domingo, 16 de setembro de 2012

O HOMEM MAIS PERIGOSO DA TERRA



Seu nome é Mitt Romney, o candidato republicano à presidência dos EUA. Afável, propenso ao diálogo, oriundo da quase defunta corrente moderada do partido, o ex-governador do Estado liberal de Massachusetts não parece um homem perigoso. No caminho até a disputa com Barack Obama, todavia, ele sofreu uma mutação essencial. O Romney de hoje, que não se recorda mais do Romney original, é o homem mais perigoso da Terra. O diagnóstico, inevitável, deriva da abordagem adotada pela chapa republicana dos grandes temas de política externa.

Antes de tudo, há a China. Romney prometeu que "no primeiro dia na Casa Branca" declararia a China um "manipulador cambial". A consequência óbvia seria a imposição de tarifas protecionistas a produtos chineses, deflagrando uma guerra econômica entre as duas maiores potências mundiais. É a receita certa para provocar a quebra em série das lajes já tensionadas que sustentam o edifício da economia global.

A acusação é de um cinismo patente. A China foi admitida na Organização Mundial do Comércio há mais de uma década, apesar da "manipulação cambial". Os chineses sempre "manipulam" o câmbio, pois essa é uma característica inerente ao capitalismo de Estado. Os EUA nem sempre "manipulam" o câmbio, mas fazem isso sempre que precisam, notadamente desde 2009, por meio de sucessivas rodadas de quantitative easing, o eufemismo cunhado para descrever pudicamente a fabricação de dólares em escala industrial. Aos poucos a China valoriza sua taxa de câmbio real, como querem os EUA - e como requer o interesse chinês de ligar os motores do mercado interno a fim de engendrar um novo ciclo de crescimento.

O cinismo é um pecado menor perto da irresponsabilidade. A China é o principal fornecedor de manufaturados aos EUA e sofreria um golpe profundo com as represálias americanas. Contudo seus vultosos saldos comerciais são, em larga medida, investidos na aquisição de títulos do Tesouro americano. Isso significa que a China financia a política monetária expansionista dos EUA, assegurando espaço para a emissão de dólares em ambiente de juros e inflação baixos. Os chineses retaliariam Romney faltando a algumas rodadas de leilão dos títulos americanos. A ruptura do intercâmbio de manufaturas por papéis da dívida provocaria o pânico nos mercados financeiros, lançando o mundo na espiral regressiva de uma depressão.

Em segundo lugar, há o Irã. Na sua visita a Israel, o homem mais perigoso da Terra entregou-se à aventura de estimular um ataque unilateral israelense ao Irã. A hipótese está sobre a mesa faz tempo, provocando amargas discórdias no governo e nas agências de inteligência de Israel. Um ataque dificilmente eliminaria as instalações nucleares iranianas, mas degeneraria em conflito regional de incertas proporções. Ao mesmo tempo, certamente produziria um retrocesso fundamental na gramática política da Primavera Árabe, contaminando-a de antiamericanismo e antissemitismo.

Desde o início as revoltas populares contra os tiranos organizaram-se em torno dos valores das liberdades, dos direitos políticos e da responsabilidade dos governos perante o povo. Tais "valores ocidentais", que são aspirações humanas universais, impelem as correntes laicas e democráticas no mundo árabe e, mais além, no próprio Irã, que não é um país árabe. Eles também regam as sementes do reformismo no interior de organizações fundamentalistas, como a Irmandade Muçulmana. Toda essa evolução, de amplas repercussões, poderia ser comprometida pela guerra que Romney parece insuflar.

Os gastos militares ocupam o terceiro lugar. Paul Ryan, o representante da ala do Tea Party na chapa republicana, em palestra recente criticou a redução relativa do orçamento militar, que decorre da pressão dos gastos com a saúde. O vice traçou um paralelo com o declínio britânico, cem anos atrás, quando a antiga potência foi obrigada a transferir o cetro para os EUA, dada a sua incapacidade de conservar a primazia militar. A Grã-Bretanha deu lugar a uma potência que compartilhava seus valores, mas o declínio americano deixa entrever o espectro de ascensão de uma potência cujos valores conflitam com os dos EUA, sublinhou Ryan.

O paralelo está sustentado sobre premissas falsas. Os britânicos tinham a maior força naval, mas sua Marinha equivalia, apenas, à soma das duas frotas de guerra seguintes e as suas forças terrestres eram inferiores às das potências continentais europeias. Em contraste, o orçamento militar dos EUA representa dois quintos dos gastos militares globais e equivale aos orçamentos somados dos 14 países seguintes. Os gastos militares da China - o espectro mencionado por Ryan - ainda não alcançam um quinto dos gastos americanos. Há dez anos o comentarista neoconservador Charles Krauthammer consagrou um artigo à defesa do argumento de que a inabalável hegemonia militar dos EUA asseguraria mais um século de liderança americana. A hipótese contrária, do declínio americano, conta com arautos sérios - mas eles nunca utilizam o argumento militar.

Provavelmente Romney não acredita em nada do que diz sobre política externa. Ao que parece, o candidato republicano vestiu a indumentária preparada pelos alfaiates do Tea Party, reconhecendo que seu partido foi tomado de assalto pela corrente radical. Na Casa Branca, ele não pretenderia honrar os compromissos extravagantes - as "bravatas de oposição", na linguagem de Lula - proclamados ao longo da campanha eleitoral. Eis aí a razão definitiva para qualificá-lo como o homem mais perigoso da Terra. A palavra do presidente dos EUA deveria ter valor maior que o dos ativos podres do Lehman Brothers, ao menos na esfera dos temas estratégicos da ordem econômica e geopolítica mundial. Se Romney não pensa assim, ele representa mais perigo que a manipulação cambial chinesa ou o programa nuclear iraniano. 

Por: Demétrio Magnoli

POR QUE ROBESPIERRE ESCOLHEU O TERROR



Robespierre

As lições da primeira revolução totalitária (1).

As pessoas não devem manter crenças que levam a ações monstruosas. É o mínimo que se deve dizer em resposta a qualquer esforço para desculpar Robespierre. Se a sua ideologia o levou ao genocídio, ele não deveria tê-la seguido.




A atitude americana em relação à Revolução Francesa foi em geral favorável – muito natural para uma nação nascida ela própria de uma revolução. Mas há revoluções e revoluções, e a Revolução Francesa está entre as piores. Sim, em nome da liberdade, igualdade e fraternidade, ela derrubou um regime corrupto. Mas o resultado desses belos ideais foram, primeiro, o Terror e o genocídio na França e, depois, Napoleão e suas guerras, que custaram centenas de milhares de vidas na Europa e na Rússia. Depois deste massacre inútil veio a restauração do mesmo regime corrupto que a Revolução derrubara. Além de um imenso sofrimento, a revolta nada conseguiu.

Liderando a traição aos ideais iniciais da Revolução e sua transformação em uma tirania de ideologia homicida estava Maximilien Robespierre, um monstro que criou um sistema explicitamente feito para matar milhares de inocentes. Ele sabia exatamente o que estava fazendo, ele fez o que pretendia fazer, e ele acreditava estar certo em fazer o que fez. Ele é o protótipo de um particularmente odioso tipo de malfeitor: o ideólogo que acredita que a razão e a moralidade estão do lado de seus açougueiros. Lenin, Stalin, Hitler, Mao e Pol Pot foram feito do mesmo molde. Eles são os típicos inimigos da humanidade em tempos modernos, mas Robespierre tem boas razões para alegar ter sido o primeiro. Compreender suas motivações e raciocínio aprofunda nossa compreensão dos piores horrores do passado recente e aqueles que podem nos espreitar no futuro.

Historiadores distinguem três fases da Revolução Francesa. A última, o Terror, aconteceu aproximadamente em 1793-94. Começou com a queda dos girondinos moderados e adesão dos jacobinos radicais de poder. Como os jacobinos ganharam o controle do Comitê de Salvação Pública, o qual por sua vez controlava o legislativo (a Convenção), as disputas entre as facções se aguçaram. Depois de um interregno de poder compartilhado, Robespierre tornou-se ditador e o Terror se agravou. Ele tomou a forma de prisões, julgamentos farsescos e a execução de milhares de pessoas, incluindo os líderes dos girondinos e os jacobinos de facções opostas que eram suspeitos de oposição – ativa ou passivamente, real ou potencialmente – às políticas ditadas por Robespierre.

Os partidários de Robespierre fora da Convenção era uma multidão a vagar pelas ruas de Paris, o centro da Revolução. Grandes partes de França foram escassamente envolvidas, para a maioria das pessoas, a vida continuou como antes da Revolução. A multidão em Paris era composta principalmente de marginais sans-culottes (“sem calções”), que se mantinham por uma mistura de crime, prostituição, mendicância e biscates. Robespierre e seus seguidores os incitavam a ação sempre que a conveniência política exigia isso. Mas mesmo sem incitações, e sem nada melhor para fazer, eles formavam a multidão que assistia as execuções públicas, escarnecendo e abusando daqueles prestes a morrer, alegrando-se com as cabeças decepadas, adulando os líderes temporariamente no poder, e os amaldiçoando quando eles caiam. Como moscas, eles estavam em todo lugar que a Revolução seguia em seu caminho sangrento. Seu enfurecido, ansioso zumbido formava o fundo medonho da matança dos inocentes.

Nós não devemos permitir que distância histórica e retórica revolucionária torne obscura a selvageria do Terror. As descrições que se seguem são apenas umas poucas entre muitas que poderiam ser dadas. Stanley Loomis escreve em “Paris in the Terror” que, nos Massacres de Setembro de 1792, “o trabalho sangrento durou cinco (...) dias e noites. Na manhã do terceiro dia, a prisão de La Force foi invadida e aqui ocorreu o assassinato da Princesa de Lamballe (...). O frenesi dos assassinos loucos e bêbados parece ter atingido seu ponto máximo em La Force. Canibalismo, estripação e atos de ferocidade indescritível aconteceram aqui. A princesa (...) se recusou a jurar que odiava o Rei e a Rainha e foi devidamente entregue à multidão. Ela foi executada com um golpe de lança, seu coração ainda batendo foi arrancado do corpo e devorado, suas pernas e braços foram cortados de seu corpo e disparados por um canhão. Os horrores que foram cometidos em seu torso estripado são indescritíveis (...). Tem se suposto levianamente (...) que a maioria das outras vítimas eram, como ela, aristocratas – uma suposição que, por algum motivo curioso, é freqüentemente considerada um atenuante para esses crimes. Muito poucas vítimas foram, na verdade, da antiga nobreza, menos de trinta das mil e quinhentas que foram mortas.”

