quinta-feira, 2 de agosto de 2012

EMPREENDEDORISMO, EFICIÊNCIA DINÂMICA E ÉTICA


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O conceito austríaco de eficiência dinâmica



O termo "eficiência" é derivado etimologicamente do verbo latim ex facio, que significa "obter algo de". A aplicação à economia do conceito de eficiência como sendo a capacidade de "obter algo de" antecede o mundo romano e pode ser datado à Grécia antiga, onde o termo Oeconomia foi primeiramente utilizado para se referir à administração eficiente do lar de uma família. 

Vale lembrar que Xenofonte, em sua obraOeconomicus, escrita em 380 a.C., explica que há duas maneiras distintas de se aumentar o patrimônio da família; cada uma de suas maneiras equivale a um conceito distinto de eficiência. A primeira maneira corresponde ao conceito estático de eficiência, e consiste na administração austera e sensata dos recursos disponíveis (ou os recursos existentes na natureza), evitando que eles sejam desperdiçados. De acordo com Xenofonte, a melhor maneira de se alcançar esta eficiência estática é mantendo o lar em bom estado. 

No entanto, junto com o conceito estático de eficiência, Xenofonte introduz um conceito distinto, o da eficiência "dinâmica", o qual consiste na tentativa de se aumentar o patrimônio por meio da criatividade empreendedorial — ou seja, mais pelo comércio e pela especulação do que pelo esforço em se evitar o desperdício dos recursos já disponíveis. Esta tradição de fazer uma clara distinção entre os dois diferentes conceitos de eficiência, a estática e a dinâmica, durou até a Idade Média. Por exemplo, São Bernardino de Siena escreveu que os lucros dos comerciantes eram justificáveis não somente por causa de sua sensata administração dos recursos disponíveis, mas também, e principalmente, pela assunção dos riscos e perigos (do latim pericula) inerentes a qualquer especulação empreendedorial. 

Infelizmente, o desenvolvimento da física mecânica, que começou na Era Moderna, teve uma influência bastante negativa sobre a evolução do pensamento econômico, especialmente após o século XIX, quando a ideia de eficiência dinâmica já estava quase que totalmente esquecida pela ciência econômica. 

Tanto o austríaco Hans Mayer, antes da Segunda Guerra Mundial, quanto Philip Mirowski, atualmente, enfatizaram que a economia neoclássica convencional desenvolveu-se como sendo uma cópia perfeita da física mecânica do século XIX — utilizando o mesmo método formal, mas substituindo o conceito de energia pelo de utilidade, e aplicando os mesmos princípios de conservação, maximização do resultado e minimização de perdas. O autor mais representativo desta tendência negativa foi Leon Walras, que, em sua monografia de 1909, "Economics and Mechanics", afirmou que as fórmulas matemáticas de seu livro Elements of Pure Economics eram idênticas àquelas da física matemática. 

Em suma, a influência da física mecânica erradicou a dimensão criativa, especulativa e dinâmica que estava implícita na ideia de eficiência econômica desde o início, e tudo o que restou foi o aspecto estático e reducionista, o qual consiste unicamente em minimizar o desperdício dos recursos econômicos (os quais já estão disponíveis e são conhecidos). Esta mudança ocorreu não obstante o fato de que, na vida real, nem os recursos e nem a tecnologia são "dados constantes"; eles variam continuamente como resultado da criatividade empreendedorial. 

O conceito reducionista da eficiência estática teve uma enorme influência teórica e prática no século XX. Os socialistas fabianos Sydney e Beatrice Webb nos fornecem um bom exemplo. Este casal se sentia extremamente abalado com o "desperdício" que eles acreditavam ser gerado pelo sistema capitalista, e por isso fundaram a London School of Economics como um esforço para promover a reforma socialista do capitalismo. O objetivo desta reforma socialista seria eliminar o desperdício e tornar o sistema econômico mais "eficiente". Com o tempo, os Webbs não mais guardavam segredo e passaram a confessar abertamente sua calorosa admiração pela "eficiência" que acreditavam ter observado na Rússia soviética, ao ponto de Beatrice chegar a declarar que "Apaixonei-me pelo comunismo soviético." 

Outro autor completamente influenciado pelo conceito estático de eficiência econômica foi o próprio John Maynard Keynes, que, em sua introdução à edição alemã de A Teoria Geral, em 1936, afirmou abertamente que suas políticas econômicas sugeridas "se adaptam muito mais facilmente às condições de um estado totalitário". Keynes também elogiou copiosamente o livro Soviet Communism, que Sidney e Beatrice Webb haviam publicado três anos antes. 

Adicionalmente, nos anos 1920 e 1930, o conceito estático de eficiência econômica se tornou o ponto central de toda uma nova disciplina, que passou a ser chamada de "economia do bem-estar", a qual foi desenvolvida a partir de abordagens alternativas, dentre as quais a abordagem de Pareto é mais conhecida. 

De uma perspectiva paretiana, um sistema econômico está em um estado de eficiência quando ninguém é capaz de melhorar sua situação sem necessariamente piorar a situação de outra pessoa. 

Nossa principal crítica à economia do bem-estar é que ela reduz o problema da eficiência econômica a um simples problema matemático de maximização, no qual todos os dados econômicos são presumidos como sendo já conhecidos e constantes. No entanto, estas presunções são completamente equivocadas: todos os dados da economia estão em contínua mudança em decorrência da criatividade empreendedorial. 

E é exatamente por esta razão que temos de introduzir um novo conceito, o da eficiência dinâmica, o qual deve ser entendido como a capacidade de estimular a criatividade empreendedorial e a coordenação. Em outras palavras, a eficiência dinâmica consiste na capacidade empreendedorial de descobrir oportunidades de lucro e de coordenar e superar quaisquer desajustes sociais ou descoordenações. 

Em linguagem de economia neoclássica, o objetivo da eficiência dinâmica não deve ser o de empurrar o sistema em direção à fronteira de possibilidades de produção, mas sim o de expandir e aprimorar a criatividade empreendedorial e, com isso, "deslocar" a curva de possibilidade de produção continuamente para a direita. 

A palavra "empreendedorismo" é derivada etimologicamente do termo latim in prehendo, que significa "descobrir", "ver", "perceber" algo. Neste sentido, podemos definir empreendedorismo como sendo a capacidade tipicamente humana de reconhecer as oportunidades de lucro que aparecem no ambiente e agir apropriadamente para tirar proveito delas. 

Empreendedorismo, portanto, envolve um tipo especial de alerta, a capacidade de estar sempre vigilante e atento. Também totalmente aplicável à ideia de empreendedorismo é o verbo "especular", o qual advém do termo latim specula, que se refere às torres das quais as sentinelas conseguiam ver ao longe e detectar qualquer coisa que se aproximasse. 

Toda e qualquer ação empreendedorial não apenas cria e transmite novas informações como também coordena o até então descoordenado comportamento dos agentes econômicos. Sempre que um indivíduo descobre ou cria uma oportunidade de lucro e compra barato um determinado recurso e o revende a um preço mais alto, ele está fazendo com que o comportamento até então descoordenado dos proprietários daquele mesmo recurso (os quais muito provavelmente estavam esbanjando-o e desperdiçando-o) seja harmonizado com o comportamento daqueles que necessitam deste recurso. Portanto, a criatividade e a coordenação são dois lados de mesma moeda ("empreendedorial"). 

Do ponto de vista dinâmico, um indivíduo, uma empresa, uma instituição ou até mesmo todo um sistema econômico será tanto mais eficiente quanto mais ele promover a criatividade e a coordenação empreendedorial. 

E desta perspectiva dinâmica, o objetivo realmente importante não é tanto o de evitar o desperdício de determinados meios considerados como já conhecidos e disponíveis, mas sim o de continuar descobrindo e criando novos meios e fins. 

Para uma abordagem mais ampla deste assunto, recomendaria as principais obras de Mises, Hayek, Kirzner e Rothbard sobre a ideia de o mercado ser um processo dinâmico conduzido pelo empreendedorismo e sobre a noção de concorrência como sendo um processo de descoberta e criatividade. 

Em minha opinião, estes autores austríacos são os que nos fornecem o mais exato conceito de eficiência dinâmica, o qual se diferencia daquele conceito mais imperfeito de eficiência dinâmica desenvolvido tanto por Joseph Schumpeter quanto por Douglass North. 

North e Schumpeter oferecem perspectivas totalmente opostas. Enquanto Schumpeter considera exclusivamente o aspecto da criatividade empreendedorial e seu poder destrutivo (cujo processo ele chama de "destruição criativa"), Douglass North se concentra em outro aspecto, o qual ele chama de "eficiência adaptativa", ou a capacidade coordenadora do empreendedorismo. Portanto, o verdadeiro conceito austríaco de eficiência dinâmica, aquele desenvolvido por Mises, Hayek e Kirzner, combina a dimensão criativa com a dimensão coordenadora; já Schumpeter e North estudam ambos estes conceitos de maneira separada, fracionada e reducionista. 

Eficiência dinâmica e ética 

Qual a relação íntima que existe entre a ética e o conceito da eficiência dinâmica acima apresentado? 

A convencional teoria econômica neoclássica baseia-se na ideia de que as informações do mercado são objetivas e conhecidas por todos (em termos probabilísticos ou exatos), e que a questão da maximização de utilidade não possui absolutamente nenhuma ligação com considerações morais. 

Adicionalmente, o ponto de vista estático — o qual é dominante no ensino atual de economia — leva à conclusão de que os recursos são, de certa maneira, dados e conhecidos por todos, e que, portanto, o problema econômico de sua distribuição é separado e diferente do problema de sua produção. Mas a verdade é que, se os recursos já são dados e conhecidos, é de vital importância investigar qual a melhor maneira de alocar entre diferentes pessoas tanto os meios de produção disponíveis quanto os bens de consumo por eles produzidos. 

