expande de maneira limitada e controlada, sendo programada no software da Bitcoin.  Porém, tal expansão é totalmente previsível e conhecida antecipadamente pelo público usuário, o que significa que tal inflação não pode ser manipulada para alterar a distribuição de renda entre os usuários.  A todo e qualquer momento, qualquer usuário pode saber não apenas quantos Bitcoins ele possui, como também quantos Bitcoins existem no total.  Ainda de acordo com os criadores, somente 21 milhões de unidades de dinheiro podem ser criadas, o que significa que, após certo ponto, a quantidade de dinheiro torna-se fixa.
O processo de criação de Bitcoin é chamado de "mineração" (opa!), e é conduzido por computadores ligados à rede Bitcoin.  Pelo que entendi, a mineração de Bitcoins exige uma considerável energia computacional, e tudo foi programado para ser exatamente assim, para que a oferta de Bitcoins aumente de maneira bastante moderada ao longo do tempo até chegar a um limite — os 21 milhões de unidades determinadas pelo algoritmo — a partir do qual a oferta de Bitcoin torna-se fixa.  É claro que, assim como ocorre com o ouro ou com o dinheiro de papel, a maioria das pessoas que utiliza o Bitcoin nunca se envolve na "mineração" do produto, mas adquire o produto ao transacionar bens e serviços com outras pessoas.
Portanto, a criação de dinheiro Bitcoin é totalmente privada, mas nem de longe é algo sem custos.  Tampouco é ilimitada.  Bitcoin é dinheiro sólido.  Sua oferta é inelástica e não está sob o controle de qualquer autoridade emissora.  Trata-se de um 'dinheiro' internacional e genuinamente capitalista — é claro, estou partindo do princípio de que o público esteja disposto a utilizá-lo como dinheiro.
Mas há, naturalmente, várias perguntas a respeito do Bitcoin que não podem ser abordadas neste artigo: Ele é seguro?  Pode o algoritmo ser alterado ou corrompido, de modo a se possibilitar a falsificação?  As "carteiras" virtuais nas quais os Bitcoins são armazenados são confiáveis? 
Estas são perguntas para especialistas em segurança computacional ou criptógrafos, e eu não sou nenhum dos dois.  Meu argumento é conceitual.  Meu objetivo não é analisar o Bitcoin como tal, mas sim especular as consequências de uma moeda-commodity virtual, a qual considero factível em princípio e simplesmente assumo — pelo bem do argumento — ser uma solução.  Se ela realmente irá vingar, não posso dizer.  Novamente, quem irá decidir isso é o mercado.
Há, no entanto, uma questão para o economista.  Pode o Bitcoin se tornar amplamente aceito como dinheiro?  Isso não contradiria o teorema da regressão de Mises, que afirma que é impossível qualquer tipo de dinheiro surgir já sendo um imediato meio de troca; que um bem só pode alcançar o status de meio de troca se, antes de ser utilizado como dinheiro, ele já tiver obtido algum valor como mercadoria; que, qualquer que seja a moeda, ela tem antes de ter tido algum uso como mercadoria para só então passar a funcionar como dinheiro?
Meu contra-argumento é o seguinte: a analogia do Bitcoin deve ser feita com as cédulas de papel, que surgiram não como uma mercadoria, mas como um meio de pagamento — no caso, um título de reivindicação sobre o dinheiro metálico da época.  Cédulas de papel foram inicialmente utilizadas como sendo uma maneira mais conveniente de se transferir a propriedade do ouro ou da prata.  Tão logo estas cédulas começaram a circular e se tornaram amplamente aceitas como meio de troca, o ouro que as lastreava pôde ser abandonado sem que isso afetasse a circulação das cédulas e sua aceitação como dinheiro.  Elas já haviam se tornado dinheiro por si mesmas.
Similarmente, o Bitcoin pode ser imaginado, inicialmente, como uma tecnologia de pagamento, uma maneira barata e conveniente de se transferir títulos de propriedade sobre o dinheiro de papel estatal (o Bitcoin pode atualmente ser trocado por dinheiro de papel em várias transações).  Porém, dado que a oferta de Bitcoin é restrita ao passo que a oferta de papel-moeda estatal segue crescendo constantemente, o valor de troca do Bitcoin está fadado a aumentar.  E, em algum ponto, o Bitcoin poderá começar a ser transacionado como dinheiro genuíno.
Um sistema monetário baseado em um dinheiro sólido, internacional e apolítico, seja na forma de Bitcoin ou de um sistema de ouro privado, seria um sistema genuinamente capitalista, um sistema que facilitaria as transações livres e voluntárias entre indivíduos e empresas dentro e além das fronteiras, um sistema estável e fora do controle de políticos.  Ele traria várias vantagens para o usuário deste dinheiro e deixaria muito pouco espaço para os bancos em seus formatos atuais, o que serve para mostrar como os bancos se tornaram meras criaturas do atual sistema monetário estatal, com todas as suas inconsistências.
Bancos lucram com a criação de dinheiro
