domingo, 16 de setembro de 2012

JOAQUIM É O ALVO



O Partido da Imprensa Governista (PIG) começou a descer o pau no ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão. O PIG é parente da imprensa chapa branca que sobrevive da caridade oficial. Basicamente, é o conjunto de blogs, sites e portais que serve ao governo e aos partidos que o apoiam. Trata-se de mais um aspecto da herança pesada deixada por Lula para Dilma, por mais que ela negue.

Por que Joaquim virou alvo de malhação? Porque o desempenho dele até aqui desagrada ao PT. Porque ele deve a Lula sua nomeação para o Supremo Tribunal Federal (STF) e, no entanto, atua com a independência que se espera de todo juiz. Registre-se por dever de ofício: ele e outros ministros indicados por Lula e Dilma.

Naturalmente o PIG está impedido de expor com clareza as razões de sua revolta contra Joaquim. Seria insensato fazê-lo. Correria o risco de perder seus poucos leitores tamanho é o prestígio de Joaquim nas chamadas redes sociais. Ali ele virou uma espécie de anjo vingador. Um anjo preto, zangado, irritadiço e sempre à beira de um ataque de nervos.

Sem audiência, para quê sustentar o PIG? Só para que continuasse a disseminar intrigas durante períodos eleitorais? Para que funcionasse como laboratório onde se testam palavras de ordem? Ou para que seguisse defendendo aliados do governo? Collor, Sarney, Renan - toda essa gente conta com a ajuda do PIG quando se lhe apertam os calos. Sem utilidade, adeus patrocínio!

O PIG argumenta que Joaquim está sendo muito rigoroso com os réus do mensalão. Como se rigor fosse um exagero e a condescendência o mais aconselhável. Não ria: membro mais afoito e mais bem remunerado do PIG comparou Joaquim com inquisidores da Idade Média que torturaram e mataram. Seria o nosso Torquemada!

No fim do século XV, na Espanha, o dominicano Tomás de Torquemada, promovido a inquisidor-geral pelo papa Inocêncio VIII, recomendava parafusos nos polegares dos heréticos enquanto rezava contrito e baixinho pela salvação de suas almas. Se Joaquim procede como ele, o STF virou o endereço nobre e espaçoso dos novos inquisidores.

Sim, porque Joaquim não julga sozinho. Na última segunda-feira, por exemplo, ele condenou Ayanna Tenório, uma das diretoras do Banco Rural, o financiador de parte do mensalão. E aí? Aí que Ayanna acabou absolvida por 9 votos contra um. Ninguém no STF é voto de cabresto de ninguém. Um homem, um voto. De resto...

De resto que as decisões do STF no processo do mensalão estão sendo tomadas por larga maioria de votos. É isso, e apenas isso o que está tornando possível até agora o próprio julgamento. O julgamento mais longo e complexo da história da Corte Suprema. Que não tem data para terminar. E que não se sabe como terminará.

Em dezembro de 2005, quando ficou pronto o relatório da CPI dos Correios que apurou o esquema do mensalão, Lula se recusou a lê-lo. Disse que só lhe interessava a palavra final da Justiça. Depois se antecipou à Justiça e decretou que o mensalão não passara de uma farsa. Delúbio Soares preferiu chamá-lo de "piada de salão".

Joaquim Torquemada e sua equipe de torturadores já concluíram que de farsa o mensalão nada teve. Assim como também nada teve de engraçado. A prática de corrupção entre nós não cessará com a condenação dos réus do mensalão. A impunidade, talvez, a depender da força da bordoada que acabe levando.
Por: Ricardo Noblat O Globo

domingo, 9 de setembro de 2012

UMA EDUCAÇÃO QUE AMPUTA O CÉREBRO


O Brasil das Olimpíadas segue as diretrizes do Ministério da Educação e trata os negros como seres dançantes e gregários, destituídos de razão pelos feitores de almas.


Antes mesmo de pisar em solo inglês para disputar as Olimpíadas de 2012, o Brasil já vinha de uma queda de braço com o Reino Unido. Trata-se de uma disputa econômica para ver quem ocupa o sexto lugar da economia mundial. A princípio, a vitória é do Brasil. Com um PIB (Produto Interno Bruto) de 2,45 trilhões de dólares em 2011, o Brasil havia ultrapassado o Reino Unido, tornando-se a sexta maior economia do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e França. Todavia, com a desvalorização do real frente ao dólar, ocorrida nos últimos meses, o PIB brasileiro deve cair para o patamar de 2,34 trilhões de dólares, levando o Reino Unido a recuperar a sexta posição, enquanto o Brasil voltará a ser a sétima economia mundial, ainda assim, à frente da Itália, Rússia e Canadá.

Em outras palavras, o Brasil não é mais o longínquo País de 1936, do qual o escritor Stefan Zweig (1881-1942) se despediu, ao cabo de sua primeira visita, pensando: “Percebi que havia lançado um olhar para o futuro do mundo”. Nosso futuro já chegou.

Talvez não saibamos aproveitá-lo. Antes daquele elogio do escritor austríaco, o Conde Afonso Celso (1860-1938), enumerando, em 1900, as grandezas que o levavam a ufanar-se do Brasil, indagava a respeito do País: “É verdade que a grandeza não deriva da simples posse de dons valiosos, mas do seu sábio aproveitamento. Por que, porém, deixaremos de pôr em ação os nossos prodigiosos recursos?”. Essa pergunta reboa até hoje nos ouvidos da nação, que, a despeito de estar entre as maiores economias do mundo, ainda se vê como a pátria da esperança e não das realizações.

O brasileiro nunca percebeu o Brasil como obra sua e, sim, como dádiva de Deus. Por isso, a despeito de ser a sexta ou sétima economia do mundo, o gigante continua deitado em berço esplêndido, comodamente adaptado ao olhar estrangeiro, que sempre viu o País como uma exuberante natureza morta, destituída de pessoas à altura da história. Como confessa Stefan Zweig: “Imaginava que o Brasil fosse uma república qualquer das da América do Sul, que não distinguimos bem umas das outras, com clima quente, insalubre, com condições políticas de intranquilidade e finanças arruinadas, mal administrada e só parcialmente civilizada nas cidades marítimas, mas com bela paisagem e com muitas possibilidades não aproveitadas – país, portanto, para emigrados ou colonos e, de modo nenhum, país do qual se pudesse esperar estímulo para o espírito”.
A fúria machadiana
machado


E esse mal não é novo. Já incomodava o “Escritor Nacional” (como diria o personagem Donga Novais do novelário de Autran Dourado), a propósito de quem a escritora Nélida Piñon cinzelou a máxima: “Se Machado de Assis existiu, então o Brasil é possível”. Escrevendo semanalmente na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, entre 24 de abril de 1892 e 11 de novembro de 1900, o criador do alienista Simão Bacamarte dedicou uma de suas crônicas a repudiar o viciado olhar estrangeiro que só via no Brasil a paisagem natural, desprezando completamente o povo que habitava essas paragens, como se não fora digno de constar nem mesmo no rodapé da história.

Em 20 de agosto de 1893, a propósito de um telegrama de Sarah Bernhardt (1844-1923), em que a atriz parisiense desmentia os conceitos a respeito do Brasil que um jornal argentino lhe atribuíra, Machado de Assis (1839-1908) discorre sobre essa espécie de síndrome do Brasil telúrico, sempre mais próximo da natureza do que da cultura. Para desculpar-se com o Brasil, Sarah Bernhardt havia empregado a expressão “pays féerique” (“país feérico”), razão da crítica de Machado: “Uma das minhas convicções (e tenho poucas) era esta: se algum dia Sarah escrever a nosso respeito, não empregará a velha chapa de todos os viajantes que por aqui passam: ce pays féerique. E tu, amiga minha, tu arrancas-me sem piedade esta ilusão do meu outono”.

Machado de Assis é sarcástico: “O meu sentimento nativista, ou como quer que lhe chamem, – patriotismo é mais vasto, – sempre se doeu desta adoração da natureza. Raro falam de nós mesmos; alguns mal, poucos bem. No que todos estão de acordo, é no pays feérique. Pareceu-me sempre um modo de pisar o homem e as suas obras. Quando me louvam a casaca, louvam-me antes a mim que ao alfaiate. Ao menos, é o sentimento com que fico; a casaca é minha; se não a fiz, mandei fazê-la. Mas eu não fiz, nem mandei fazer o céu e as montanhas, as matas e os rios. Já os achei prontos”.

