quinta-feira, 9 de agosto de 2012

OBRAS PÚBLICAS

Como as obras públicas subtraem riqueza da população


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Não existe crença mais persistente e mais influente do que a crença no fato de que gastos governamentais são benéficos para todos.  Em todos os cantos do globo eles são apresentados como a solução para todas as mazelas econômicas.  A indústria está parcialmente estagnada?  Podemos estimulá-la por meio de gastos governamentais.  O desemprego está alto?  Culpa do "insuficiente poder aquisitivo das pessoas".  O remédio, claro, é óbvio: aumentar os gastos do governo.
Todo o necessário para corrigir a situação é o governo despender o suficiente para compensar estas "deficiências".
Uma vasta literatura se baseia nesta falácia, e, como muitas vezes acontece com doutrinas dessa espécie, tornou-se parte de uma complexa rede de falácias que se sustentam mutuamente.  Não podemos, a esta altura, investigar toda essa rede; mas podemos, aqui, examinar a falácia-mãe que deu nascimento a essa progênie.
Tudo o que não é oriundo das dádivas livres da natureza tem, de certo modo, que ser pago.  O mundo, no entanto, está repleto de pseudo-economistas que estão cheios de planos para obter alguma coisa em troca de nada.  Dizem-nos que o governo pode gastar livremente sem ter de tributar; que pode continuar a acumular dívidas sem jamais ter de liquidá-las, pois "nós devemos a nós mesmos".  Ao longo da história, todos os belos sonhos deste tipo foram sempre destruídos pela insolvência nacional ou por uma inflação galopante.  Devemos aqui dizer, simplesmente, que todos os gastos governamentais terão, na prática, de ser pagos pela tributação
Sim, pode-se recorrer à inflação monetária para se financiar estes gastos.  Porém, a própria inflação monetária não passa de uma forma — particularmente anormal — de tributação.  A inflação monetária gerará dois fenômenos: redistribuição de renda dos mais pobres para os mais ricos e aumento de preços, fenômeno este que também penalizará com mais severidade os mais pobres.  A inflação é um imposto.
Em prol da argumentação, vamos admitir aqui que cada unidade monetária gasta pelo governo deverá ser arrecadada imediata ou posteriormente por meio de imposto.  Uma vez considerada a questão nesse sentido, os supostos milagres dos gastos governamentais aparecerão sob outro prisma.
O governo continuamente gasta um determinado montante para cumprir suas despesas correntes: pagar seus funcionários, sua burocracia, redistribuir renda e fazer suas corriqueiras obras públicas.  Tais gastos não serão o escopo deste artigo.  Quero aqui tratar daquelas obras públicas consideradas como meios de se "criar empregos" ou de se aumentar a riqueza da sociedade, sem as quais — afirmam alguns economistas — tal enriquecimento não seria possível.
Constrói-se uma ponte.  Se ela é construída para atender a uma demanda pública insistente; se ela soluciona um problema de tráfego ou de transporte, insolúveis sob outra forma; se, em suma, ela é mais necessária aos contribuintes coletivamente do que coisas com as quais eles individualmente gastariam seu dinheiro — se este não lhes houvesse sido tirado por meio dos tributos —, então sua construção pode ser aproveitável (embora seja praticamente impossível determinar que absolutamente todos os pagadores de impostos realmente queiram esta ponte). 
Por outro lado, uma ponte construída com o intuito de "gerar empregos" é um outro tipo de ponte.
Quando "gerar empregos" se torna o objetivo, a real necessidade de algo passa a ser uma consideração secundária.  O que importa é inventar "projetos".  Em vez de pensarem apenas naqueles locais específicos onde há uma suposta demanda popular por uma ponte, os responsáveis pelo dinheiro público começam a se perguntar onde mais podem sair construindo outras pontes.  Mesmo que a construção de pontes não esteja sendo demandada, o empreendimento será feito.  Aqueles que duvidarem desta necessidade serão tachados de obstrucionistas, atrasados, insensíveis e reacionários.
Normalmente, são apresentados dois argumentos para a construção de uma ponte: um, aquele que se ouve principalmente antes de ele ser construída; o outro, aquele que frequentemente se ouve depois de ele estar concluída.  O primeiro argumento é que a construção proporcionará empregos.  Proporcionará, digamos, 500 empregos durante um ano.  A implicação disso é que esses empregos, de outra forma, não existiriam.
Isso é o que se vê de imediato.  Se estamos, porém, treinados na ciência econômica; se sabemos enxergar as consequências secundárias de determinadas medidas econômicas, então somos capazes de ver mais além.  Podemos, neste caso, saber que, além daqueles que são diretamente beneficiados por um projeto governamental, haverá outros que serão indiretamente afetados. 
Neste ponto, o cenário passa a ser diferente.  É verdade que determinado grupo de operários terá agora empregos, o que não ocorreria não fosse a construção da ponte.  A ponte, porém, tem de ser paga com impostos, pois todo dinheiro gasto pelo governo tem de ser tirado dos contribuintes.  Se a ponte custa $10 milhões, os contribuintes perderão $10 milhões.  Os cidadãos deixarão de ter uma quantia que, não fosse a construção da ponte, seria despendida em coisas que voluntariamente considerassem mais necessárias.  Os empreendimentos que agora não mais receberão este dinheiro — que foi desviado para a construção da ponte — começarão a demitir.
Portanto, para cada emprego público criado pelo projeto da ponte, foi destruído, em algum lugar, um emprego particular.  Podemos ver os operários empregados na construção da ponte.  Podemos vê-los trabalhando.  Esta imagem real faz com que o argumento do governo — gerar empregos — se torne vívido, tangível e, muito provavelmente, convincente para a maioria das pessoas.
Há, no entanto, outras coisas que não vemos porque, infelizmente, não se permitiu que surgissem.  São os empregos destruídos pelos $10 milhões tirados dos contribuintes.  Na melhor das hipóteses, tudo o que aconteceu foi uma transferência de empregos por causa de um projeto.  Mais operários para a construção da ponte; menos operários para a indústria automobilística, menos técnicos de rádio, menos empregados para fábricas de artigos de vestuário e para a agropecuária.
Chegamos, então, ao segundo argumento.  A ponte existe.  É, suponhamos, uma ponte realmente bonita.  Surgiu graças à magia dos gastos governamentais.  O que teria acontecido se os obstrucionistas e os reacionários tivessem imposto sua vontade?  Não haveria a ponte.  O país estaria mais pobre, afirmam eles.
Nisso, os responsáveis pelo dinheiro público, mais uma vez, levam a melhor ao debaterem com todos aqueles que não têm a capacidade de enxergar além do alcance imediato de seus olhos.  Todos podem ver a ponte.  Mas apenas aqueles mais versados em economia são capazes de perceber as consequências indiretas e não perceptíveis deste arranjo; apenas estes podem, mais uma vez, enxergar todas aquelas riquezas que nunca chegarão a existir.  Podem enxergar casas que não foram construídas, automóveis, rádios, imóveis e roupas não fabricados, e talvez até mesmo alimentos que não foram cultivados e nem vendidos.  Ver esses elementos que não foram criados requer certa imaginação e certo treino econômico, algo que nem todo mundo possui.
Podemos imaginar imediatamente esses objetos, mas não podemos ver sua existência.  Por outro lado, podemos ver a ponte e utilizá-la todos os dias ao irmos para o trabalho.  Simplesmente o que aconteceu foi que uma coisa foi construída em vez de várias outras.
O mesmo raciocínio aplica-se, naturalmente, a quaisquer outros tipos de obras públicas.  Aplica-se também, por exemplo, à construção, com fundos públicos, de habitações para pessoas de baixa renda.  O que acontece é que o dinheiro é arrancado, por meio de impostos, de famílias de renda mais elevada (e, talvez, até de famílias de renda menor) para forçá-las a financiar famílias selecionadas, de renda inferior, capacitando-as a viverem em melhores moradias.
Não é meu intuito aqui discorrer sobre questões morais no que tange à construção de moradias com dinheiro público.  Interessa-me apenas apontar o erro em dois dos argumentos mais frequentemente apresentados a favor desse tipo de construção.  Um, é o de que ela "gera empregos"; o outro, o de que ela cria riquezas que, sem estas obras, não teriam sido produzidas.  Ambos os argumentos são falsos, uma vez que não levam em consideração o que se perde pela tributação.  A tributação para a construção de moradias, com fundos públicos, destrói tantos empregos em outras atividades quanto cria na de construção.  O resultado é a não construção de imóveis, a não fabricação de máquinas de lavar roupa e geladeiras e a falta de inumeráveis outros bens e serviços.
E nada disso é refutado pela contra-argumentação que diz, por exemplo, que a construção de moradias com dinheiro público pode ser financiada por várias parcelas anuais, em vez de por uma quantia a ser paga de uma só vez.  Isso significa simplesmente que o custo passa a ser distribuído por muitos anos, em vez de concentrar-se em um só.  Significa, também, que o que se tira dos contribuintes é distribuído por muitos anos, em vez de concentrar-se num só.  Tais detalhes técnicos são irrelevantes para o ponto principal.
A grande vantagem psicológica a favor da construção de moradias com dinheiro público está no fato de que é possível ver homens trabalhando enquanto estão sendo construídas as casas, e que estas são vistas depois de finalizadas.  Passam a ser habitadas e os moradores, orgulhosamente, mostram as dependências aos amigos.  Não se veem os empregos destruídos pelos impostos destinados às moradias, nem os bens e serviços que deixaram de ser ofertados.  Isso exige um esforço de pensamento.  E, a cada vez que se veem as casas e seus felizes moradores, um novo esforço é necessário para se imaginar toda a riqueza que por causa disso não foi criada. 
É de se surpreender que os defensores da construção de moradias com dinheiro público não tenham considerado esse ponto.  Se alertados sobre isso, tacham-no de pura imaginação, de simples objeção teórica, ao mesmo tempo em que realçam a beleza das moradias públicas existentes.  Isso faz lembrar um personagem de Saint Joan, de Bernard Shaw, que, ao lhe falarem sobre a teoria de Pitágoras, segundo a qual a terra é redonda e gira em torno do sol, respondeu: "Que consumado idiota!  Não podia ver isso com os próprios olhos?"
O mesmo raciocínio deve ser aplicado a todos os grandes projetos empreendidos pelo governo.  Quanto mais faraônica a obra, maior o perigo da ilusão de ótica.  Ali está uma gigantesca represa, um formidável arco de aço e concreto "maior que qualquer outro empreendimento que o capital privado pudesse ter construído", o fetiche dos fotógrafos, o símbolo mais frequentemente utilizado dos milagres da construção e da operação estatal.  Ali estão gigantescos geradores e usinas de força.  Ali está toda uma região, diz-se, elevada para o mais alto nível econômico, atraindo fábricas e indústrias que, de outro modo, não teriam existido.  E tudo é apresentado, nos louvores de seus proponentes, como sendo ganho econômico líquido para o país, sem contrapartidas.
De novo, não vamos aqui entrar novamente no mérito das obras públicas.  Vamos apenas nos concentrar no esforço da imaginação, algo de que poucas pessoas são capazes, para ver o lado devedor da equação.  Se os impostos, arrecadados de pessoas e empresas, são aplicados em determinada região de um país, por que motivo causaria surpresa, por que deveria ser considerado um milagre que esta região se tenha tornado relativamente mais rica?  Outras regiões do país, sempre é válido lembrar, se encontram, em decorrência disso, relativamente mais pobres.
Aquele empreendimento tão grande que "o capital privado não teria podido realizar", foi, na verdade, realizado pelo capital privado — pelo capital expropriado mediante imposto (ou, se o dinheiro foi tomado como empréstimo, acabará sendo expropriado também com impostos, só que mais no futuro).
É necessário, novamente, fazer um esforço de imaginação para vermos os edifícios comerciais e as habitações particulares, os automóveis e os aparelhos de televisão cuja existência não foi permitida, pois o dinheiro que foi extraído do povo, em todo o país, foi empregado na construção de uma fotogênica obra pública.
Escolhi aqui propositadamente os mais favoráveis exemplos de projetos de dispêndios públicos — isto é, aqueles que são mais frequente e ardentemente aconselhados pelos agentes governamentais e mais altamente considerados pelo público.  Não falei das centenas de projetos frívolos que, invariavelmente, surgem sempre que o objetivo principal é "gerar empregos" e "colocar gente para trabalhar".  Isso porque, conforme vimos, a utilidade do próprio projeto torna-se, inevitavelmente, uma consideração secundária.  Além disso, quanto mais extravagante a obra, quanto mais dispendioso o trabalho, quanto maior o custo da mão-de-obra, tanto melhor para o objetivo de gerar mais empregos. 
Sob tais circunstâncias, é altamente improvável que os projetos inventados pelos burocratas proporcionem o mesmo aumento líquido à riqueza e ao bem-estar, por unidade monetária gasta, como teria sido proporcionado pelos próprios pagadores de impostos se, individualmente, o governo lhes tivesse permitido comprar ou fazer o que eles mesmos desejassem em vez de serem forçados a entregar parte de suas poupanças ao estado.