O que Robespierre tinha liberado foram os mais depravados impulsos de escória da sociedade. A anarquia resultante temporariamente serviu a seu propósito, assim como a Kristallnacht serviu ao de Hitler, os expurgos ao de Stalin, e a revolução cultural ao de Mao. Cada um perpetrou o terror para reduzir os oponentes a uma submissão abjeta e estabelecer-se mais firmemente no poder.

Tendo assegurado Paris, em 1793, Robespierre nomeou comissários para impor sua interpretação da Revolução fora da capital. Na cidade de Lyon, escreve Simon Schama em “Cidadãos”, a guilhotina começou seu trabalho, mas verificou-se ser “uma maneira confusa e inconveniente de eliminação do lixo político (...). Alguns condenados, então, foram executados em fuzilamentos em massa.... Cerca de 60 prisioneiros foram amarrados em uma linha por cordas e fuzilados com canhão. Aqueles que não morreram imediatamente pelo fogo foram mortos com sabres, baionetas e rifles (...). Quando os assassinatos (...) terminaram, mil novecentas e cinco pessoas haviam encontrado o seu fim.” O comissário de Nantes “complementaria a guilhotina com (...) deportações verticais (...). Buracos foram perfurados nos lados das (...) barcaças (...). Os prisioneiros eram postos dentro com as mãos e pés amarrados e os barcos empurrados para o centro do rio (...). As vítimas impotentes assistiam a ascensão de água sobre eles (...). Os presos foram despojados de suas roupas e pertences (...). Moços e moças foram amarrados juntos nus nos barcos. As estimativas das pessoas que morreram desta forma variam muito, mas certamente não foram menos que dois mil.”

No massacre da Vendeia, segundo Schama, “toda atrocidade que se poderia imaginar naquele tempo foi infligida a população indefesa. Mulheres foram rotineiramente estrupadas, crianças assassinadas, ambas mutiladas (...). Em Gonnord (...) duzentos velhos e velhas, juntamente com mães e crianças, foram forçadas a se ajoelhar diante de um grande poço que eles tinham cavado. Eles foram então fuzilados de modo a cair em seu próprio túmulo. Trinta crianças e duas mulheres foram enterradas vivas quando a terra foi jogada no buraco. Em Paris, Loomis escreve, Robespierre ordenou à corte de farsantes [2], também conhecida como Tribunal Revolucionário, ser “tão ativa quando o próprio crime e concluir todos os casos dentro de vinte e quatro horas”. “As vítimas eram conduzidas para a sala de audiência pela manhã e, não importando quantas poderiam ser, seu destino estava decidido no máximo até as duas horas da tarde do mesmo dia. Por volta das três horas seus cabelos eram cortados, suas mãos amarradas e elas eram postas nos carros dos condenados em seu caminho para o cadafalso”. “Entre 10 de junho e 27 de julho de 1793 (...) 1.366 vítimas pereceram”. A maioria dessas pessoas eram inocentes de qualquer crime e não podiam se defender contra acusações das quais elas sequer eram informadas.

Essas atrocidades não foram infelizes excessos indesejáveis de Robespierre e seus partidários, mas as previsíveis conseqüências de uma ideologia que dividia o mundo entre os “amigos” e os subumanos “inimigos”. A ideologia era o repositório da verdade e do bem, a chave para a felicidade da humanidade. Seus inimigos tinham que ser exterminados sem piedade porque eles estavam no caminho. Como os ideólogos viam, o futuro da humanidade era uma aposta alta o bastante para justificar qualquer ato que servisse a seu propósito. Como Loomis escreveu, “Todos os que desempenharam um papel nesse drama (…) acreditavam que estavam motivados por patrióticos e altruístas impulsos. Foram capazes de valorizar mais as suas boas intenções que a vida humana. Não há crime, nem assassinato, nem massacre que não possa ser justificado, se provado que foi cometido em nome de um ideal”.

O ideal, no entanto, era simplesmente o que Robespierre dizia que era. E a lei era o que Robespierre e seus seguidores desejavam que fosse. Eles mudavam isso a seu bel-prazer e determinavam se sua aplicação num caso particular era justa. A justificação de monstruosas ações apelando a um ideal passionalmente conduzido, elevado a protótipo de razão e moralidade, é uma marcante característica de ideologias políticas no poder. Para os comunistas, era uma sociedade sem classes. Para os nazistas, pureza racial. Para os terroristas islâmicos, sua interpretação do Corão. A característica comum é que o ideal, de acordo com seus verdadeiros crentes, é imune à crítica racional ou moral, porque ele é o que determina o que é razoável e moral.

Norman Hampson nota em sua biografia de Robespierre que “o tribunal revolucionário (...) tinha-se tornado uma máquina de assassinato indiscriminado. (...) Imaginárias (...) conspirações e acusações absurdas eram acontecimentos cotidianos”. Como Robespierre deixou claro: “Deixe-nos reconhecer que há uma conspiração contra a liberdade pública (...). Qual é o remédio? Punir os traidores.” Hampson escreve: “Robespierre tomou a atitude que a clemência (...) era uma forma de auto-indulgência sentimental que teria de ser paga em sangue”. Ele declarou: “Existem apenas dois partidos na França: o povo e seus inimigos. Temos que exterminar esses vilões miseráveis que estão eternamente conspirando contra os direitos do homem (...), temos que exterminar todos os nossos inimigos.”

Robespierre, conta Schama, “se rejubilou que ‘um rio de sangue agora separa a França de seus inimigos’.”

O resultado desse clima de histeria foi o Decreto de Robespierre do dia 22 de Prairial. Ele “expressava, em princípio, a opinião de todo o Comitê [de Salvação Pública]”, escreve J. M. Thompson em sua biografia de Robespierre. “O Comitê era fanático o suficiente para aprovar, e a Convenção poderosa o suficiente para impor, como um Novo Modelo da justiça republicana (...) uma lei que negava aos presos com a ajuda de um advogado, tornava possível ao juiz dispensar testemunhas, e não permitia qualquer sentença além da absolvição ou a execução. Uma lei que, ao mesmo tempo, definia crimes contra o Estado em termos tão amplos que a menor indiscrição alguém poderia incorrer no artigo de morte. Para qualquer homem sensato ou misericordioso tal procedimento deve parecer uma paródia de justiça.”

Fortalecido por este modelo republicano de justiça, o Tribunal Revolucionário enviou à morte 1.258 pessoas em nove semanas, tantos como durante os 14 meses precedentes. “O fato inescapável” sobre Robespierre, nota Hampson, é que “no âmbito de um sistema judicial que ele iniciou e ajudou a dirigir (...) um governo do qual ele era, talvez, o membro mais influente, perpetrou as piores barbaridades do Terror (...). Nenhuma defesa é possível para os indiscriminados massacres (...) em que (...) uma taxa média de trinta e seis pessoas por dia foram enviados para a guilhotina.”

Robespierre “tornou-se tão incapaz de distinguir o certo do errado – para não mencionar crueldade de humanidade – como um cego de distinguir a noite do dia.” Vamos agora tentar entender o seu estado de espírito.

Robespierre nasceu em 1758 na cidade de Arras. Seu pai era um advogado sem sucesso. Sua mãe, filha de um fabricante de cerveja, morreu de parto quando Robespierre tinha seis anos. Poucos meses depois da morte dela, o pai abandonou seus quatro filhos pequenos. Robespierre e seu irmão foram viver com os avós maternos. Aos 11 anos, o que não era uma idade incomum naqueles dias, Robespierre ganhou uma bolsa para a Universidade de Paris. Depois de dez anos lá, ele obteve uma licenciatura em Direito, voltou a Arras e começou a praticar a lei. No começo de 1789 ele ganhou uma eleição para representar o Terceiro Estado de Arras na Convenção. Começando como um democrata radical, tornou-se, com o desenvolvimento da revolução, mais e mais radical.

Robespierre nunca se casou. Não são conhecidos seus casos amorosos. Ele também não tinha qualquer interesse em sexo, dinheiro, culinária, artes, natureza, ou realmente qualquer coisa além de política. Ele tinha cerca de cinco pés e três polegadas de altura, com uma constituição leve, uma pequena cabeça sobre os ombros largos e cabelos castanhos claro. Ele tinha “espasmos nervosos que, ocasionalmente, torcia seu pescoço e ombros e exibia, ao apertar suas mãos, movimentos característicos e piscadelas de suas pálpebras”, diz Thompson. Vestia-se elegantemente e usava óculos “que ele tinha o hábito de empurrar para cima na testa (…) quando queria olhar alguém no rosto”. “Sua expressão habitual parecia melancolia a seus amigos e arrogância a seus inimigos. Às vezes ele ria com a imoderação de um homem com pouco senso de humor, às vezes o olhar frio se abrandava em um sorriso de doçura irônico e bastante alarmante.” Com sua voz estridente e áspero “seu poder como um orador (...) residia menos em como ele se apresentava e mais na seriedade do que ele tinha a dizer, e na profunda convicção com que ele dizia.”

Robespierre não fez segredo de suas convicções. Ele as expressou em vários discursos cruciais, cujas cópias, escritas por ele mesmo, sobreviveram. Em seu discurso de agosto 1792, Robespierre disse que a França estava vivendo um dos grandes acontecimentos da história humana. Depois de um período inicial de hesitações, a Revolução de 1789 transformou-se em agosto de 1792 “a melhor revolução que já honrou a humanidade, realmente a única com um objetivo digno do homem: basear as sociedades políticas no mínimo sobre os princípios imortais de igualdade, justiça e razão.” A Revolução era a melhor de todas porque, pela primeira vez na história, “a arte de governar” não visava “enganar e corromper o homem”, mas sim “iluminá-los e aperfeiçoá-los”. A tarefa da Revolução era “estabelecer a felicidade de, talvez, toda a raça humana”. “O povo francês parece ter-se distanciado do resto da raça humana por dois mil anos.”

Mas um sério obstáculo barrava o caminho. “Dois espíritos opostos (...) [estão] em contenda pelo domínio (...) [e] o disputam nesta grande época da história humana, para determinar para sempre os destinos do mundo. A França é o teatro deste combate terrível”. Os conflitos entre os amigos e os inimigos da Revolução “são meramente a luta entre interesses privados e o interesse geral, entre egoísmo e ambição de um lado e justiça e humanidade do outro”. Todas as escolhas políticas de então, conseqüentemente, eram escolhas entre o bem e o mal, permitindo a Robespierre demonizar seus oponentes.