Toda esta abordagem neoclássica se esfacela como um castelo de areia caso optemos por seguir o conceito dinâmico do processo de mercado, fundamentado na teoria do empreendedorismo e na noção de eficiência dinâmica acima explicadas. Desta perspectiva, cada ser humano possui uma capacidade criativa ímpar e específica, a qual o permite continuamente perceber e descobrir novas oportunidades de lucro. O empreendedorismo consiste na capacidade tipicamente humana de criar e descobrir novos meios e fins, e é a mais importante característica da natureza humana. 

Se os meios, os fins e os recursos nunca são dados e conhecidos por todos, mas sim são continuamente criados do nada em consequência da ação empreendedorial de seres humanos, então resta claro que o fundamental problema ético não mais é o de como distribuir de maneira justa tudo aquilo que já existe, mas sim o de como promover a criatividade e a coordenação empreendedorial. 

Consequentemente, no campo da ética social, chegamos à fundamental conclusão de que a ideia de que seres humanos são agentes criativos e coordenadores implica a axiomática aceitação do princípio de que cada ser humano possui o direito natural de se apropriar de todos os resultados de sua criatividade empreendedorial. Ou seja, a apropriação privada dos frutos da descoberta e da criação empreendedorial é um princípio autoevidente das leis naturais. 

E é assim porque, se um indivíduo empreendedor não pudesse reivindicar para si aquilo que ele criou ou descobriu, sua capacidade de detectar oportunidades de lucro estaria completamente bloqueada, e seu incentivo para agir desapareceria. Adicionalmente, este princípio é universal no sentido de que ele pode ser aplicado para todas as pessoas, a todos os momentos, em todos os lugares. 

Impedir que a ação humana seja totalmente livre, coagindo-a de modo a proibir que as pessoas tenham o direito de possuir integralmente tudo aquilo que elas empreendedoristicamente, criaram não apenas é dinamicamente ineficiente, uma vez que obstrui sua criatividade e capacidade de coordenação, como também é fundamentalmente imoral, uma vez que tal coerção impede os seres humanos de desenvolverem aquilo que é, por natureza, inerente a eles: sua capacidade inata de imaginar e criar novos meios e fins para tentar alcançar seus próprios objetivos e aspirações. Exatamente por estes motivos, não somente o socialismo e o intervencionismo, mas também toda e qualquer forma de estatismo e tributação, são não apenas dinamicamente ineficientes, como também eticamente injustos e imorais. 

Vale enfatizar que a força da criatividade empreendedorial também se manifesta no desejo de se ajudar os mais pobres e na busca sistemática por situações em que terceiros estão necessitados, com o intuito de ajudá-los. Com efeito, a coerciva intervenção estatal, por meio dos mecanismos típicos do chamado "estado de bem-estar social", neutraliza e, em grande medida, obstrui o esforço empreendedorial de se ajudar um semelhante que está passando por dificuldades. Os incentivos para o auxílio ao próximo são tolhidos e a tarefa acaba sendo transferida para o aparato estatal, o qual, justamente por funcionar fora de um ambiente de eficiência dinâmica, simplesmente não tem como agir de maneira correta. 

Adicionalmente, de acordo com nossa análise, nada é mais (dinamicamente) eficiente do que a justiça (entendida em seu sentido correto). Se pensarmos no mercado como um processo dinâmico, então a eficiência dinâmica, entendida como coordenação e criatividade, é resultante do comportamento de seres humanos que seguem determinadas leis morais (principalmente no que diz respeito à vida, à propriedade privada e ao cumprimento de contratos). 

Somente quando o exercício da ação humana está sujeito a estes princípios éticos é que ela pode gerar processos sociais dinamicamente eficientes. Portanto, do ponto de vista dinâmico, a eficiência é incompatível com os diferentes modelos de igualdade ou justiça (contradizendo o segundo teorema fundamental da economia de bem-estar). A eficiência advém de apenas uma ideia de justiça: aquela baseada no respeito à propriedade privada, ao empreendedorismo e, como veremos mais abaixo, também aos princípios da moralidade pessoal. Sendo assim, não há nenhuma contradição entre eficiência e justiça — desde que, por "justiça", entendamos seu conceito genuíno, e não aquele especificado pelos filósofos sociais. 

O que é justo não pode ser ineficiente, e o que é eficiente não pode ser injusto. Uma análise dinâmica revela que a justiça e a eficiência são dois lados da mesma moeda, o que também confirma a ordem consistente e integrada que existe no espontâneo universo social das interações humanas. 

Por fim, abordemos algumas ideias sobre a relação entre eficiência dinâmica e os princípios da moralidade pessoal, especialmente no campo da família e das relações sexuais. 

Até aqui, analisamos a ética social e discutimos os princípios essenciais que fornecem a estrutura que possibilita a eficiência dinâmica. Mas é fora deste âmbito que estão os mais íntimos princípios da moralidade pessoal. A influência dos princípios da moralidade pessoal sobre a eficiência dinâmica quase nunca são estudados e, em todo caso, são considerados como se fossem separados e distintos da ética social. No entanto, creio que esta separação é completamente injustificada. 

Com efeito, existem princípios morais de grande importância para a eficiência dinâmica de qualquer sociedade, os quais estão sujeitos a este aparente paradoxo: a incapacidade de segui-los em um nível pessoal gera enormes custos em termos de eficiência dinâmica; porém, a tentativa de impor estes princípios morais por meio da força estatal irá gerar ineficiências ainda mais severas. Logo, certas instituições sociais são necessárias para transmitir e estimular estes princípios morais individuais, os quais, por sua própria natureza, não podem ser impostos pela violência e pela coerção, mas são, não obstante, de grande importância para a eficiência dinâmica de qualquer sociedade. 

É principalmente através da religião e da família que os seres humanos, geração após geração, conseguem internalizar estes princípios e, assim, aprendem a mantê-los e a transmiti-los para seus filhos. Os princípios relacionados à moralidade sexual, à criação e à preservação da instituição da família, à fidelidade entre os cônjuges, ao cuidado com os filhos, ao controle de nossos instintos primitivos, e à superação e coibição da inveja são todos de crucial importância para todo e qualquer bem sucedido processo social de criatividade e coordenação. 

Como Hayek nos ensinou, tanto o progresso da civilização quanto o desenvolvimento econômico e social requerem uma população em constante expansão que seja capaz de sustentar e absorver, em meio a este contínuo aumento no número de pessoas, o crescimento ininterrupto no volume de conhecimento social gerado pela criatividade empreendedorial. A eficiência dinâmica depende da criatividade das pessoas e de sua capacidade de coordenação; e, tudo o mais constante, ela tende a crescer quando o número de seres humanos aumenta. Mas tal eficiência dinâmica só pode acontecer dentro de uma determinada estrutura de princípios morais que governe as relações familiares. 

No entanto, como afirmei, isto representa um paradoxo. Toda a estrutura de princípios morais pessoais não pode ser imposta pela coerção violenta. A imposição de princípios morais pela força ou pela coerção irá gerar uma sociedade fechada e inquisitorial, privando os seres humanos de suas liberdades individuais, as quais englobam o empreendedorismo e a eficiência dinâmica. 

Este fato revela exatamente a importância de métodos alternativos e não coercitivos de orientação social que mostrem às pessoas os mais íntimos e pessoais princípios morais, e estimulem sua incorporação e observância. Podemos concluir que, tudo o mais constante, quanto mais firmes e mais duradouros são os princípios morais individuais de uma sociedade, maior tenderá a ser sua eficiência dinâmica. 

Jesús Huerta de Soto  professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor da monumental obra Money, Bank Credit, and Economic Cycles.

O JULGAMENTO DA HISTÓRIA


"O mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil", segundo a definição do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no seu memorial conclusivo, começa a ser julgado hoje pelo STF. A palavra "história" está um tanto desgastada. Quase tudo, de casamentos de celebridades a jogos de futebol, é rotineiramente declarado "histórico". O adjetivo, contudo, deve ser acoplado ao julgamento do mensalão - e num duplo sentido. A Corte Suprema está julgando os perpetradores de uma tentativa de supressão da independência do Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, dará um veredicto sobre um tipo especial de corrupção, que almeja a legitimidade pela invocação da História (com H maiúsculo).

Silvio Pereira, o "Silvinho Land Rover", então secretário-geral do PT, tornou-se uma figura icônica do mensalão, pois, ao receber o veículo, conferiu ao episódio uma simplória inteligibilidade: corruptos geralmente obtêm acesso a "bens de prazer" e a "bens de prestígio" em troca de sua contribuição para os esquemas criminosos. No caso, porém, o ícone mais confunde do que esclarece. "Vivo há 28 anos na mesma casa em São Paulo, me hospedo no mesmo hotel simples há mais de 20 anos em Brasília, cidade onde trabalho de segunda a sexta", disse em sua defesa José Genoino, então presidente do PT e avalista dos supostos empréstimos multimilionários tomados pelo partido.

Genoino quer, tanto por motivos judiciais quanto políticos, separar sua imagem da de Silvinho - e não mente quando aborda o tema da honestidade pessoal. Os arquitetos principais do núcleo partidário do mensalão não operavam um esquema tradicional de corrupção, destinado a converter recursos públicos em patrimônios privados. Eles pretendiam enraizar um sistema de poder, produzindo um consenso político de longo alcance. O episódio deveria ser descrito como um acidente necessário de percurso na trajetória de consolidação da nova elite política petista.