(1894-1993) foi um dos membros fundadores do Mises Institute. Ele foi um filósofo libertário, economista e jornalista do The Wall Street JournalThe New York TimesNewsweek e The American Mercury, entre outras publicações. Ele é mais conhecido pelo seu livro Economia em uma Única Lição.

A NEVE DO KILIMANJARO


Fui ver, após recomendação de um amigo, o filme “As Neves do Kilimanjaro”, inspirado no conto “Os Pobres”, de Victor Hugo. O francês Robert Guédiguian tenta resgatar nele sua fé no ser humano, na capacidade de bondade e redenção em seres culpados que somos.

O filme conta a história de um líder sindical que perde o emprego em um sorteio no sindicato, depois sofre um assalto e passa a refletir sobre sua vida, sentindo-se culpado por ter se “aburguesado” demais. O cineasta se considera de extrema-esquerda, e é crítico desta esquerda burguesa que chegou ao poder em vários países.

O filme é bom, e retrata a realidade cada vez mais complicada dos europeus em crise, onde faltam empregos, especialmente para os mais jovens. O “ranço” de esquerda fica evidente quando o assaltante, que era um colega de trabalho do assaltado e que também foi demitido no sorteio, transforma-se em vítima na história.

O espectador é levado a morrer de pena daquele que iniciava certamente uma “carreira” no crime (ele já planejava o próximo assalto quando foi preso), ainda que com arma de brinquedo, pois ele o fazia por uma boa causa, qual seja, ajudar seus dois irmãos menores, órfãos de pai e filhos de uma prostituta ausente.

O assalto, por esta ótica, passa a ser justificado, e o assaltado sente-se culpado, pois tem um carro, uma propriedade e pode gozar de sua aposentadoria precoce e forçada com uma viagem para Kilimanjaro. O líder sindical passa a se ver como o burguês patrão que ele sempre combateu em vida, e isso lhe é insuportável.

Não dá para não nutrir alguma simpatia pela postura do personagem principal, e esse é o golpe de mestre do cineasta. Justamente por isso me sinto na necessidade de escrever sobre o filme, expondo minhas reflexões. O sindicalista acredita em tudo aquilo que eu condeno e abomino, mas me é impossível não respeitá-lo, se não por sua inteligência, ao menos por sua integridade e bondade.

Logo no começo do filme, com o sorteio dos que serão demitidos, ele demonstra esta integridade colocando o próprio nome na lista, o que poderia ser evitado por ele ser líder do sindicato. Trata-se de alguém que acredita naqueles valores e princípios, e não de um oportunista que usa o sindicato como trampolim para privilégios (a enorme maioria dos casos reais, sejamos sinceros).

Seu amigo de infância e co-cunhado, além de colega de trabalho, tenta alertá-lo de que ele não precisava participar do sorteio. É o mesmo que está com ele no momento do assalto, e que deseja a prisão perpétua para o criminoso. O mesmo que deu de presente ao amigo uma revista que fora sua (do amigo) primeira revista na infância, supostamente encontrada em um sebo com seu nome na contracapa. No fundo, ironia das ironias, ela havia sido roubada pelo próprio quando criança. O mais rígido no julgamento do “pobre” assaltante era o mais flexível nos valores e princípios. Haja hipocrisia.

O casal principal era feliz à sua maneira, com sua vida simples, com sua família. Após o assalto, ambos redescobrem este sentido verdadeiro de suas vidas, e decidem, cada um em segredo no começo, ajudar os dois irmãos mais novos do assaltante, preso por denúncia do marido. Estragando parte do final para quem ainda não viu o filme, eles resolvem abrigar as crianças em casa, apesar da revolta de seus filhos.

Foi a maneira que encontraram de “fazer a coisa certa”, ainda que isso não resolva os problemas do mundo e não apague a responsabilidade do assaltante. Era o que eles podiam fazer. Era o possível, estender a mão para ajudar aquelas crianças inocentes, tentar salvá-los do mesmo destino triste do irmão mais velho. Era sua contribuição para uma sociedade melhor. No auge da crise, é possível dar o melhor de si, e fazer a coisa certa, ser um exemplo aos demais, preservar o caráter e a bondade.

E por que ao mesmo tempo o filme me incomodou tanto? Porque a esquerda não pode e não deve monopolizar tais virtudes! O ato solidário, o prazer nas coisas simples e na família, a empatia com o próximo, tudo isso são coisas que independem da propriedade, do carro, da conta bancária, da vida no burgo ou no campo.

Se as religiões serviram para incutir este senso de caridade nas pessoas no passado, o socialismo tentou se apropriar desta bandeira com sua seita laica no século 20. Eu esperava que, após 100 milhões de mortos e outros tantos milhões miseráveis ou escravizados, a esquerda teria mais receio de pregar seu modelo de “solidariedade”.

Sim, podemos até admitir que o caos social e o enorme desemprego são fatores que estimulam o crime de jovens desesperados. Sim, também podemos aceitar que alguns “burgueses” simplesmente não ligam para o entorno, e que o individualismo exacerbado pode ser perigoso para o tecido social. Mas com o diagnóstico totalmente errado das causas que levaram a esta situação, a receita só pode ser fracassada.

Não é o capitalismo, o patrão burguês ou a globalização que jogaram os trabalhadores no desemprego. Muito pelo contrário: são as tentativas de impedir seu funcionamento que costumam produzir mais miséria e desemprego. O assaltante, já preso, discorda do assaltado quando este diz que não tinha o que ser feito além do sorteio. Era possível fazer mais greves, eventualmente incendiar a fábrica, tudo menos um acordo de “merda”. Esta mentalidade é a maior responsável pelas desgraças vividas pelos trabalhadores europeus hoje!