Note que ao declarar como objetivo de criar uma sociedade onde “os princípios imortais de igualdade, justiça e razão” prevaleceriam, Robespierre simplesmente descartou a liberdade e a fraternidade, substituindo o que ele considerava como a justiça e a razão. A justificação dos massacres foi que os mortos eram inimigos da república, contra-revolucionários que tinham conspirado contra a igualdade, a justiça e a razão cuja realização “estabeleceriam a felicidade de, talvez, toda a raça humana.” O eixo sobre o qual tudo girava eram aqueles princípios de igualdade, justiça e razão, que Robespierre enunciou em uma declaração que formou a base daConstituição de 1793. Alguns trechos: “Artigo 1. O objeto de toda associação política é a salvaguarda dos direitos naturais e imprescritíveis do homem.” “Artigo 3. (...) direitos pertencem igualmente a todos os homens, independentemente das suas diferenças físicas e morais.” “Artigo 4. Liberdade é o direito de cada homem exercer todas as suas faculdades à vontade. Sua regra é a justiça, seus limites são os direitos dos outros, a sua origem é a natureza, sua garantia é a lei.” “Artigo 6. Qualquer lei que viola os direitos imprescritíveis do homem é essencialmente injusta e tirânica.”

Como Robespierre realmente interpretou esses princípios? Ele dizia: “[Nós] devemos exterminar todos os nossos inimigos com a lei em nossas mãos”, “a Declaração dos Direitos não oferece salvaguarda para conspiradores”, “as suspeitas do patriotismo esclarecido pode oferecer um guia melhor do que as regras formais de prova”. Comentando sobre uma execução, ele disse: “Mesmo se ele era inocente, ele tinha que ser condenado se sua morte pudesse ser útil”. Em uma carta orientando o Tribunal Revolucionário, ele escreveu: “As pessoas estão sempre dizendo a juízes para tomar cuidado e salvar os inocentes, eu digo a eles (...) para evitar salvar o culpado.”

Collot, o comissário oficial que ele nomeou pessoalmente para supervisionar os massacres, expressou sucintamente uma interpretação similar dos princípios consagrados na Declaração: “Os direitos do homem não são feitos para contra-revolucionários, mas apenas para sans-culottes”.

Saint-Just, o mais próximo aliado de Robespierre, disse: “A república consiste no extermínio de tudo que se opõe a ela”.

A discrepância entre a Declaração, que fornecia a base de uma garantia constitucional de direitos iguais para todos os cidadãos, e a política ditada de fato por Robespierre e imposta por seus seguidores era tão flagrante que exigia uma explicação. Robespierre providenciou uma num discurso e, dezembro de 1793.

“O objetivo de um regime revolucionário é fundar uma república, o de um regime constitucional sustentá-la. O primeiro convém a um tempo de guerra entre a liberdade e seus inimigos. O segundo é mais apropriado a quando a liberdade for vitoriosa e em paz com o mundo” O regime vigente na França era revolucionário, argumentou, em lutar para se tornar constitucional. Mas inimigos internos ameaçavam o êxito desta luta. “Sob um regime constitucional”, ele continuou, “pouco é necessário, exceto para proteger o cidadão contra o abuso de poder por parte do governo. Mas sob um regime revolucionário o governo tem de se defender contra todas as facções que o atacassem e, nessa luta pela vida, somente bons cidadãos merecem proteção pública e a punição dos inimigos do povo é a morte”. O regime revolucionário “deve ser tão terrível para o mal como é favorável ao bem.”

Não havia, portanto, nenhuma inconsistência entre a Declaração e o Terror. “A Declaração dos Direitos não oferece nenhuma salvaguarda para conspiradores que há tempos tentam destruí-la.” A Declaração guiava o regime constitucional, cujo estabelecimento era o objetivo final. O Terror era apenas o meio para ele, uma necessidade imposta ao regime revolucionário por inimigos que impediam a realização do regime constitucional.

Esta obra prima de sofisma era, então, uma novidade, mas para aqueles que contemplam o século XX é tristemente familiar pelo uso que muitos regimes assassinos fizeram dela. Todos eles afirmaram que seu objetivo era a felicidade humana, mas que inimigos incorrigivelmente iníquos, disfarçando sua verdadeira natureza e conspirando contra o mais nobre dos objetivos, ameaçavam a sua realização. A suposta ameaça era muito grave, e o objetivo muito importante, a ponto de justificar extremas, ainda que temporárias, medidas – para identificar os inimigos, desmascarar suas conspirações e exterminá-los. Para um punhado de heróis clarividentes e corajosos da revolução – como a KGB, a SS, e a Guarda Vermelha – cabe o dever de executar estas tarefas necessárias. Eles devem endurecer o coração e fazer o que precisa ser feito no interesse do bem maior. Uma vez evitada a grave ameaça, as medidas extremas não serão mais necessárias, e a felicidade humana estará ao alcance de todos.

Uma característica notável dessa atitude mental é que aqueles sob sua influência acreditam de fato nestas justificativas para arrancar entranhas, linchar, mutilar, enterrar vivas, afogar e dilacerar suas vítimas infelizes. Na verdade, as atrocidades apenas reforçam a segurança absoluta com as quais os ideólogos abraçam suas convicções e impõem seus objetivos.

Uma ideologia é uma visão de mundo que explica as condições políticas predominantes e sugere formas de melhorá-las. Ideologias típicas incluem entre seus elementos uma visão metafísica que fornece uma visão transcendental do mundo, uma teoria sobre a natureza humana, um sistema de valores cuja realização supostamente garantirá a felicidade humana, uma explicação de por que a atual conjuntura está longe da perfeição, e um conjunto de políticas destinadas a diminuir a diferença entre o real e o ideal. Este último componente – compromisso com um programa político e sua implementação – é o que distingue ideologias de sistemas religiosos, pessoais, estéticos, ou filosóficos de crença. As ideologias visam transformar a sociedade. Outros sistemas de crenças não envolvem tal compromisso. Se envolverem, se tornam ideológicos.

Ao longo da história, muitas ideologias diferentes e incompatíveis têm prevalecido, e todas foram e são essencialmente interpretações especulativas que vão além de fatos inegáveis e verdades simples. Se baseando em hipóteses duvidosas sobre questões que transcendem o estágio atual do conhecimento, elas são particularmente propensas a um processo mental auto-ilusório, impaciente, muito esperançoso ou egocêntrico – a vôos descontrolados de fantasia e imaginação. As pessoas razoáveis, portanto, consideram as ideologias, incluindo a própria, com ceticismo saudável e exige delas conformidade com as normas elementares de razão: consistência lógica, uma explicação para fatos indiscutíveis e relevantes, a capacidade de resposta a novas provas e crítica séria, e o reconhecimento de que o sucesso ou fracasso de políticas derivadas delas serve como confirmação ou não das provas.

A fonte das convicções mais profundas de Robespierre e de sua certeza sobre elas era seu compromisso inquestionável com uma ideologia que ele tinha aprendido principalmente com Rousseau, a quem considerava “o tutor da raça humana.” Essa ideologia levou-o a acreditar que a política é uma aplicação da moralidade e que um bom governo é baseado em princípios morais que inevitavelmente levam os interesses dos indivíduos a se tornarem indistinguíveis do interesse geral. Dito de outra forma, os seres humanos não corrompidos intuitivamente reconhecem e agem no interesse geral. Qualquer divergência entre o interesse individual e o interesse geral indica a imoralidade e irracionalidade do indivíduo. Se qualquer indivíduo fracassa em ver que seus verdadeiros interesses são iguais ao interesse geral, ele deve ser forçado a agir como se tivesse visto, para seu próprio bem.

Mas quem são esses seres humanos não corrompidos que sabem o que é do interesse geral? Robespierre responde: “Existem almas puras e sensíveis. Existe uma suave, mas imperiosa e irresistível, paixão... um profundo horror da tirania, um zelo compassivo pelo oprimido, um amor sagrado por sua pátria, e um amor ainda mais sagrado e sublime pela humanidade, sem a qual uma grande revolução não é mais do que a destruição de um crime menor por um maior. Existe uma ambição generosa para fundar na terra a primeira república do mundo... Vocês podem sentir isso, neste momento, queimando em seus corações, eu posso sentir isso no meu próprio”. A mensagem clara quando a retórica bombástica é esvaziada é que, desde que as pessoas têm sido corrompidas, elas não podem ser confiáveis para saber o que é bom para elas, mas ele, Robespierre, sabe, porque ele é incorruptível.

Se ele ficado apenas nisso, sua crença em sua própria pureza não seria mais do que uma loucura atrevida de um megalomaníaco. Mas ele não ficou apenas nisso. Ele se considerou no dever de coagir a população corrompida a viver de acordo com o que ele em sua pureza considerava como virtude. Ele dizia: “Os inimigos da República são covardemente egoístas, ambiciosos e corruptos. Vocês têm expulsado os reis, mas vocês têm expulsado os vícios que a dominação fatal deles criou dentro de vocês?” Robespierre se convenceu – e coagiu os outros a acreditar ou a fingir acreditar – que sua vontade era a vontade geral, a vontade que todos agissem como se todos fossem tão puros como ele. Quando ele encontrou oposição, ele sabia com certeza absoluta que seus adversários eram ou corrompidos e tinham que ser exterminados pelo bem comum, ou ignorantes e tinham que ser coagidos para seu próprio bem a agir como se fossem tão puros e virtuosos quanto ele. A base da ideologia de Robespierre não era a razão e sim a paixão, que se tornou sua pedra de toque da razão e da moralidade. Ele não perguntou se ele deveria alimentar essa paixão, se a paixão era uma reação adequada aos fatos, se a paixão era muito forte, ou se ele deveria ser guiado por ela. O objetivo de sua política era adaptar o mundo a sua paixão, e não vice-versa. O resultado foi que se tornou cego às necessidades reais da razão e da moralidade e decretou o assassinato de milhares simplesmente por suspeitar que eles pudessem discordar de suas opiniões passionais. Enquanto tudo isso acontecia, ele hipocritamente proclamava que suas ações cruéis eram virtuosas e que ele era o campeão da razão e da moralidade.