Os bancos atuais operam com reservas fracionadas, o que significa que eles se apossam dos depósitos de seus correntistas — depósitos estes que supostamente têm de estar seguros e serem líquidos —, pagam juros para os correntistas e utilizam estes depósitos para financiar empréstimos que são ilíquidos e arriscados, os quais, em troca, pagam aos bancos altos juros.  Por meio deste processo de reservas fracionadas, a mesma quantidade de dinheiro físico torna-se simultaneamente disponível para duas ou mais pessoas distintas.  Na prática, os bancos simplesmente criam dinheiro eletrônico (chamado de "moeda escritural") do nada, emprestam este dinheiro para terceiros e cobram juros sobre isso.  Por meio desta prática, os bancos expandem a quantidade de dinheiro na economia.  Eles se tornam criadores de dinheiro — uma atividade, obviamente, bastante lucrativa.  Mas tal atividade, como inquestionavelmente já demonstraram Mises, Hayek e toda a Escola Austríaca de economia, não apenas é arriscado para os bancos, como também é desestabilizador para toda a economia.  Ele gera os ciclos econômicos.
Não se pode negar que os bancos poderiam praticar reservas fracionadas mesmo se a moeda utilizada fosse o ouro ou o Bitcoin.  No entanto, na ausência de um Banco Central injetando dinheiro continuamente no sistema bancário, funcionando como um emprestador de última instância e assim sustentando todo o esquema, a amplitude de um sistema bancário de reservas fracionárias seria bastante limitada.  Para os bancos, seria extremamente perigoso reduzir a quantidade de dinheiro em seus cofres, pois isso aumentaria o risco de uma corrida bancária.  Banqueiros não confiam uns nos outros, e estão sempre ávidos para quebrar seus concorrentes e assumir sua fatia de mercado.  Sem um banco central coordenando todo o esquema e continuamente injetando dinheiro nas reservas bancárias, nenhum banco estaria seguro para expandir o crédito artificialmente.  Os bancos estariam constantemente fazendo intrigas, estimulando os correntistas de outros bancos a sacarem seu dinheiro para levá-los à falência.  Neste arranjo, não haveria espaço para reservas fracionadas.  Ao menos, não da maneira vultosa como ocorre hoje.
Sob um sistema monetário sólido (ouro ou Bitcoin), mesmo se os bancos quisessem criar um banco central para funcionar como emprestador de última instância, tal entidade não teria como criar do nada mais reservas de ouro ou mais reservas de Bitcoin.  Logo, seria impossível um fornecimento ilimitado de dinheiro aos bancos, ao contrário do que fazem os bancos centrais atuais.
É particularmente improvável que um sistema bancário de reservas fracionárias se desenvolva em uma economia que utilize o Bitcoin, dado que não haveria a necessidade de serviços de depósito e armazenagem, e nem de serviços que envolvam a transferência da matéria bruta (ouro ou cédulas de papel) de um lugar para o outro.  O usuário do Bitcoin possui uma conta similar à sua conta de email.  É ele quem a gerencia e é ele quem controla seus depósitos.  E o Bitcoin é um dinheiro prontamente utilizável para qualquer transação, em qualquer lugar do mundo, via internet.  Ele dispensa o sistema bancário como intermediário, tornando-o obsoleto.  O usuário do Bitcoin controla diretamente sua conta e seu dinheiro.  Ele pode acessar seus Bitcoins de qualquer lugar, até mesmo por meio de um cartão SIM em seu smartphone.
O enorme inchaço do sistema bancário de reservas fracionárias foi possibilitado pelas dificuldades de se fazer transações seguras de longa distância com ouro ou com cédulas de papel.  Tal dificuldade criou um forte incentivo para se colocar dinheiro físico nos bancos.  E, uma vez que o dinheiro físico foi para os bancos, ele se transformou em "reservas" prontas para ser utilizadas na concessão de crédito para terceiros, bem como ser transformadas em novos ativos bancários.
Direcionar poupança genuína para investimentos é uma intermediação não só extremamente importante, como também essencial para que qualquer economia possa crescer.  Mas o que o sistema bancário de reservas fracionárias faz é totalmente diferente.  Tal sistema pratica a criação de dinheiro e a consequente expansão de crédito sem que tenha havido qualquer poupança real e voluntária.  Isso cria severas distorções na estrutura da economia.  Um sistema bancário de reservas fracionárias não apenas não é necessário, como também representa uma fonte de desestabilização.  Sob o padrão-ouro, ele criou os ciclos econômicos.  Sob o atual sistema de papel-moeda fiduciário, com bancos centrais funcionando como emprestadores de última instância, ele criou os super-ciclos, arranjo este que está hoje em seu doloroso estágio final.
Bancos lucram com o monopólio das transações financeiras
Recentemente, ao fazer alguns arranjos para uma viagem para a África, tive de lidar diretamente com as operadoras de turismo local — algo que, hoje, pode ser feito de modo fácil e barato via internet, email ou Skype.  No entanto, na hora de fazer o pagamento para as operadoras africanas, tive de passar por um processo que não mudou quase nada desde a década de 1950.  Tal processo envolvia não apenas bancos africanos e britânicos (onde moro), mas também bancos em Nova York, que fazem as compensações dos cartões de crédito.  Isso tomou tempo e, é claro, custou mais dinheiro na forma de taxas adicionais.
Agora imagine se pudéssemos utilizar ouro ou Bitcoin.  O pagamento teria sido tão fácil e rápido quanto todas as comunicações vai email que precederam a transação.  Não haveria taxas de câmbio, e as taxas de serviço seriam pequenas (no caso do ouro) ou nulas (no caso do Bitcoin).