Os pobres não são pobres porque os ricos são ricos, e acreditar nisso é alimentar uma das mais perigosas falácias que existem. Esse é o grande “crime” desse instigante filme. O personagem principal pode ter sua casa simples, seu carro velho na garagem, e fazer sua viagem para Kilimanjaro sem tanta culpa. Não é por isso que o jovem estava desempregado, tampouco isso justifica ele ser alvo de um crime. O que não diminui o valor de sua integridade e de sua bondade, apesar do arcabouço teórico totalmente errado.

É possível, portanto, unir as duas coisas: integridade moral e bondade, com inteligência e conhecimento para reconhecer qual o melhor modelo que efetivamente ajuda os mais pobres e melhora a vida em sociedade. Este não pode ser um modelo que dependa somente do altruísmo de pessoas bondosas como o personagem principal do filme. O cineasta deveria ter mais fé no poder da “mão invisível” dos mercados, sem precisar, com isso, abandonar totalmente sua esperança na humanidade. Doses de realismo não fazem mal a ninguém. 
Por: Rodrigo Constantino

PRIVATIZEM A PETROBRÁS


A Petrobras possui controle estatal, mas tem capital misto, com milhares de investidores brasileiros e estrangeiros. O uso político da estatal tem custado cada vez mais a esses investidores, cujos interesses são ignorados pelo governo. O prejuízo divulgado na sexta é mais uma prova disso.

O governo mantém o preço dos combustíveis defasado para segurar a inflação, afetando negativamente o lucro da empresa. Além disso, ele demanda grande participação de fornecedores nacionais nos bilionários investimentos da estatal, o que custa mais e atrasa o cronograma. É o uso da empresa para a política industrial de governo, que já arrecada bilhões em royalties e impostos.

Infelizmente, quando o assunto é Petrobras o debate fica tomado pela emoção, sem espaço para argumentos racionais. A esquerda estatizante e a direita nacionalista se unem ideologicamente, alimentadas por muitos interesses obscuros em jogo, e repetem em uníssono que o setor é “estratégico”. A Embraer, a Telebrás e a Vale também eram “estratégicas”.

Ora, justamente por ser estratégico o setor deveria ser retirado da gestão politizada, ineficiente e corrupta do governo. A exploração do petróleo começou pela iniciativa privada nos Estados Unidos. Desde a primeira prospecção de Edwin Drake em 1859, na Pensilvânia, o setor viu um crescimento incrível com base na competição de várias empresas privadas. O Canadá também conta com dezenas de empresas privadas atuando no setor.

Por outro lado, países como Venezuela, México, Irã, Arábia Saudita, Nigéria e Rússia possuem estatais controlando a exploração de petróleo. Ninguém ousaria dizer que isto fez bem para seus respectivos povos, vítimas de regimes autoritários.

O brasileiro paga uma das gasolinas mais caras do mundo, o país ainda precisa importar derivados de petróleo após décadas de sonho com a autossuficiência, a estatal é palco de diversos escândalos de corrupção, mas muitos ainda repetem, inflando o peito, que “o petróleo é nosso”. Nosso de quem, cara-pálida?

O crescimento da produção de óleo e gás da Petrobras desde que o PT assumiu o governo foi medíocre: somente 2,4% ao ano. Trata-se de um resultado lamentável após tantos bilhões investidos, inclusive com financiamento do BNDES.

A Petrobras, que tinha R$ 26,7 bilhões de dívida líquida em 2007, terminou o primeiro semestre de 2012 devendo mais de R$ 130 bilhões. O endividamento sobe em ritmo acelerado por conta de seu gigantesco programa de investimentos, mas nem os investidores nem os consumidores se beneficiam disso.

A rentabilidade da Petrobras é uma das menores do setor. Seu retorno sobre patrimônio líquido não chega a 10%, metade da média de seus pares internacionais. Os investidores acusam o golpe, e as ações da Petrobras apresentam um dos piores desempenhos no mundo.

Desde 2009, suas ações caíram 5%, enquanto o Ibovespa subiu mais de 40% e a Vale mais de 50%. É o governo destruindo o valor da poupança de milhares de pessoas, incluindo todos que utilizaram o FGTS como instrumento para apostar na empresa. 

Por que não há maior revolta então? Por que não há mobilização pela privatização da Petrossauro, como a chamava Roberto Campos? Parte da resposta é o fator ideológico já citado. Outra parte diz respeito a enorme quantidade de grupos de interesse que mamam nas tetas da estatal.

Seus 80 mil funcionários custaram para a empresa mais de R$ 18 bilhões em 2011, ou quase R$ 20 mil mensais por empregado. Claro que muitos merecem o que ganham, mas como negar o uso da estatal como cabide de emprego para os “amigos do rei”?

Fornecedores nacionais ineficientes ou corruptos também agradecem, pois não precisam competir abertamente no livre mercado. O caminho até a estatal muitas vezes é outro, como comprova o caso do Silvinho “Land Rover”, o ex-secretário do PT que ganhou um carro importado de uma empresa fornecedora da estatal.

Artistas e cineastas engajados da “esquerda caviar” também aplaudem a estatal, que destinou mais de R$ 650 milhões para patrocínios culturais de 2008 a 2011. Isso sem falar de blogueiros “chapa-branca”, que recebem gordas verbas da estatal. A lista é longa.

Os políticos, então, nem se fala. Quem esqueceu Severino Cavalcanti negociando à luz do dia, em nome da “governabilidade”, aquela diretoria que “fura poço”? O ex-presidente Lula era outro que adorava usar a Petrobras para seus fins políticos em parceria com Hugo Chávez. 

Só há uma maneira eficaz de acabar com esta pouca vergonha que tem custado tão caro aos investidores da empresa: sua privatização! Rodrigo Constantino, O GLOBO

O BRASIL É UM PAÍS QUE CANSA...


Recentemente, tive a oportunidade de conversar com representantes de uma empresa norte-americana do setor de saúde para analisar a viabilidade de iniciarem suas operações no Brasil, num segmento de grande impacto, com métodos e desenvolvimentos verdadeiramente revolucionários. Ao mostrarem os dados estatísticos, levantados a muito custo, no setor, havia evidência cabal de que a importação dos produtos, num primeiro momento, e a posterior abertura de operações no mercado poderiam, de fato, resolver alguns dos inúmeros problemas de saúde existentes no País.

Há alguns anos, tomaram a decisão de construir uma operação no Brasil. Desistiram, em razão dos entraves burocráticos. Recentemente, revisaram a decisão anterior e decidiram tentar novamente. Incrivelmente, os entraves não somente eram os mesmos, como cresceram. Citaram, por exemplo, a necessidade da visita de um inspetor da ANVISA à sede da empresa no Exterior para verificação, com um custo associado a esta visita. Este, no entanto, não é o problema. O grande entrave é o fato de não haver funcionários suficientes para levar adiante a determinação estatal.

E a pergunta que não queria calar durante o encontro: como é possível a sexta maior economia do mundo comportar-se como um país de 4º mundo?
Outra situação: um profissional, formado no Brasil, realizou estudos nas melhores universidades do mundo. Ao retornar ao País, que tem enorme necessidade de talentos e mão-de-obra qualificada, foi informado de que os seus títulos somente seriam válidos após um processo um tanto complicado e demorado de revalidação dos diplomas, sob o risco de não serem reconhecidos. Qual não foi o seu choque ao ouvir que, no Brasil, seus títulos não valiam nada!

Algumas coisas são realmente inexplicáveis. A pior coisa que existe é explicar o inexplicável. E o Brasil está repleto de casos. Fazemos leis sem o devido aparato para suportar a questão regulatória. Criamos requisitos absurdos, de natureza burocrática, e não incentivamos o esforço e o mérito. Somos um país medíocre, onde não se observa o desejo de mudar nada. Entramos no labirinto de Minotauro e seremos devorados pela nossa incompetência. Pior ainda... Seremos devorados porque não fazemos nada para, de fato, resolver as questões e nos tornarmos mais competitivos.

Por que não fazemos nada? Em primeiro lugar, porque temos vício de Estado. Achamos – erroneamente – que o governo é a solução e não o problema. Gostamos de discutir incansavelmente coisas inúteis. Quem olha para a pauta do Judiciário e do Executivo brasileiros, certamente, pensará que todos os problemas do Brasil já foram resolvidos, afinal, gastamos páginas e páginas, horas e horas discutindo Carlos Cachoeira e Mensalão, que são o assunto do momento. Trata-se de algo fácil de resolver. É só colocar na cadeia quem infringiu as regras. Só que as regras têm que ser melhores e não mal feitas. Há coisas muito mais importantes a fazer no Brasil. Será que enxergamos isso?

Em segundo, somos apaixonados por burocracia. Tudo no Brasil é devagar porque requer muitos papéis, muitos burocratas envolvidos. Para piorar, preservamos até segmentos de mercados para serviços burocráticos. Quem não notou que para tudo, hoje em dia, precisamos de um advogado? Ou de um despachante? Ou de um “facilitador”...? Ou até mesmo de uma mãe de santo!?