Talvez possa ser dito, numa tentativa desajeitada de defender Robespierre, que ele sinceramente acreditava em sua ideologia e agia de boa fé. As pessoas não podem fazer mais que isso. É claro que, se essa desculpa fosse válida, serviria também para guardas da SS em campos de concentração, se eles fossem nazistas sinceros. Ou torturadores da KGB, desde que fossem comunistas dedicados. Ou terroristas islâmicos, se eles forem verdadeiros fanáticos. Mas as crenças reprováveis dos ideólogos aumentam ao invés de enfraquecer a responsabilidade por suas ações. As pessoas não devem manter crenças que levam a ações monstruosas. É o mínimo que se deve dizer em resposta a qualquer esforço para desculpar Robespierre. Se a sua ideologia o levou ao genocídio, ele não deveria tê-la seguido.

Muitas pessoas, é claro, não escolhem a ideologia que sustentam, mas a adquirem através de doutrinação. Pode ser demais exigir dessas pessoas que resistam à doutrinação, se esta for persistente e sofisticada, e se as pessoas não conhecem alternativas razoáveis. Não ser capaz de resistir à doutrinação ideológica, no entanto, é uma coisa, e cometer atrocidades em seu nome é outra completamente diferente. As pessoas têm uma escolha quando vão torturar ou assassinar. As pessoas decentes vão questionar sua ideologia se perceberem que ela as leva a cometer horrores. E se as pessoas não a questionam e cometem atrocidades, então elas devem ser com justiça consideradas responsáveis não pelo que acreditam, mas pelo que elas fazem.

Robespierre, no entanto, não foi doutrinado. Ele construiu sua ideologia por si mesmo, de suas leituras, educação, e experiências iniciais na política. Como um advogado treinado para garimpar provas e analisar as interpretações dos fatos, ele tinha habilidade para pensar criticamente sobre sua ideologia. Contudo, ele não o fez. Ele é, portanto, responsável pelos assassinatos em massa que causou. E o mesmo vale para os inúmeros comunistas, nazistas, maoístas, ou os terroristas que escolheram suas ideologias em detrimento de alternativas perfeitamente disponíveis, as quais eles não poderiam ignorar.

Mas e todos aqueles que seguiam Robespierre e que não partilhavam nem sua ideologia e nem sua paixão monstruosa? Muitos seguiram porque ele os deixava agir segundo seus piores instintos, os quais eles tinham tido que reprimir quando a lei e a ordem prevaleciam.

Outros – assustados com as mudanças políticas, com o caos generalizado e a insegurança, com o sangue que já tinha sido derramado – imploravam para entender o que estava acontecendo, o que o justificava, e qual era o seu objetivo. Muitas pessoas aceitaram a explicação de Robespierre, mesmo sendo bombástica e implausível, porque qualquer explicação para o que eles viviam era melhor do que nenhuma.

Mas a principal razão por que as pessoas o seguiram foi o medo. Ninguém estava seguro, e as pessoas ficavam ansiosas para provar com palavras e atos que eram leais e entusiasmados partidários. Robespierre exercia seu poder sobre a vida e a morte tão arbitrariamente como Hitler, Stalin e Mao. Arbitrariedade é a chave para o terror: se não há regras, justificativas, ou razões, então todo mundo está em risco. O único jeito de tentar minimizar o risco é superar os outros na adesão à norma. Ditadores entendem isso, o que explica muito das “manifestações espontâneas” e da adulação pública que extraem do povo enganado e apavorado a sua mercê.

Robespierre, que se via como um herói romântico numa luta quase desesperada, tinha sede de poder e era indiferente ao seu custo. Quando ele conseguiu inventar uma ideologia dos destroços de idéias de Rousseau e outros elementos, se agarrou a ela com dedicação fanática, pois essa ideologia o proporcionou não apenas um programa político, mas também com uma justificação da sua busca pelo poder. Quando os membros de seu círculo fechado e anormal cometeram os atos monstruosos do Terror, ele tomou a monstruosidade como prova da pureza de suas motivações e convicções. Robespierre e seus companheiros ideólogos eram os eleitos guiados por paixões para conhecer o bem e o mal, a verdade e a mentira, mesmo que suas ações possam parecer obscenas ou inadmissíveis para os não eleitos.

Embora o nazismo, o comunismo, vários tipos de terrorismo, e os racismos branco, negro ou amarelo demonstrem quão facilmente as ideologias levam a desumanidade, é claro que nem mesmo as ideologias mais irracionais e imorais conduzem necessariamente a genocídios. Ideólogos devem ter a oportunidade de agir de acordo com suas crenças – oportunidades que surgem a partir da combinação de ressentimento profundo e generalizado sobre o fardo que as pessoas devem carregar, um governo fraco ou enfraquecido, e a falta de perspectivas de melhora rápida e substancial. Foi a presença destas condições que permitiu a Robespierre se tornar o monstro que foi.

Condenar Robespierre mais de 200 anos depois de sua morte teria pouco sentido se ele não fosse uma amostra do sistema psíquico ideológico que hoje em dia nos é muito familiar. Se nós o entendermos, entenderemos também que é totalmente inútil apelar à razão e à moralidade quando tivermos que tratar com ideólogos. Pois eles estão convencidos de que a razão e a moralidade estão com eles e que seus inimigos são irracionais e imorais, apenas por serem inimigos. Negociações com essas pessoas só podem ter êxito se tivermos uma força esmagadora do nosso lado e nos mostrarmos determinados a usá-la. Uma justificativa do uso da força para o eleitorado de um país democrático – acostumado a pensar a política como um processo de negociação e de compromisso razoável – deve incluir a exposição com detalhes doentios das monstruosidades cometidas em nome da ideologia. E é por isso que faz sentido nos lembrarmos dos crimes do há muito tempo morto Robespierre.

 Notas do tradutor:
 O tradutor sugere como leitura complementar desse artigo dois outros, de Olavo de Carvalho: A Mentalidade Revolucionária e Ainda a Mentalidade Revolucionária.
No original a expressão é “Kangaroo court”.
John Kekes é PhD em filosofia pela Australian National University e professor emérito de filosofia da Universidade de Albany.
Tradução: Jorge Nobre, estudante de Letras - Tradução Francês da UnB.

DEPENDÊNCIA RESTAURADA



Sábios que pediam autonomia aos EUA decidiram nos acoplar à China. O país está estagnado. O crescimento lembra os anos 1980. As exportações, a ColôniaAlguns fatos empolgavam o país até outro dia. A volta do crescimento econômico, a descoberta do pré-sal, o desvencilhamento dos credores estrangeiros e a criação dos Brics animaram o espírito nacional.

Velhos sábios nacionalistas da política externa brasileira resumiam tudo na ideia de autonomia. Em condições superiores, estaríamos livres de forças externas. As mudanças nos tornaram donos do nosso próprio nariz. Ouvimos frases assim de presidentes, ministros e até de muitos sentados em bancos acadêmicos.

O neoliberalismo dos anos 1990, diziam eles, tinha sido o culpado pelo sucateamento das forças produtivas do país. A Alca simbolizava toda forma de diminuição das nossas capacidades, submissos aos EUA. E por isso mesmo foi afogada em Mar del Plata (mais pelos "hermanos" do que por nós, na verdade). De qualquer forma, ninguém mais ditaria de fora o nosso destino.

Agora, a inserção brasileira no mundo passaria a ser altaneira. As próprias revistas internacionais nos colocavam no centro de tudo como um novo motor do crescimento global. O Cristo se tornou um foguete. O gigante despertou.

Nós já conhecíamos essa conversa do passado, mas a vaidade movida a elogios malandros nos subiu à cabeça mesmo assim. Vieram com os alaridos e roucos brados de independência. Tínhamos líderes, finalmente. Surge uma figura de proa.

As pessoas correriam para aprender o português, língua desconhecida e pouco usada desde as grandes navegações. Um ex-presidente se tornara o novo Pedro Álvares Cabral, e o ex-chanceler o seu Pero Vaz de Caminha. O Brasil era redescoberto.

A cada discurso na ONU, o mundo reconheceria em nosso país um dos eixos dinâmicos da nova multipolaridade. Desde que as caravelas trouxeram às pressas dom João 6° ao Brasil, há 200 anos, precipitando o processo de independência, poucas vezes se viu tamanha reviravolta e sentimento de nacionalidade.

Inventamos até um novo Visconde de Mauá carioca, com nome de americano e sobrenome de igreja puritana. Dedicado ao trabalho, temos, assim, similar nacional da ética protestante e espírito capitalista, ainda que seja para explorar reservas minerais.

De fato, as coisas iam bem até a crise global e a opção dos velhos sábios pelo acoplamento junto às potências asiáticas emergentes.

De lá para cá, já foram quatro anos de crescimento econômico abaixo do medíocre. Fora o vale tudo fiscal de 2010 para vencer as eleições, o Brasil cresce vegetativamente a uma média de 1,2% ao ano. Só comparável à década perdida de 1980.

Se houve milagre ou espetáculo, não foi de expansão econômica, mas da multiplicação de votos. Tivemos um período verdadeiramente desperdiçado. Pior: retrocedemos em um aspecto que definirá o futuro.

De agora em diante, o país terá que aprender um jeito de se desenvolver com pouca indústria. Com soja e minério de ferro, nossa economia volta a ser primária.

As possibilidades da panaceia pré-sal diminuem a cada dia que pedras de xisto e areias betuminosas são alavancadas na América do Norte com bem mais eficiência.

Algumas mentes brilhantes da diplomacia brasileira arquitetaram um liame com o Oriente em ascensão. Pensavam que se com o Barão deu certo em relação aos EUA há cem anos, daria de novo. Dedicada a suprir demandas internacionais básicas, a nossa economia se tornou então subsidiária da China.

Não só cresceríamos juntos, como formaríamos um novo bloco. Batizado por especuladores, os Brics seriam capazes de superar o Ocidente.

O Brasil buscou maior influência sobre a economia mundial em organismos como o FMI e o Bird, mas no lugar disso conseguiu é ficar numa situação inferiorizada, especializando-se numa área cujos preços não pode controlar. O valor das commodities é determinado pelos mercados internacionais.

Não foram os heterodoxos até 1992 nem os ortodoxos da era FHC. Foram os ditos nacionalistas que restabeleceram entre 2008 e 2012 um velho padrão colonial de relacionamento em que apenas suprimos matérias-primas a países que crescem muito mais do que nós.
Após 190 anos do grito do Ipiranga, a dependência econômica foi restaurada. 

