quinta-feira, 19 de julho de 2012

AS COISAS POR SEU NOME



Editorial do jornal uruguaio El Observador comenta a farsa na qual se transformou o Mercosul.
Um plano de integração comercial entre países foi reduzido a um mero clube de ditadores socialistas, a um tosco departamento do Foro de São Paulo.


Convém chamar as coisas por seu nome para não se cometer engano. O Mercosul, tal como foi concebido, procurava que um grupo de países democráticos unidos por um propósito comum avançassem na rota do livre comércio. Como tal, já não existe mais. Em sua última edição da segunda-feira 12 de julho, The Economist assinalava com visão certeira que com a degradação dos objetivos originais, o grupo havia se convertido em “um clube de companheiros que se reúnem para se dar beijos e abraços de urso, algo que de pouco serve em um mundo cada vez mais complicado”.

Com efeito, as barreiras e as tendências protecionistas que o Brasil e, sobretudo, a Argentina levantaram nos últimos anos dentro e fora do bloco regional, converteram em papel molhado o propósito fundacional refletido no Artigo 1 do Tratado de Assunção de assegurar a livre circulação de pessoas, bens e serviços. A isso há que somar o recente ingresso da Venezuela, que é claramente ilegal (e aqui a revista britânica cita as palavras do vice-presidente Astori que disse que a forma em que tal ingresso se deu configura a mais “profunda ferida institucional”da história do Mercosul). E o pior: em um país que ri do livre comércio e que tem controlado severamente seu comércio exterior com travas cambiárias, arancelárias e extra-arancelárias. O próprio Chávez reclamou em inúmeras oportunidades que se retire a ideologia “neoliberal” que “impregna” o Mercosul. Eu suponho que com isso ele está advogando pela eliminação do livre comércio dentro do bloco e obviamente fora dele. Não esqueçamos que nos 21 anos de existência do Mercosul só se pôde fazer acordo de livre comércio com Israel e a Autoridade Palestina.

Nesta visão parece coincidir também o presidente Mujica, que chamou há pouco a refundar o Mercosul, lembrando que em 1991, ano de sua fundação, predominava nos quatro países fundadores uma visão neoliberal que já não segue vigente. Inclusive pediu para aumentar o bloco convidando outros países da América do Sul, e possivelmente fundi-lo com a UNASUL, clube político fundado há uns 5 anos por Chávez e Néstor Kirchner.

Porém, um clube político de governos do mesmo sinal nada tem a ver com um pacto comercial de países democráticos (seja qual for o partido que governe) para promover seu comércio e realizar novos acordos em benefício de seus povos. É claro que a idéia original do Mercosul de eliminar travas ao comércio regional hoje aborrece muitíssimo à Argentina, empenhada em uma luta sem sentido em regressar às velhas políticas de substituição de importações aplicadas, com escasso êxito nas décadas de cinqüenta e sessenta. É claro que o Brasil não conseguiu ou não teve interesse em evitar que o Mercosul se converta em uma fortaleza comercial. E é claro, também, que até agora Uruguai e Paraguai ficaram reféns da estratégia dos países maiores.

Hoje no Mercosul predomina a política acima da promoção do comércio. Para esses efeitos, o Mercosul tal como foi concebido não tem razão de ser. E portanto, pode-se dizer que Mujica tem razão em pôr o jurídico a serviço do político. Porque “o jurídico” do Mercosul, quer dizer, o Tratado original e os acordos posteriores que se foram fazendo para reduzir assimetrias e promover o comércio, são um inconveniente para o desenvolvimento de um clube político entre governos do mesmos ou parecido sinal político.

De modo que, com a visão que os atuais governos dos países-membros têm, o Tratado de Assunção carece de sentido e deveria ser derrogado. E em seu lugar armar outro tratado (ou nem sequer tratado, porque parece que os tratados aborrecem os atuais governos, já que os obrigam a cumprir coisas que não querem) que dê lugar a um bloco político, que não reconheça nem adira à liberdade de circulação de bens, serviços e pessoas. Não teria maior utilidade, mas ao menos seria algo sincero e ajudaria a chamar as coisas por seu nome: não queremos livre comércio, senão comércio regulado por cada país e volta ao protecionismo.
http://www.elobservador.com.uy/
Tradução: Graça Salgueiro

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