Por fim, é preciso devolver poder aos estados e aos indivíduos. Precisamos de mais Brasil e menos Brasília. É absurdo querermos ter um país com uma legislação única, desconsiderando as enormes diferenças, fatores e culturas regionais.

Flexibilizar deve ser um objetivo sempre presente. Desburocratizar é o outro. Recordo-me saudoso de uma das poucas ideias brilhantes do Presidente João Figueiredo, além da Anistia, ao criar o Ministério da Desburocratização, ao final da década de 1970, com Hélio Beltrão como Ministro... Lamentável notar que, depois de três décadas, o País segue igual, senão muito pior. E muito mais caro e mais lento. E menos competitivo.

Espero que o Governo não crie mais um ministério para este fim. Seria mais burocracia. Ali Babá só tinha 40 assessores. Pelo jeito, o Estado brasileiro parece sempre precisar de mais.
Por: MARCUS VINÍCIUS DE FREITAS Professor de Direito e Relações Internacionais, FAAP

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

"CONTRATO SOCIAL"?



Quando foi que você e eu assinamos o tal 'contrato social'?
N. do T.: o artigo a seguir foi adaptado de um discurso improvisado feito pelo autor, daí o seu tom mais coloquial.

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"Se vocês libertários não gostam da existência de um governo detentor do monopólio da coerção, da segurança e da justiça, não gostam de impostos, não gostam de regulamentações, e não gostam do status quo, então por que simplesmente não fazem as malas e vão embora?  Vocês implicitamente concordaram com as regras vigentes.  Se não gostam delas, então deem o fora!"
Este é o argumento comum oferecido por estatistas sempre que um libertário se põe a falar sobre a imoralidade da coerção estatal, de seus impostos, de suas regulamentações, de seu confisco de renda e de propriedade, e de seu monopólio sobre a justiça, a segurança e a moeda.
Embora tal argumento seja extremamente fraco, vale a pena nos concentrarmos mais detidamente nele, pois ele mostra de maneira bastante acurada o quão profundo o estatismo está enraizado na mentalidade das pessoas.
A primeira e mais fácil resposta a este "desafio" estatista é: "Por que sou eu quem deve dar o fora?  Por que o fardo moral recai sobre mim quando, na verdade, é você quem está me apontando uma arma?  Eu sou apenas uma pessoa pacífica pedindo para não ser espoliada, ao passo que você está me apontando uma arma com o intuito de me expropriar e utilizar a minha propriedade e a minha renda para financiar aqueles programas governamentais que você acha o máximo."
Não creio ser nada controverso dizer que, em termos morais, é o estatista quem tem a obrigação de comprovar ter o direito intrínseco de coagir e ameaçar os outros.  Enquanto isso não for feito, o ameaçado não tem nenhuma obrigação de comprovar seu direito de ser deixado em paz, sem ser molestado.  O ônus cabe ao agressor e não ao agredido.
Esse é o ponto mais básico.  Enquanto o estatista não responder de onde vem seu direito natural de espoliar terceiros para proveito próprio ou para o proveito de outrem, a "negociação" está emperrada e ele não tem nenhum direito de seguir adiante com sua espoliação.  Toda a pendenga poderia terminar aqui.
Porém, em prol do debate, vamos mais adiante.  Falemos agora sobre o argumento de que o seu consentimento está explicitado no simples fato de você permanecer no país.  "Se você está aqui e continua morando aqui, então você está automaticamente consentindo com as regras vigentes!", bradam os estatistas.
Este é outro raciocínio sem nenhuma sustentação e sem nenhuma lógica.  Suponha que você se muda para uma nova vizinhança e, do nada, seu vizinho começa a despejar o lixo dele na porta da sua casa.  Pela lógica estatista, se você não concorda com este comportamento dele, então é você quem tem de se mudar dali.  Se você não se mudar, então você está automaticamente consentindo em ter sua propriedade violada desta forma.
Faz sentido?  Pois é isso que os estatistas estão defendendo, embora não utilizem este cenário.
Confrontados com esta situação, os estatistas recorrem então à regra da "aceitação implícita e tácita".  Mais especificamente, eles dizem que, ao se mudar para esta vizinhança, você estaria implícita e tacitamente aceitando o comportamento dos seus vizinhos, não podendo, portanto, reclamar das regras deles. 
O problema deste raciocínio é que ele ignora o status moral e legal de quem faz as leis.  Por exemplo, suponha que eu convido você para vir à minha casa.  Quando você chega, eu abro a porta e lhe digo: para ficar aqui em casa, você tem de usar este nariz de palhaço.  Isto certamente vai lhe parecer bastante estranho, mas ainda assim eu posso dizer: "Ei, é a minha casa e estas são minhas regras.  Se quiser entrar, tem de ser assim".  Neste caso, sendo eu o proprietário, você não pode simplesmente dizer: "Olha, eu vou entrar na sua casa, sim, e não vou usar o nariz de palhaço."  Se fizesse isso, você estaria invadindo a minha propriedade e desrespeitando as leis vigentes dentro dela, as quais foram estipuladas antes da sua entrada.  Isso, portanto, é algo que você nãotem o direito de fazer.
Agora, imaginemos o cenário contrário.  Suponha que eu vá à sua casa e lhe diga: "Você tem de usar um nariz de palhaço".  Além do espanto total, sua outra provável reação será a de perguntar quando foi que você disse que concordava em ser obrigado a utilizar um nariz de palhaço dentro da sua casa.  Ao que irei responder: "Ora, você se mudou para perto de mim.  E eu uso nariz de palhaço na minha casa.  Portanto, o simples fato de você estar morando perto de mim significa que você, de uma maneira um tanto mística e tácita, consente em também utilizar nariz de palhaço dentro da sua casa, mesmo que você não goste da ideia."
Os estatistas simplesmente pegam este cenário que é evidentemente absurdo em nível local e o expandem para um nível nacional: se você está aqui, então você deu seu consentimento tácito com tudo o que se passa nele.
Mas é realmente assim que as coisas devem funcionar?  Como seria a sua vida se todos lhe atribuíssem "consentimentos implícitos e tácitos"?  Como seria o mundo?  Alguém aceitaria este sistema?
Portanto, quando os estatistas dizem que "ao estar aqui, você automaticamente consentiu com as regras", eles estão fugindo da questão principal.  Eles já estão pressupondo a nossa aceitação daquilo que ainda tem de ser provado.  No exemplo do nariz de palhaço, há uma distinção clara entre o sujeito que diz que você tem de usar o nariz na propriedade dele e o sujeito que diz que você tem de usar o nariz na sua própria casa.  O primeiro sujeito tem o direito de lhe impor o uso do nariz (e, se você não aceitar, tem a liberdade de sair da casa dele); já o segundo não tem este direito.  Tudo depende de quem está legitimamente exercendo sua jurisdição.  Na propriedade dele, ele é soberano.  Na sua propriedade, ele não é.
A mesma regra tem de ser aplicada ao estado.  As pessoas que fazem as leis de um país são as genuínas donas do país?  O país é propriedade delas?  Desde quando?  Elas adquiriram esta suposta propriedade do país de maneira justa?  Houve o consentimento de 100% da população (qualquer porcentagem abaixo desta indica que há indivíduos sendo espoliados)?  Estas são perguntas morais que não podem ser ignoradas, mas que são totalmente desconsideradas pelos estatistas.
E há, por último, o argumento de que nós libertários estamos constantemente utilizando algumas infraestruturas estatais, como estradas, ruas, aeroportos, correios.  Sendo assim, o simples fato de utilizarmos estes bens e serviços significa que estamos consentindo com a existência do estado e com a espoliação de nossa renda para a consecução destes serviços.
Outro problema de raciocínio.  Em primeiro lugar, o fato de eu inevitavelmente utilizar sistemas monopolísticos, do quais eu simplesmente não tenho como escapar, de modo algum indica consentimento.  Dizer que utilizar as ruas de uma cidade indica consentimento com o estado é o mesmo que dizer que um prisioneiro que come a comida fornecida pela penitenciária está consentindo em estar preso. 
Em segundo lugar, sempre é bom lembrar que libertários, como todos os outros cidadãos, também pagam impostos.  Sendo assim, é nosso dinheiro que foi utilizado para a construção destas infraestruturas estatais.  Logo, não há absolutamente nada de contraditório em utilizá-las.  Aliás, você tem todo o direito de fazer uso delas, mesmo desprezando-as profundamente.
Para finalizar, todo este argumento de 'consentimento implícito' e 'consentimento tácito' não passa de uma patética cortina de fumaça criada para se desviar a atenção daquilo que realmente importa: as minhas palavras.  E as minhas reais palavras (aquilo que realmente penso, e não aquilo que estatistas querem imputar a mim) não são de consentimento, mas sim de discordância e dissenso
Que isso fique bem claro.  As minhas verdadeiras palavras são: Eu não dou meu consentimento.  E estas minhas palavras claramente explicitadas e proferidas não podem ser sobrepujadas por um místico 'consentimento implícito' que magicamente passa a existir em decorrência do simples fato de eu estar em um determinado local.
Resta óbvio que tudo isso não passa de um estratagema ridículo criado por pessoas que simplesmente querem ter poder absoluto, mandar na vida dos outros e escolher vencedores e perdedores.  Uma vez perpetrado o esbulho, elas tentam embasá-lo e justificá-lo recorrendo a truques comportamentais, dizendo que determinadas atitudes minhas significam que eu realmente estou pedindo para ser governado, que eu implicitamente estou suplicando para ser controlado e mandado.
Não, eu não pedi implicitamente por nada disso.  E eu explicitamente digo que "Não, eu não consinto em ser espoliado e controlado".