Passo exatamente pelo mesmo problema quando, da minha própria casa, faço palestras pela internet.  A tecnologia me permite ser visualizado por pessoas de todos os cantos do mundo, sempre de maneira barata, rápida e conveniente.  No entanto, na hora de receber meu pagamento, toda a transação percorre o mesmo caminho — passando por bancos em Nova York —, leva tempo para o dinheiro cair na minha conta, custos adicionais são cobrados e, no final, sou pago em uma moeda que não posso utilizar diretamente em meu país.
Bancos lucram com o nacionalismo monetário
No futuro, os historiadores econômicos certamente irão rir de nós por termos aceitado viver sob um estranho, ilógico e ineficiente arranjo de vários e distintos papeis-moeda locais — e por termos ingenuamente acreditado que isso representava o ápice do capitalismo moderno.  Hoje, cada governo quer ter sua própria moeda de papel, seu próprio banco central e gerir sua própria política monetária (é claro, com uma moeda fiduciária perfeitamente elástica).  Isto naturalmente representa um grande impedimento para o comércio internacional e para o livre fluxo de capital.
Se recebo um pagamento de uma pessoa que mora em outro país e quero utilizar esse dinheiro em meu país, tenho de fazer o câmbio da moeda.  E só posso fazer isso se encontrar alguém disposto a aceitar me dar moeda nacional em troca desta moeda estrangeira.  Tudo isso graças ao monopólio estatal da moeda e, principalmente, às leis de curso forçado. A existência de várias moedas distintas necessariamente reintroduz um aspecto de escambo parcial no comércio.  A melhor, mais eficiente e mais capitalista solução seria o uso do mesmo meio de troca em todo o globo.  O padrão-ouro era um sistema monetário muito superior também neste aspecto.  Sair do padrão-ouro internacional para adotar um sistema de várias moedas de papel gerenciadas pelo estado foi um enorme regresso econômico.
Cem anos atrás, você podia pegar um trem de Londres a Moscou e utilizar o mesmo dinheiro (moedas de ouro) em toda a sua viagem.  Não havia necessidade de trocar de dinheiro em nenhum momento.  (Aliás, diga-se de passagem, você nem precisava de passaporte).
A noção de que a 'economia nacional' necessita de uma 'moeda nacional' sempre foi uma ficção, embora bastante lucrativa para os bancos que detêm as concessões das casas de câmbio.  Igualmente fictícia é a ideia de que a economia funciona melhor se a oferta monetária, as taxas de juros e as taxas de câmbio forem cuidadosamente manipuladas por burocratas locais (ficção esta que é altamente rentável para vários economistas que vivem desse sistema).  No mundo atual, cada vez mais globalizado, tais ficções são totalmente insustentáveis.  O capitalismo transcende fronteiras, e o que ele necessita para prosperar é simplesmente de uma moeda sólida, apolítica e internacional.  Um dinheiro que seja uma ferramenta adequada para a cooperação e para a interação humana voluntária, e não simplesmente uma ferramenta para manobras políticas.
Os bancos se beneficiam deste atual segregação monetária.  Eles lucram com as inúmeras operações cambiais que ocorrem diariamente.  Já as empresas não-financeiras que operam internacionalmente são inevitavelmente forçadas a especular nos mercados de câmbio ou a pagar por custosas estratégias de hedge para se proteger de variações cambiais (de novo, pagando para os bancos).
Conclusão
Resta claro que o tamanho, o modelo de negócios, as fontes de lucratividade e os problemas do sistema bancário atual estão intimamente ligados ao atual e totalmente elástico sistema monetário de dinheiro de papel.  Mesmo que tal sistema fosse duradouro — o que certamente não é —, as forças do capitalismo, a contínua busca por soluções melhores, mais eficientes e mais duráveis, em conjunto com o progresso tecnológico, gerariam enormes pressões de mercado sobre a atual indústria bancária.  E isso terá de ocorrer nos anos vindouros.
Dado que o atual sistema financeiro não é o resultado de forças de mercado, dado que um sistema de moedas estatais totalmente elásticas não é necessário, dado que ele é sub-ótimo, ineficiente, instável e insustentável, não há por que duvidar que um dia ele irá acabar.  Os bancos atuais são meros dinossauros paraestatais, ligados até a alma à burocracia e à politicagem.  Estruturas inchadas e dependentes da criação de dinheiro e de subsídios estatais para sua sobrevivência.  Já estão maduros para cair.
A morte do sistema de dinheiro de papel irá oferecer grandes oportunidades para uma nova estirpe de empreendedores monetários.  Neste aspecto, posso visualizar empresas armazenando ouro, empresas tecnológicas oferecendo serviços de transação financeira, empresas fornecedoras de serviços de Bitcoin e empresas voltadas para o gerenciamento de ativos.  Se algumas dessas unirem forças, as oportunidades serão enormes.  O mundo está pronto para um sistema monetário alternativo, desestatizado e baseado na livre concorrência.  Quando o atual sistema entrar em colapso sob o peso de suas próprias inconsistências, quem for um bom empreendedor estará pronto para oferecer algo como substituto.
A atual economia baseada em papel-moeda estatal e fiduciário está pronta para uma schumpeteriana 'destruição criativa'.  Esteja sempre alerta para as oportunidades.
Enquanto isso, a destruição do papel-moeda prossegue.