José Dirceu, o "chefe da quadrilha", opera atualmente como lobista de grandes interesses empresariais, não compartilha o estilo de vida monástico de Genoino, mas também não parece ter auferido vantagens pecuniárias diretas no episódio em julgamento. O então poderoso chefe da Casa Civil comandou o esquema de aquisição em massa de parlamentares com o propósito de assegurar a navegação de Lula nas águas incertas de um Congresso sem maioria governista estável. Dirceu conduziu a perigosa aventura em nome dos interesses gerais do lulismo - e, imbuído de um característico sentido de missão histórica, aceitou o papel de bode expiatório inscrito na narrativa oficial da inocência do próprio presidente. Há um traço de tragédia em tudo isso: o mensalão surgiu como "necessidade" apenas porque o neófito Lula rejeitou a receita política original formulada por Dirceu, que insistira em construir extensa base governista sustentada sobre uma aliança preferencial entre PT e PMDB.

A corrupção tradicional envenena lentamente a democracia, impregnando as instituições públicas com as marcas dos interesses privados. O caráter histórico do episódio em julgamento deriva de sua natureza distinta: o mensalão perseguia a virtual eliminação do sistema de contrapesos da democracia, pelo completo emasculamento do Congresso. A apropriação privada fragmentária de recursos públicos, por mais desoladora que seja, não se compara à fabricação pecuniária de uma maioria parlamentar por meio do assalto sistemático ao dinheiro do povo. Os juízes do STF não estão julgando um caso comum, mas um estratagema golpista devotado a esvaziar de conteúdo substantivo a democracia brasileira.

No PT, "Silvinho Land Rover" será, para sempre, um "anjo caído", mas o tesoureiro Delúbio Soares foi festivamente recebido de volta, enquanto Genoino frequenta reuniões da direção e Dirceu é aclamado quase como mártir. O contraste funciona como súmula da interpretação do partido sobre o mensalão. Ao contrário do dirigente flagrado em prática de corrupção tradicional, os demais serviam a um desígnio político maior - um fim utópico ao qual todos os meios se devem subordinar. São, portanto, "heróis do povo brasileiro", expressão regularmente usada nas ovações da militância petista a Dirceu.

O PT renunciou faz tempo à utopia socialista. Na visão do "chefe da quadrilha", predominante no seu partido, o PT é a ferramenta de uma utopia substituta: o desenvolvimento de um capitalismo nacional autônomo. Segundo tal concepção, o lulismo figuraria como retomada de um projeto deflagrado por Getúlio Vargas e interrompido por FHC. Nas condições postas pela globalização, tal projeto dependeria da mobilização massiva de recursos estatais para o financiamento de empresas brasileiras capazes de competir nos mercados internacionais. A constituição de uma nova elite política, estruturada em torno do PT, seria componente necessário na edificação do capitalismo de Estado brasileiro. Sobre o pano de fundo do projeto de resgate nacional, o mensalão não passaria de um expediente de percurso: o atalho circunstancial tomado pelas forças do progresso fustigadas numa encruzilhada crucial.

A democracia é um regime essencialmente antiutópico, pois seu alicerce filosófico se encontra no princípio do pluralismo político: a ideia de que nenhum partido tem a propriedade da verdade histórica. Na democracia as leis valem para todos - mesmo para aqueles que, imbuídos de visões, reclamam uma aliança preferencial com o futuro. O "herói do povo brasileiro" não passa, aos olhos da lei, do "chefe da quadrilha" consagrada à anulação da independência do Congresso. Ao julgar o mensalão, o STF está decidindo, no fim das contas, sobre a pretensão de uma corrente política de subordinar a lei à História - ou seja, a um projeto ideológico. Há, de fato, algo de histórico no drama que começa hoje. 
Por: Demétrio Magnóli O Estado de S Paulo

BATMAN RESSURGE


Fui ver o filme novo do Batman ontem. Gostei muito. Não só pelos efeitos especiais, mas pela mensagem. Sim, não foge àquele padrão americanófilo maniqueísta, de luta entre o bem e o mal. Sim, há algo de pulsão de morte nessa mania de destruir NY (Gothan é claramente NY) nas telas dos cinemas. Sim, há a visão redentora de que sempre se derrota as forças malignas no final.

Mas não é só isso. Batman é um símbolo da boa luta, uma idéia que persiste, apesar dos pesares, do niilismo que se espalha, do medo que o terrorismo produz nas pessoas, da angústia da falta de sentido no mundo e no mal. O Batman usa máscara pois não é um indivíduo, um messias salvador, e sim esta crença de que vale a pena fazer a coisa certa, resistir e lutar, ainda que a luta nunca tenha fim, uma vitória definitiva.

O Batman pode ser um garoto que compra briga com vândalos que espancavam um mendigo desconhecido na rua. Pode ser um homem que se joga nos trilhos de um trem para salvar uma estranha. O Batman é aquele que aceita o fardo de sacrificar alguns prazeres hedonistas se for por uma causa nobre. Batman tem senso de dever cívico. Sim, ele é a esperança. Resta saber quem consegue viver sem ela...

Bane, o novo vilão, é o mal em pessoa, ou seja, a completa ausência de empatia pelo próximo. Quando o caos anárquico se instala em Gothan City, a turba dá vazão a seus instintos mais destrutivos. A pilhagem começa, mostrando o perigo da crença na luta de classes, que jamais serve para construir algo bom, e sim para destruir o que existe. Os tribunais do povo são instaurados, como no Terror de Robespierre, com sentenças sumárias decididas pelo novo ditador. Sem o império da lei, a ordem dá lugar à tirania.

Como um dos heróis diz no filme, não adianta esperar ajuda de fora. É de dentro da cidade que terá de vir a força para resistir e virar o jogo. E não é sempre assim? Aqueles que esperam uma salvação exógena estão fadados ao fracasso. Os americanos conseguiram reconstruir sua cidade, retomar suas vidas, ainda que a “terra da liberdade” esteja com menos liberdade atualmente. Os fundamentalistas islâmicos, os comunistas, os nazistas, os niilistas, todos os antiamericanos continuam com suas metas patológicas de transformar NY em cinzas, mas a cidade resiste.

Há quem veja nas gigantescas torres arquitetônicas o símbolo da arrogância, da hubrisamericana, um convite ao ataque terrorista. Balela. É como culpar o rico em sua Ferrari pelo assalto que sofre. O sucesso, nos Estados Unidos, sempre foi admirado, em parte porque era fruto da meritocracia, de um modelo de livre concorrência onde um “self-made man” podia ir longe apenas com seu talento e esforço. Isso está mudando, mas não por culpa do sucesso, e sim dos invejosos igualitários, que enxergam no sucesso alheio um alvo a ser destruído.

Parte da explicação é que o modelo deixou de ser livre, e cada vez mais se parece com o capitalismo de compadres do resto do mundo, onde as conexões com o governo valem mais que o mérito pessoal. A saída não é acusar as torres, o sucesso, a riqueza, e sim apontar as falhas do novo modelo e resgatar o antigo. De nada adiantará culpar NY pelo terrorismo de que é alvo. A culpa é dos que não toleram o sucesso e a liberdade dos outros.

Infelizmente, estes sempre existirão, alienados e preparados para colocar em ações suas forças destrutivas. E por isso NY vai sempre precisar de Batman. Não um super-herói que, como um messias salvador, derrota sozinho as forças do mal. E sim como a idéia que persiste, não em todos, claro, ou nem mesmo na maioria; mas em alguns, em uma minoria que aceita o fardo, que abraça a luta porque é a coisa certa a fazer, ainda que isso possa significar enorme sacrifício pessoal. Estes fazem a diferença. Estes mantêm a chama da liberdade acesa.

Como disse Virgílio em Eneida: Tu ne cede malis sed contra audentior ito (não ceda ao mal, mas lute mais bravamente contra ele). Por: Rodrigo Constantino


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

UMA QUESTÃO DE SOBERANIA NACIONAL


Problema a ser resolvido: o de terras que se tornaram exíguas pelo crescimento da população indígena

A Advocacia Geral da União (AGU) publicou no dia 16 de julho uma portaria, de nº 303, regulamentando a decisão do Supremo Tribunal Federal, referente às condicionantes do caso da Raposa Serra do Sol. Trata-se de um ato administrativo, jurídico, que obriga a todos os órgãos do Estado a seguirem suas orientações.

A questão é particularmente interessante, pois a Funai e o Ministério Público Federal, com apoio de ONGs, movimentos sociais e entidades da Igreja Católica, como o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), continuavam atuando como se o Supremo nada tivesse decidido a respeito. Com pedidos de esclarecimento ao STF e com embargos declaratórios procuraram não seguir as novas diretrizes.

O ministro Luís Adams, em uma clara atitude de respeito à lei, de afirmação dos princípios republicanos, declarou que não era mais possível o país conviver com tal grau de insegurança jurídica. Colocou-se na posição própria de um defensor do Estado de direito.

As reações não tardaram com a própria Funai, ONGs e movimentos sociais procurando impedir a aplicação da nova norma, sugerindo a sua suspensão e outros movimentos análogos. Tiveram durante esses três anos todo o tempo de expor as suas posições, que foram convenientemente analisadas em um Parecer da própria AGU, nº 153/2010/DENOR/CGU/AGU.

Nele, aparece com particular clareza como a Funai se recusa a seguir as diretrizes do STF, utilizando, com tal fim, todos os subterfúgios possíveis, que aparecem sob a forma de esclarecimentos administrativos. O caso é particularmente importante por mostrar a autonomia com a qual a Funai está acostumada a tratar desse assunto, procurando, praticamente, se instituir como um poder independente.