é um membro sênior do Mises Institute, especialista em história americana.  É o autor de nove livros, incluindo os bestsellers da lista do New York Times The Politically Incorrect Guide to American History e, mais recentemente, Meltdown: A Free-Market Look at Why the Stock Market Collapsed, the Economy Tanked, and Government Bailouts Will Make Things Worse. Dentre seus outros livros de sucesso, destacam-se Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental (leia um capítulo aqui), 33 Questions About American History You're Not Supposed to Ask e The Church and the Market: A Catholic Defense of the Free Economy (primeiro lugar no 2006 Templeton Enterprise Awards). Visite seu novo website.

CHINA E O "TRABALHO ESCRAVO"


O protecionismo e o "trabalho escravo" dos chineses



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"Nossos trabalhadores e nosso mercado de trabalho têm de ser protegidos contra a mão-de-obra escrava chinesa e seus produtos baratos!"
Há quantas décadas se ouve esta justificativa em prol da imposição de tarifas de importação?
De todas as críticas ao livre comércio, esta não apenas é a mais ignara, como também é a menos defensável em termos puramente empíricos.  Em primeiro lugar, tal crítica pressupõe que os governos, ao longo da história, sempre impuseram tarifas ou outras restrições contra bens produzidos por trabalhadores escravos.  Mas o que a história nos ensina, muito pelo contrário, é que os governos praticamente nunca impuseram tarifas ou restrições sobre importações de bens produzidos por trabalho escravo.  Por quê?  Porque as principais exportações de sociedades baseadas no trabalho escravo são matérias-primas, produtos de baixo valor agregado. 
Em outras palavras, o argumento apresentado não bate com os fatos.  A pessoa que recorre a tal argumento nunca se deu ao trabalho básico de analisar os fatos.  Ela está simplesmente repetindo, por puro automatismo, um argumento que parece bonito e moral, mas que na realidade é simplório, sem sentido e obtuso.
Permita-me sintetizar o raciocínio que está por trás deste argumento.  Se destituirmos este argumento de toda a indignação moral que ele finge afetar — a qual é completamente falsa —, eis as pressuposições econômicas que sustentam a defesa de tarifas de importação:
"Sabemos que o trabalho escravo é altamente produtivo.  A livre iniciativa não é capaz de competir com o trabalho escravo.  E impossível um sociedade livre competir, de igual para igual, com uma sociedade de escravos.  O planejamento central feito por uma sociedade de escravos é simplesmente muito produtivo e eficiente demais.  Nenhum trabalhador de uma nação capitalista é capaz de defender a si próprio e o seu emprego utilizando sua própria produtividade econômica.  Ele necessita de funcionários públicos nas fronteiras do país, com armas e distintivos, fiscalizando e proibindo a importação de bens produzidos por escravos.
"Qualquer pessoa que argumente que o sistema de livre mercado é muito produtivo e totalmente capaz de competir com o trabalho escravo é um completo ignorante.  Tal pessoa realmente não possui ciência da enorme produtividade do trabalho escravo.  Ela também é igualmente ignorante quanto à patética produtividade do livre mercado.
"Sociedades baseadas no trabalho escravo são altamente produtivas.  Se você quiser que alguém se torne um exímio artesão, ou um produtor altamente eficiente de bens e serviços especializados, ou um excepcional projetista de produtos de tecnologia de ponta, não há maneira mais eficiente de fazer isso do que forçá-lo a trabalhar sob a mira de uma arma, ameaçando matá-lo de fome caso se recuse a trabalhar exaustivamente.
"A enorme produtividade do trabalho escravo representa uma ameaça tão grande às pessoas de paz do resto do mundo, que é imperativo fazer com que políticos enviem funcionários públicos com armas e distintivos para proibir a importação de bens que foram produzidos por hordas de trabalhadores escravos.  Se isso não for feito, os trabalhadores pateticamente ineficientes que vivem sob um regime de capitalismo de livre mercado verão seus salários definharem em decorrência da incomparável produtividade do trabalho escravo.
Este argumento soa ridículo?  É claro que sim.  Trata-se de um implícito ataque à eficácia das instituições do livre mercado.  Trata-se de um implícito ataque à produtividade de trabalhadores que hoje usufruem e se beneficiam do enorme investimento de capital que foi feito no Ocidente ao longo dos últimos dois séculos.  Tal argumento está simplesmente afirmando que o trabalho escravo é produtivo e que o trabalho livre e altamente capitalizado é improdutivo.  Tão ilógico, irracional e absurdo é este argumento, que ninguém tem a coragem de dizê-lo clara e abertamente.  A pessoa ou não entende as reais implicações de seu argumento — que trabalhadores em sociedades livres têm de ser protegidos contra bens produzidos por mão-de-obra escrava — ou ela realmente acredita que sociedades escravagistas são enormemente produtivas, e que sociedades livres simplesmente não são capazes de competir com elas.
O argumento beira o burlesco.  Ele também é deliberadamente enganoso.  A pessoa que recorre a este argumento jamais fornece qualquer evidência estatística de que os bens produzidos por trabalhadores escravos estão sendo avidamente comprados por consumidores que vivem em sociedades livres.  A pessoa não é capaz de apontar quais produtos são produzidos por mão-de-obra escrava.  Tampouco ela é capaz de mostrar que estes produtos dominam uma significativa fatia do mercado em sociedades de livre mercado.
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Na maioria dos casos, a pessoa não é nem capaz de mencionar um único produto que tenha sido produzido por trabalho escravo e do qual alguém já tenha ouvido falar.  Considerando-se que a Iugoslávia era uma sociedade comunista, e que portanto se baseava no trabalho coercivo, seu mais famoso bem produzido se transformou em uma das maiores chacotas da história da produção automobilística: o Yugo.

Matérias-primas
Os únicos casos de importações oriundas de sociedades escravagistas que podem ser utilizados como exemplos de bens que penetraram os mercados ocidentais são as matérias-primas, especialmente o petróleo.  O valor destas exportações das sociedades escravagistas se deve quase que inteiramente ao valor econômico imputado pelos consumidores ocidentais a estas matérias-primas.  O componente mão-de-obra destas exportações é insignificante.  Trabalhadores coagidos são capazes de extrair minerais e outras matérias-primas da terra.  Trata-se de um trabalho rudimentar e não sofisticado.  A produção destas indústrias extrativas que utilizam trabalho escravo seria muito maior caso os planejadores permitissem o capitalismo de livre mercado; porém, o alto valor das matérias-prima contrabalança o baixo valor e a baixa qualidade da mão-de-obra utilizada para extraí-las.
Raramente ouvimos falar de alguma sociedade que tenha imposto tarifas ou outras restrições sobre a importação de minerais industriais ou de matérias-primas. (As tarifas americanas sobre o açúcar são uma horrenda exceção).  Nunca ouvimos falar de restrições sobre a importação de petróleo estrangeiro.  Portanto, o argumento de que os trabalhadores ocidentais têm de ser protegidos contra o trabalho escravo estrangeiro é um fato negado pela explícita e desimpedida importação de minerais e de outras matérias-primas, os quais são utilizados por trabalhadores destes países importadores para produzir bens valiosos.  Estes trabalhadores se tornam os beneficiários das matérias-primas e do petróleo importados.  Logo, o único possível exemplo da veracidade deste clichê protecionista nunca é de fato confirmado na prática.
Quando você voltar a ouvir este argumento, peça para o protecionista citar quais são as cinco nações que compõem o grosso do comércio internacional de seu país.  Primeiro, ele não terá ideia de quais são as cinco nações que majoritariamente comercializam com seu país.  Segundo, assim que você mostrar a ele quais são estas cinco nações, peça a ele para identificar qual destas nações depende do trabalho escravo para produzir os bens e serviços que ela exporta.  Tão logo ele vir a lista, ele ficará engasgado e não encontrará uma resposta.  As nações que detêm um grande volume de comércio internacional (exportação e importação) são aquelas que comercializam com outras nações que possuem livre mobilidade de mão-de-obra, mercados de capitais bastante desenvolvidos, sofisticadas instituições de pesquisa, e uma alta produtividade decorrente do uso intensivo de capital.  Nenhuma destas características é encontrada em uma sociedade que faz uso de trabalho escravo.
Em suma, o argumento é ilógico e absurdo tanto em termos de teoria econômica quanto em termos de fatos empíricos.  Nenhuma nação que utiliza trabalho escravo encontra mercados no Ocidente para seus produtos manufaturados.  Seus produtos são vagabundos e fajutos demais para penetrar de maneira significativa nos mercados do Ocidente.
A China
Quase sempre, o defensor de tarifas sobre a importação de bens produzidos por trabalho escravo irá utilizar o exemplo da China.  Este certamente é um dos argumentos mais ignaros e parvos da história do pensamento econômico.
Durante o período em que a China estava sob o domínio do camarada Mao, o país praticamente não fazia parte do comércio internacional.  O país não tinha produtos capazes de encontrar mercados no Ocidente.  Os chineses mal conseguiam se alimentar.  Em algumas épocas, eles de fato não se alimentavam.  O país não tinha nada de valor para exportar.  Não tinha reservas internacionais.  Não tinha algo que nem remotamente se assemelhasse a uma produção industrial em larga escala.  Era uma nação à beira do quarto mundo.  A única coisa que o país conseguia produzir em larga escala era armamento.  Ele não exportava nada para o Ocidente.
Hoje, após um grande período de sucessivas liberalizações econômicas, a China se tornou um grande concorrente nos mercados ocidentais.  Seus trabalhadores podem se mover e se mudar para onde quiserem.  Estamos testemunhando a maior migração da história da humanidade, da pobreza rural para a vida urbana de classe média.  Centenas de milhões de pessoas saíram da zona rural e se mudaram para as grandes cidades.  Isto não é trabalho escravo; isto é trabalho livre. 
Não há restrições governamentais à movimentação dos trabalhadores.  Eles têm liberdade de decidir para onde querem ir e onde querem trabalhar.  Há muito poucas leis e restrições governamentais sobre a contratação destes trabalhadores.  Não há praticamente nenhum sistema de seguridade social imposto pelo estado.  O mercado de trabalho chinês é amplamente mais livre do que os mercados de trabalho do Ocidente, que são repletos de leis trabalhistas, de regulamentações, de onerosos encargos sociais e trabalhistas e de sindicatos que gozam do explícito apoio dos governos — o que significa que eles não apenas têm o direito legal de conclamar greves e interromper o funcionamento dos meios de produção das empresas, sem que os donos nada possam fazer, como também podem determinar quais empregados podem e quais não podem ser contratados pelas empresas.  Apenas os trabalhadores sindicalizados podem.
Alie tudo isso a uma crescente carga tributária, e você terá os motivos por que as indústrias ocidentais estão tendo tantas dificuldades para concorrer com os trabalhadores chineses.
Os trabalhadores chineses são livres para trocar de emprego, e os empregadores chineses podem legalmente contratar quem eles quiserem.  Sob estas condições, os trabalhadores do Ocidente estão mais próximos da escravidão do que os trabalhadores chineses.  Na Europa, por exemplo, os trabalhadores que não são sindicalizados acabam sendo, na prática, forçados a procurar apenas aqueles empregos menos desejados, pois os sindicatos, por gozarem do apoio de seus governos, conseguem restringir o mercado de trabalho apenas para seus membros, deixando de fora os não sindicalizados.  Os sindicatos utilizam o governo para enviar burocratas com armas e distintivos às empresas com o intuito de proibir os empregadores de contratar trabalhadores não sindicalizados.  Isto não é livre mercado; isto é um mercado manipulado pelo estado.
Portanto, da próxima vez que você ouvir alguém argumentando que os trabalhadores do seu país têm de ser protegidos contra bens estrangeiros produzidos por trabalho escravo, mostre a ele que o motivo de os trabalhadores ocidentais quererem proteção é porque eles é que são a mão-de-obra escrava.  Eles sentem que está cada vez mais difícil competir com trabalhadores que vivem em uma nação que honra os princípios da livre mobilidade de mão-de-obra e dos contratos voluntários entre empregados e empregadores. 
A China é uma concorrente feroz e ardorosa não porque é uma sociedade que possui trabalho escravo, mas sim porque está concorrendo com trabalhadores que vivem em um regime cujos mercados de trabalho são amplamente controlados por seus governos.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seuwebsite