O escritor lembra, nesta crônica, que há muitos anos havia ciceroneado um estrangeiro no Rio e que este, numa noite em que falaram da cidade e sua história, mostrou desejo de conhecer uma velha construção: “Citei-lhe várias; entre elas a igreja do Castelo e seus altares. Ajustamos que no dia seguinte iria buscá-lo para subir o morro do Castelo. Era uma bela manhã, não sei se de inverno ou primavera. Subimos; eu, para dispor-lhe o espírito, ia-lhe pintando o tempo que por aquela mesma ladeira passavam os padres jesuítas, a cidade pequena, os costumes toscos, a devoção grande e sincera”.

Mas a decepção de sempre aguardava Machado: “Chegamos ao alto, a igreja estava aberta e entramos. Sei que não são ruínas de Atenas; mas cada um mostra o que possui. O viajante entrou, deu uma volta, saiu e foi postar-se junto à muralha, fitando o mar, o céu e as montanhas, e, ao cabo de cinco minutos: ‘Que natureza que vocês têm!’ (...) A admiração do nosso hóspede excluía qualquer ideia da ação humana. Não me perguntou pela fundação das fortalezas, nem pelos nomes dos navios que estavam ancorados. Foi só a natureza”.

Enegrecimento à força

Se Machado de Assis encarnasse uma de suas criaturas, o defunto-autor Brás Cubas, e se fizesse cronista póstumo deste Brasil da Copa e das Olimpíadas, haveria de notar que as coisas pioraram ainda mais e que já não é apenas a geografia do País que se conforma em ser cartão-postal – hoje, é a própria alma da nação que se entrega feito natureza morta. Como no verso do poeta e crítico piauiense Mário Faustino (1930-1962) – “o olhar recebe a forma e esquece a essência” –, o brasileiro é convocado a encarnar em sua própria alma a aparência que o mundo formou dele: um ser feito só de sentidos, em que o instinto é maior do que a razão.

PeJoséMaurício


É o que se percebe, por exemplo, no clipe com a canção-tema das Olimpíadas, dirigido por Estevão Ciavatta, da Pindorama Filmes, e lançado em agosto pela Prefeitura do Rio de Janeiro. O clipe reforça esse Brasil para inglês ver, expresso pela alma carioca no que ela ter de pior – a absorção, em si mesma, do clima tórrido e insalubre, palco da terrível febre amarela, no passado, e da dengue, no presente, como se essas enfermidades do corpo plasmassem o próprio espírito da gente trêfega, que, de modo bisonho e malemolente, desfila por esse vídeo que vai mostrar ao mundo a imagem do palco oficial das Olimpíadas de 2016.

Composta por Arlindo Cruz, Rogê e Arlindo Neto e produzida por Alexandre Kassin, a música-tema Os Grandes Deuses do Olimpo Visitam o Rio de Janeiro é interpretada por Diogo Nogueira, Mart’nália, Mr. Catra, Thalma de Freitas, Zeca Pagodinho, Ed Motta e pelo próprio Arlindo Cruz. Além dos intérpretes, ela reúne vários músicos, como Buchecha, Fernanda Abreu, Fundo de Quintal, Jorge Aragão, Pedro Luís, Roberta Sá, Ronaldo Bastos, Sandra de Sá, Toni Garrido, Zélia Duncan e as Velhas Guardas do Império Serrano e da Vila Isabel. No clipe, aparece até mesmo a escritora Nélida Piñon, fazendo o papel da deusa Atena, em meio a outros artistas, como Fernanda Montenegro e Rodrigo Santoro, que também encarnam personagens mitológicas. Mas a música nada tem a ver com o corpo atlético de Apolo. Ela exalta o corpo relaxado de Baco: “Ficaram na roda de samba até clarear / ficaram até de perna bamba de tanto sambar”.

Os deuses do Olimpo são praticamente os únicos brancos do clipe. A inclusão do negro no imaginário visual do país está sendo feita à custa da exclusão do branco – que, no entanto, representa 47,7% do total de brasileiros, segundo dados do IBGE. Os negros propriamente ditos são apenas 7,6%. Mas como o governo petista – cavalo de santo do racismo de laboratório produzido pela academia – está empenhado em fomentar uma guerra racial no país, os negros passaram a ser chamados oficialmente de “pretos” (termo que até outro dia era amaldiçoado pela ditadura do politicamente correto) e, somados aos 43,1% de pardos (que foram enegrecidos à força), formam um contingente de 50,7% de negros estatísticos. Obviamente, essa população negra só existe na mente pueril das autoridades, teleguiada pela insanidade moral dos intelectuais universitários.

Eugenia às avessas
O clipe das Olimpíadas de 2016 reduz os brasileiros ao perfil simiesco de exportação, em que as gentes dos trópicos são sempre apresentadas como não tendo cérebro, feitas exclusivamente para rebolar no samba e jogar bola. E, como sempre, o negro é convocado a fazer esse papel abjeto. Seguindo a política racialista iniciada pelo governo Fernando Henrique e transformada em eugenia às avessas pelo governo Lula, o clipe faz do Brasil um país exclusivamente de negros. E o que é mais grave: uma vez que o País é uma nação de negros, a Prefeitura do Rio entendeu que é também uma nação de bola, pandeiro e cachaça. Só faltou explorar a indefectível imagem das mulatas seminuas esfregando as calipígias formas no rosto louro de algum estrangeiro.
rebouças


Nos últimos anos, especialmente depois da ascensão de Lula ao poder, o símbolo por excelência do Brasil passou a ser o negrinho de periferia jogando bola nas ruas, utilizado exaustivamente em comerciais de TV. Essa imagem, confesso, me dá asco duplamente: primeiro, por vilipendiar o negro, circunscrito a corpo e sentido, sem cérebro; segundo, por conseguir esconder o verdadeiro e óbvio racismo que está por trás dessa redução do negro a uma espécie de fenômeno bruto da natureza, incapaz de se relacionar com elementos nobres da cultura, como um livro, um violino, uma aquarela.

É claro que jogar bola e dançar capoeira não avilta ninguém, mas fazer dessas atividades a expressão por excelência da cultura negra é, sem dúvida, alijar o negro do universo intelectual que produziu o teatro de Shakespeare, as sinfonias de Beethoven, a física de Einstein.

Mas, no fundo, é justamente isso o que faz o Ministério da Educação no documento Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais, publicado em 2006, na gestão do ex-ministro Fernando Haddad, atual candidato a prefeito de São Paulo. Citando o jornalista e sociólogo Muniz Sodré, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o documento do MEC enfatiza textualmente: “Na cultura negra o corpo é fundamental”. Só na cultura negra? – cabe a pergunta. Um povo que não considerasse o corpo como fundamental estaria condenado ao suicídio coletivo.

Toda cultura zela pelo corpo com sua melhor tecnologia, sejam as raízes cultivadas pela tradição, seja o bisturi adestrado na ciência. Até a cultura judaico-cristã, acusada de vilipendiar o corpo com jejuns e martírios, foi uma precursora da profilaxia, como se vê nas leis de Moisés.

Mas, obviamente, o MEC não está falando da dimensão simplesmente física e médica do corpo. Fala de um corpo que é quase um cosmos em si mesmo. O documento parte de uma concepção demencial do negro, como se ele não fosse um brasileiro como os outros e tivesse acabado de aportar no Brasil do século XXI proveniente da Angola do século XVI. É o que fica claro no restante do texto do MEC: “Na cultura negra o corpo é fundamental. Sobre o corpo se assenta toda uma rede de sentidos e significados. Esse não é apartado do todo, pertence ao cosmos, faz parte do ecossistema: o corpo integra-se ao simbolismo coletivo na forma de gestos, posturas, direções do olhar, mas também de signos e inflexões microcorporais, que apontam para outras formas perceptivas”.

Negro como natureza


Não há limite para a demência do MEC e das universidades nas orientações que fornecem à escola sobre o modo de tratar a cultura negra. Depois de afirmar que “o corpo é a representação concreta do território em movimento” (uma frase digna de hospício), o documento do MEC sustenta: “Ao contrário de uma percepção de mundo na qual a alma é onde reside a força e a possibilidade de continuidade, para uma cultura negra a força está no corpo, não existe essa ideia de uma força interior alavancada pela ação da fé. Toda possibilidade encontra-se no corpo potente que procura suas mediações nas relações que constitui no cosmos, daí o compartilhamento como práxis ser uma questão fundamental para se entender a dinâmica de uma cultura negra no Ocidente”.