Por: MARCELO COUTINHO, 37, é professor de relações internacionais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro)

ULTRACONSERVADORES


A imprensa brasileira sempre se refere aos Republicanos americanos como “ultraconservadores”. Quando Paul Ryan foi escolhido como vice na chapa de Mitt Romney, o destaque em nossa mídia foi o mesmo em todo lugar: um “ultraconservador” fora apontado para satisfazer os anseios da direita radical do “Tea Party”. Os membros deste movimento chegaram a ser chamados de “fascistas” pelo colunista Arnaldo Jabor em artigo recente.

Faz sentido usar este rótulo? O que defende, via de regra, o Partido Republicano? Quais são as ideias de Paul Ryan? Há alguma semelhança entre tais ideias e o fascismo, cujo ícone máximo foi Mussolini?

Antes de entrar na questão, vale dizer que não nutro muita simpatia pelos conservadores americanos. Considero-me um liberal, não no sentido americano, cuja esquerda “progressista” usurpou até mesmo o termo, que em seu conceito clássico quer dizer mais liberdade individual (entendida como ausência de coerção estatal). E os liberais clássicos possuem importantes divergências com os neoconservadores americanos, que ignoram em boa parte a tradição conservadora inglesa, que data de Edmund Burke.

Dito isso, quais são as principais bandeiras conservadoras nos Estados Unidos hoje? Se dependesse de nossa imprensa, a imagem pintada seria a de um neandertal. Nossos colunistas e jornalistas olham para a direita americana como se esta fosse formada basicamente por fundamentalistas religiosos, saudosistas da era medieval, que adorariam puxar suas mulheres pelo cabelo e manter escravos negros.

Naturalmente, uma pequena parcela da ala mais reacionária pode até se encaixar neste estereótipo, mas não faz nenhum sentido generalizar desta forma. Seria como dizer que todos os Democratas são comunistas que sonham com o modelo soviético, porque eles sem dúvida existem no partido.

Portanto, quando nossos “especialistas” pintam este quadro medonho, de criacionistas que abominam a ciência e de individualistas insensíveis que não ligam para os pobres, podemos estar certos de que se trata de uma caricatura absurda e injusta, feita deliberadamente ou por ignorância. Ao colocarem todos no mesmo saco, pretendem contaminar uma direita legítima com os excessos de um extremo numericamente insignificante.

E o que prega a direita então? Podemos usar até mesmo os radicais do “Tea Party” como exemplo. Sim, há gente extremista ali, manipulada por populistas de plantão. Mas, na essência, a mensagem libertária do movimento não guarda absolutamente nenhuma similaridade com aquilo que poderia ser chamado de “ultraconservador”, muito menos “fascista”. Na verdade, trata-se da antítese do fascismo!

Ora, o “Tea Party” defende muito menos estado, até mesmo um estado mínimo, que interfere muito pouco na vida dos indivíduos. O que há em comum com o fascismo, onde tudo é dentro do estado, para o estado? A visão autoritária, que trata cidadãos como súditos incapazes que necessitam da tutela estatal, está justamente representada pela esquerda democrata americana, cada vez mais intervencionista, a ponto de alguns falarem em “fascismo de esquerda”. Lembremos que o próprio Mussolini foi socialista.

Tentando resumir as principais bandeiras da direita americana, sabendo que vou pecar pelo simplismo, elas seriam: maior autonomia individual, sem tanto controle paternalista estatal; livre mercado, sem tantos resgates e subsídios por parte do governo; uma visão de papel predominante dos Estados Unidos como nação que lidera o mundo pelo exemplo (e pela força, quando necessário); o resgate de valores familiares tradicionais.

O resumo acima é muito reducionista e não abrange a complexidade da política americana. Mas acredito ter abordado os principais pontos, e justamente aqueles que tanto incomodam a nossa esquerda. Você é contra a tentativa de Obama de criar o SUS americano? Você acha que o estado não deve ser empresário nem arrecadar quase a metade do que é produzido pela iniciativa privada em nome da “justiça social”? Você rejeita o aborto e não acha legal ter um filho gay, ainda que respeite as escolhas no âmbito individual? Você não abraça o multiculturalismo sem restrições, por considerar que os valores da civilização Ocidental são superiores ao do Islã? Você é contra a legalização de todas as drogas?

Então parabéns: você é um “ultraconservador” pela ótica de nossa imprensa. Claro que é possível discordar de parte dessas crenças conservadoras sem ser um socialista. Eu mesmo tenho discordâncias com algumas posturas da direita americana, como já disse. Mas isso é bem diferente de rotular alguém de “ultraconservador” só porque não aderiu ao credo politicamente correto dos “progressistas”, defensores de altos impostos, tutela paternalista do estado e total relativismo moral.

Temo o dia em que uma pessoa que discorda da ideia “progressista” de que manter um harém de meninas, meninos e até cabras, ou de tirar à força 75% do ganho dos mais ricos, seja tachado por nossa mídia de “ultraconservador”. O termo perdeu totalmente seu sentido.
Por: Rodrigo Constantino

LULA SABIA?




Lula sabe desde 1995 que Delúbio Soares é um especialista em desvio de dinheiro


César Benjamin filiou-se a um grupo clandestino de extrema-esquerda aos 15 anos, atravessou os dois seguintes metido na luta armada, foi preso aos 17, torturado durante meses e expulso do país aos 22. Voltou do exílio aos 24, ajudou a fundar o PT aos 26 e foi um dos coordenadores das duas primeiras campanhas presidenciais de Lula. Rompeu com o partido em 1995, mudou-se mais tarde para o PSOL e foi candidato a vice-presidente na chapa de Heloísa Helena.


Aos 57 anos, o agora diretor da editora Contraponto não tem nada a ver com a elite golpista, com louros de olhos azuis ou paulistas de quatrocentos anos. Mas entre César Benjamin e a esquerda governista existe um fosso que começou a ser escavado em 1994 e assumiu dimensões amazônicas em 2005, quando revelou, num programa da TV Bandeirantes, que deixara o PT por ter testemunhado a gestação do escândalo do mensalão ─ e por ter fracassado na tentativa de abortar o monstrengo.

Em 1993, contou César, Lula se dispensara de consultas e conselhos para indicar o representante da CUT, o braço sindical do PT, no Conselho do Fundo de Assistência ao Trabalhador. Só trocou ideias com José Dirceu. Cabe a um conselheiro do FAT decidir onde, quando e como serão investidos os muitos milhões movimentados mensalmente pela entidade. O chefe resolveu transferir do semianonimato para um empregão o companheiro goiano que dava aulas de aritmética a crianças do curso primário e lições de greve a marmanjos inexperientes. Chamava-se Delúbio Soares.

No início da campanha presidencial de 1994, César Benjamin descobriu que Delúbio, com espertezas ilegais, vinha desviando do FAT para o PT quantias com dígitos suficientes para deixar excitado um banqueiro de paraíso fiscal. Confiante na discurseira sobre valores éticos, relatou o que sabia aos mandarins do partido. Ao longo da narrativa, espantou-se com a expressão serena dos ouvintes. Ficou mais espantado ainda ao ouvir de Lula e José Dirceu que, “em nome do partido”, deveria esquecer o assunto.

Ignorou a recomendação até render-se às evidências de que havia denunciado um criminoso aos mandantes do crime. Em 1995, César despediu-se de Lula com um aperto de mãos e uma advertência: “Isso aí é o ovo da serpente”. Era mesmo, soube-se dez anos mais tarde. A trama exposta por César nunca foi desmentida ou retocada pelos acusados. Todos submergiram no silêncio que consente, endossa ou autoriza. Na campanha presidencial de 2002, já promovido a tesoureiro do partido, Delúbio passou a acumular o cargo de diretor-financeiro da quadrilha do mensalão. Em 2005, o escândalo explodiu.

O primeiro depoimento na CPI dos Correios tornou nacionalmente conhecida a figura a quem Lula se referia como “nosso Delúbio”. A voz pastosa de quem comeu arroz com Lexotan, o olhar sem luz que só boladas em dólares iluminam, o sorriso cínico dos que se acham condenados à perpétua impunidade ─ o discurso e a estampa compunham o retrato de um PT envilecido pela revogação dos valores morais. O depoente só abriu a boca para contar mentiras. Batizar a roubalheira imensa de “recursos não contabilizados”, por exemplo.

Em outubro de 2005, ao festejar o 50° aniversário numa fazenda em Goiás, o caixa do bando esbanjava tranquilidade. “Não é hora de falar, e sim de esperar o tempo passar”, disse ao repórter do Estadão. “E aí ficará provado que eu não errei”. Caprichando na pose de inocente, culpou a imprensa e os adversários. “O PT não usou dinheiro público, como fizeram os outros partidos, quando estavam no governo. Nós fizemos diferente do PFL e do PSDB. Usamos dinheiro de empréstimos privados de um empresário para fazer pagamentos de campanha e deu a confusão que deu”.

Fez duas previsões. Depois de admitir que o PT dificilmente deixaria de expulsá-lo, avisou que não demoraria a voltar sob os aplausos dos companheiros. Acertou. Depois de repetir que o mensalão não existiu, fez a segunda aposta: “Nós seremos vitoriosos, não só na Justiça, mas no processo político. É só ter calma. Em três ou quatro anos, tudo será esclarecido e esquecido, e acabará virando piada de salão”. Errou feio. O que virou piada foi o palavrório forjado pelos delinquentes para escapar da cadeia.

No momento, é improvável que Delúbio Soares esteja pensando em comemorações. Se resolver festejar o aniversário, corre o risco de ouvir o Parabéns a Você entoado por meia dúzia de parentes. Nem os velhos comparsas vão querer apagar velinhas ao lado do companheiro que, em outubro, já será mais um corrupto condenado pelo Supremo.
Por: Augusto Nunes

AÇUCAR! ALIMENTO OU DROGA?

EUROPA LUTA CONTRA A NOVA VELHA DROGA


Leio no El País que a Europa está encetando uma nova luta contra uma velha droga, o açúcar. Por seu alto conteúdo em açúcar, os refrescos começam a engrossar as listas negras que as autoridades sanitárias querem desincentivar. E taxar: o governo italiano pretende seguir a estela da França e impor um imposto especial às bebidas açucaradas, para “fomentar os hábitos alimentares”. O novo imposto gravaria com 7,16 euros cada 100 litros comercializados de bebidas açucaradas. A indústria de bebidas está enfrentando uma batalha como as do tabaco e do álcool.