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A FALTA DE VONTADE POLÍTICA


O Brasil assiste, hoje, a dois acontecimentos singularmente importantes: o julgamento do mensalão e a greve no serviço público. O mensalão, independentemente do desfecho do julgamento, é uma prova de vitalidade das instituições. Já a greve é um sinal de imaturidade nas relações dos servidores com a administração pública.

A grande repercussão midiática do mensalão contrasta com a do movimento paredista, somente percebido pelos que são diretamente por ele atingidos. Em nenhum dos casos, entretanto, há uma reflexão sobre as causas que explicam acontecimentos tão indesejáveis, o que é prenúncio de que eles possam voltar a ocorrer.

No campo político, é necessário perquirir as razões pelas quais pessoas pouco virtuosas almejam mandatos políticos. Não me impressiona o argumento de que o financiamento público das campanhas eleitorais seria fator capaz de desencorajar a corrupção eleitoral. Ele, simplesmente, iria universalizar o caixa 2.

O que mais provavelmente anima a postulação eleitoral das pessoas pouco virtuosas é o direito ao foro privilegiado nos processos judiciais e, sobretudo, a possibilidade de operar verbas orçamentárias, por meio das chamadas emendas.

O foro privilegiado é uma aberração que segrega as pessoas, em função dos cargos que ocupam. E ao fazê-lo, paradoxalmente, suprime dos privilegiados o direito ao julgamento em dupla instância.

Ainda que não tenham grande expressão nos gastos públicos totais, sendo, por esse motivo, negligenciadas pelos analistas de finanças públicas, as verbas orçamentárias, qualificadas como transferências voluntárias, propiciam perigosos conluios que envolvem políticos, empreiteiras e outras empresas contratadas pela administração pública. Essas verbas estiveram na origem de tenebrosos escândalos, rotulados como “anões do Orçamento”, “sanguessugas” e outros esquisitos nomes.

Servem também como instrumento de barganha para cooptar os parlamentares, como uma espécie de mensalão que não requer saques em misteriosas agências bancárias, sacolas de dinheiro ou complexas operações de lavagem de dinheiro. A extinção do foro privilegiado é matéria de solução simples, ao passo que o disciplinamento das transferências voluntárias se inscreve numa reestruturação do processo orçamentário, com base no artigo 163, inciso I, da Constituição.

Vivemos, todavia, um longo período de apatia legislativa, em boa medida causada pela tirania das medidas provisórias, da qual resulta mora legislativa levada ao extremo. Na outra vertente das singularidades da agenda política contemporânea, temos a greve no serviço público, que parece ser grande, mas não se sabe ao certo sua dimensão, e se anuncia como legal, ainda que não seja reconhecida como tal pela Justiça.


A vítima, em síntese, é o povo, não bastasse a insólita colaboração das greves para aviltar ainda mais os precários serviços públicos. Não seria justo negar aos trabalhadores da função pública o direito à reivindicação salarial. De mais a mais, a Constituição admite, no artigo 37, inciso VII, o direito à greve, nos termos e limites fixados por lei específica. Essa lei, contudo, inexiste, o que obrigou o Supremo Tribunal Federal, incidentalmente, a suprir a preguiça legislativa. Menos mal, mas insuficiente.Algo, entretanto, é certo: existem vítimas. São jovens que frequentam a escola pública – de má qualidade, quase sempre – cujas perspectivas de inclusão profissional são adiadas. São empresas que não conseguem realizar negócios para reanimar nosso combalido produto interno bruto (PIB). São doentes que não conseguem acesso aos serviços de saúde pública.

Esse quadro sem contornos bem definidos encerra uma montanha de dúvidas. Os dias parados devem ser pagos? A morosidade, mal disfarçada como operação-padrão, deve ser punida? Greve de policiais deve ser tida como motim? Quais são os serviços essenciais que não podem ser paralisados? Qual o rito das assembleias para a aprovação de uma greve? Deveria haver um canal institucionalizado de negociações ou um tribunal especial de conciliação e julgamento para evitar a deflagração do movimento grevista?

A greve, especialmente no serviço público, deve ser um recurso extremo, porque o interesse individual ou corporativo não pode suplantar o interesse público. As demandas quase sempre incluem um “novo plano de cargos e salários”, o que, em verdade, é uma forma oblíqua de postulação salarial. Constituem, além disso, uma evidência de que inexiste uma lei geral de remuneração do serviço público, que previna a assimetria de remuneração entre os funcionários dos diferentes Poderes, institucionalize a ascensão profissional fundada no mérito, discipline as vantagens dos servidores, etc.

Sempre que uma demanda política não desfrutava viabilidade ou consistência, dizia-se que faltava “vontade política” para atendê-la, numa manifestação primária de voluntarismo. Falta vontade política, agora sim, para remover as causas da corrupção eleitoral e da degradação dos serviços públicos. Por: Everardo Macie

Fonte: O Estado de S. Paulo, 06/09/2012

TODO PODER CORROMPE



“Tolerância religiosa, moderação no exercício do poder, humanismo e benevolência eram doutrinas aceitas durante o século XVIII. Mas nessa refinada sociedade ocorreu desumana revolução. Tudo dependia de um poder central. E a centralização sobreviveu à realeza derrubada, surgindo um poder absoluto de maior ferocidade que o das monarquias”, registrava Tocqueville a respeito das ameaças de degeneração dos ideais democráticos. A concentração dos poderes políticos, a hipertrofia do Estado e a centralização administrativa são as maldições de regimes políticos fechados. “O poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente”, advertia o liberal Lord Acton.