Releiam esta absurda frase: “Para uma cultura negra a força está no corpo, não existe essa ideia de uma força interior alavancada pela ação da fé”. Esse documento do MEC fere frontalmente a Constituição ao querer impedir os negros brasileiros – majoritariamente cristãos – de exercer livremente sua crença. E mais do que ofender a fé do negro, o MEC – neste texto vil e moralmente criminoso – vilipendia a própria humanidade do negro ao negar-lhe a alma, o espírito, a razão, deixando-lhe tão-somente o corpo, como faziam os traficantes de escravos. Estarrece saber que esse documento oficial do MEC foi escrito por cinco mulheres – vítimas potenciais de toda cultura centrada na força física. A mulher só tem lugar na civilização, onde impera o cérebro; onde manda o corpo, ela vira repasto do macho, como ocorre entre a maioria dos animais.

Mas o MEC não se contém em suas orientações sobre a cultura negra na escola e chega a reduzir o negro a um mero elemento da natureza. Eis o que diz o documento: “Todos trocam algo entre si, homens, mulheres, árvores, pedras, conchas. Sem a partilha, não há existência possível. Faz-se necessário pensar que a cultura negra não está marcada por uma necessidade de conversão. Existe um sentido de agregação que não gira em torno de uma verdade única”. Após esse ataque nada sutil ao cristianismo, o MEC regurgita outras bobagens sobre as “comunidades de matriz africana” (isso existe no Brasil?) para concluir: “Uma visão de mundo negra implica a possibilidade de abertura para o mundo, para a vida e principalmente para o outro. Por exemplo, em uma ‘roda de capoeira’, todos que compartilham os códigos são aceitos, desde que se coloquem como parceiros(as) e respeitem a hierarquia”.
Pensamento mágico do MEC


Para essa abominável pedagogia do MEC, herdeira da nefasta autoajuda marxista de Paulo Freire, o negro não é um brasileiro como os demais: cristão, falante do português, eivado dos mesmos sonhos da gente comum, que quer estudar, trabalhar, constituir família, criar filhos, vencer na vida. Para os lunáticos do MEC, o negro é um ser à parte, prisioneiro da materialidade do seu próprio corpo, que se agrega à natureza como um elemento indistinto dela. O MEC está tratando o negro como sempre tratou o índio: arranca-lhe a alma humana, legada pela civilização, e o atira na paisagem de uma cultura telúrica – em vez de ser sujeito da natureza, o negro se torna tão objeto dela quanto os bichos, as pedras, as plantas. Se isso não for racismo, não sei o que seja.

Para completar, o documento do MEC chega a flertar com o pensamento mágico, que vê na cultura do negro brasileiro uma circularidade ancestral. Eis o que diz o texto, sentenciosamente: “E aqui vale uma pequena abordagem relativa à circularidade. Para a cultura negra (no singular e no plural), o círculo, a roda, a circularidade é fundamento, a exemplo das rodas de capoeira, de samba e de outras manifestações culturais afro-brasileiras. Em roda, pressupõe-se que os saberes circulam, que a hierarquia transita e que a visibilidade não se cristaliza. O fluxo, o movimento é invocado, e assim saberes compartilhados podem constituir novos sentidos e significados, e pertencem a todos e todas elas”. Alguém consegue imaginar cientistas e matemáticos movimentando-se em rodas de capoeira para formular teoremas, descobrir o antibiótico, inventar o avião? Pensar é concentrar-se. Esse negro gregário, plástico, permanentemente aberto ao outro que o MEC inventa não é capaz de criar civilização – é objeto e não sujeito de sua própria cultura.

E aí voltamos ao clipe das Olimpíadas de 2016, da Prefeitura do Rio, que segue integralmente as diretrizes do MEC e das universidades relativas à cultura negra. O clipe mostra um Dionísio caindo de bêbado nas ruas (numa infeliz referência a Baco, que é o antônimo de Olimpíadas), uma negra sambando num bar e ainda um trabalhador negro, de calção e sem camisa, carregando uma geladeira ao mesmo tempo em que dança. É essa a imagem que o Brasil vende ao mundo: a de um povo tão esculhambado que não leva a sério nem o trabalho. E, como sempre, cabe ao negro encarnar esse papel vergonhoso.

Como se não bastasse tudo isso, entre os negros chamados a representar o Brasil monocromático do samba está um tal Mr. Catra. Fui pesquisar quem é o sujeito. Ele se diz convertido ao judaísmo apenas para poder praticar, sob as leis do país, a poligamia de Fernandinho Beira-Mar, tendo várias mulheres e mais de 20 filhos, dos quais ele nem sabe o nome. Suas letras – facilmente encontradas na Internet – colocam as mulheres muito abaixo das cadelas de rua. Impossível citá-las aqui como exemplo. Seria como abrir o esgoto. Não creio que alguma corrente do judaísmo aprove isso. Mas a Prefeitura do Rio, o MEC e os intelectuais universitários aprovam. Tanto que Mr. Catra é um queridinho da mídia.
Feitores de almas

Cruzesousa


É lamentável que se dê espaço tão nobre para esse tipo de negro, como se ele fosse representativo da cultura afro-brasileira. Os negros legaram ao Brasil, entre muitas outras coisas, o maior poeta simbolista do país, que é também o maior escritor de um dos Estados mais brancos – Cruz e Sousa (1861-1898), de Santa Catarina. Também legaram um dos maiores músicos eruditos da América Latina, o padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), em cuja obra se inspira o próprio Hino Nacional Brasileiro. E seria preciso escrever um verdadeiro tratado de história e sociologia do conhecimento para enumerar todos os mulatos – começando por Machado de Assis, Lima Barreto (1881-1922) e o engenheiro André Rebouças (1838-1898) – que, em plena escravidão, legaram obras fundamentais ao país em todas as áreas.

Mas tanto no clipe das Olímpiadas, quanto nas diretrizes do MEC e nas teses universitárias, não há lugar para esse tipo de negro altivo, cerebral, não gregário. Para os racialistas do MEC e da academia, os negros foram feitos para dançar e sorrir. Não sentem tristeza, não sabem o que é reflexão, não se permitem ser introspectivos. E andam sempre em bando, como se não fossem indivíduos, mas reses de algum rebanho. Sua música jamais seria um blues. É sempre um samba, falando ao corpo, jamais à alma. Aliás, todas as manifestações culturais tidas como autenticamente negras pelas universidades – como a capoeira, o hip hop, a roda de samba, o funk – costumam ter essas duas características: são gregárias e dançantes, condenando o negro a viver em bando, superficialmente.

Ao tratar o negro dessa forma, a universidade brasileira age da mesma forma que os brutais traficantes de escravos. Foram eles que criaram – na base do açoite – esse negro dançante e sorridente. No livro A Vida dos Escravos do Rio de Janeiro (Editora Companhia das Letras, 2000), a historiadora norte-americana Mary Karasch descreve a venda de escravos no Valongo (o grande mercado de negros da corte) e conta que os comerciantes negreiros, a fim de convencer os compradores de que suas peças não estavam com “preguiça” ou depressão, ministravam-lhes estimulantes como pimenta, gengibre e tabaco. “Um segundo remédio para a nostalgia era ‘estimular’ os africanos a cantar e dançar a música de suas terras natais”, acrescenta a historiadora.

“Assim, o som de tambores e palmas e das canções africanas enquanto os escravos dançavam contribuía para a atmosfera do Valongo. Se alguns escravos se recusassem a tomar parte, um feitor forçava-os a dançar, porque acreditavam que a falta de movimento estimularia a nostalgia e assim diminuiria seus lucros. Além disso, exigia-se com frequência que os africanos dançassem de ‘maneira alegre’ durante seu exame físico, a fim de convencer os compradores de sua saúde excelente. Se expressassem seus verdadeiros sentimentos ou apatia e depressão eram açoitados”, conta a historiadora. Felizmente, o negro se libertou daqueles antigos feitores de corpos; mas precisa se libertar dos atuais feitores de almas – que tentam anular sua mente, reduzindo seu ser a um corpo que samba.

 Publicado no Jornal Opção, de Goiânia.
Ilustrações: Jornal Opção
José Maria e Silva é sociólgo e jornalista.

POR QUE ELES ODEIAM O MERCADO?


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Entre os intelectuais, o modismo de sempre é culpar todas as mazelas da sociedade no livre mercado. Basta dar uma olhada no conteúdo dos cursos universitários, nas palavras dos professores, nas publicações acadêmicas e mesmo nos jornais dos grêmios universitários. Todos eles concordam entre si nesse quesito.