Detlev Schlichter é formado em administração e economia.  Trabalhou 19 anos no mercado financeiro, como corretor de derivativos e, mais tarde, como gerente de portfolio.  Nesse meio tempo, conheceu a Escola Austríaca de Economia e, desde então, dedicou seus últimos 20 anos ao estudo autônomo da mesma.  Foi apenas após conhecer a Escola Austríaca que ele percebeu o quão mais profundas e satisfatórias eram as teorias austríacas para explicar os fenômenos econômicos que ele observava diariamente em seu trabalho.  Visite seu website.

Tradução de Leandro Roque

DISTRIBUIR A RENDA OU A PRODUÇÃO?


No Brasil, toda a produção está voltada para a classe média.

A saída para o crescimento é reorientar a economia para a produção de produtos populares, o que pressupõe primeiro o aumento da renda para depois chegar ao crescimento.

A política de substituição de importações, implantada por vários governos brasileiros no passado de visão Cepal/Unicamp, gerou uma industrialização voltada para produzir bens para os 10% mais ricos da população.

Há 50 anos, quem importava maciçamente era a justamente a parcela mais rica da população.

No início, com a criação de elevadas tarifas, as grandes empresas multinacionais do setor automobilístico vieram produzir no Brasil o que antes era importado.

Criaram obviamente um padrão de produção não voltado ao vasto mercado interno popular, mas simplesmente trouxeram as máquinas e os modelos dos produtos anteriormente exportados para o Brasil.

A industrialização gerada pela política de substituição de exportações gerou um padrão voltado aos 10% mais ricos, algo não percebido pelos economistas que idealizaram esta politica.

Pior, a má-distribuição da renda foi uma consequência desta política.

Criou-se sim uma cunha fiscal de quase 100% sobre o trabalho assalariado, com inúmeros encargos sociais, PIS, Pasep, que inviabilizava a compra pelo trabalhador do produto que ele próprio fabricava.

A cunha fiscal sobre o trabalho assalariado exigia uma classe mais rica, única capaz de comprar os produtos produzidos por classes de renda mais baixas.

Ao contrário dos funcionários da Ford Motor Co. na década de 30 nos Estados Unidos, o trabalhador automobilístico não tinha renda para comprar o produto do seu trabalho, tal a carga de impostos que o Estado acrescentava ao preço brasileiro.

Este modelo esgotou-se por várias razões:

1. Com a abertura das importações e a globalização da economia brasileira, os ricos irão de novo importar os seus carros, home theaters etc.

2. Tentar enfrentar o problema produzindo produtos ainda mais sofisticados, com ainda mais qualidade e tecnologia do que os concorrentes do Primeiro Mundo, como propõem muitos, será uma luta inglória.

3. Os países do Primeiro Mundo sempre terão mais escala e menores preços simplesmente porque suas populações ricas são muito mais numerosas.

A saída portanto será reorientar a produção brasileira para os 20,30,40, 50% seguintes na escala econômica.

As vantagens são enormes.

Quando o rico fica mais rico, a renda disponível cresce somente uma fração do aumento da renda.

Quando o pobre fica mais rico, a propensão marginal a consumir é enorme.

Por exemplo, um aumento de 1% de crescimento no PIB aumenta em 3% o consumo de ovos.

No ano 2000, 2/3 da população mundial serão relativamente pobres e se pudermos criar e vender produtos adequados para a classe de baixa renda brasileira, aí sim teremos condições de exportar competitivamente para o mundo.

E os nossos grandes mercados serão a China e a índia, e não a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos.

O grande bloco comercial no ano de 2020 não será o Mercosul nem o Nafta e sim a Bríndia, o intercâmbio poderoso entre o Brasil e a Índia, e/ou o Brinchina, Brasil, Índia e China.

Em média, nossas empresas estão mal preparadas para o segmento de produtos populares.

Parte da crise do real reside aí.

Todo mundo está produzindo para a classe média, que está vendo sua renda diminuidapara um patamar mais correto.

No caso das patentes em medicina, a Roche, por exemplo, em vez de lutar pelo reconhecimento das patentes, está introduzindo remédios cujas patentes já se tornaram domínio público e são baratas porque não pagam royalties. (Os génericos que seria criado em por lei em 1999.) 

Pretende competir pela sua qualidade e eficiência na fabricação de remédios, que é o que vale a longo prazo.

O conceito de produtos populares requer não somente uma redefinição do produto, da qualidade, dos métodos de produção, como da embalagem, da propaganda e dos canais de distribuição.

Poucos shopping-centers no Brasil foram construídos em cima de metrôs.

Poucos metrôs possuem áreas de vendas, que poderiam ter sido alugadas a comerciantes, reduzindo o déficit deste meio de transporte.

É incrível que os vários governadores e prefeitos socialistas como a da Erundina não tenham criado pontos de vendas nas áreas de metrô como se faz na França e nos Estados Unidos.

Pobre possui menos tempo que rico para fazer compras.

No Brasil, ter um carro é condição sine qua non para se comprar na maioria dos shoppings, uma distorção do modelo industrial.

O chamado carro popular, introduzido no governo Itamar, de popular não teve absolutamente nada; ao preço de 12 mil reais continua sendo um produto para os 10% mais ricos da população.

O carro popular no Brasil deveria ser uma bicicleta com motor, vendida em torno de 250 reais.