É com esse sentido de necessário aperfeiçoamento de nossas frágeis instituições democráticas que me interessa o julgamento do mensalão. Trata-se, afinal, segundo o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, do “mais ousado esquema de corrupção e desvio de dinheiro público”, do “atentado mais grave que já tivemos à democracia brasileira”.Sofremos ainda desses males, em transição incompleta para uma sociedade aberta. Os petistas estão no banco dos réus no episódio do mensalão. Mas houve também acusações contra os tucanos quando da emenda constitucional que garantiu a reeleição de FHC e do que teria sido o mensalinho na eleição de Azeredo para o governo de Minas. Como surgiu também, logo depois, o mensalão do DEM, com Arruda no Distrito Federal. E agora a CPI do Cachoeira, atingindo o governador Perillo, do PSDB. O infindável ciclo de acusações recíprocas é apenas manifestação epidérmica do Princípio de Gause, uma guerra de extinção entre espécies semelhantes pelo domínio de um mesmo nicho ecológico. O fundamental é que essas práticas políticas degeneradas estão associadas à concentração do poder político, à hipertrofia do Estado e à centralização administrativa. “As piores características dos sistemas centralizados não são acidentais, e sim fenômenos que são suas consequências diretas, mais cedo ou mais tarde. É por isso que os menos escrupulosos e os mais desinibidos são cada vez mais bem-sucedidos nesse ambiente. Em nome dos mais nobres ideais, mergulha-se em uma atmosfera moral deformada, em que os fins justificam os meios e os piores são os que chegam ao topo”, alerta o liberal Hayek.

Fonte: O Globo, 06/08/2012

QUEM REALMENTE INVENTOU A INTERNET?


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Um momento significativo da atual corrida presidencial norte-americana ocorreu recentemente quando Barack Obama disse: "Se você tem um empreendimento, não foi você quem o construiu. Foi outra pessoa quem o possibilitou." Ele justificou este seu ato de elevar burocratas acima de empreendedores referindo-se também a pontes e estradas, dizendo que todas existem unicamente graças ao estado. E, no final, arrematou: "A internet não foi inventada do nada. A pesquisa governamental criou a internet, de modo que, só então, todas as empresas puderam ganhar dinheiro com ela."

O governo ter criado a internet é uma daquelas lendas urbanas que perduram até hoje. O mito é que o Pentágono criou a internet com o intuito de poder manter operantes suas linhas de comunicação mesmo sob ataque nuclear. A verdade, no entanto, é bem mais interessante, e mostra como as inovações ocorrem no mercado — e mostra também o quão difícil é criar empresas tecnológicas bem sucedidas mesmo quando o governo sai da frente.

Para muitos tecnólogos, a ideia da internet remonta a Vannevar Bush, conselheiro da presidência dos EUA para assuntos tecnológicos durante a Segunda Guerra Mundial. Foi ele quem supervisionou o desenvolvimento do radar e do Projeto Manhattan. Em 1946, em um artigo escrito para a revista The Atlantic chamado "As We May Think", Bush definiu um ambicioso objetivo tecnológico para aquele vindouro período de paz: construir o que ele chamou de "memex", por meio do qual "formas totalmente novas de enciclopédias surgirão, trazendo com elas uma malha de trilhas associativas prontas para ser adicionadas ao memex e então ampliadas."

Isso excitou imaginações e, na década de 1960, tecnólogos já estavam tentando fazer com que redes de comunicações fisicamente separadas fossem conectadas em uma só rede global — a "world-wide web" [rede de alcance mundial]. O governo americano estava envolvido no projeto, modestamente, por meio da ARPA (Advanced Research Projects Agency — Agência de Projetos de Pesquisa Avançados, agência do Departamento de Defesa americano). A ARPA criou a ARPANET, que tinha o objetivo de interligar as bases militares e os departamentos de pesquisa do governo americano

Mas o objetivo do governo americano não era o de manter suas comunicações durante um ataque nuclear, e tampouco a ARPA criou a internet. O próprio Robert Taylor, que comandou o programa ARPA na década de 1960, enviou um email para os colegas tecnólogos em 2004 esclarecendo a questão: "A criação da ARPANET não foi motivada por considerações sobre a guerra. A ARPANET não era uma internet. A internet é uma conexão entre duas ou mais redes de computadores."

Se o governo não inventou a internet, então quem a inventou? Vinton Cerf foi o sujeito que desenvolveu os protocolos TCP/IP, que são espinha dorsal (ou, no contexto adequado, a rede de transporte) da internet. E Tim Berners-Lee merece os créditos pelos hyperlinks.

Mas o crédito completo vai para a empresa na qual Robert Taylor trabalhou após ter saído da ARPA: a Xerox. Foi nos laboratórios da Xerox PARC, no Vale do Silício, na década de 1970, que a Ethernet foi desenvolvida para conectar diferentes redes de computadores. Os pesquisadores de lá, além de terem desenvolvido o primeiro computador pessoal (o Xerox Alto), também desenvolveram a interface gráfica do usuário, a mesma que ainda conduz a utilização dos computadores atuais.

De acordo com um livro sobre a Xerox PARC, "Dealers of Lightning", de Michael Hiltzik, os pesquisadores perceberam que não poderiam ficar eternamente esperando o dia em que o governo finalmente decidiria conectar as diferentes redes. Logo, eles resolveram fazer tudo por conta própria. "Nós temos um problema mais imediato do que eles", disse Robert Metcalfe ao seu colega John Shoch em 1973. "Nós temos mais redes do que eles." Mais tarde, o Sr. Shoch contaria que os funcionários da ARPA "estavam trabalhando com financiamento do governo e com contratos com universidades. Eles tinham de lidar com burocratas que estavam supervisionando o contrato... e com todo aquele comportamento lento e lúgubre típico dessa gente."

Mas então, tendo criado a internet, por que a Xerox não se tornou a maior empresa do mundo? A resposta explica a discrepância que há entre uma visão empreendedorial pautada pelo estado e como as inovações realmente ocorrem.

Os executivos da matriz da Xerox na cidade de Rochester, estado de Nova York, estavam concentrados em vender copiadoras. Do ponto de vista deles, a Ethernet era importante apenas para que pessoas em um escritório pudessem conectar seus computadores para compartilhar uma copiadora. Foi então que, em 1979, Steve Jobs negociou um acordo pelo qual o departamento de capital de risco da Xerox investiu US$1 milhão na Apple, com o requisito de que Jobs fosse completamente informado sobre todas as inovações da Xerox PARC. "Eles não faziam a menor ideia do que possuíam", Jobs diria mais tarde, após lançar seus extremamente lucrativos computadores Apple, nos quais ele utilizou os conceitos desenvolvidos pela Xerox.

O ramo de copiadoras da Xerox se manteve lucrativo por décadas, mas a empresa, no final, vivenciou anos de prejuízos gerados pela revolução digital. Os administradores da Xerox podem se consolar com o fato de que é raro uma empresa conseguir fazer a transição de uma era tecnológica para outra.

Quanto ao papel do governo no processo, a internet foi completamente privatizada em 1995, quando uma fatia da rede que ainda estava sob o controle pela National Science Foundation (Fundação Nacional da Ciência) foi abolida — imediatamente quando a internet comercial começou a crescer. O blogueiro Brian Carnell escreveu em 1999: "A internet, de fato, reafirma aquela crítica básica feita pelos defensores do livre mercado ao governo. Por 30 anos, o governo deteve um protocolo imensamente poderoso de transferência de informações, o TCP/IP, mas ele ficou mofando sem ser utilizado. . . . Em menos de uma década, empresas privadas assumiram o controle deste protocolo e criaram umas das mais importantes revoluções tecnológicas do milênio."

É importante entender a história da internet porque ela é, com muita frequência, citada enganosamente como exemplo e como justificativa para se ter um governo grande. É importante também reconhecer que construir grandes empresas de tecnologia é algo que requer, além de inovações, a habilidade para saber levar estas inovações ao mercado. Como nos mostrou o contraste entre a Xerox e a Apple, são poucos os empreendedores que obtêm sucesso nesse desafio. Aquele que conseguem merecem o crédito por fazer isso acontecer — e não o governo.



Gordon Crovitz é executivo e conselheiro de mídia e da indústria de informação. Foi editor do The Wall Street Journal e vice-presidente executivo da Dow Jones. Formou-se na Universidade de Chicago e é bacharel em direito pelas universidades de Oxford e Yale.

domingo, 5 de agosto de 2012

O INESCAPÁVEL


Segue abaixo um texto de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que aos 81 anos de idade continua mais lúcido e assertivo do que nunca, pontuando fatos e contextualizando as mazelas dos últimos 10 anos. 

Se assim continuarmos seremos a Argentina amanhã. 

Grande parte dos eleitores continua anestesiado, sem perceber o beco sem saída em que o Brasil se meteu. Tributação alta, endividamento do estado e do cidadão  crescentes, baixo nível de investimento e educação precária, é receita certa para o desastre.


Soma-se a isso a cultura da transgressão que predomina neste país, ou como é mais conhecida a tal de “lei de Gerson” onde cada um quer levar vantagem a qualquer custo.

Aloysio Tiscoski

Ao voltar de férias, percorri os jornais: só dá mensalão e Olimpíada. Não é para menos, mas é pouco. Consolou-me haver lido uma matéria de David Brooks sobre a campanha eleitoral em seu país. Basta ler o título, A campanha mais tediosa, para que o leitor se dê conta do baixo-astral que envolveu o comentarista ao seguir os embates entre Barack Obama e Mitt Romney. Isso a despeito de os americanos ainda estarem sufocados pela crise e de haver muito que debater sobre como sair dela e sobre o papel dos Estados Unidos num mundo cheio de incertezas. Mas o cotidiano não se alimenta de decisões históricas...