O desprezo popular pelo mercado é angustiante. Poucas instituições são tão universalmente vilipendiadas, e talvez poucas instituições sejam tão universalmente incompreendidas. E essa desinformação é perigosa: os radicais que protestam tão veementemente contra o funcionamento do livre mercado raramente percebem que estão defendendo o fim da única instituição que pode aprimorar o padrão de vida das pessoas.

Parodiando o poeta Robert Frost, deveríamos primeiro examinar como funciona o paraíso para, só então, tentarmos mudar o mundo. Em outras palavras, devemos entender como algo é antes de começarmos a falar como ele deveria ser. Nesse artigo, farei precisamente isso: vou esclarecer a definição de "livre mercado" e então argumentar que os chamados 'pecados' do mercado são erroneamente interpretados.

Cabe a nós, antes de tudo, definir aquilo sobre o qual estamos falando. Muitas discordâncias têm suas origens na incompreensão e no equívoco. Portanto, vamos definir o "livre mercado": o site dictionary.com define um "mercado" como "uma oportunidade de comprar ou vender" e um "livre mercado" como "um mercado econômico no qual a oferta e a demanda não são reguladas ou são reguladas com restrições mínimas". "Livre mercado" e "capitalismo" são praticamente sinônimos, e é George Reisman quem define o capitalismo de maneira eloquente:



O capitalismo é um sistema social baseado na propriedade privada dos meios de produção. É caracterizado pela busca do interesse próprio em termos materiais — em um ambiente livre da iniciação de força física —, e seus alicerces são culturalmente influenciados pela razão. Baseado em suas fundamentações e em sua natureza essencial, o capitalismo é mais detalhadamente caracterizado pela poupança e pela acumulação de capital, pelas trocas voluntárias intermediadas pelo dinheiro, pelo interesse próprio financeiro e pela busca do lucro, pela livre concorrência e pela desigualdade econômica, pelo sistema de preços, pelo progresso econômico, e por uma harmonia da busca pelo interesse próprio material de todos os indivíduos que dele participam.

Assim, podemos definir o "livre mercado" como um sistema social baseado na troca voluntária de títulos de propriedade. E, ainda assim, o "livre mercado" é quase que universalmente vilipendiado dentro da academia.

Várias críticas populares ao mercado são tão batidas que já asseguraram a caricatura de clichê (críticos do capitalismo diriam que tais críticas são um "axioma"). Elas podem ser condensadas em algumas poucas proposições amplas, as quais consideraremos aqui. Elas são: o mercado é antissocial, o mercado atropela os direitos humanos, o mercado é o inimigo do meio ambiente e o mercado é a arma dos ricos contra os pobres. Vamos analisar uma de cada vez.

Um dos mais populares mitos sobre a economia de mercado é que ela necessariamente gera uma tipicamente hobbesiana "guerra de todos contra todos", um mundo em que todos se devoram e todos competem em uma briga por recursos, sendo que o final é um jogo de soma zero. Outros já chegaram inclusive a afirmar que o mercado pode levar toda a espécie humana à autodestruição. A conclusão, portanto, é que o mercado é algo belicoso e hostil: se os recursos são finitos e todos vivem para consumir, então conflitos — e guerras — serão necessariamente o resultado natural. 

Mas conflitos e guerras são a exata antítese dos princípios do livre mercado. A essência das trocas de mercado é a cooperação: dois lados trocam bens e serviços, e ambos saem enriquecidos dessa troca. Você vai a uma loja e paga por uma gravata. A loja compra a gravata do fabricante. O fabricante paga pela mão-de-obra e pelo capital necessários para produzir a gravata. Todos ganham no processo.

O leitor deve também observar que as pessoas nunca começam guerras de conquista e subjugação com a intenção de ampliar as trocas voluntárias de bens e serviços. Com efeito, muitas guerras ocorrem fundamentalmente por motivos anticapitalistas: a saber, disputas comerciais. Vale a pena sempre recorrermos à sabedoria de Frédéric Bastiat, que alertou que, quando os bens deixam de cruzar as fronteiras, os exércitos cruzarão.

Outra crítica popular ao livre mercado é que ele atropela os direitos humanos. Escravidão, racismo, machismo e "trabalhos precários" são filhos do capitalismo; portanto, a economia de mercado deve ser derrubada e destruída o mais rápido possível.

Em primeiro lugar, a escravidão é antimercado por definição: mercados livres são guiados pelo princípio do voluntarismo. Em segundo, racismo e machismo são difíceis de serem sustentados em mercados competitivos: não importa o quanto um determinado empregador odeie negros, mulheres, judeus, homossexuais etc., os consumidores raramente estão dispostos a pagar o preço extra que seria necessário para que ele satisfaça eternamente seu desejo pela discriminação. 

Tragicamente, regulamentações sobre as condições de trabalho e a imposição de um salário mínimo maior tendem a exacerbar — ao invés de mitigar — as discriminações, pois removem as penalidades que empregadores preconceituosos sofreriam em um mercado competitivo e eliminam uma importante margem que poderia ser utilizado por grupos marginalizados. Quando as pessoas não mais podem competir com base em preços, quantidade e qualidade, as empresas passam a poder discriminar com base em algo que não seja a produtividade.

Em um mercado livre e desimpedido, um empregador racista seria penalizado (lucros menores que os de seus concorrentes) se ele incorresse em qualquer tipo de discriminação. Sem um salário mínimo imposto, seria caro para um empregador racista negar a mão-de-obra de um trabalhador negro que se dispusesse a trabalhar por um valor menor que o de um branco. Porém, quando o estado passa a fixar o preço da mão-de-obra, e as condições de trabalho são determinadas por decreto, esse mesmo empregador estará apto a exercer suas preferências racistas sem que receba uma merecida punição capitalista. É por isso que um salário mínimo mais alto acaba com o único trunfo que os grupos historicamente discriminados têm a seu favor.

Ademais, o mercado tem sido profundamente benevolente mesmo para as mais oprimidas minorias. Em sua magistral obra Competition and Coercion: Blacks in the American Economy 1865-1914, Robert Higgs narrou cronologicamente os espetaculares ganhos e conquistas obtidos pelos filhos e filhas de escravos quando eles passaram a poder participar da economia de mercado.

Em terceiro lugar, temos de fazer duas perguntas quando consideramos a má situação da mão-de-obra em "trabalhos precários". Primeira: por que as condições de trabalho são tão miseráveis? Segunda: quais são as alternativas boas para esses trabalhadores? As condições de trabalho no terceiro mundo são ruins exatamente porque vários desses países apenas recentemente começaram a adotar as instituições que caracterizam as economias de mercado do ocidente. As melhores alternativas para esses trabalhadores são normalmente pavorosas: crime, prostituição e fome. Se os trabalhos precários forem proibidos, essas serão as únicas alternativas sobrantes.

Também é bastante popular acusar o mercado de ser o inimigo do meio ambiente. Outra mentira; a degradação ambiental ocorre exatamente quando os direitos de propriedade são debilmente especificados, fiscalizados e zelados. Se há alguma entidade que fracassou quanto a isso, é o estado. Há ampla evidência desse fracasso nos países comunistas: vários lagos, rios e correntezas da antiga União Soviética são tão poluídos, que são inutilizáveis. O economista George Reisman dedicou uma considerável porção do seu magistral tratado Capitalismà interação entre o mercado e o meio ambiente, e ele mostra que afirmação de que "o mercado é o inimigo do meio ambiente" é baseada em ficções.

A economia de mercado também é acusada de ser a arma suprema dos ricos contra os pobres. A "meritocracia" capitalista seria a responsável pela ampla e difundida pobreza, pela desigualdade desenfreada e pelo domínio mundial das grandes corporações. Embora esses desafios às instituições capitalistas tendam a gerar uma retórica intrigante, eles são completamente falsos.

Os países pobres de hoje já eram pobres muito antes de as modernas e liberais economias de mercado se desenvolverem na Europa e na América do Norte; portanto, não se pode culpar o capitalismo pela pobreza deles. Muitos críticos também apontam para a desigual distribuição de riqueza como evidência das mazelas do capitalismo, mas tal acusação ignora dois pontos cruciais.

O primeiro é a mobilidade de renda: dependendo da liberdade econômica do país, alguém nascido na pobreza tem uma boa chance de ascender na escala social. Segundo, embora a distribuição de renda monetária seja desigual, a facilidade de acesso aos bens de composição tecnológica similar aumentou consideravelmente. Durante a maior parte da história mundial, a diferença entre ricos e pobres era a diferença entre aqueles que comiam e aqueles que morriam de fome. Na economias de mercado atuais, a diferença entre os super ricos e os pobres é a diferença entre aquele que dirige um Dodge Viper e aquele que dirige um Chevrolet da década de 1980.