Aliás, foi assim que a Honda virou importante no Japão, começando com motocicletas e somente então partindo para os carros.

Neste novo modelo, uma nova ação do governo se faz necessária.

No caso das bicicletas, surgem imediatamente os problemas de trânsito e da falta de ciclovias.

No caso dos metrôs, a falta de planejamento urbano e legislativo que permita construir um shopping em cima de uma estação.

A abertura do comércio aos domingos é condição sine qua non para baratear seus custos fixos.

Ao contrário, o governo Fernando Henrique Cardoso, em um de seus primeiros atos, isentou de todo e qualquer imposto aduaneiro os produtos abaixo de US$ 50, inviabilizando justamente os produtos populares produzidos internamente. Pior, demoraram dois anos para revogar esta medida.

Enquanto no modelo industrial anterior crescia-se primeiro para distribuir a renda depois, a nova estratégia de produtos populares requer primeiro o aumento da renda para depois chegar ao crescimento, o que Henry Ford fez ao dobrar os salários dos seus operários.

No caso brasileiro, a simples eliminação do FGTS e a sua distribuição imediata ao trabalhador, aumentaria a renda sem onerar os custos da empresa.

E se o país crescer, os riscos de desemprego serão menores.

A opção por produtos populares não é nova. As empresas que deram certo nestes últimos dez anos, optaram justamente por este caminho. Grendene, Garoto, Hermes, Lojas Americanas, Brahma para citar alguns exemplos.

A dedicação total de todo trabalhador é um dos fatores vitais para a qualidade da produção, o ISO 9000, a concorrência e o consumidor.

O que não é óbvio, para a maioria dos formuladores de política econômica, é que o mundo moderno de hoje é dominado por teorias administrativas e não por teorias econômicas de economistas já defuntos, como gostava de afirmar Keynes.

As teorias de gerenciamento moderno nos mostram que o trabalhador jamais terá a dedicação e esmero necessários para uma qualidade total se hão tiver condição de comprar o produto que ele fabrica.

A política econômica defendida por Dorothea Werneck, de qualidade e produção para o Primeiro Mundo, jamais daria certo por este simples aspecto.

As empresas que seguem as últimas coqueluches gerenciais do momento, no Primeiro Mundo, acabam embarcando em niche-marketing, ciclo de produtos curtos e database-marketing, técnicas ideais para os problemas gerenciais americanos e europeus. A realidade brasileira porém é outra.

Não é a renda que precisa ser distribuída, e sim a produção.Por: Stephen Kanitz

quinta-feira, 19 de julho de 2012

CONTRA O CONSUMIDOR

Quase todo mundo tem uma bronca com companhia telefônica. Celular que não pega, conta alta e ininteligível, instalação demorada e errada de internet - a lista é infinita. 

É o fracasso da privatização, anima-se muita gente por aí. Desse ponto de vista, seria natural que brotasse um movimento pela reestatização das teles, mas não é o que se vê. A atitude dominante é reclamar, infernizar a vida das empresas com burocracias e impor prejuízos a elas.
Acham com isso que estão punindo as empresas, mas acertam no consumidor.
Considerem o caso recente de Porto Alegre, onde o Procon suspendeu a venda de novas linhas de celulares, por falhas no serviço atual. Os celulares não funcionam em certas áreas. Enquanto isso não for resolvido, as teles amargam a perda de vendas. Quem precisa de um celular, fica na fila.
Ora, celulares dependem de antenas e, pois, de torres. Quanto mais, melhor o sinal. Logo, parece lógico, as teles não podem mesmo vender linhas se não têm as torres.
Mas, no outro lado da história, os executivos das teles notam que as sete licenças necessárias para levantar uma torre em Porto Alegre não são concedidas em menos de seis meses, isso se a burocracia funcionar perfeitamente. Ou seja, leva muito mais. Além disso, mesmo quando saem as licenças, fica proibido colocar torres e antenas em tal número de locais que não há como evitar as "zonas de sombra".
Acrescente-se ao quadro que as empresas, ao vencerem licitações e receberem outorgas de frequência, são obrigadas a cumprir prazo para oferecer as linhas.
Resumo da ópera: o poder público concede, depois impõe regras que limitam a instalação de antenas e pune as teles por não entregar o serviço adequado.
Além das normas nacionais, há mais de 250 legislações estaduais e municipais, criando uma teia de entraves.
Tanto é problema que o Comitê Organizador da Copa fixou procedimento especial para as 12 cidades-sede. As licenças para instalação de torres têm de sair em no máximo 60 dias. Isso porque as teles estão obrigadas a instalar as redes de quarta geração (4G) até abril de 2013. E essa frequência exige um número maior de antenas. Porto Alegre é sede. Seu prefeito, José Fortunati, assinou o protocolo, mas a legislação restritiva continua em vigor. Resultado, estão todos lá tentando desfazer o embrulho.
No país, e mundo afora, as restrições baseiam-se em dois pontos. Um é urbanístico: as torres, obviamente, afetam o visual. Alguns dirão: estragam o cenário. Outros entenderão que armações com arquitetura avançada podem ser um ganho para a paisagem urbana. O outro ponto é ambiental e de saúde: uma preocupação com as consequências da emissão de raios. O que restringe, por exemplo, a colocação de antenas em áreas populosas, ali onde são mais necessárias.
Mas a Organização Mundial de Saúde já disse não haver evidências de que as antenas de celulares e os próprios causem danos às pessoas. Quanto à paisagem urbana, é decisão das populações.
Nada, portanto, que não se possa resolver com leis e regras simples e claras. Por que temos o contrário?
Pelo viés anticapitalista. Vamos reparar: a privatização das telecomunicações é um êxito espetacular. Em poucos anos, saímos da idade da pedra para o quinto mercado mundial de telefonia, com mais de 250 milhões de linhas.
Parte dos problemas vem dessa rapidez. Em um mercado muito competitivo e sob pressão para cumprir prazos da concessão, as teles mandaram ver. Parece claro que, não raro, faltaram equipamentos e mão de obra.
Mas está aí instalado e funcionando, de novo, o quinto sistema mundial de telefonia e internet, em constante processo de modernização. Por isso mesmo, nem os mais anticapitalistas pedem a reestatização. Mas sustentam o viés contra a empresa privada, especialmente a grande. É vista como predadora, ávida de lucros, para o que não hesita em esmagar os consumidores.
Logo, tem de ser regulada, controlada e taxada com impostos pesados, para que seus lucros sejam divididos com a sociedade, como dizem.
Tudo que conseguem é mandar a conta para o consumidor, de duas maneiras. Ou há barreiras à ampliação dos serviços, gerando ineficiência econômica, um custo para todos, ou o preço fica mais caro. Impostos, taxas e contribuições já formam a maior parte da conta.
Esse viés está espalhado dentro e fora do governo. Vai muito além das teles. Reparem a demora do governo em avançar nas concessões, mesmo depois de colocá-las como meta, e observem os termos e exigências dos editais. É como se dissessem aos concessionários: OK, vamos privatizar, não tem outro jeito, mas vocês vão ver só...
Por: Carlos Alberto Sardenberg, O GLOBO
 