Mais especificamente esse órgão estatal questionava a competência dos órgãos ambientais, a atuação das Forças Armadas e a ampliação das áreas indígenas já demarcadas, além de procurar obstaculizar a construção de usinas hidrelétricas sem prévia consulta às comunidades indígenas (leia-se a própria Funai e as ONGs nacionais e internacionais), cujo exemplo maior é o conjunto de obstáculos colocados à construção de Belo Monte.

Vejamos alguns exemplos:

O artigo 1 estabelece: “(VIII) o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.”

Ora, esse era um problema particularmente importante, pois havia uma confusão de competência entre o Instituto Chico Mendes e a Funai no que toca ao usufruto dos índios nas unidades de conservação, com esse último órgão pretendendo ter ingerência nessa área. Seguindo as determinações do STF, a AGU equaciona a questão afirmando a responsabilidade do órgão ambiental sobre áreas ambientais, dirimindo a confusão administrativa existente. O meio ambiente foi claramente preservado.
A Funai se recusa a seguir as diretrizes do STF

O artigo 1 estipula: “(XVII) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada.” Tal artigo é complementado pelo artigo 4 que traz a seguinte especificação: “O procedimento relativo à condicionante XVII, no que se refere à vedação de ampliação de terra indígena mediante revisão de demarcação concluída, não se aplica aos casos de vício insanável ou de nulidade absoluta.”

Ora, esse é um dos itens que a Funai, o MPF e as ONGs nacionais e internacionais, além dos movimentos sociais, mais relutam em seguir por colocar um ponto final à insegurança reinante. Na verdade, tinham o objetivo introduzir um argumento falacioso, presente em sua arguição ao Parecer da AGU, de que todas as demarcações e homologações já existentes, que já cobrem em torno de 13% do território nacional, não seriam válidas, pois feitas com outros critérios do que os atuais.

Na verdade, estavam – e estão – propugnando por uma revisão e ampliação de todos os territórios indígenas, como se o que foi feito no passado não tivesse nenhum valor legal. Isto equivaleria a uma total insegurança jurídica que seria produzida pelos contestáveis critérios – ideológicos – atuais.

Fica, contudo, um problema a ser resolvido, que é basicamente social e demográfico, o de terras que se tornaram exíguas pelo crescimento da população indígena. Esse problema pode – e deve – ser equacionado pelo Poder Público mediante a compra de terra para essas comunidades, que seriam atendidas em seus legítimos pleitos sem trazer prejuízos para os agricultores que se encontram no seu entorno ou em suas proximidades. Os conflitos desapareceriam e as diferentes comunidades seriam atendidas em um clima de cooperação e concórdia. Ocorre que muitas entidades e ONGs vivem do acirramento dos conflitos, tirando deles proveito.

O artigo 1 estabelece: “(VI) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à Funai.”

Trata-se de um ponto, que diria elementar, de reafirmação da soberania nacional. No entanto, a Funai e ONGs nacionais e internacionais procuraram nos últimos anos criar condições para o estabelecimento futuro de “nações” indígenas. Tal projeto poderia atentar contra a própria soberania nacional. Imaginem, por exemplo, se a defesa das fronteiras nacionais pelas Forças Armadas devesse estar subordinada à consulta à Funai e às comunidades indígenas representadas também por ONGs internacionais.

Por último, o artigo 1 estabelece: “(I) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, § 2º, da Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o art. 231, 6º, da Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei complementar.”

Desta forma, são assegurados os direitos da União no que diz respeito, basicamente, ao aproveitamento dos recursos energéticos do país, principalmente hídricos, que já vinham sendo mesmo contestados fora de áreas indígenas. A decisão final não é de competência de ONGS e movimentos sociais. {Por: Denis Rosenfield

Fonte: O Globo, 30/07/2012

terça-feira, 31 de julho de 2012

DEZ CONCLUSÕES FALACIOSAS DA IDEOLOGIA DOMINANTE


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Em toda e qualquer situação, em qualquer época e em qualquer lugar do mundo, o que dominará o pensamento das pessoas, bem como a ação que elas exigirão de suas autoridades, é a ideologia dominante. A ideologia dominante possui o indelével poder de moldar a maneira como as pessoas interpretam o que está ocorrendo no campo social, por que isso está ocorrendo, e o que deve ser feito a respeito. A ideologia exerce seu poder em grande parte por meio daquilo que podemos chamar depoder da predisposição, isto é, o poder que ela possui de gerar conclusões padrões e predeterminadas, as quais, quando examinadas mais detidamente, nada mais são do que meros saltos de fé.

No presente, por uma conjunção sem precedentes de fatores, a ideologia dominante ao redor do mundo é o progressivismo. Embora haja pequenas nuanças aqui e ali, pequenas diferenças emocionais e intelectuais, o fato central é que o progressivismo, em todos os lugares, mantém coeso um elemento central: sua inabalável fé no estado, em seu poder de correção e em sua capacidade de agir vigorosamente nas mais variadas frentes possíveis, sempre com o intuito de aprimorar a sociedade e melhorar o comportamento dos cidadãos.

Um economista observa em particular que a ideologia progressivista hoje abraça de maneira inflexível as seguintes conclusões predeterminadas:


1. Se um problema econômico ou social parece existir, o estado deve impor regulações para corrigi-lo ou, no mínimo, remediá-lo;

2. Se as regulações já foram impostas e não funcionaram, elas devem se tornar mais severas e mais abrangentes;

3. Se houver uma recessão econômica ou uma simples desaceleração da economia, o estado deve adotar medidas de "estímulo", utilizando ativamente seus arsenais monetários e fiscais;

4. Se, não obstante todas as medidas estatais de "estímulo", a recessão ou estagnação persistir, o estado deve aumentar o tamanho, a duração e a abrangência destes programas;

5. Se o crescimento econômico parecer muito lento e não estiver satisfazendo o padrão de desempenho exigido por pessoas poderosas (como a mídia), o estado deve intervir para acelerar a taxa de crescimento fazendo "investimentos" em infraestrutura, em educação, em saúde e em tecnologia;

6. Se o estado já estiver fazendo tais "investimentos", então ele deve fazer ainda mais destes investimentos;

7. Durante uma recessão, para combater o aumento no déficit do orçamento do governo, os impostos sobre "os ricos" devem ser elevados;

8. Se a economia estiver crescendo, os impostos sobre "os ricos" também devem ser elevados, só para garantir que eles contribuam com uma "fatia justa" para a sociedade e ajudem o governo a equilibrar suas contas;

9. Se os progressistas perceberem qualquer tipo de "falha de mercado", o estado deve intervir de maneira tal que prometa a criação de um Nirvana;

10. Se as intervenções passadas e presentes não gerarem o prometido Nirvana, então o estado deve aumentar sua intervenção até o Nirvana ser finalmente alcançado.

As predisposições progressistas supracitadas, e várias outras numerosas demais para serem citadas aqui, fornecem as bases sobre as quais o estado justifica suas medidas correntes e suas propostas para agir ainda mais expansivamente. Progressistas não conseguem ver nenhuma situação em que a melhor medida a ser tomada seja a redução do tamanho do estado ou a diminuição de sua intervenção. Tampouco são eles capazes de admitir que o governo não pode fazer nada de construtivo em qualquer situação. Eles veem o estado como uma instituição benevolente, bem intencionada, suficientemente capacitada e corretamente motivada para corrigir absolutamente qualquer problema econômico e social. Para eles, todo o necessário para o estado funcionar bem é que os cidadãos concedam ao governo plena liberdade de ação, e aceitem de bom grado financiar seus custos, sem questionar.

Donde se conclui que os progressistas desejam que o tamanho, o escopo e o poder do estado mudem sempre em apenas uma direção, independentemente de quais sejam as condições passadas e presentes, e independentemente do sucesso com que tais panacéias progressistas foram implantadas no passado — com efeito, se honestamente avaliadas, virtualmente todas elas se revelam um completo fracasso. A fé progressista no estado, no entanto, segue eterna e inabalável.

É um grande infortúnio para os países do Ocidente que não haja desafios sérios a esta ideologia atualmente dominante. Os partidos políticos de hoje competem entre si apenas por cargos, cada um deles se esforçando para pilhar o estado ao máximo e direcionar os espólios para seus correligionários e apoiadores. Não há diferenças ideológicas substanciais entre eles. Todos os partidos políticos acreditam em um estado poderoso, dominante, difuso e engajado. Compreensível. Quanto maior o estado, maior o espaço para a corrupção, mais poderosos são os políticos e maior é o enriquecimento ilícito desta gente. O que é inconcebível é ver pessoas comuns defendendo sua própria espoliação. Hoje, toda a discussão política se limita apenas a debater qual grupo de escroques deve ficar com o comando do Leviatã.


Robert Higgs um scholar adjunto do Mises Institute, é o diretor de pesquisa do Independent Institute.

Tradução de Leandro Roque

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E GOVERNANÇA GLOBAL


Um resfriamento global, com mais invernos rigorosos e má distribuição de chuvas, é esperado nos próximos 20 anos, em vez do aquecimento global antropogênico (AGA) alardeado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

O AGA é uma hipótese sem base científica sólida. As suas projeções do clima, feitas com modelos matemáticos, são meros exercícios acadêmicos, inúteis quanto ao planejamento do desenvolvimento global.

Seu pilar básico é a intensificação do efeito estufa pelas ações humanas emissoras de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), por meio da queima de combustíveis fósseis e de florestas tropicais, das atividades agrícolas e da pecuária ruminante.