O leitor deveria também observar que o poder que se imagina que as "grandes corporações" tenham está exagerado. Uma característica exclusiva do capitalismo de livre mercado é que as maiores recompensas vão para aqueles que satisfazem às demandas do cidadão comum. Nos EUA, por exemplo, pense no Wal-Mart, o bode expiatório favorito dos intelectuais de esquerda: a clientela do Wal-Mart é formada quase que exclusivamente de pessoas das classes média e baixa. O capitalismo gera uma riqueza fantástica, e os benefícios vão quase que inteiramente para os menos afortunados dentre nós.

Ludwig von Mises disse tudo de maneira sucinta em uma série de palestras publicadas postumamente como o nome de As Seis Lições. Ele observa que

Este é o principio fundamental do capitalismo tal como existe hoje em todos os países onde há um sistema de produção em massa extremamente desenvolvido: as empresas de grande porte, alvo dos mais fanáticos ataques desfechados pelos pretensos esquerdistas, produzem quase exclusivamente para suprir a carência das massas. As empresas dedicadas à fabricação de artigos de luxo, para uso apenas dos abastados, jamais têm condições de alcançar a magnitude das grandes empresas. E, hoje, os empregados das grandes fábricas são, eles próprios, os maiores consumidores dos produtos que nelas se fabricam. Esta é a diferença básica entre os princípios capitalistas de produção e os princípios feudalistas de épocas anteriores.

A "relação de poder", um conceito tão caro aos marxistas, é exatamente oposta àquela imaginada: os consumidores, e não os produtores, é que ditam o rumo da produção.

Não obstante tudo isso, os inimigos do mercado argumentam que a única razão pela qual as pessoas toleram as economias de mercado é porque elas são obrigadas a tal. A evidência das imigrações ocorridas ao longo do século XX não dá respaldo a essa hipótese. Milhares de pessoas morreram tentando cruzar as fronteiras da Alemanha Oriental e da Coréia do Norte — e não havia o mesmo movimento na direção oposta. Similarmente, milhares de cubanos arriscaram suas vidas e integridade física tentando fugir para os EUA. Até onde se sabe, nenhuma pessoa desafiou o oceano em uma balsa caseira em busca de melhores condições de vida em Cuba.

Finalmente, trata-se de ignorância pura e simples dizer que o mercado "falhou" de alguma maneira significativa. Ao proferir tal sentença, seria necessário propor uma alternativa superior. Nesse caso, tanto a teoria quanto a história estão firmemente a favor do livre mercado. Mises e Hayek demonstraram que o cálculo econômico racional é impossível sem que haja propriedade privada dos meios de produção. Isso não significa que uma "economia socialista" seja ineficiente — significa que uma economia socialista é uma contradição prática. Nossa experiência com revoluções radicais e economias planejadas ao longo do século XX não é nada estimulante: em nome do "povo", Che Guevara matou milhares, Hitler milhões, Stalin e Mao dezenas de milhões.

Pode até ser chique culpar a economia de mercado por todas as mazelas da sociedade, mas não apenas essa acusação é sem sentido como também a fé dos intelectuais em alternativas para o mercado é inteiramente fictícia. Nunca nenhum regime socialista teve eleições livres, e nenhum livre mercado já produziu algum campo de extermínio. Contrariamente às opiniões de acadêmicos e intelectuais populares, o mercado funciona. E pode botar essa na conta.

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Notas

[1] Reisman, George. 1996. Capitalism: A Treatise on Economics (Ottawa, IL: Jameson Books), p. 19.
Art Carden é professor-assistente de economia e finanças no Rhode Island College em Memphis, Tenessee, além de ser membro adjunto do Independent Institute, localizado em Oakland, Califórnia. Seus papers podem ser encontrados na sua página no Social Science Research Network. Ele também escreve regularmente nos blogs Division of Labour e The Beacon.

ASSIM SE COMPORTA O JORNALISMO NOSSO DE CADA DIA


Alguém ainda lembra do último massacre de ianomâmis? Aquele ocorrido dia 5 de julho passado e denunciado pela Horonami Organización Yanomami (HOY), organização que reúne indígenas ianomâmis? Segundo Luis Ahiwei, secretário-executivo da ONG, 80 índios teriam sido massacrados por garimpeiros brasileiros, que atiraram, de helicóptero, contra um shabono (cabana), onde restaram só cadáveres carbonizados. A notícia surgiu na imprensa international dia 29 de agosto e rolou mundo, desde a BBC à France Presse, desde o El País a L’Express, desde o Süddeutsche Zeitung ao New York Times. Apenas nove dias são passados e ninguém mais fala no bárbaro massacre. 

Os jornais abandonaram o assunto como se jamais o tivessem comentado. Publicaram apenas uma nota do governo da Venezuela, assegurando não ter ocorrido massacre algum no país. Nenhuma errata, nenhum pedido de desculpas aos leitores pela barriga. Em meio a isso, os agentes do mal – isto é, um grupo de garimpeiros brasileiros – foram satanizados urbi et orbi. Como no massacre dos ianomâmis – que não houve – em 1993, na aldeia Haximu, quando quatro garimpeiros foram condenados sem que se tivesse encontrado cadáver algum.

Os jornalistas têm-se se revelado de gatilho fácil quando se trata de denunciar atentados aos “direitos humanos”. Isto é, quando brancos maltratam negros, quando europeus humilham africanos, quando garimpeiros matam índios. Não precisam nem checar os fatos. Basta que surja a denúncia. Se é de maltrato de brancos contra “excluídos”, os fatos só podem ser verdadeiros.

Comentei no início do ano um artigo de Rosa Montero, colunista de El País, publicado em maio de 2005. Vamos ao caso, conforme relata a cronista.

Em um comedor universitário na Alemanha, uma estudante pega uma bandeja de comida do selfservice e senta-se em uma mesa. Nota que esqueceu os talheres e vai buscá-los. Ao voltar, vê com surpresa que um jovem negro está comendo em sua bandeja. Duvida um momento, mas por fim, condescendente, senta-se para dividir sua comida com o intruso, que se mostra amigável e sorridente. Quando terminam de comer, o rapaz vai embora e, ao levantar-se, ela se dá conta de que sua bandeja está intacta, junto a seu abrigo, na mesa ao lado.

Comovente, não? A alemã racista acha que o negro apoderou-se de sua bandeja. Em um laivo de condescendência, consente em reparti-la com o negro. O bom negrinho nada objeta, apesar de a bandeja ser sua. A arrogância e o racismo europeus confrontam-se com a humildade e a generosidade africanas. Dá vontade de chorar.

Ao final do artigo, Rosa Montero alertava: “Dedico esta historia deliciosa, que además es auténtica...”. Deliciosa, pode ser. Mas não era autêntica. Mais ainda, era plágio de ficções. Constava do livro Galletitas, de Jorge Bucay. Outros situam sua origem em uma narrativa do escritor britânico Douglas Adams, publicado no final dos 70. Ou ainda a um conto juvenil da escritora Federica de Cesco – adorável suissesse que tive a honra de conhecer em meus dias de Estocolmo – intitulado "Spaghetti für zwei". 

Quem não lembra do caso da brasileira que foi atacada na Suíça, em fevereiro de 2009, por um grupo de skinkeads e teve o corpo retalhado com símbolos nazistas? A Folha de São Paulo mancheteou com gosto:

BRASILEIRA É ATACADA NA SUÍÇA POR SKINHEADS E PERDE BEBÊS

Paula Oliveira estava grávida de gêmeas; ela foi agredida em cidade perto de Zurique
Cortes a estilete feitos nas pernas da advogada formam a sigla do SVP, partido suíço que apoia política anti-imigrante
 

O texto é assinado pela reportagem local. Duas fotos frontais, da barriga e das pernas da moça, mostram escoriações onde se vê nitidamente a sigla SVP. Reproduzo trecho da notícia: 

Uma advogada brasileira de 26 anos foi espancada e teve boa parte do corpo retalhado por estilete na Suíça por três homens brancos e carecas que pareciam skinheads, na noite de segunda-feira.
Grávida de três meses de gêmeas, Paula Oliveira sofreu aborto na mesma noite, quando foi socorrida e internada em hospital universitário de Zurique. Ela continua em repouso, mas já não corre mais risco de morte.
 