 

AS COISAS POR SEU NOME



Editorial do jornal uruguaio El Observador comenta a farsa na qual se transformou o Mercosul.
Um plano de integração comercial entre países foi reduzido a um mero clube de ditadores socialistas, a um tosco departamento do Foro de São Paulo.


Convém chamar as coisas por seu nome para não se cometer engano. O Mercosul, tal como foi concebido, procurava que um grupo de países democráticos unidos por um propósito comum avançassem na rota do livre comércio. Como tal, já não existe mais. Em sua última edição da segunda-feira 12 de julho, The Economist assinalava com visão certeira que com a degradação dos objetivos originais, o grupo havia se convertido em “um clube de companheiros que se reúnem para se dar beijos e abraços de urso, algo que de pouco serve em um mundo cada vez mais complicado”.

Com efeito, as barreiras e as tendências protecionistas que o Brasil e, sobretudo, a Argentina levantaram nos últimos anos dentro e fora do bloco regional, converteram em papel molhado o propósito fundacional refletido no Artigo 1 do Tratado de Assunção de assegurar a livre circulação de pessoas, bens e serviços. A isso há que somar o recente ingresso da Venezuela, que é claramente ilegal (e aqui a revista britânica cita as palavras do vice-presidente Astori que disse que a forma em que tal ingresso se deu configura a mais “profunda ferida institucional”da história do Mercosul). E o pior: em um país que ri do livre comércio e que tem controlado severamente seu comércio exterior com travas cambiárias, arancelárias e extra-arancelárias. O próprio Chávez reclamou em inúmeras oportunidades que se retire a ideologia “neoliberal” que “impregna” o Mercosul. Eu suponho que com isso ele está advogando pela eliminação do livre comércio dentro do bloco e obviamente fora dele. Não esqueçamos que nos 21 anos de existência do Mercosul só se pôde fazer acordo de livre comércio com Israel e a Autoridade Palestina.

Nesta visão parece coincidir também o presidente Mujica, que chamou há pouco a refundar o Mercosul, lembrando que em 1991, ano de sua fundação, predominava nos quatro países fundadores uma visão neoliberal que já não segue vigente. Inclusive pediu para aumentar o bloco convidando outros países da América do Sul, e possivelmente fundi-lo com a UNASUL, clube político fundado há uns 5 anos por Chávez e Néstor Kirchner.

Porém, um clube político de governos do mesmo sinal nada tem a ver com um pacto comercial de países democráticos (seja qual for o partido que governe) para promover seu comércio e realizar novos acordos em benefício de seus povos. É claro que a idéia original do Mercosul de eliminar travas ao comércio regional hoje aborrece muitíssimo à Argentina, empenhada em uma luta sem sentido em regressar às velhas políticas de substituição de importações aplicadas, com escasso êxito nas décadas de cinqüenta e sessenta. É claro que o Brasil não conseguiu ou não teve interesse em evitar que o Mercosul se converta em uma fortaleza comercial. E é claro, também, que até agora Uruguai e Paraguai ficaram reféns da estratégia dos países maiores.

Hoje no Mercosul predomina a política acima da promoção do comércio. Para esses efeitos, o Mercosul tal como foi concebido não tem razão de ser. E portanto, pode-se dizer que Mujica tem razão em pôr o jurídico a serviço do político. Porque “o jurídico” do Mercosul, quer dizer, o Tratado original e os acordos posteriores que se foram fazendo para reduzir assimetrias e promover o comércio, são um inconveniente para o desenvolvimento de um clube político entre governos do mesmos ou parecido sinal político.