Porém, o efeito estufa jamais foi comprovado, nem sequer é mencionado nos textos de física. Ao contrário, há mais de cem anos o físico Robert W. Wood demonstrou que seu conceito é falso. As temperaturas já estiveram mais altas com concentrações de CO2 inferiores às atuais. Por exemplo, entre 1925 e 1946 o Ártico, em particular, registrou aumento de 4°C com CO2 inferior a 300 ppmv (partes por milhão em volume). Hoje, a concentração é de 390 ppmv.
Após a Segunda Guerra, quando as emissões aumentaram significativamente, a temperatura global diminuiu até a metade dos anos 1970.

Ou seja, é obvio que o CO2 não controla o clima global. Reduzir as emissões, a um custo enorme para a sociedade, não terá impacto no clima. Como mais de 80% da matriz energética global depende de combustíveis fósseis, reduzir emissões significa reduzir a geração de energia e condenar países subdesenvolvidos à pobreza eterna, aumentando as desigualdades sociais no planeta.

Essa foi, em essência, a mensagem central da carta aberta entregue à presidenta Dilma Rousseff antes da Rio+20 -assinada por 18 cientistas brasileiros, eu inclusive.

A trama do AGA não é novidade e seguiu a mesma receita da suposta destruição da camada de ozônio (O3) pelos clorofluorcarbonos (CFC) nos anos 1970 e 1980.

Criaram a hipótese que moléculas de CFC, cinco a sete vezes mais pesadas que o ar, subiam a mais de 40 km de altitude, onde ocorre a formação de O3. Cada átomo de cloro liberado destruiria milhares de moléculas de O3, reduzindo a sua concentração e permitindo a maior entrada de radiação ultravioleta na Terra, o que aumentaria os casos de câncer de pele e eliminaria milhares de espécies de seres vivos.

Reuniões com cientistas, inclusive de países subdesenvolvidos, foram feitas para dar um caráter pseudocientífico ao problema inexistente, foi criado o Painel de Tendência de Ozônio no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e foi elaborado o Protocolo de Montreal (1987), assinado pelos países subdesenvolvidos sob ameaças de sanções econômicas. O Brasil também assinou, para ter sua dívida externa renovada.

Em 1995, os autores das equações químicas que alegadamente destruíam o O3 receberam o Nobel de Química. Porém, em 2007 cientistas do Jet Propulsion Laboratory da NASA demonstraram que as suas equações não ocorrem nas condições da estratosfera antártica e que não são a causa da destruição do ozônio.

O AGA seguiu os mesmos passos, com reuniões científicas, a criação do IPCC, o Protocolo de Kyoto e o Nobel (da Paz?) para o IPCC e Al Gore.

Essas foram duas tentativas de se estabelecer uma governança global. Qual será o próximo passo? A Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas da Biodiversidade e Serviços (IPBES)? Por: Luiz Carlos Baldicero Molion, Folha de SP

segunda-feira, 30 de julho de 2012

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E AS MINORIAS OPRIMIDAS


Um mito altamente destrutivo passou a dominar a noção de capitalismo laissez-faire: trata-se da falsa noção de que o livre mercado prejudica os "vulneráveis" dentro da sociedade; mais especificamente, diz-se que afeta mulheres e crianças ao cruelmente explorar sua mão-de-obra. Mas a verdade é exatamente oposta. O capitalismo laissez-faire oferece exatamente aquele elemento de que os vulneráveis mais necessitam para sobreviver e prosperar: a liberdade de escolha. A escolha mais libertadora que um indivíduo pode ter é a capacidade de se sustentar a si próprio, sem ter de depender de ninguém mais para que a comida chegue à sua boca.

Utilizando este mito como pressuposição inicial, os historiadores sempre se mostraram extremamente hostis ao analisarem um dos mais libertadores fenômenos da história ocidental: a Revolução Industrial. Do século XVIII ao século XIX, o mundo avançou acentuadamente em termos de tecnologia, indústria, transporte, comércio e inovações que mudaram o padrão de vida, como roupas de algodão feitas a baixo custo. Em um período de dois séculos, estima-se que a renda mundial per capita tenha aumentado dez vezes, e a população mundial, seis vezes. O economista prêmio Nobel Robert Lucas declarou que "Pela primeira vez na história, o padrão de vida das massas formadas por cidadãos comuns começou a apresentar um crescimento contínuo e constante.... Nada remotamente parecido com este fenômeno econômico havia acontecido até então." O acentuado avanço da prosperidade e do conhecimento havia sido alcançado sem nenhuma engenharia social e sem nenhum controle centralizado. Tudo foi possível em decorrência de se ter permitido que a criatividade humana e o interesse próprio se manifestassem livremente.

Certamente ocorreram abusos. Alguns podem ser imputados às tentativas governamentais de se aproveitar da energia e dos lucros daquele período. Outros abusos ocorreram simplesmente porque toda sociedade possui pessoas desumanas amorais que agem de má fé, especialmente quando querem lucro fácil; isto, obviamente, não é uma crítica à Revolução Industrial mas sim à natureza humana. Adicionalmente, os avanços econômicos sobrepujaram amplamente as mudanças nas atitudes culturalmente vitorianas; no século XVIII, mulheres e crianças eram vistas como cidadãos de segunda classe e, algumas vezes, como bens e posses que podiam ser livremente trocados. A revolução econômica foi o motor que impeliu a cultura e as leis a sofrerem mudanças similarmente drásticas. Quando as mulheres deixaram os campos em busca de emprego e educação, elas se tornaram uma força social que não mais podia ser negada. Consequentemente, os direitos das mulheres avançaram extraordinariamente durante o final do século XIX, algo que não teria ocorrido não fosse a Revolução Industrial.

Infelizmente, esta ligação salutar entre capitalismo laissez-faire e direitos das mulheres se perdeu ao longo do tempo. Durante a segunda metade do século XX, as feministas ortodoxas começaram uma cruzada para reverter esta força que havia contribuído tão acentuadamente para o progresso nos direitos das mulheres; em vez de defenderem a liberdade de mercado, elas exigiram, em nome da "igualdade", que vários privilégios para as mulheres se tornassem leis. O livre mercado e o laissez-faire foram demonizados como ferramentas opressoras que tinham de ser combatidas por meio de ações afirmativas, leis contra assédio sexual, ações judiciais contra qualquer tipo de discriminação, sistemas de quotas e uma miríade de outras regulações sobre o mercado de trabalho.

Durante este processo, a Revolução Industrial passou a ser retratada como o Grande Satã que destruiu o bem-estar de mulheres e crianças. Esta descrição da Revolução Industrial, além de ser um tolo preconceito ideológico, se baseou fortemente na deturpação dos fatos.

Deturpando fatos sobre as crianças

Sempre que os termos "crianças" e "Revolução Industrial" são citados na mesma frase, imagens horrendas imediatamente vêm à mente: uma criança de cinco anos sendo baixada, por meio de uma corda, em uma mina de carvão; crianças esqueléticas trabalhando precariamente em fábricas têxteis; o Oliver Twist, de Charles Dickens, oferecendo uma jarra de madeira em troca de uma colher de mingau. Estas imagens são utilizadas para condenar o livre mercado e a Revolução Industrial; algumas vezes elas são utilizadas para glorificar políticos "humanitários" que criam leis proibindo qualquer tipo de trabalho infantil. Tais imagens são extremamente eficazes em incitar um compreensível horror naquelas pessoas decentes que condenam qualquer exploração de qualquer criança. O problema é que este procedimento sofre de graves distorções.

Uma das distorções: ela ignora uma distinção essencial. No início do século XIX, a Grã-Bretanha apresentava duas formas de trabalho infantil: crianças livres e crianças "pobres" ou dos reformatórios, que eram entregues aos cuidados do governo. Os historiadores J.L. e Barbara Hammond, cuja obra sobre a Revolução Industrial Britânica e o trabalho infantil é considerada definitiva, reconheceram esta distinção. O economista Lawrence Reed, em seu ensaio "Child Labor and the British Industrial Revolution", foi ainda mais adiante e enfatizou a importância desta distinção. Escreveu ele: "Crianças livres moravam com seus pais ou guardiões e trabalhavam durante o dia em troca de salários propícios para aqueles adultos. Mas os pais frequentemente se recusavam a enviar seus filhos para situações de trabalho excepcionalmente severas ou perigosas". Observa Reed: "Os proprietários das fábricas não podiam subjugar violentamente as crianças livres; eles não podiam obrigá-las a trabalhar em condições que seus pais julgassem inaceitáveis".

Em contraste, as crianças dos reformatórios estavam sob a autoridade direta de funcionários do governo. Reformatórios já existiam há séculos, mas a empatia pelos oprimidos já havia sido arrefecida pelo fato de que os impostos criados exclusivamente para aliviar a situação dos pobres já estavam, em 1832, cinco vezes mais altos do em 1760, quando foram criados. (O livro de Gertrude Himmelfarb, The Idea of Poverty, faz uma narração cronológica desta mudança de atitude em relação aos pobres, da compaixão à condenação).

Em 1832, em parte a pedido de industriais ávidos por mão-de-obra, a Comissão Real Para a Lei dos Pobres começou uma pesquisa sobre o "funcionamento prático das leis para o alívio da pobreza". Seu relatório dividiu os pobres em duas categorias básicas: pobres preguiçosos que recebiam ajuda do governo, e pobres trabalhadores que se sustentavam a si próprios. O resultado foi a Lei dos Pobres de 1834, em nome da qual o estadista Benjamin Disraeli fez anúncios dizendo que "a pobreza é um crime".