A notícia correu mundo, fez a primeira página de centenas de jornais, tanto na Europa como na América Latina. Os cronistas da Folha, desde Clóvis Rossi a Bárbara Gância e Eliane Cantanhêde deitaram verbo em suas colunas, evocando a xenofobia e um ressurgimento do nazismo. Rossi, em indignado artigo, vituperava:

O galope da selvageria

O atentado contra a advogada brasileira Paula Oliveira nas imediações de Zurique é um desses episódios tão bestiais que dá vontade de passar ao largo, fingir que não leu, para não ter que aceitar que a humanidade ainda oferece tal grau de selvageria.
 

Dramática, Cantanhêde não deixava por menos:

A Paula somos nós

Não houve roubo nem estupro. Logo, até ordem em contrário, só há uma explicação plausível para a selvageria de três homens contra a advogada brasileira Paula Oliveira, de 26 anos, que perdeu bebês gêmeos depois de espancada e cortada com estilete por três skinheads na Suíça: xenofobia.
Os skinheads não nasceram com a crise internacional, e a covardia contra Paula não foi a primeira nem será a última. Apesar disso, o episódio só reforça a sensação, ou o temor, de que as dificuldades econômicas e o crescente desemprego exacerbem o protecionismo e a xenofobia nos países ricos.
 

Bárbara Gância, apocalíptica, evocava Orwell:

Emmanuel Goldstein voltou

VAI COMEÇAR tudo de novo. A Europa não digere bem o diferente, não gosta nem mesmo dos seus. Na Itália, e também na Suíça, cidades separadas por coisa de 40, 50 quilômetros falam dialetos ou línguas completamente diferentes e, muitas vezes, se odeiam.
 

Era tudo mentira da moça. Forjara o atentado para recuperar um noivo renitente. Para isso, chegou a falsificar exames ginecológicos. Pelo que sei, ficou tudo por isso mesmo. Nem os jornais fizeram um mea culpa, nem Rossi nem Gância nem Cantanhêde admitiram que caíram no conto da xenofobia como criancinhas ingênuas numa aula de catecismo.

A crônica fácil é uma tentação irresistível, particularmente para quem escreve todos os dias. Uma menina jovem, bonita, oriunda de país subdesenvolvido, além disso advogada, vivendo longe dos seus e tentando construir sua vida em país rico e hostil, é retalhada a faca por jovens nazistas na Europa. Mais ainda: estava grávida – de gêmeos – e abortou. A vítima já nem é só uma, mas três. Contraposição perfeita e simétrica, o bem e o mal absolutos. A fêmea indefesa e os machos prepotentes. A inocência dos trópicos e a perversidade do norte. A crônica está feita. Só falta encher a lingüiça com uma série enfadonha de lugares-comuns humanísticos. 

Ambos os casos cheiravam a mentira desde o início. Mas nenhum jornalista se perguntou, no caso da alemã, se a moça não lembrava do que pusera no prato ao servir-se. Pois é inviável que tivesse escolhido os mesmos alimentos que o africano. 

No caso da brasileira, os lúcidos jornalistas não se preocuparam em saber onde estavam os dois fetos que teriam sido abortados pela moça. Sequer notaram que as fotos da vítima eram sempre frontais e os ferimentos estavam localizados em partes ao alcance das mãos. Seria de supor-se que uma moça, quando atacada, se debata. Ora, se se debatesse, as letras riscadas nas pernas e na barriga não teriam a regularidade que apresentavam. 

No último “massacre” dos ianomâmis, “testemunhas que estiveram no local da matança afirmaram que os mineiros atearam fogo a uma casa comunal dos indígenas, pois encontraram os corpos dos ianomâmis carbonizados ao passar pela tribo”. Será que nenhuma das testemunhas teve a lembrança de tirar uma foto dos cadáveres carbonizados? 

Assim se comporta o jornalismo nosso de cada dia. Ao assumir potocas que se coadunam com a finada luta de classes, mostram sua extração. Jornalistas reproduzem mentiras ideológicas com gosto e sequer pedem desculpas aos leitores. Como se nada de grave tivesse acontecido, continuam assinando suas matérias. Sabem que, se mentirem conforme o gosto da época, não tem nada a temer por seus empregos.
Por: Janer Cristaldo

sábado, 8 de setembro de 2012

O TOTALITARISMO VESTE ARMANI



A expressão PIG, criada por Paulo Henrique Amorim, prontamente acolhida pelo totalitarismo de terno Armani e seus exércitos, só se explica pela dificuldade de conviver com a crítica, com a oposição, com a fiscalização da imprensa livre, com um judiciário independente e, portanto, com a própria democracia.

O velho totalitarismo tornou-se mestre do disfarce. Durante alguns anos, se fez de morto. Ganhou sapato novo. E chegou ao poder no dia 1º de janeiro de 2003. Hoje, desfila de terno Armani. Se você, leitor, é daqueles que ainda imaginam o totalitarismo parado numa esquina, maltrapilho, barba por fazer, banho por tomar, distribuindo panfletos contra os patrões e seu "sistema", engana-se. O totalitarismo está no poder e sua panfletagem se dá pela web. Conta com um exército de blogueiros e editores de jornais eletrônicos que fazem a mesma coisa de antes com eficiência muito maior. A velha tática da infiltração para aparelhamento, que outrora ocorria de baixo para cima, agora é feita desde cima, onde há dinheiro à vontade.

Totalitarismo por quê? talvez esteja se perguntando o leitor destas linhas. Afinal, dirá, o regime é democrático, há eleições e as regras do jogo político são cumpridas. De fato, mas cuidado com os disfarces. Não espere o totalitarismo, depois dos vexames que passou mundo afora, exibindo ao público toda sua hórrida nudez. Tampouco o imagine entrincheirado numa encosta de morro, brincando de Fidel Castro e Che Guevara. Nada disso. Renovado, tornou-se sutil. Para reconhecê-lo, é necessário estar atento aos detalhes, observar suas principais afeições políticas, verificar quais são os governantes aos quais dedica seus abraços mais calorosos, o que diz nos fóruns onde solta o verbo, ler as leis que patrocina e o desapreço que manifesta ao cristianismo, à família e à economia de mercado.

Poderia desfiar exemplos, contar casos acontecidos em debates de que participei ou assisti. No entanto, meu assunto aqui diz respeito a algo novo, a uma recente evidência do que estou afirmando. Todos sabemos o quanto a manipulação do vocabulário serve aos projetos totalitários. Nada era menos republicano, democrático e popular do que as repúblicas democráticas e populares nascidas no século 20. Na política, o domínio do vocabulário serve esplendidamente à construção da hegemonia e carimba o passaporte do Príncipe para o poder. Gramsci percebeu isso e, aludindo a Machiavel, disse que o novo príncipe é o partido. Pois bem, se o leitor for atento ao que se fala nos blogs e sites de relacionamento para onde convergem milhões de pessoas no país, por certo já deparou com a palavra PIG. Se não sabe o que é isso, eu traduzo. PIG, que também significa "porco" em inglês, é a sigla de Partido da Imprensa Golpista, expressão criada pelo jornalista Paulo Henrique Amorim para designar a mídia de oposição ao governo.

Ora, ora, caros leitores. Se o jogo político está sendo jogado em conformidade com as regras. Se os quartéis estão parados como água de poço tampado. Se não há um único projeto de impeachment tramitando no Congresso Nacional. Se a oposição, escangalhada, em vão procura um líder. Se nenhum movimento de massa faz aquilo que o Partido dos Trabalhadores era useiro e vezeiro nas suas campanha de Fora Sarney, Fora Collor, Fora FHC. Onde, raios, estão os sinais de golpe? A expressão PIG, criada pelo Amorim, prontamente acolhida pelo totalitarismo de terno Armani e seus exércitos, só se explica pela dificuldade de conviver com a crítica, com a oposição, com a fiscalização da imprensa livre, com um judiciário independente e, portanto, com a própria democracia. Voilá! - conforme queríamos demonstrar. Nem precisaria rejeitar tudo isso junto para ser totalitário. A palavra PIG, por fim, me remete às páginas policiais, onde, cotidianamente, se leem matérias sobre crimes passionais cometidos por pessoas que não suportam não serem amadas. Os totalitários tampouco conseguem conviver com quem não lhes presta veneração.

***
Gato por lebre 

Alguém já viu, na propaganda da candidata do PCdoB em Porto Alegre, alguma vez, o símbolo da foice e do martelo? Alguma vez, em destaque, o nome do próprio partido? Eu não vi. O foco está sempre posto no nome da candidata, na letra "M" e no número 65. Por que será? 

E quando algum dos outros candidatos vai apontar para essa escandalosa ocultação que a candidata faz de sua ideologia?