De modo que, com a visão que os atuais governos dos países-membros têm, o Tratado de Assunção carece de sentido e deveria ser derrogado. E em seu lugar armar outro tratado (ou nem sequer tratado, porque parece que os tratados aborrecem os atuais governos, já que os obrigam a cumprir coisas que não querem) que dê lugar a um bloco político, que não reconheça nem adira à liberdade de circulação de bens, serviços e pessoas. Não teria maior utilidade, mas ao menos seria algo sincero e ajudaria a chamar as coisas por seu nome: não queremos livre comércio, senão comércio regulado por cada país e volta ao protecionismo.
http://www.elobservador.com.uy/
Tradução: Graça Salgueiro

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O MILAGRE ARGENTINO



Antes, o governo argentino tentava impedir a entrada de dólares; agora, tenta impedir a fuga de capitais


A ARGENTINA, para quem não se lembra, é um país ao sul do Brasil, em cuja seleção joga (e muito) o Messi. Bons vinhos, carne de primeira, Astor Piazzola, Quino e (acima de tudo) Jorge Luis Borges são outros motivos para não nos esquecermos dos vizinhos, já que, economicamente falando, poucas sociedades foram mais cuidadosas no sentido de engendrar sua própria irrelevância.Para quem não se lembra, a Argentina foi também apontada como uma alternativa à política econômica brasileira (não a de hoje, é bom que se diga, mas a adotada até uns anos atrás), em particular suas tentativas de manipulação da taxa de câmbio.

Certas correntes de pensamento local, para quem tudo se resume ao câmbio (não, não é um exagero meu), apontavam para o Sul como o modelo a ser seguido. Hoje, o silêncio acerca da Argentina ribomba.

Ao contrário do que fazia há tempos, quando tomava medidas para impedir o ingresso de dólares, o governo argentino agora tenta impedir a fuga de capitais, que, pelos números oficiais (sempre um risco), já drenaram US$ 5,5 bilhões das reservas nos últimos 12 meses, uma queda pouco superior a 10%.

No contexto brasileiro isso seria equivalente a uma perda da ordem de US$ 35 bilhões, o que, não tenho dúvida, já teria colocado boa parte dos nossos keynesianos de quermesse em pé de guerra.

Já a inflação, pouco inferior a 9,5% nos 12 meses até junho, segundo os dados oficiais, é estimada pelo sítio Inflación Verdadera na casa de 40%. Apesar disso, nossos agora emudecidos desenvolvimentistas, quando lembrados dos problemas inflacionários platinos, não hesitavam em apontar o forte crescimento argentino como prova definitiva da superioridade da abordagem heterodoxa.

Afinal, a valerem os números do Indec (o IBGE portenho), de 2002 para cá, quando a Argentina superou sua crise, o crescimento médio ficou em 7,7% ao ano, apesar da crise internacional de 2009, um desempenho que, se não é chinês, não seria páreo para a maioria dos países no mundo.

Parece, portanto, que um "poucão" a mais de inflação conseguiria, ao final das contas, comprar um "tantão" a mais de crescimento... Ou não?

Para me certificar sobre a robustez dos números do crescimento argentino, resolvi cruzar os dados relativos ao PIB com os associados à geração de energia. Tenho de confessar certo prazer mórbido nessa investigação, mas os resultados foram mais do que interessantes.

Tomados literalmente, os dados mostram que, em 2004, cada GWh na Argentina correspondia a pouco mais de 12,6 milhões de pesos (a preços de 1993), valor não muito diferente do observado em 2002 e em 2003. Ao final de 2011, porém, cada GWh correspondia a 14,9 milhões de pesos, uma melhora de eficiência energética da ordem de 18%!

Nesse mesmo período, estima-se que a eficiência energética global (PIB/GWh) teria melhorado em torno de 9,5%, pouco mais da metade da evolução argentina.

Obviamente, nada impede que o país tenha conseguido uma evolução superior à global; só cá rumino por qual motivo se preocupariam com isso, dado que as tarifas por lá, por conta de controles de preços, não constituem exatamente em incentivo à economia de energia.

De qualquer forma, meu respeito por crenças e crendices não me permite a palavra final sobre o crescimento argentino. Pode resultar da eficiência platina, mas pode também ser apenas mais em efeito colateral da subestimação persistente da inflação. A decisão final é, como sempre, do leitor.

Só noto (resisto a tudo, exceto à tentação) que o silêncio heterodoxo sobre a Argentina é o veredito derradeiro sobre a tal alternativa de política econômica.

Caso o desempenho argentino pudesse, ainda que remotamente, ser qualificado como um sucesso, pais não faltariam. A orfandade diz muito sobre o que nossos desenvolvimentistas de fato pensam sobre o que por lá ocorreu nos últimos anos.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica e professor do Insper.