A Lei dos Pobres substituiu a ajuda externa (subsídios e esmolas) por "abrigos para pobres", nos quais as crianças pobres ficavam virtualmente aprisionadas. Lá, as condições eram propositalmente severas, justamente para desincentivar as pessoas a irem buscar auxílio. Praticamente todas as comunidades da Grã-Bretanha apresentavam um "grande estoque" de crianças abandonadas em reformatórios, as quais passaram a ser virtualmente compradas e vendidas para as fábricas; estas sim vivenciaram os maiores horrores do trabalho infantil.

Considere a desprezível função de "carniceiro" nas fábricas têxteis. Tipicamente, "carniceiros" eram crianças novas — de aproximadamente 6 anos de idade — que recuperavam de sob as máquinas algodão que havia se desprendido durante os processos de produção. Como as máquinas estavam em funcionamento, este trabalho era extremamente perigoso e, como consequência, terríveis ferimentos eram totalmente comuns. "Felizmente" para aqueles donos de fábricas dispostos a usar o aparato do estado em benefício próprio, o governo não tinha problema algum em enviar as crianças dos reformatórios para trabalhar embaixo de máquinas funcionando. A maioria das crianças das comunidades tinha como alternativa a este trabalho morrer de fome ou viver na criminalidade.

Não é nenhuma coincidência que o primeiro romance sobre a Revolução Industrial publicado na Grã-Bretanha tenha sido Michael Armstrong: Factory Boy. Michael era um aprendiz de uma agência para crianças pobres que foi mandado para as fábricas. Também não é coincidência que Oliver Twist não era abusado por seus pais ou por agentes privados, mas sim por brutais funcionários públicos dos reformatórios, em comparação aos quais o antagonista Fagin era praticamente um humanitário. Lembre-se de que, aos 12 anos de idades, com sua família na prisão, Dickens havia sido ele próprio uma criança pobre que trabalhava em uma fábrica. O economista Lawrence Reed observa que "a primeira lei na Grã-Bretanha voltada para crianças de fábricas foi criada para proteger justamente estas crianças de reformatórios, e não as crianças 'livres'". A lei mencionava isso de maneira explícita.

Logo, ao defender a regulamentação da mão-de-obra infantil, os reformistas sociais pediram ao governo para remediar abusos pelos quais o próprio governo era o responsável. Mais uma vez, o governo era a doença que se fingia de cura.

Ideologia equivocada em relação às mulheres

A distorcida apresentação dos fatos no que diz respeito ao trabalho infantil e à Revolução Industrial só encontra paralelos na distorcida ideologia pela qual se analisa o status da mulher. É perfeitamente possível argumentar que as mulheres foram as principais beneficiárias econômicas da Revolução Industrial. Isto se deveu majoritariamente à sua baixa condição econômica no período anterior à Revolução. Elas simplesmente tinham mais a ganhar do que os homens.

Quando as mulheres tiveram a oportunidade de abandonar a vida rural em busca dos salários das fábricas e de trabalho doméstico, elas invadiram as cidades em quantias sem precedentes. Para a nossa vida moderna, as condições de vida e de trabalho eram obviamente terríveis, com várias mulheres recorrendo à prostituição como ocupação secundária, tudo para manter um teto sob suas cabeças. No entanto, por mais terríveis que as condições possam ter sido, um fato fundamental não pode ser ignorado: as próprias mulheres acreditavam que ir para as cidades era algo vantajoso — caso contrário, elas jamais teriam feito a jornada ou simplesmente retornariam à vida rural desencantadas. Dizer que o trabalho industrial "prejudicou" as mulheres dos séculos XVIII e XIX é ignorar a preferência que elas próprias demonstraram e expressaram; é ignorar a voz de suas escolhas. Claramente, as mulheres da época acreditavam que tal situação era um aprimoramento de suas atuais condições.

Uma fatia substancial do historicismo feminista nada mais é do que uma tentativa de ignorar as vozes de mulheres que de fato fizeram suas escolhas à época. Um método comum de se fazer isso é reinterpretar a realidade que cercava as escolhas e, então, impor esta reinterpretação de modo a fazer com que as "escolhas" não mais aparentem ter sido voluntárias, mas sim coagidas.[1]

Uma obra essencial para se compreender a análise histórica da Revolução Industrial feita à luz do feminismo é a imensamente influente The Origin of the Family, Private Property and the State, de Friedrich Engels, lançada em 1884. Engels argumenta que a opressão à mulher originou-se com o formato tradicional da família, mas ele próprio desdenha a noção de que a família por si só havia subordinado as mulheres ao longo da história. Em vez disso, ele firmemente coloca toda a culpa no capitalismo, o qual ele acreditava ter destruído o prestígio que as mulheres outrora usufruíam dentro da família.

Escreveu Engels,



Que a mulher era escrava do homem nos primórdios da sociedade é uma das idéias mais absurdas transmitidas pela filosofia do século XVIII.... As mulheres não apenas eram livres como também usufruíam uma posição altamente respeitada nos estágios iniciais da civilização, e representavam o grande poder entre as tribos.

Portanto, as épocas anteriores à Revolução Industrial foram romantizadas como sendo um período em que as mulheres tinham grandes poderes. Engels alegava que a industrialização provocou uma separação entre o trabalho doméstico e o trabalho produtivo, separação esta que fez com que a injustiça que era o formato da família tradicional se ampliasse. Sendo assim, o trabalho feminino se tornou um aspecto importante, porém subordinado ao uso maciço do trabalho masculino para alimentar a máquina capitalista. Presumivelmente, os inegáveis avanços gerados pela Revolução Industrial para as mulheres — incluindo-se um aumento na expectativa de vida e vários direitos políticos — foram adquiridos a um custo extremamente elevado.

A análise de Engels, no entanto, apresentava um problema para as feministas. Ele pressupôs que os homens não tinham nada a ganhar ao exercer poder sobre as mulheres, pois Engels analisava os seres humanos em termos de suas afiliações de classes — isto é, sua relação com os meios de produção. Feministas queriam uma abordagem que incluísse tanto uma opressão de sexos quanto uma opressão de classes. Para explicar por que as mulheres (ao contrário dos homens) possuem interesses que estão em conflito com o capitalismo, as feministas tiveram de ir além de Engels em suas análises. Elas desenvolveram uma 'teoria do patriarcado' — do capitalismo masculino —, segundo a qual as mulheres eram oprimidas pela cultura masculina por meio dos mecanismos criados pelo capitalismo laissez-faire. Tal teoria está em nítido contraste com as análises anteriores que diziam que as oportunidades geradas pelo livre mercado eram o remédio social para as mulheres culturalmente oprimidas pelo preconceito ou pelo privilégio masculino.

Em termos mais explícitos, como funciona este remédio? Um empregador quer maximizar seus lucros sobre cada $ gasto. Isto cria um forte incentivo para que ele leve em conta apenas o mérito de um empregado, desconsiderando por completo sua cor, etnia, religião ou sexo. Tudo o que importa é a produtividade do empregado. Uma mulher capacitada, que aceitar trabalhar por, digamos, um salário $100 menor que o de um homem similarmente capacitado, irá conseguir o emprego. Se ela não conseguir, então aquele concorrente isento de preconceitos, que possui um estabelecimento logo ali na esquina, irá contratá-la, e o empregador preconceituoso irá perder sua vantagem competitiva. Quando esta dinâmica ocorrer em escala maciça, as mulheres trabalhadoras serão crescentemente capazes de exigir salários continuamente maiores, reduzindo esta diferença de $100. Este fator "equalizador" não se manifesta de imediato, e não ocorre perfeitamente. Porém, com o tempo, movidos pelo interesse próprio, os empregadores tenderão a se tornar indiferentes a raça e gênero, pois é do interesse deles. Eles farão isso em busca do lucro, e todos se beneficiarão.

Feministas que se opõem a este processo de equalização não estão defendendo a igualdade por si só; elas estão defendendo uma igualdade que existe somente de acordo com os termos que elas consideram "justos" e "corretos". Suas objeções à Revolução Industrial não são empíricas, mas ideológicas. Assim como elas não gostam das vozes das mulheres dos séculos XVIII e XIX que correram para as fábricas, elas também rejeitam tudo que livre mercado está dizendo sobre seu desejo de igualdade.

Conclusão

Não importa se a "difamação" se deve a uma distorção dos fatos ou à imposição de uma ideologia; o fato é que a Revolução Industrial deveria processar a história por calúnia. Ou, mais especificamente, deveria processar a maioria dos historiadores.

Jocosidades à parte, e sem desconsiderar as injustiças que inevitavelmente ocorrem durante qualquer período, a Revolução Industrial estabeleceu a liberdade com a qual as pessoas se tornaram tão acostumadas, que até passaram a tratar a liberdade com desrespeito. Talvez o redentor da reputação da Revolução Industrial venha a ser a inegável prosperidade que ela criou. Atualmente, a prosperidade parece ser algo mais respeitado do que a liberdade, muito embora ambas sejam inextricavelmente relacionadas.
Leia também:

Dizer que as escolhas foram "coagidas" não é o mesmo que dizer que as mulheres dos séculos XVIII e XIX tinham escolhas severamente limitadas e podiam apenas escolher a melhor opção entre várias ruins. Significa dizer que o trabalho industrial representava um retrocesso, uma coerção pior do que a vida rural.

Wendy McElroy é escritora, conferencista, articulista freelancer, e membro sênior do Laissez Faire Club.

O TRABALHO DO MINISTRO DO TRABALHO


Daudt Brizola, para surpresa de muitos, é o ministro. Adepto radical de Lafargue ("O Direito à Preguiça"), aparece muito de vez em quando. Dilma sabe?