POR PERCIVAL PUGGINA

POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA


O companheiro egípcio que o governo Lula tentou instalar na direção-geral da Unesco é mais um ladrão a caminho da cadeia


Em maio de 2009, durante uma audiência no Congresso, o então chanceler Celso Amorim confessou que o governo Lula não queria o engenheiro brasileiro Márcio Barbosa na direção-geral da Unesco ─ sigla que identifica a Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura. Vice-diretor da entidade, Barbosa tinha o apoio da maioria dos 58 integrantes do comitê executivo. Só faltava o endosso do Itamaraty à candidatura. Mas Lula e Amorim nunca perderam uma chance de errar: preferiram um egípcio.

E que egípcio: Farouk Hosni, ministro da Cultura do ditador Hosni Mubarak, dormia sonhando com a destruição de Israel e acordava com alguma idéia cretina inspirada no Holocausto. Uma delas era a queima em praça pública de todos os livros editados em hebraico. No sarau com os parlamentares, Amorim argumentou que Márcio Barbosa seria sacrificado no altar dos superiores interesses da pátria.

“Fizemos uma opção geopolítica”, pipilou o Pintassilgo do Planalto. “O Brasil tem uma política de aproximação com os países árabes e africanos, que apoiam a candidatura egípcia”. E as maluquices ditas e feitas pelo candidato? Algumas haviam sido “pouco felizes”, concedeu o executor da diplomacia da cafajestagem. “Mas tenho certeza de que ele pautará sua gestão à frente da Unesco por um diálogo de civilizações”.

Em junho de 2009, Barbosa desistiu formalmente da disputa.Para sorte da Unesco, Farouk Hosni foi derrotado em setembro por 31 votos a 27 pela diplomata búlgara Irina Bokova. Para alívio do mundo civilizado, meses depois perdeu o emprego e o poder com o desabamento da ditadura de Mubarak.

Na semana passada, enquanto Márcio Barbosa continuava concentrado na execução de megaprojetos culturais encomendados por países árabes, o escolhido por Amorim para aproximar o Brasil dos países árabes estava preso no Cairo. Nesta quarta-feira, Farouk Hosni começou a ser julgado pelo roubo de 2,35 milhões de euros dos cofres públicos. Vai ficar um bom tempo na gaiola.

Enfurnado no gabinete de ministro da Defesa, o Pintassilgo do Planalto avisou que não fala sobre assuntos externos. Lula faz de conta que nunca ouviu falar no ex-ministro da Cultura e quase diretor-geral da Unesco. Atarantado com os pedidos de socorro de mensaleiros em pânico e candidatos a prefeito em parafuso, o Protetor dos Pecadores não tem tempo nem cabeça para pensar no companheiro egípcio.

É só mais um bandido internacional de estimação em apuros. Se fingiu que mal conhecia o “amigo, irmão e líder” quando Muamar Kadafi matava oposicionistas em busca da sobrevivência impossível, não é com um Farouk Hosni que Lula vai desperdiçar o tempo que pode ser usado num comício.

Em janeiro de 2003, o presidente da República decidiu que a política externa brasileira faria a opção preferencial pela canalhice. Gente assim não se aflige por tão pouco, nem perde o sono com parceiros em desgraça. Por: Augusto Nunes

MODELO DILMA E CRESCIMENTO MEDÍOCRE



Brasil de Dilma está fadado a crescimento medíocre


O Brasil está fadado a ter crescimento medíocre no governo Dilma Rousseff, porque o modelo econômico dos últimos anos está esgotado. Esse é o argumento do economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, no artigo "O Contrato Social da Redemocratização e seus Limites", publicado na revista "Interesse Nacional".

Pacto social tornou possível a alta dos impostos, diz economista

No momento em que se debate se a desaceleração da economia é conjuntural ou estrutural --o PIB cresceu menos de 1% no primeiro semestre, em comparação com o mesmo período de 2011--, o artigo gerou discussão nos meios econômicos.

O crescimento no período Lula foi calcado na redução do desemprego e na elevação da capacidade utilizada, dois fenômenos que não voltarão a ocorrer, diz Pessôa, que é colunista da Folha.

Ele afirma que, de 2005 até hoje, o crédito e o aumento da renda real das classes menos favorecidas alimentaram o consumo e foram o combustível do crescimento.

A taxa de crescimento de consumo e investimento somados --taxa de absorção-- ficou acima da taxa de crescimento da produção.

Esse modelo chegou a um limite, porque eleva salários, corrói a competitividade e gera desindustrialização. "E Dilma é mais ideológica, faz a leitura de que a indústria é um setor especial, não vai permitir que a desindustrialização continue avançando."

Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, é uma das vozes discordantes. "A ideia de que o modelo dos anos anteriores estaria esgotado não me convence", escreveu Borges em artigo na Folha semana passada.

"Primeiro, porque aqueles que advogam essa tese apontam que esse modelo teria se esgotado por ser baseado apenas em expansão do consumo, sem a contrapartida do investimento. Mas os próprios dados do IBGE mostram que esse não foi o caso: o peso do investimento no PIB, que foi de pouco mais de 16% na média de 2000 a 2007, saltou para cerca de 19% na média de 2008 a 2011."

Para Alexandre Schwartsman, professor do Insper e ex-diretor do Banco Central, o modelo só foi efetivo enquanto houve ganhos crescentes nos preços de commodities --que em 2011 atingiram um pico histórico.

"Com a desaceleração global, não vamos manter esses ganhos ano após ano", diz o colunista da Folha. "O modelo não está necessariamente esgotado, mas com a nova realidade, ficamos com um crescimento bem abaixo do teto de 3%, em vez de 4,5%."

Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e fundador da Gávea Investimentos, concorda com Pessôa.

"É natural e desejável que o consumo cresça, e que parte desse crescimento ocorra através do crédito, mas sem exageros. No entanto, o crescimento da demanda precisa vir acompanhado do crescimento da oferta, o que não vem acontecendo em ritmo suficiente para manter o crescimento do PIB em 4-5% ao ano", disse à Folha.

Segundo o Banco Central, o endividamento das famílias é de 43,4% da renda.

JUROS

No texto, Pessôa diz que uma das grandes bandeiras da presidente --a redução da taxa de juros-- tem seus efeitos superestimados. Segundo ele, a redução do custo de rolagem da dívida pública terá impacto pequeno.

O setor público paga cerca de 5% do PIB de juros. Descontada a correção monetária e a tributação sobre os juros, os ganhos não passariam de 1,5% do PIB. "O efeito não é desprezível, mas não é a salvação da lavoura que vem sendo anunciada."

Mais à esquerda, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular do Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vê simplismo nessa conclusão.

"A queda da taxa de juros vai gerar outros benefícios além da economia com o pagamento, os bancos estão criando novos instrumentos financeiros mais compatíveis com financiamento de longo prazo, que terão impacto no crescimento", diz.

No artigo, Pessôa também afirma que, a série de medidas de desoneração e conteúdo nacional adotadas pelo governo nos últimos anos para estimular a indústria e o consumo reduzem a eficiência e produtividade.

Segundo Schwartsman, o governo tenta usar o mesmo remédio aplicado após a crise de 2008 --mas dessa vez não está funcionando.

"Em 2008, as medidas de estímulo tiveram mais efeito porque saíamos de um nível de desemprego mais alto e utilização de capacidade mais baixa. Agora, a eficácia dessas mesmas medidas, que o governo tentou usar novamente, é limitada."

Luiz Fernando de Paula, presidente da Associação Keynesiana Brasileira e Professor Titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), discorda.

"Dada a conjuntura atual, de forte tendência a desindustrialização, é melhor do que nada. Fundamental é mexer no binômio taxa de juros alta/câmbio apreciado, combinado com uma política industrial inteligente que estimule exportações de maior valor agregado."

Economistas à esquerda e à direita concordam em um ponto: o novo pacote de concessões anunciado pela presidente Dilma, caso bem executado, vai no caminho correto --aumentar investimentos, a capacidade de oferta da economia brasileira.

Ao contrário das medidas de estímulo dos últimos meses --mais focadas em aumentar o consumo com reduções de impostos. PATRÍCIA CAMPOS MELLODE SÃO PAULO

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

ALARMISMO AMBIENTAL E CONSUMO


Muitos previram o fim do mundo nos últimos 200 anos. Thomas Malthus (1766-1834) falava em risco de catástrofe humana. Para ele, como a população crescia em progressão geométrica e a produção de alimentos em progressão aritmética, a fome se alastraria. Assim, para controlar a expansão demográfica, Malthus defendia a abstinência sexual e a negação de assistência à população em hospitais e asilos. O risco foi superado pela tecnologia, que aumentou a produtividade agrícola.