O Reino Unido começou sua luta contra o açúcar nas Olimpíadas. Os médicos britânicos pediram no ano passado a proibição de empresas como McDonalds ou Coca-Cola patrocinarem grandes acontecimentos esportivos. Não levaram nada. A indústria do esporte falou mais alto. 

Em Nova York a luta é contra os refrescos grandes. Quinta-feira que vem será votada uma lei proposta pelo prefeito Michael Bloomberg, que proíbe a venda de refrescos de mais de meio litro em restaurantes e cafeterias. Na França, foi aprovado ano passado um imposto especial sobre as bebidas açucaradas, entre três e seis centavos, que significa o ingresso anual de 120 milhões de euros para o Estado francês. Dinamarca e Finlândia também participam desta luta. 

Segundo a historiadora canadense Elizabeth Abbott, o açúcar redesenhou o mapa demográfico, econômico, ambiental, político, cultural e moral do mundo. Em seu livro Sugar, a Bittersweet History, diz a escritora: 

“Em séculos de tragédia e glória, o açúcar transformou a alimentação do Ocidente, escravizou gerações de africanos nas Américas, foi combustível da Revolução Industrial, promoveu guerras e impérios, dizimou paraísos ecológicos, ergueu e pulverizou fortunas – e, nos trópicos, moldou a identidade brasileira. Movido pela sua energia calórica, o mundo segue girando rápido, tão rápido que estamos agora na soleira de outra mudança vertiginosa: o açúcar começa a ser considerado um vilão da saúde humana, um veneno tão prejudicial que merece ser tratado com o mesmo rigor empregado contra – suprema decadência! – o tabaco. Está mais perto o dia em que um pacote de açúcar trará a inscrição: O Ministério da Saúde adverte: este produto é prejudicial à saúde". 

Já comentei o assunto no século passado, mais precisamente em 1989, quando caía o Muro de Berlim. Em um livro publicado em 1981 – ou seja, há três décadas - Carson Ritchie alertava para os efeitos danosos do açúcar, em seu ensaio Food in Civilization - How History Has Been Affected by Human Tastes. 

"O açúcar para adoçar o chá e o café europeu - escreve Ritchie - foi cultivado às custas da escravidão negra. Os peles vermelhas foram expulsos sem piedade das pradarias onde caçavam para que o homem branco pudesse cultivar trigo e milho, e seus búfalos foram exterminados para dar lugar a grandes rebanhos vacuns. Os escritores norte-americanos responsabilizaram as grandes multinacionais fruticultoras pelo caos das economias centro-americanas, construindo ferrovias ilegais, sonegando impostos, manipulando os baixos salários da mão-de-obra não qualificada (já por si suficientemente baixos), expropriando as terras dos camponeses e exaurindo a fertilidade do solo. E tudo isso para que os norte-americanos tivessem bananas como sobremesa!"

Ao debruçar-se sobre os efeitos dos alimentos na História, Ritchie descobre que foram os conceitos errôneos de alimentação e não os corretos, os que demonstraram ter maior influência. "Crenças em que as especiarias aumentavam a virilidade, que o açúcar era essencial para a saúde, ou que para ser forte devia-se beber muita cerveja, condicionaram mais os destinos da humanidade que as autênticas e consolidadas leis da ciência da alimentação".

Já vi universitários e professores universitários se lambuzando com sorvetes, que além de açúcar contém algo mais nocivo, o sal. (Isso até que não é tão grave: há universitários que acreditam em Deus). Pior ainda, já vi muitos destes senhores que, por uma questão de ofício possuem, ou deveriam possuir, noções de bem comer, dando sorvetes a seus filhos. Assim sendo, sempre tenho em casa um açucareiro cheio para saciar os instintos primários de minha assessora de assuntos domésticos e de eventuais formigas que já descobriram o mapa da mina. Sem falar que, quando o café é forte, tipo exportação, não me furto a ajuntar-lhe uma colherinha de veneno.

Pois este hidrato tão prestigiado, que no fundo só serve para produzir cáries, obesidade e doenças cardíacas, produziu mais estragos na trajetória do ser humano do que o próprio sal, que pelo menos tem a virtude de conservar as carnes, fator aparentemente banal mas decisivo na caminhada do Homo Sapiens, seja rumo ao combate, seja rumo a descobertas. E já fez levas de jovens do mundo todo partirem em revoadas rumo à Disneylândia das esquerdas, para cortar cana em prol da ditadura de Fidel Castro.

Pois a cana-de-açúcar deve ser colhida rapidamente quando madura e Castro, preocupado em seguir as diretrizes de Moscou, mandou para Angola a juventude cubana, onde, em vez de ceifar cana, ceifaram vidas alheias e muitas vezes perderam as suas. Mas Estados Unidos, Europa, América Latina e mesmo o Brasil, pronto supriram a falta de mão-de-obra. Milhares de jovens, que jamais haviam visto de perto um canavial, bravamente acorreram, de machete em punho, em apoio à ditadura cubana.

O açúcar foi introduzido no mundo mediterrâneo por Dario, o rei dos persas, trazido da Índia após suas conquistas por lá. Difundiu-se pela Europa e passou ao Novo Mundo graças aos colonizadores espanhóis. Hernán Cortez introduziu a cana-de-açúcar no México. O Caribe proporcionava ao açúcar o clima mais adequado que seu próprio lugar de origem, a Índia, pois lá chovia muito mais. Acontece que os espanhóis jamais iriam trabalhar se encontrassem alguém que o fizesse por eles.

A tarefa foi delegada, se assim se pode dizer, aos índios caribes e arawaks, culturas que logo foram exterminadas. Tendo de buscar mão-de-obra em outra parte, os colonizadores das "Índias Ocidentais" deram uma piscadela de olhos aos portugueses. Estes, tendo observado que os índios, não se adaptando ao trabalho duro, morriam na colheita de açúcar, os deixaram de lado e foram buscar escravos na África.

"Já que espanhóis e portugueses haviam começado a desenvolver suas plantações de cana com a colaboração dos escravos negros, todos os demais pensaram que tinham de seguir seu exemplo. Se assim não faziam, expunham-se a produzir um açúcar mais caro, sem saída no mercado. Resulta irônico comprovar a que ponto haviam chegado os primeiros colonos franceses e ingleses no Caribe: homens idealistas, freqüentemente perseguidos por suas crenças religiosas, e muitas vezes indivíduos de princípios elevados que queriam viver de uma forma mais livre da qual lhes era permitido viver na Europa". Pois estes senhores, diz-nos Ritchie, tornaram-se escravocratas nas Índias Ocidentais. Para satisfazer o paladar europeu.

Outro subproduto da cana, o rum, serviu para incrementar o tráfico de escravos. Quando surgem as primeiras campanhas abolicionistas, seus líderes implantam o primeiro boicote ao comércio infame, adoçando o café com nata em vez de açúcar, e pedindo conhaque francês em lugar de rum. Para ajudá-los a propagar suas idéias, lady Henderson, comerciante em Londres, vende açucareiros com gravado em letras douradas: "Açúcar das Índias Orientais, não produzido por escravos". 

Ritchie considera que se o açúcar fosse descoberto hoje seria classificado como droga. Droga que já produziu mais estragos em sua trajetória do que a maconha ou cocaína. cada cultura com seus pecados. Na Europa, a luta é contra o açúcar. Chez nous, estamos ainda na fase da luta contra o crack e cocaína.
Por: Janer Cristaldo

SEGUNDA LIÇÃO


Dez lições de economia austríaca - Segunda lição: o que é economia, escassez, escolhas e valor

escolhas.jpg
Todos nós temos objetivos a alcançar em nossas vidas, desde os mais simples, como comprar um sorvete na esquina, até os mais importantes, como a escolha de nossa profissão. Para alcançar esses objetivos ou fins, todos nós dispomos de meios e passamos boa parte de nosso tempo tentando descobrir a melhor maneira de utilizarmos esses meios para atingir nossos fins. A economia, então, procura lidar com esses fins e meios da melhor forma possível.

Vamos a um exemplo: suponha que você disponha de certa quantidade de dinheiro e que esse seja o seu único meio. Suponha também que você, em determinado dia, tenha dois objetivos ou fins, por exemplo, comprar um novo aparelho celular e passar o próximo fim de semana em outra cidade. Para completar, admita que o montante de dinheiro que você dispõe seja suficiente apenas para realizar um desses fins: comprar o celular ou viajar no final da semana. Nesse caso, você terá que fazer umaescolha: ou um ou outro! Geralmente, fazemos as nossas escolhas verificando qual das alternativas nos dará maior satisfação em determinado momento do tempo, que é aquele momento em que a escolha é feita. A essa satisfação proporcionada pela posse ou uso de um bem os economistas chamam de utilidade.

Ao fazermos a escolha, estaremos fazendo uma valoração, ou seja, atribuindo um determinado valor a cada uma das opções e escolhendo aquela que tiver o maior valor. Essa valoração é subjetiva, depende de nossos gostos e preferências, embora seja também influenciada pelos preços das alternativas e pelo próprio momento da escolha. Suponha que o seu time acaba de ganhar o campeonato brasileiro de futebol e que você está saindo do estádio; nesse momento, o valor que você atribui a uma bandeira do seu time é muito maior do que o será, por exemplo, três semanas depois. Entendeu?

Exemplificando novamente: para um pianista, o valor subjetivo de um bom piano é maior do que o valor que uma pessoa que não gosta de música atribui a esse piano, embora o preço desse piano seja o mesmo para ambos. Agora, se o pianista vai comprar ou não o piano isso vai depender dos meios de que dispõe (dinheiro, espaço em casa para colocar o instrumento), das alternativas ou escolhas que precisar fazer (por exemplo, já que os meios são escassos, ele poderá ter que escolher entre comprar o piano ou reformar a cozinha de sua casa). Ficou claro?

Este exemplo é uma boa pista para você compreender a diferença entre preço e valor. Suponha que sua escolha tenha sido, no primeiro exemplo, comprar o novo celular. Ao fazer a compra na loja, você pagou um preço pelo aparelho, mas levou para a sua casa um valor! Deu para entender? O preço é aquilo que você paga por algum produto que você deseja comprar e o valor é a satisfação que você acha que aquele produto vai proporcionar a você, caso o compre. Essa satisfação ou valor, então, é diferente do preço e varia de pessoa para pessoa, como vimos no exemplo do piano; no do celular, há pessoas que não vivem sem um celular, mas há também pessoas que o utilizam muito pouco ou, mesmo, nem o utilizam. O preço de um determinado aparelho é o mesmo para ambas, mas é claro que seu valor será muito maior para a primeira pessoa do que para a segunda, o que significa que a primeira estará disposta a pagar um preço maior para ter o celular do que a segunda. No caso extremo desta última achar que não precisa de um aparelho celular, ela não estará disposta a pagar nem um centavo por um.