Carlos Daudt Brizola, para a surpresa de muitos, é o ministro do Trabalho. Sua passagem pelo ministério -hoje sem a mínima importância, ficou seis meses sem titular e ninguém notou- é a de um adepto radical de Paul Lafargue, o autor do clássico "O Direito à Preguiça".

Tomou posse no dia 3 de maio, quinta-feira. No dia seguinte teve um compromisso, às 10h. Reapareceu após quatro dias. Mas, de acordo com sua agenda oficial, seu expediente foi restrito: duas atividades pela manhã, não mais que duas horas. No dia 9, compareceu ao ministério, outra vez só pela manhã, para uma palestra. Na quinta, não mudou a rotina: um compromisso. No dia posterior, mais ociosidade: uma atividade, no final da tarde. Em seguida, três dias de folga. Reapareceu no dia 15, uma terça, para um evento às 10h30. Mais nada.

O mais bizarro é que o ministro desapareceu um mês -um mês! Será que quis gozar das férias? Já? Só voltou no dia 14 de junho. Estava na Suíça, que ninguém é de ferro.
Aí, como um homem de hábitos arraigados, tirou mais quatro dias de descanso. Em 19 de junho, uma terça, Daudt Brizola resolveu compensar a ociosidade. Marcou três audiências: das 15 às 18 horas, trabalhando três horas. Na quarta foi assistir a Rio+20. Na quinta, folga. Na sexta participou de um evento, pela manhã, no Rio, onde mora.

Pesquisando sua agenda, achei que ele finalmente iria assumir o trabalho no ministério do Trabalho. Sou um ingênuo. Submergiu mais cinco dias. Ressurgiu no dia 27. E aí, workaholic, trabalhou três horas pela manhã, duas e meia à tarde.

No dia posterior, repetiu a dose. Na sexta-feira, veio a São Paulo e em seis horas visitou quatro centrais sindicais. Em junho, trabalhou oito dias. Só em um deles a jornada se aproximou das oito horas diárias.

Em julho, Daudt Brizola só começou trabalhar na terça-feira: ele não gosta das segundas-feiras. Mas nada muito estafante: 90 minutos pela manhã, começando às 10h. À tarde, a mesma jornada, a partir das 16h. Na quarta, cinco horas. Na quinta, descansou pela manhã, almoçou tranquilo e só começou seu expediente às 14h30. Foi embora três horas depois. Na sexta, só compareceu ao ministério à tarde, por 60 minutos. Às 15h, estava liberado. Afinal, tem o happy hour.

Na segunda semana de julho, como um Stakhanov, resolveu ser um herói do trabalho. Registrou atividades de segunda a sexta. Claro que com o espírito macunaímico: em dois dias só teve um compromisso.

Parecia, apenas parecia, que finalmente o ministro do Trabalho iria trabalhar. Mais uma vez acabei me equivocando. Como de hábito, deixou a segunda de lado. Só apareceu na terça, à tarde, reservando 60 minutos para a labuta. Na quarta, mais três horas de expediente. No dia seguinte, o ministro sumiu. Só voltou seis dias depois, e somente à tarde. E voltou a se evadir do dia 25 -é devoto de São Cristovão?

Paro por aqui. Não vale a pena cansar o leitor da Folha com as ausências ao trabalho do ministro. Será que a presidente não tem conhecimento do absenteísmo do ministro? Com tanta greve, o que ele fez?

E o que diria Leonel Brizola -que trabalhou e estudou com enorme dificuldade, se formou engenheiro em um curso noturno, quando era deputado estadual- vendo um neto tão pouco afeito ao labor?

Em tempo: Brizola Neto é o irmão, não ele.

MARCO ANTONIO VILLA, 55, é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

domingo, 29 de julho de 2012

BUROCRACIA ESTATAL X ECONOMIA DE MERCADO


A diferença entre a burocracia estatal e a economia de mercado

Qual é a diferença mais notável entre o funcionamento do governo e o da economia de mercado?  Ludwig von Mises nos forneceu uma resposta surpreendente, uma resposta que ele explicou em detalhes em sensacional livro Liberalismo — Segundo a Tradição Clássica, publicado no longínquo ano de 1927.  Mises disse que a diferença toda estava na contabilidade, isto é, no cálculo de custos.
Dentro das burocracias não-comerciais do governo, tudo é um jogo de adivinhação.  Você não sabe exatamente o quanto deve gastar em quê; você não sabe se há algum objetivo racional naquilo que você está fazendo; você não sabe se este ou aquele plano será bem-sucedido ou se irá fracassar completamente; você não sabe onde cortar gastos caso tenha de fazê-lo; e você não sabe quais seções e quais pessoas estão fazendo um bom trabalho e quais não estão.  O setor público é um setor que, inevitavelmente, por pura lógica econômica, sempre funciona às escuras, sem ter a mínima ideia do que faz, e sempre tendo de fingir que está fazendo tudo certo.

Por quê?  Porque o governo não opera de acordo com os sinais de preços emitidos pelo mercado.  Ele não opera segundo a lógica do sistema de lucros e prejuízos.  Como ele não tem acesso aos sinais de preços, ele não é capaz de calcular lucros e prejuízos.  Por conseguinte, ele não tem uma bússola que possa guiá-lo em suas ações.  Ele não tem como avaliar e estimar a real valia econômica de qualquer coisa que faça.  Seus investimentos nunca poderão ser feitos da maneira correta, seus serviços nunca serão prestados de maneira satisfatória, sempre haverá desperdício de recursos e gritante ineficiência.  Esta é uma realidade inevitável.  Não se trata de ideologia; é pura ciência econômica. 

Por não ter esta racionalidade, as burocracias estatais sempre acabam seguindo os caprichos do governo do momento, preocupadas exclusivamente em satisfazer as demandas de políticos que visam apenas sua autopromoção e sua reeleição.  Consequentemente, as burocracias estatais sempre estarão sob os auspícios de uma gente cujo horizonte temporal é do no máximo quatro anos, e inevitavelmente se transformarão em fábricas de desperdício, ineficiência, confusão e ressentimento.

Já nas empresas privadas que operam em ambiente de livre concorrência a situação é diferente.  No mundo do comércio, os sinais de preços emitidos pelo mercado comandam as decisões.  O sistema de lucros e prejuízos mostra como os recursos escassos estão sendo empregados.  Se corretamente, os consumidores recompensam as empresas propiciando-lhes grandes lucros; se erroneamente, os consumidores punem as empresas impondo-lhes prejuízos.  Uma expansão ou um corte nos investimentos é algo que será guiado pelo balancete das empresas.  Os empregados são produtores que são valorados, e não explorados.  Não interessa se a empresa é grande ou micro: ela estará sempre em busca da lucratividade.  E a lucratividade sempre será, em última instância, determinada pela decisão voluntária dos consumidores.

Para ver como algo aparentemente simples possui ramificações muito mais complexas do que se poderia imaginar a princípio, peguemos o exemplo de um restaurante chique.  A estrutura de produção deste restaurante não se resume apenas à coordenação entre os garçons e a cozinha.  É necessário haver uma administração voltada exclusivamente para o controle dos estoques de todos os alimentos e de todas as bebidas.  Como não é possível saber com antecedência o que os clientes irão ordenar de seu variado menu, o estoque de alimentos e bebidas tem de ser vasto e plenamente adaptável às súbitas alterações de gosto e interesse de seus clientes.  Tal controle de estoque não seria possível de ser planejado sem preços de mercado, sem a contabilidade e sem o sistema de lucros e prejuízos.

Além da coordenação entre os chefs e os cozinheiros, e entre os cozinheiros e os garçons, a estrutura de produção deste restaurante se estende para muito além de suas paredes.  A comida tem de vir de todos os cantos do mundo.  Diversos meios de transporte têm de ser utilizados para fazer com que a comida chegue ao estabelecimento.  Mas não é possível servir comidas e bebidas se não houver agricultura, criação de gado e plantio de ervas e temperos em lugares remotos de do mundo.  E a coordenação não pára por aí.  Ela ainda volta no tempo — décadas e às vezes até séculos — para as primeiras sementes plantadas nos vinhedos que produziram os vinhos, e os primeiros centeios que produziram os uísques e as demais bebidas servidas no restaurante.  E a tecnologia que possibilita tudo isso é relativamente nova, desde a refrigeração até a comunicação digital entre a cozinha e o maître d'.  Nada disso seria possível sem o sistema de preços, que permite a contabilidade de custos e determina se há ou não lucratividade em qualquer uma das etapas envolvidas neste processo.

Este mecanismo extraordinariamente complexo — muito mais complicado do que qualquer operação já tentada por qualquer burocracia estatal — tem de funcionar harmoniosamente para todos os clientes que aparecerem no restaurante em qualquer momento.  E se ninguém aparecer?  Se isso acontecer com muita frequência, todo o investimento entra em colapso.  Todo o planejamento, todos os gastos, todas as habilidades envolvidas se revelarão um grande desperdício.  O mercado enviou seu sinal: o empreendimento não estava empregando recursos escassos da maneira mais eficiente possível.  O que determina se este empreendimento será pujante e lucrativo ou se ele desaparecerá rapidamente é simplesmente a decisão do consumidor de comer lá ou não.  Não há ninguém apontando armas para ninguém, não há coerção, não há chantagem.  Há apenas um empreendimento implorando para poder servir seus clientes.

Se você propusesse a criação de algo assim para uma pessoa que jamais houvesse visto algo parecido em operação, ela nunca iria acreditar que tal coisa pudesse funcionar.  Muito menos existir.
É por tudo isso, escreveu Mises, que o cálculo monetário e a contabilidade de custos constituem as mais importantes ferramentas intelectuais do empreendedor capitalista.  Mises celebrou a famosa declaração de Goethe, que havia dito que o método contábil das partidas dobradas foi "uma das mais admiráveis invenções da mente humana."