Hoje, o alarmismo vem de ambientalistas radicais. A catástrofe decorreria do aquecimento global causado basicamente pelo homem, via emissões de dióxido de carbono. Em 2006. o governo britânico divulgou relatório de grande repercussão, preparado por sir Nicholas Stern, assessor do primeiro-ministro Tony Blair. Stern buscava alertar os que reconheciam tal aquecimento, mas julgavam que seria um desperdício enfrentá-lo. O relatório mereceu dura resposta de Nigel Lawson. ex-ministro de Energia e da Fazenda de Margaret Thatcher. hoje no grupo dos "céticos", isto é, os que duvidam dos ambientalistas. No livro An Appeal to Reason (2008). Lawson atribuiu objetivos políticos ao documento, que não teria mérito nas conclusões nem nos argumentos.

Lawson afirma que o aquecimento não tem aumentado desde a virada do século e que são comuns oscilações da temperatura mundial. Há 400 anos, o esfriamento conhecido como "pequena era do gelo" fazia o Rio Tâmisa congelar no inverno. Mil anos atrás, bem antes da industrialização — que se diz ser a origem da mudança climática —, houve um "aquecimento medieval", com temperaturas tão altas quanto as atuais. "Muito antes, no Império Romano, o mundo era provavelmente mais quente", assinala. De fato, sempre me chamou atenção o modo de vestir de gregos e romanos, que aparecem em roupas leves em pinturas da Grécia e da Roma antigas. Nunca vi um deles metido em pesados agasalhos como os de hoje.

Entre Malthus e os ambientalistas, surgiram outros alarmistas. Em 1968, saiu o livro The Popula-non Bomb, do biologista americano Paul Ehrlich, no qual o autor sustentava que o tamanho excessivo da população constituiria ameaça à sobrevivência da humanidade e do meio ambiente. Em 1972, o Clube de Roma propôs o "crescimento zero" como forma de enfrentar a exaustão rápida de recursos naturais. Ehrlich defendia a redução do crescimento populacional: o Clube de Roma, a paralisia do crescimento econômico. Nenhum dos dois estava certo.

Em artigo na última edição da revista Foreign Affairs, Bjom Lomborg. destacado "cético", prova o enorme fracasso das previsões catastróficas do Clube de Roma. Dizia-se que em uma geração se esgotariam as reservas de alumínio, cobre, ouro, chumbo, mercúrio, molibdênio, gás natural, petróleo, estanho, tungsténio e zinco. As de mercúrio, então sob forte demanda, durariam apenas treze anos. Acontece que a inovação tecnológica permitiu substituir o mercúrio em baterias e outras aplicações. Seu consumo caiu 98%; o preço, 90%. As reservas dos demais metais aumentaram e outras inovações reduziram sua demanda. O colapso não ocorreu.

Como o Clube de Roma pode ter errado tanto? Segundo Lomborg, seus membros desprezaram o talento e a engenhosidade do ser humano e "sua capacidade de descobrir e inovar". Se as sugestões tivessem sido acatadas, meio bilhão de chineses, indianos e outros teriam continuado muito pobres. Lomborg poderia ter afirmado que o Brasil estaria mais desigual e não haveria a ascensão da classe C. Apesar de tais lições, volta-se a falar em limites físicos do planeta. Na linha do Clube de Roma, defende-se o estancamento da expansão baseada no consumo de bens materiais. Se fosse assim, inúmeros países seriam congelados em seu estado atual, sem poder reduzir a pobreza nem promover o bem-estar.

Mesmo que o homem não seja a causa básica do aquecimento, é preciso não correr riscos e apoiar medidas para conter as emissões. Mas também resistir a ideias de frear o consumo. Além de injusta, a medida exigiria um impossível grau de coordenação e renúncia ou um inconcebível comando autoritário. Desprezaria, ademais, a capacidade do homem de se adaptar a novas e desafiantes situações. Por: Maílson da Nóbrega  Veja

EFEITO GUILHOTINA



O voto do ministro Cezar Peluso no processo do mensalão, na quarta-feira passada, transmitido pela televisão e retomado no noticiário da TV e da imprensa, foi a evidência mais publicamente escancarada da irracionalidade do dispositivo constitucional que obriga os membros do Judiciário, assim como os senadores públicos em geral, a se aposentar aos 70 anos. O voto de Peluso foi equilibrado, preciso e inteligente. A linguagem foi clara, o raciocínio lógico. O ministro não teve lapsos de memória nem perdeu o fio da meada. No entanto, foi sua última participação num julgamento do Supremo Tribunal Federal. Nesta segunda-feira, 3 de setembro, completa 70 anos, e a Constituição presume que, gastos e carcomidos, os funcionários com essa idade devem sair de cena. Esbanjam-se talento, cultura e bons serviços como se o país estivesse abarrotado deles.

Outro fator vem duplicar a irracionalidade — o efeito guilhotina da aposentadoria compulsória. O aniversário de Peluso foi o mais alardeado do Brasil nas últimas semanas. Nem o dos heróis pop, como Gilberto Gil e Milton Nascimento, que também estão fazendo 70 anos, mereceu igual insistência. A razão é o efeito fulminante e inapelável da aposentadoria. A Gil e Milton é permitido continuar cantando e compondo quanto puderem e desejarem. O juiz, esteja envolvido na tarefa que estiver, soado o inflexível gongo, é obrigado a retirar-se. O bom-senso recomendaria que, uma vez começado um trabalho, lhe fosse permitido terminar, mesmo que pelo meio incidisse a fatídica data. A lei brasileira vai no sentido contrário ao bom-senso. O ministro Peluso julgou apenas um dos sete itens em que se constitui o caudaloso processo. Os outros seis serão julgados pelos restantes dez ministros, com o risco de haver empate em algumas das muitas imputações que lhes cabe examinar.

O ministro Celso de Mello lembrou, durante a sessão da quarta-feira, que a Constituição de
1891, a primeira da República, não estabelecia limite de idade para a permanência no Supremo Tribunal Federal. O limite foi estabelecido em 75 anos pela Constituição de 1934, recuou para 68 na de 1937 e fixou-se em 70 a partir da de 1946. Na Suprema Corte dos Estados Unidos não há limite. Em 2010, o juiz John Paul Stevens aposentou-se, por sua própria decisão, aos 90 anos. Foi o segundo, na história do tribunal, a chegar ativo a essa idade. Na atual composição da corte americana, quatro juizes têm mais de 70 anos. A mais velha, Ruth Bader Ginsburg, completará 80 no próximo ano. A Constituição americana estabelece que o juiz permanecerá no cargo enquanto tiver "bom comportamento" (good behavior). Fora a voluntária decisão, só o impeachment pode afastá-lo.

Dorme no Congresso há quase dez anos um projeto de emenda constitucional do senador Pedro Simon que aumentaria a idade de aposentadoria dos funcionários públicos para 75 anos. Seu sono é embalado pela pressão das corporações. Já estava claro, quando da Constituinte de 1987-88, que a expectativa de vida no país crescia e que carreiras dependentes de aprimorada formação e alta capacidade intelectual praticam o malbarato de talentos ao expulsá-los cedo de seus quadros. Venceu o lobby das corporações. O cálculo delas é que, quanto mais cedo forem afastados os mais velhos, mais cedo os que vêm em seguida ocuparão seus postos. Nas carreiras mais prestigiosas, como a dos magistrados, diplomatas e professores universitários, domina o empurrão dos que vêm de trás, para afastar os da frente. Arca com os custos o Erário, que acumula os gastos com mais aposentados do que seria desejável com os de seus substitutos nos cargos.

Nos últimos anos tem sido grande o entra e sai no Supremo Tribunal Federal. Entre seus atuais integrantes, oito foram nomeados na era Lula-Dilma, e só três em mandatos presidenciais anteriores. A aposentadoria compulsória é a principal responsável pela alta rotatividade. A ela vieram juntar-se, em anos recentes, as aposentadorias voluntárias, antes do prazo legal, e sem força maior, como as dos ministros Nelson Jobim e Ellen Grade. O Supremo Tribunal oferece a seu integrante o ápice de uma carreira, uma honraria como poucas e um bilhete de entrada na história do país. Utilizá-lo como trampolim para outras ambições, como às vezes parece ser o caso, é fazer pouco dele. Por mais de uma razão, as saídas têm sido para lá de controvertidas, na Casa. E o pior é que as entradas têm sido mais controvertidas ainda. Port: Roberto Pompeu de Toledo