Como seria bom se pudéssemos apenas nos deliciar com a sensibilidade e a inteligência da crônica de Roberto DaMatta sobre os elos humanos que aparecem na novela Avenida Brasil, não tão diferentes dos que relacionam o antropólogo com seus objetos de estudo. Ela nos dá um banho de vida. Infelizmente, nesta semana não dá para falar apenas das estrelas. A dura realidade é que começou na quinta-feira um julgamento histórico sobre o qual não faltaram palavras sensatas. Uns, como José Nêumanne, mostraram as Falácias e enganos acerca do mensalão de maneira crua e direta. Outros, como Dora Kramer, desvendaram a Falsa dicotomia entre julgamento técnico e julgamento político. Outros ainda, como Elio Gaspari, sem negar que torcer faz parte da alma humana, insistem em que o importante é que os magistrados julguem de maneira compreensível para o povo. Que não nos confundam com o jargão da toga. E há os que abrem o jogo, mostram suas apostas, como o Zuenir Ventura, para logo dizer que tudo é mero palpite, pois não se pode saber o que passa na cabeça dos julgadores.

Por mais que se deseje ser objetivo, tenho tentado, e por mais prudente que se deva ser na antevéspera do julgamento (no momento em que escrevo este artigo), é inegável a sensação de que talvez estejamos no começo de uma nova fase de consolidação das instituições democráticas. Existe também o temor de que ela se perca. É isso que produz ansiedade e faz com que os comentaristas mais perspicazes - incluo neles Merval Pereira -, ao falarem sobre o tema, acabem por deixar transparecer o que gostariam que acontecesse. De minha parte, torço para que não haja impunidade. Calo sobre quem deva ser punido e em que grau, mas não se deve obscurecer o essencial: houve crime.

Embora, portanto, esteja engrossando o número dos obcecados com o mensalão, não posso esconder certa perplexidade diante da despreocupação com que recebemos as notícias sobre a crise internacional, como se, de fato, a teoria da marolinha tivesse substituído o bom senso na economia. Não dá para ignorar que com toda a inundação de dólares a baixo custo feita pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), a economia do país não reage. Na Europa, por mais que seu Banco Central se diga disposto a cobrir qualquer parada dos especuladores, os mecanismos para tornar efetiva a gabolice estão longe da vista. Resultado: mal-estar social e desemprego crescente. A própria China, bastião da grandeza capitalista mundial, parece mergulhar em taxas decrescentes de crescimento, as quais, se bem que nos deem água na boca (entre 6% e 7%), são insuficientes para atender aos reclamos dos chineses e, mais ainda, para sustentar a maré dos preços elevados das matérias-primas, principalmente minerais.

Tudo indica, portanto, que os efeitos da crise mundial, somados à inércia nas transformações de fundo da economia que marcou o governo Lula, acabaram por levar nossa economia, se não às cordas, ao canto do ringue. O governo atual, não querendo beijar a cruz, embora já ajoelhado diante da realidade, despejou uma série de paliativos de todos conhecida: redução setorial de impostos, créditos de mão beijada para alguns setores beneficiados, expansão dos gastos públicos correntes e, até, desvalorizações da moeda e redução das taxas de juros. Em situações "normais" de crise, o receituário funcionaria. Um pouco de sustentação da demanda, jogando-se nos ombros de Keynes a responsabilidade pela ligeireza de certas medidas, animaria o consumo e daria aos empresários o apetite para investir. Diante, entretanto, da duração e da profundidade da crise atual, é pouco. Serão necessárias medidas verdadeiramente keynesianas que dizem respeito à sustentabilidade dos investimentos, públicos e privados, e ao incremento da produtividade. Desafio duro de roer e que não se pode levar adiante somente com os recursos públicos nas mãos de uma burocracia politizada.

É esse o desafio que o governo Dilma Rousseff tem pela frente. Quem sabe, premido pelas circunstâncias, ele finalmente reconheça, na prática, o que o lulopetismo sempre negou: que as reformas que meu governo iniciou precisam ser apoiadas e retomadas com maior vigor. Nem as estradas, nem os aeroportos e muito menos as fontes de energia darão o salto necessário sem alguma forma de privatização ou de concessão. Elas terão de vir se quisermos de fato crescer mais aceleradamente. Só com estabilidade jurídica, aceleração dos investimentos em infraestrutura e educação, melhor balanceamento energético será possível despertar não apenas, como está na moda dizer-se, o "espírito animal" dos empresários, mas a crença de todos nós no futuro do Brasil.

Ao contribuir para a consolidação da Justiça como um valor, parte essencial da modernização do nosso país, o julgamento do mensalão poderá ser um marco histórico. Basta que seja sereno e justo para injetar mais ânimo em nossa política e para que esta volte a olhar o Brasil com a clareza de que somos um país capaz de andar com as próprias pernas graças à nossa seriedade e aos conhecimentos que desenvolvemos. Só assim deixaremos de flutuar ao sabor das ondas favoráveis às economias primário-exportadoras para podermos dar rumo próprio ao nosso futuro.
Por: Fernando Henrique Cardoso O Globo

sábado, 4 de agosto de 2012

VEM AÍ O PAC DA PRIVATIZAÇÃO


Pode parecer provocação, mas, acreditem, é só um comentário: a presidente Dilma lança a partir da próxima semana uma agenda liberal-ortodoxa. Começa com o que se chama, nos gabinetes oficiais, de PAC das concessões. Trata- se de transferir para a iniciativa privada mais de dez mil quilômetros de rodovias e ferrovias, um tipo de política que, na oposição, o PT chamava de privatização.

E é isso mesmo. Nesse processo, a concessionária não se torna dona da estrada, por exemplo, mas é como se fosse, pois a administra, explora e obtém lucros conforme a lógica da empresa privada. A estrada é efetivamente dela por todo o tempo da concessão. Logo, pode-se dizer que vem aí o PAC das privatizações — no bom sentido.

Depois, vem o PAC das desonerações. Trata-se de redução de impostos para diversos setores. Finalmente, um PAC especial para a energia elétrica, programa para retirar e/ou reduzir taxas e impostos que tornam a conta de luz brasileira uma das mais caras do mundo.

Essa agenda vem sendo proposta há muitos anos, antes mesmo de o então presidente Lula inventar os PACs. A base era e é a seguinte: o Brasil precisa de uma nova onda de investimentos, sobretudo em infraestrutura, e que só podem ser privados. Isso porque o Estado já gasta demais (pelo que é obrigado a cobrar carga pesada de impostos) e gasta mal, muito em custeio e pouco em investimento. E mais: quando se mete a investir, revela uma enorme ineficiência.

Já o setor privado tem competência (empresas brasileiras fazem obras importantes pelo mundo afora) e capacidade de mobilizar capital.

Em 2007, quando se discutia o que fazer depois do apagão aéreo, uma CPI no Senado chegou a propor a privatização, perdão, concessão dos 11 maiores aeroportos brasileiros. Ministros do governo Lula contaram que essa medida estava, de fato, em estudos.

Mas não prosperou. Em 19 de julho de 2007, escrevíamos aqui mesmo: “As privatizações (sob forte ataque político) pararam no segundo mandato de FHC e foram banidas pelo governo Lula. Desde então, o que se fez de significativo para a infraestrutura nacional? Pode procurar. Agora, tem o PAC, para recuperar o investimento público. Prevê R$ 3 bilhões, até 2011, para todos os aeroportos nacionais. Não dá nem para uma guaribada.”

Se Dilma pode fazer hoje, por que Lula e Dilma, que estavam no governo, não poderiam ter feito lá atrás?

Tanto não funcionou que a presidente Dilma, cinco anos depois, iniciou a privatização de três aeroportos e, parece, colocará outros na nova agenda. Se Dilma pode fazer hoje, por que Lula e Dilma, que estavam no governo, não poderiam ter feito lá atrás?

Ideologias atrasadas custam caro. A mesma agenda, digamos, ortodoxa dizia ainda que o investimento privado dependia de um ambiente de negócios mais favorável. Isso, de sua vez, exigia uma sequência de medidas microeconômicas de modo a facilitar a vida de quem pretende empreender e ganhar dinheiro honestamente. No topo dessa prioridade, a redução estrutural de carga tributária — não o quebra-galho de desonerar um setor aqui, outro ali, compensando com aumento de impostos em outras áreas, tudo resultando em aumento líquido da arrecadação, como tem acontecido.

Parece que o próximo movimento da presidente Dilma vai na direção de uma redução horizontal de impostos. Mas convém ficar de olho.

As burocracias, a ideologia estatizante do PT e a fisiologia dos partidos governistas, ávidos por cargos, obras e verbas, continuam formando um poderoso obstáculo. No caso das concessões, por exemplo, existe a tendência de se colocar restrições e exigências exageradas às empresas privadas, nacionais e estrangeiras. Isso reduz a rentabilidade do negócio — e parece que o objetivo oculto é esse mesmo — e afasta as principais companhias do setor, como aconteceu com a recente concessão de aeroportos.

Além disso, parece que o governo foi para essa agenda na base do desespero, diante da fraca reação da economia a estímulos ao consumo. E falta a outra perna desse programa: políticas de eficiência para o gasto público, assim como a contenção de despesas de custeio. E, o leitor sabe, coisas feitas sem convicção, e pela metade, não funcionam. Por: Carlos Alberto Sardemberg

Fonte: O Globo, 02/08/2012