Ao nos decidirmos por uma das alternativas, estaremos agindo, realizando uma ação. Toda escolha, portanto, envolve uma ação correspondente. A economia nada mais é do que o estudo da ação humana, ou seja, ela estuda as escolhas que os indivíduos fazem, considerando que os meios ou recursos de que dispõem nunca são suficientes para satisfazerem todos os fins. Esse último fato é conhecido como escassez, ou seja, os meios sempre vão ser escassos quando comparados aos fins, o que significa, em outras palavras, dizer que não poderemos jamais realizar todos os nossos desejos, porque somos limitados pelos meios de que dispomos. A economia nos ensina as melhores formas de lidarmos com a escassez.

Observe que quanto mais as economias se desenvolvem, mais meios ou recursos surgem; mas acontece que os fins também aumentam, de maneira que o problema da escassez permanece. Não podemos escapar dele. Pense no seguinte: hoje, temos muito mais meios do que nossos avós tinham, mas temos também muito mais fins, muito mais necessidades, do que eles tinham há 80 ou 100 anos atrás. Assim, mesmo que ganhemos muito mais do que nossos avós ganhavam, temos fins ou necessidades que eles não tinham, como, por exemplo, TV a cabo, internet banda larga, geladeira elétrica, carro etc. Da mesma forma, embora nossos avós ganhassem muito mais do que os avós deles, suas necessidades eram também maiores do que as de seus avós, que não precisavam ter despesas com luz elétrica, telefone, rádio etc.

O que estamos querendo enfatizar é que o problema da escassez sempre existiu — desde a mais remota antiguidade —, existe e vai continuar existindo, mesmo com a multiplicação extraordinária dos meios e recursos que o capitalismo provocou. Aqui cabe um pequeno parêntesis: você deve ter ouvido de alguns professores de História cobras e lagartos a respeito do capitalismo, mas a verdade histórica (que eles omitem sempre) é que foi exatamente o capitalismo, por meio da promoção da capacidade empreendedora de algumas pessoas, que arrancou da pobreza extrema milhões de pessoas, desde a Revolução Industrial, e que deu oportunidade a que essas pessoas progredissem na vida, de acordo com sua vontade de trabalhar, sua capacidade, sua inteligência e também de sua sorte.

O socialismo, sistema que eles tentam enfiar nas cabeças de vocês como sendo o paraíso na terra, onde quer que tenha sido implantado, só gerou pobreza, uma pobreza distribuída por toda a população. Nesse sistema, que atenta contra a dignidade da pessoa humana porque trata as pessoas como simples objetos (semelhantes aos cupins, formigas e abelhas a que nos referimos na aula anterior), as escolhas dos indivíduos ficam bastante limitadas, porque é o estado que impõe a si mesmo o poder para fazer a maioria das escolhas, desde a escolha de que produtos devem ser produzidos, em que quantidades devem ser produzidas, como serão produzidas e para quem serão produzidas.

Nesses arremedos de organização econômica, os meios são apropriados pelo estado e resta aos indivíduos apenas escolher, quando muito, entre as alternativas que o quadro lhes coloca à disposição. Nesses sistemas, a rigor, não podemos falar em preços, mas em pseudopreços, porque preços verdadeiros requerem mercados onde sejam determinados; os mercados, por sua vez, requerem propriedade privada dos meios de produção.

Ora, como esses sistemas não adotam a propriedade privada, neles não pode haver mercados propriamente ditos e, sendo assim, não podem existir preços verdadeiros, ou seja, preços determinados por vendedores e compradores por livre e espontânea vontade. Como não há preços, esses sistemas se guiam às cegas, porque neles é impossível para o governo fazer cálculos econômicos corretamente. Esse é o conhecido problema do cálculo econômico no socialismo, que levou Mises, um grande economista austríaco, por volta de 1920, a afirmar categoricamente que a União Soviética possuía uma economia que se guiava às cegas e que poderia durar seis ou sete décadas, ao fim das quais iria desaparecer, ruir como um castelo de cartas, como de fato aconteceu. O que valeu para a União Soviética vale para qualquer economia que adotar o sistema socialista. Duram algum tempo, mas seu destino é a destruição. Você deseja isso para o Brasil?

Como vemos, as liberdades individuais ficam bastante restringidas nos sistemas socialistas e mais ainda quando os mandachuvas desses sistemas decidem acabar com a propriedade privada dos meios de produção, como fizeram na União Soviética, Cuba, Coreia do Norte, Vietnã do Norte, durante muitos anos na China (que vem gradualmente restabelecendo os direitos de propriedade) e outros infelizes países.

No exemplo dado, os meios são monetários (dinheiro), mas nem todos os meios ou recursos são monetários. Suponha que o seu fim seja o de se inscrever em um concurso que exija uma taxa de inscrição de 70 reais e diploma do segundo grau completo. Nesse caso, supondo que você possua os 70 reais e que tenha o diploma exigido, estes serão os dois meios exigidos para que você realize o seu fim, que é o de se inscrever no concurso.

Temos, portanto, alguns conceitos fundamentais com que lida a economia: meios ou recursos, fins, escassez, utilidade, escolhas e valor. Se você entendeu cada um deles, está pronto para entender também os assuntos de que a economia trata.

A definição de economia mais conhecida é a que diz que ela é a ciência que estuda como utilizar recursos — que são sempre escassos — para alcançar fins alternativos. Note que em economia temos os fins e os meios para que alcancemos os fins, mas que a economia como ciência deve se preocupar essencialmente com os meios. É uma ciência de meios, em que os fins não são determinados por autoridades ou por burocratas, mas pelos consumidores: dado que estes sinalizaram que a economia deve, por exemplo, produzir 80 milhões de pares de sapatos por ano, os economistas se preocupam em como os meios ou recursos devem ser utilizados para que esse fim seja alcançado.

Os principais problemas que a economia procura solucionar são o quê produzir, quanto produzir e como produzire as respostas mais adequadas a essas questões, como veremos nas aulas seguintes, só podem ser encontradas nos mercados, que é onde as ações(escolhas) livres de compradores e vendedores se encontram de forma voluntária.

Por enquanto, o que vimos até aqui é suficiente.


Sugestões para reflexão e debate:

1. O que são fins e meios?

2. Em que consiste o problema da escassez e qual a sua importância para a economia?

3. Comente: "preço é uma coisa; valor é outra".

4. Por que as economias socialistas apresentam um grave problema de cálculo econômico?

5. Por que os mercados respondem melhor às questões básicas da economia (o que produzir, quanto produzir e como produzir) do que os planejadores do governo?



Ubiratan Jorge Iorio é economista e professor de UERJ. 

A AGENDA DOS "MELANCIAS"



“A tradição da esquerda é julgar o sucesso humano pelo fracasso de alguns. Isso sempre lhe fornece uma vítima a ser resgatada. No século XIX, eram os proletários. Nos anos 60, a juventude. Depois, as mulheres e animais. Agora, o planeta.” (Roger Scruton)

De tempos em tempos alguma histeria ambiental prega o apocalipse iminente e toma conta do mundo. A chuva ácida, o SARS, o buraco na camada de ozônio, os agrotóxicos, etc. Mas nunca se viu algo da magnitude do aquecimento global. Trata-se de uma nova seita religiosa que vem conquistando cada vez mais adeptos. Por trás dela, jaz uma agenda político-ideológica de controle sobre nossas vidas, com fortes cores de misantropia.

É o que demonstra James Delingpole em seu excelente livro “Os Melancias”. Um dos primeiros a divulgar o escândalo do “Climategate”, quando vazaram vários emails comprometedores de gente importante do CRU (The Climatic Research Unit), Delingpole acabou vendo sua vida se transformar em uma obsessão pelo tema climático. Após meses de pesquisas, sua conclusão, calcada em fatos e confissões dos próprios ambientalistas, é inapelável: o movimento ambientalista se tornou um refúgio para socialistas. Verde por fora, vermelho por dentro.

Não se trata de teoria conspiratória, mas de declarações abertas dos mais renomados membros da nova seita. O Clube de Roma, um dos ícones da turma, chegou a publicar um documento em 1991 que já declarava o objetivo de unir em torno do alarmismo climático aqueles que teriam um novo inimigo comum: a própria humanidade. O homem passaria a ser visto como a maior praga de todas, o grande obstáculo para um mundo melhor, com a nova deusa Gaia assumindo seu lugar no ranking das prioridades. A Natureza passava a ser o foco, enquanto antes a natureza era um instrumento para o progresso humano.

Freud, escrevendo em 1921 sobre a psicologia das massas, já tinha antecipado o risco de novas seitas tomarem o lugar das religiões e servirem como estímulo para a violência. Até mesmo a ciência poderia se tornar mais religião que realmente ciência. Esta passagem do pai da psicanálise é profética quando pensamos na captura dos cientistas ligados ao clima pela agenda política da ONU e seus burocratas:

Se hoje a intolerância não mais se apresenta tão violenta e cruel como em séculos anteriores, dificilmente podemos concluir que ocorreu uma suavização nos costumes humanos. A causa deve ser antes achada no inegável enfraquecimento dos sentimentos religiosos e dos laços libidinais que deles dependem. Se outro laço grupal tomar o lugar do religioso – e o socialista parece estar obtendo sucesso em conseguir isso –, haverá então a mesma intolerância para com os profanos que ocorreu na época das Guerras de Religião, e, se diferenças entre opiniões científicas chegassem um dia a atingir uma significação semelhante para grupos, o mesmo resultado se repetiria mais uma vez com essa nova motivação. 

Delingpole chama a atenção para o fato de que, quando se trata do aquecimento global, os argumentos deixaram de ser julgados por seus méritos, passando a ser considerados apenas com base nas emoções e na pauta ecologicamente correta. A linguagem não é mais científica, mas religiosa. Os céticos são os “negacionistas”. Aqueles que ousam questionar são ofendidos e rotulados. Os ecoterroristas monopolizaram as boas intenções. Somente eles desejam um mundo melhor e “sustentável”, palavra mágica da seita. Há os profetas, como Al Gore, e a mensagem escatológica. Precisamos salvar o planeta do homem. E já!