NA CRISE, UNS CHORAM, OUTROS VENDEM LENÇOS



A preocupação com os rumos da economia brasileira aflige cada vez mais. O desempenho do país está piorando, é o lanterna da América Latina, bem atrás dos demais, quando, em razão de seu potencial produtivo e vantagens que tem, deveria ser o carro-chefe. Mais que a deterioração, surpreende a reação.
Abundam lamentos culpando a crise na Europa, a guerra cambial, o pessimismo da indústria e a má vontade dos banqueiros. É arriscado acreditar em relatos que colocam a responsabilidade do freio da economia brasileira no exterior e em empresários em vez de analisar a adequação da condução econômica à realidade. Deve-se evitar um diagnóstico equivocado.
Um exame dos indicadores conjunturais mostra que o quadro interno está se deteriorando mais que o externo. O preço das exportações brasileiras tem apresentado pouca variação, o custo de recursos externos continua num patamar histórico de baixa e os fluxos externos continuam volumosos. Não justificam a desaceleração interna da economia. Há outra explicação possível.
Medidas adotadas até o momento para superar a crise visam o curto prazo e não medem os impactos no futuro
A causa é a política reacionária do governo, refém de um paradigma ultrapassado. Seu receituário teve sua razão de ser nas décadas de 1930 a 1950; atualmente é inconsistente e é a razão das dificuldades. Querendo ficar bem na foto defendendo um crescimento do PIB o mais alto possível em 2012, adotam medidas no tripé finanças públicas, crédito e incentivos ao setor produtivo no curto prazo, sem medir o impacto futuro. Esquecem que a realidade é um filme que começou no passado e que continua no ano que vem e nos próximos.
Nas finanças públicas, no lado da receita, são dezenas de impostos, taxas e contribuições com centenas de alíquotas diferentes que dão emprego a milhares de contadores, advogados e despachantes, mas encarecem o custo da produção nacional. Do lado dos gastos do governo, sua serventia para o desenvolvimento é discutível; o pacote anunciado há duas semanas ilustra o ponto: compras no valor de R$ 8 bilhões, o que no lado da demanda, aumenta o Produto Interno Bruto (PIB) nesse montante para este ano, mas deixa dúvidas de quem são seus beneficiários, suas vantagens para a economia e seus impactos nos anos vindouros.
No crédito, apesar dos anúncios, a demanda continua fraca e a inadimplência aumentando. Os números mostram de forma contundente que a contribuição da intermediação financeira ao crescimento está bem aquém de seu potencial. O atual modelo é inconsistente intertemporalmente; uma análise dos custos e retornos mostra isso. Todavia, insiste-se numa alquimia que não funciona, não vai dar certo e terá consequências adversas no futuro.
O sistema bancário brasileiro é sofisticado, mas, por um lado, está focado nos resultados de curto prazo e por outro preso a um sistema vultoso de regulamentações, depósitos compulsórios absurdamente elevados, uma tributação bizantina, direcionamentos anacrônicos e mecanismos de transmissão emperrados. Tem a capacidade de ser um propulsor da economia na próxima década, mas sem ajustes certamente não será.
A política de autarquia produtiva, com protecionismo e subsídios, não tem como dar certo num mundo que se globaliza cada vez mais. Está se vivenciando a terceira revolução industrial e aplicam-se aqui as políticas de substituição de importações do pós segunda guerra mundial, uma insensatez. Os incentivos concedidos recentemente beneficiam mais os industriais do que as indústrias, e comprometem o futuro do setor, que fica menos competitivo no resto do mundo.
É fato que o investimento é influenciado pelo estado de espírito dos empresários, mas mais importante que isso é sua análise custo e benefício, onde pesam os tributos, as contingências e a burocracia. Nos rankings de competitividade que avaliam a facilidade de empreender, o Brasil está mal colocado e, o que é pior, perdendo posições. Com isso, investimentos que poderiam ancorar aqui são destinados a outros países onde é mais simples e barato investir.
Uma justificativa dada para insistir na atual política econômica é anunciar uma recuperação no segundo semestre e um crescimento maior em 2013, é o mais provável, mas não é certo. Há sinais claros do esgotamento dos incentivos à demanda agregada com gastos públicos e consumo sem a contrapartida de estímulos adequados à produção nacional. Além disso, o cenário apresenta alguns riscos no horizonte como um possível agravamento da economia argentina, queda no crescimento chinês e demoras na retomada europeia.
A bem da verdade, o quadro internacional, se bem aproveitado, também oferece oportunidades ao Brasil, como um crescimento mundial da demanda de alimentos e de energia superior à expansão da oferta e a existência de recursos e empresários do mundo inteiro atrás de um porto seguro para investimentos. A chave para aproveitar esse cenário está na gestão do tripé finanças públicas, crédito e setor produtivo, mas de forma sustentável.
Para capitalizar essa oportunidade torna-se necessário mudar paradigmas: de mercado interno para estrutura produtiva interna; de crédito de consumo para crédito responsável; da geração de empregos para a criação e sobrevivência de empresas; de desvalorização para internacionalização do real; de redução da Selic para melhora do mecanismo de transmissão; de gastos públicos para eficiência do setor público; de proteção às cadeias produtivas locais para inserção conveniente nas cadeias produtivas globais; e de crescimento do PIB em 2012 para crescimento até 2022. Urge.
Apelos emocionais e culpas a terceiros têm um uso político, mas não resolvem problemas; lamentar e não mudar quando tudo indica que é o que deve ser feito é perigoso. A atual equipe econômica tem méritos, mas é necessário que troque seus paradigmas para fazer acontecer. Está na hora de começar a vender lenços. Por: Roberto Luis Troster
Fonte: Valor Econômico, 17/07/2012