Uma vez vislumbrado todo este processo, fica fácil entender por que vivenciamos recorrentemente o fenômeno dos ciclos econômicos.  Fica mais fácil entender por que empresas privadas muitas vezes parecem fazer coisas tão insensatas e imprudentes quanto o governo; por que elas também tomam decisões irracionais; por que elas também produzem burocracias; por que elas também seguem o capricho de políticos; por que elas também passam por ciclos de expansão e contração.

Mises explicou isso, neste mesmo livro.  A causa de tudo é aquilo que ele chamou de intervencionismo.  Quanto mais o governo regula, intromete, tributa, erige barreiras, produz inflação, confisca, proíbe e todo o resto, mais a iniciativa privada se torna sujeita à mesma irracionalidade que permanentemente assola o governo.  As intervenções do governo no mercado, por menores que aparentemente sejam, provocam distúrbios no sistema de preços, afetando toda a contabilidade de custos das empresas.  As intervenções estatais podem tanto fazer com que empreendimentos insustentáveis repentinamente aparentem ser lucrativos (sem que realmente o sejam), como também pode fazer com que empreendimentos genuinamente lucrativos se tornem rapidamente insolventes.  O governo expande até a iniciativa privada os mesmos males que o acometem.

A descrição feita por Mises em 1927 é interpretada hoje como se ele estivesse de posse de alguma bola de cristal.  Tudo se torna mais claro assim que você passa a ver o mundo da mesma maneira que ele.  Basta analisar a realidade atual.

Oito anos atrás, estimulados pela expansão artificial do crédito feita por seus respectivos bancos centrais, os mercados imobiliários da Europa e dos EUA estavam a pleno vapor, com preços e lucros em contínua ascensão, o que gerava vários milionários por minuto.  Parecia que o mundo havia entrado em uma nova era de prosperidade e de riqueza infinita para todos.  E então, da noite para o dia, tudo ruiu.  Depois de cinco anos, ainda há cadáveres por todos os lados.  Várias empresas quebradas, bancos zumbis com seus balancetes contaminados e as economias totalmente letárgicas.

Os governos e os bancos centrais ao redor do mundo estão hoje completamente perdidos.  Praticamente todas as semanas, um figurão do alto escalão de algum governo ou banco central vem a público anunciar uma nova medida intervencionista, e sempre termina seu anúncio dizendo que "agora vai!".  E tudo só piora.  E quase ninguém entende por quê.

O desconhecimento das obras de Mises é algo que continuará afetando nossa prosperidade e nosso bem-estar muito mais do que você pode imaginar.

é o presidente da  Laissez-Faire Books e consultor editorial do mises.org.  É também autor dos livros It's a Jetsons World: Private Miracles and Public Crimes e Bourbon for Breakfast: Living Outside the Statist Quo

sexta-feira, 27 de julho de 2012

CUBA OU CRASTROLÂNDIA?


É impressionante o apoio dedicado por parte da intelectualidade brasileira (inclusive cantores e compositores da mais alta estima popular), aos ditadores que assumiram o poder em Cuba e que, para manter o domínio, impõem um dos mais bárbaros sistemas políticos atuais.

Comparável à Coreia do Norte, onde parentes se revezam no comando de um povo assustado e controlado nos mínimos detalhes, Cuba exerce, entretanto, um fascínio desonesto e inaceitável, embora dominada por uma “família” como outra qualquer.

Os nossos cubanistas odeiam o controle da imprensa. Desprezam a falta de liberdades. Detestam o exercício do poder por parentes dos políticos, suplentes e outros bichos. Não imaginam viver num país onde sejam proibidos a organização social ou o simples protesto. Não aceitariam, ainda que de forma coloquial, conversar sobre a retirada de direitos dos trabalhadores. Se alguém por aqui tentasse proibir o livre exercício do direito de greve, com certeza, correriam para as ruas em solenes protestos.

Se apenas alguns escolhidos pudessem compor o Congresso Nacional, que gritaria ouviríamos? E se houvesse uma imensa quantidade de presos políticos?

Mas, quando se trata de Cuba não tem problema! Aceitam e elogiam. Como podem apoiar um governo que proíbe a leitura de livros não aprovados por sua “stasi” particular? Como ajudam a um pais que faz eleição no modelo iraquiano do “Hussein” que ganhava todas com 100% dos votos?

Há pouco tempo, dois atletas cubanos pediram asilo político no Brasil. Não aceitos, foram enviados presos para o “paraíso” donde tentavam escapar. Ninguém reclamou.

O que tem os dirigentes antidemocráticos cubanos de encantador? O que pode agradar a brasileiros livres um pais dominado por um grupelho? Será que foi a simpatia do nosso heroi “fidel” da montanha, cantando liberdade contra um bandido chamado Batista? Ou o Fidel posterior? Fiel cumpridor das ordens da falida União Soviética e destruidor das liberdades e do livre pensamento do povo?

Precisamos iniciar um movimento anticastrista, da mesma forma que somos contra os sadans, assads e kim jongs. Como ficamos felizes com a queda dos "donos" do Egito, da Tunísia e do Iraque e nada fazemos contra os que dizimam o futuro dos cubanos?

Está na hora da inteligência da América Latina se juntar para acabar com este regime cruel que se eterniza à sombra da tortura, que se alimenta do silêncio das prisões e do sofrimento das famílias daqueles que ousam ser contra.

Ou bem fazemos isto ou seremos cúmplices históricos de um crime bárbaro contra um povo que se parece conosco, que canta como nós cantamos, que veio de onde viemos e que, se não o ajudarmos, ficará na rabeira do mundo.

Onde, aliás, seus títeres gostam de viver.

Por: Antenor Barros Leal, Jornal do Commercio (24 de Julho) *

* Presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro


E O MUNDO NÃO SE ACABOU



Apesar do bate-cabeças das lideranças políticas da zona do euro, acredito que uma solução será encontrada 

Fui buscar no fundo de minha memória -e no YouTube- a letra de um velho samba do compositor Assis Valente, "E o mundo não se acabou". Havia muito tempo vinha associando o comportamento dos mercados financeiros nos últimos meses à situação vivida pelo personagem deste samba delicioso dos velhos tempos.

Transcrevo a seguir algumas das frases cantadas pela Carmen Miranda ou pela Adriana Calcanhoto:

"Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar, Acreditei nesta conversa mole e fui tratando de me despedir, eijei a boca de quem não devia, Peguei na mão de quem não conhecia, Dancei um samba em traje de maiô, Chamei um gajo com quem não me dava e perdoei sua ingratidão,

E o tal mundo não se acabou...".

Na versão moderna do fim do mundo que os mercados esperam, as reações das pessoas são de natureza diferente.

No lugar de beijos e outros sinais de intimidade que aparecem nas palavras de Assis Valente, temos ações concretas de investimentos e de especulação por parte de empresas, de bancos e de indivíduos. Cito algumas delas que me parecem reproduzir o quadro descrito no samba de quase um século.

Os investidores estão colocando seu dinheiro em títulos do Tesouro americano, de dez anos de prazo, a uma taxa de juros de 1,4% ao ano. Para uma economia que nos últimos 20 anos tem apresentado taxa de inflação média superior a 2% ao ano, esse investimento representa perda real de mais de 5% no período. No caso dos títulos de cinco anos, que a preços de hoje rendem ao investidor 0,6% ao ano, as perdas são de cerca de 7% no período.

Mas esse ato de aparente delírio não é o único. Os investidores estão correndo para títulos do Tesouro alemão, emitidos em euros, como uma manada de elefantes em fuga.

Os juros dos títulos de dois anos de prazo já são negativos -recebe-se no final menos euros do que foram aplicados-, e os de dez anos não passam de 1,3% ao ano.

A média histórica da inflação, em euros, também é superior a 2% ao ano, o que reproduz a mesma situação de prejuízo real encontrada no caso dos papéis americanos. Mas outra contradição chama a atenção nesse caso: esses papéis estão denominados em uma moeda que, os mercados juram, vai entrar em colapso em poucos meses e pode levar a prejuízos brutais. Ou seja, nonsense total.

Tenho reportado surpresa perante a reação dos chamados agentes econômicos de mercado em face da crise europeia. Não por falta de entendimento de sua complexidade -e gravidade-, mas sim pela desconsideração pelo que representaria um eventual colapso do euro do ponto de vista político e social.

A União Europeia de hoje é o estágio final de uma longa marcha de mais de 60 anos. Não custa lembrar ao leitor da Folha que tudo aconteceu nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, com a Europa arrasada e prostrada depois de mais de cinco anos de sofrimentos.

Por outro lado, é preciso ter em conta que, no desenho atual, a integração não é viável. As realidades nacionais dos países que fazem parte do euro não permitem a rigidez institucional do atual desenho. Esse é o desafio que os líderes de hoje enfrentam: reformar os marcos institucionais, mas sem voltar atrás na integração.

Mas essa realidade é sofisticada demais para a comunidade financeira, formada na sua grande maioria por indivíduos de limitada visão política e que não conseguem enxergar o mundo fora de sua perspectiva individualista e restrita a ganhos especulativos.

Por isso a dificuldade de analistas, que têm visão mais ampla, em navegar nesses tempos irracionais. Embora sinta isso na pele, ainda acredito que uma solução será encontrada, apesar do bate-cabeças das lideranças políticas.

Aliás, essa foi a mensagem corajosa do presidente do Banco Central Europeu, ontem, ao dizer que o BCE tudo fará para defender a integração europeia e o euro como moeda única. Por:

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

FOLHA DE SP - 27/07