Uma das táticas mais usadas pelos ambientalistas é o apelo à autoridade. Quem você pensa que é para questionar o IPCC? Ignora-se o alerta feito por Hayek, de que nossa liberdade fica ameaçada quando aceitamos sem críticas e questionamentos os especialistas tomarem todas as decisões sobre problemas que eles mesmos sabem apenas uma ínfima parcela. Clima é um fenômeno deveras complexo para ser projetado com modelos simplistas que aceitam qualquer coisa.

Ignora-se também a grande lista de cientistas que discordam do alarmismo climático. Estes são tratados como “lacaios da indústria petrolífera” ou simplesmente ignorados. Mas não se fala da enorme quantidade de recursos em jogo do lado dos alarmistas (o WWF teve uma renda acima de US$ 640 milhões só em 2010), do conflito de interesses desses cientistas cujas carreiras e verbas estatais muitas vezes dependem justamente desse alarmismo.

O ambientalismo se transformou em um gigantesco negócio. E como os emails vazados pelo “Climategate” comprovam, os principais cientistas envolvidos na causa parecem dispostos a tudo para preservá-la, inclusive mentiras, deturpações estatísticas e pressão contra os dissidentes. Não é assim que se faz ciência de verdade.

Esse talvez seja um dos efeitos indiretos mais negativos disso tudo: a perda da confiança na própria ciência. Quando cientistas, que supostamente procuram refutar suas teses de forma imparcial (eis o método científico), começam a agir como políticos engajados, a ciência perde credibilidade. Ativistas políticos não são bons cientistas. E o IPCC da ONU virou um antro de ativistas.

Muitos aceitam que pode haver exagero no alarmismo, mas que por precaução os governos devem agir na direção atual para conter as emissões de CO2. Essas pessoas ignoram que há elevado custo de oportunidade para recursos escassos. Não se redireciona recursos escassos para uma possível invasão alienígena, pois isso representaria enorme desperdício. Mas isso não é o pior.

O que Delingpole demonstra é como o próprio progresso capitalista representa o verdadeiro alvo dos ecoterroristas. O que eles querem, acima de tudo, é justamente condenar o desenvolvimento econômico ocidental e “resgatar” um estilo de vida mais “natural”, como se a vida fosse melhor antes da Revolução Industrial, quando a expectativa média de vida não passava dos 40 anos e as doenças pululavam. Aqui, como alhures, vemos o teor religioso do movimento, que idealiza um passado inexistente e busca o regresso ao Éden. Será que eles sabem porque as florestas costumam ser chamadas também de “inferno verde”?

Nada disso importa. Os “escolhidos” possuem um monopólio sobre a verdade, os céticos são hereges, Gaia é a deusa a ser reverenciada, o homem é uma praga, o apocalipse está próximo se nada for feito, e eles, os melancias, chegaram para nos salvar! A sensação de superioridade moral por pertencer a este culto religioso vale mais do que a busca sincera pela verdade. As emoções falam mais alto que a razão.

O problema é que a seita causa enorme impacto na vida de todos. A democracia fica ameaçada. Uma Nova Ordem Mundial, com o poder concentrado nos burocratas sem rosto da ONU, representa uma meta real dos melancias. Recursos são desviados para uma causa furada. Impostos são aumentados destruindo riqueza. O homem passa a ser visto como um vírus inconveniente na Natureza, esta a verdadeira finalidade de tudo. É esse mundo que queremos deixar para nossos filhos? Um mundo onde eles são menos importantes que baleias e sapos?

O livro de Delingpole é rico em dados sobre as verdadeiras crenças por trás do atual movimento ambientalista radical. Existem vários outros livros sobre o assunto, com viés mais científico. “Os Melancias” não pretende contestar cientificamente a tese do aquecimento global antropogênico, mas sim demonstrar, jornalisticamente, como a fraude tomou conta da causa. E Delingpole faz isso de forma irretocável, além de rechear as páginas com o fantástico humor inglês. Trata-se de um livro imperdível que deve ser lido na íntegra por todos aqueles preocupados com o progresso e a liberdade. Por: Rodrigo Constantino

QUAL FOI O PRESIDENTE QUE MAIS FEZ PELO PAÍS?



EDIÇÃO AMPLIADA: Uma enquete com 200 mil leitores atropela pesquisas produzidas por fabricantes de recordes de popularidade



“Qual foi o presidente que mais fez pelo país?”, perguntou o portal iG numa enquete baseada no conceito de real time. Em sete dias, a moderna plataforma computou 195.028 votos ─ uma amostra de bom tamanho do universo de brasileiros que sabem ler e gostam de manter-se bem informados. Confira o desempenho dos seis concorrentes:

Fernando Henrique Cardoso: 116.306 votos

Lula: 63.312

Itamar Franco: 5.187

Dilma Rousseff: 4.884

Fernando Collor: 4.275

José Sarney: 1.064

Se a escolha fosse feita em dois turnos, portanto, Fernando Henrique ─ pela terceira vez ─ teria vencido Lula já no primeiro. A votação do segundo colocado, que mal passou da metade da obtida pelo vitorioso, ajuda a entender por que a sigla FHC está para o SuperLula como a kriptonita verde para o Super-Homem.

Os outros ex-presidentes amargaram cifras anêmicas. Itamar Franco ficou ligeiramente acima de 5 mil votos. Dilma e Collor, nem isso. Sarney garantiu a lanterninha com um desempenho de vereador dos cafundós do Maranhão.

Faz 10 anos que Lula repete a ladainha da “herança maldita”, agora com Dilma Rousseff caprichando na segunda voz. A enquete do iG reitera que o Brasil que pensa contempla com desdém a choradeira dos farsantes. No universo da internet, só blogueiros estatizados e milicianos fanáticos tentam debitar na conta de FHC os aleijões que o padrinho concebeu, a afilhada pariu e ambos amamentaram. Um deles está em julgamento no Supremo Tribunal Federal.

Embusteiros desmoralizados pela enquete refugiam-se em “pesquisas de popularidade” que mostram a dupla em marcha acelerada para os 100% (ou 103%, se a margem de erro oscilar a favor). A consulta no portal abrangeu quase 200 mil leitores. Para que as usinas de estatísticas atendam às encomendas do governo, bastam algumas centenas de formulários preenchidos por eleitores que ninguém viu.

Os sucessivos recordes estabelecidos pelos campeões de popularidade colidem estrondosamente com pesquisas eleitorais embaladas pelos mesmos fabricantes de porcentagens amigas. Lula se aproxima dos 90% no Recife. A candidatura de Humberto Costa avança pela trilha do penhasco. Dilma passa dos 95% em Belo Horizonte. A campanha de Patrus Ananias, vista por Nelson Rodrigues, lembraria a aridez de três desertos. O ex-presidente e a sucessora somam 180% em São Paulo. Fernando Haddad não atinge sequer os índices historicamente alcançados por qualquer poste companheiro.

Nenhum mistério. Como pesquisas eleitorais podem ser desmoralizadas pela votação real, convém agir com cuidado e rigor científico pelo menos na reta final da disputa, para evitar a perda de todos os clientes sérios que sustentam a turma na entressafra. Pesquisas de popularidade não são submetidas ao testes das urnas. As coisas ficam entre o comerciante e o freguês, sempre em busca de mais uma malandragem que será revendida nos palanques e na imprensa.

O truque se repete há dez anos. Mas o prazo de validade parece estar chegando ao fim. Se Lula fosse tão popular, o filme sobre sua vida não seria um dos maiores fiascos da história do cinema. Se fosse o herói incomparável da classe média emergente, não seria surrado por Ayrton Senna na votação feita pelo SBT para escolher o brasileiro mais importante de todos os tempos.

A enquete apenas reiterou o aviso: é cada vez maior o número de brasileiros que sabem quem fez o Plano Real e quem fez o mensalão. Por: Augusto Nunes

A INVEJA INFANTIL IMPRODUTIVA



A relação de grande parte da nossa mídia e dos intelectuais locais com os Estados Unidos continua sendo a de uma inveja infantil improdutiva, uma síndrome que podemos chamar de "I. I. I. Adição". Psiquiatras brasileiros poderão descrevê-la no futuro, caso eles mesmos não sofram da síndrome de inveja infantil improdutiva. E, como toda síndrome infantil, é primitiva e quase incurável.

Agora, com a eleição nos EUA, de novo, a síndrome se mostra na ridícula parcialidade da maior parte da cobertura e análises (se podemos chamar "gritos da torcida" de análise). A torcida grita: Obama é a prova de que homens criados por mulheres fortes e independentes produzem homens melhores (na realidade, homens com medo das mulheres...), Obama é a cura para a doença (a crise econômica) que assolou os EUA porque ele não representa os milionários e esses são malvados... risadas...

As "cheerleaders" gritam: os republicanos são obviamente idiotas que representam velhos caquéticos brancos que não representam a população americana (apesar de os republicanos terem o controle da Câmara de Deputados e de vários Estados). Pesquisas apontam que, em anos, o partido estará morto porque esses caquéticos terão morrido (pouco importa se grande parte dessas pesquisas são feitas pelos próprios liberais, "esquerda americana", e de existirem mulheres, negros e hispânicos mesmo entre candidatos no Partido Republicano).

Não acredito em causas ideológicas para as ideias políticas, mas sim em causas mais primitivas e da ordem da tara: a base da crítica aos EUA é a simples inveja de que eles são mais ricos.

A figura do Obama (fraco, populista e marqueteiro) é tudo a que a inveja nacional para com os Estados Unidos precisa: um negro, portanto vítima, que queria que os Estados Unidos fossem a Suécia.

Exagero. Obama não queria isso, mas nossos invejosos é que queriam que ele quisesse. Ele apenas discursa para liberais americanos (que nunca tiveram que lidar com uma folha de pagamento) que desdenham o fato de que os EUA são o único país do mundo com enorme população e de história bastante "jovem" a ser rico devido a própria capacidade de sua população produzir riqueza.

A Europa ocidental, com seu Estado de bem-estar social, está falida, inclusive por causa desse. Países como Suécia têm uma população de mil habitantes (trata-se de uma ironia, aviso aos especialistas em população da Suécia). Mas, ainda assim falida, essa Europa claudicante é o modelo que os invejosos tupis têm na cabeça e adoram o Obama porque pensam que ele seja um paladino de fazer os Estados Unidos virar a Suécia.

Ele inchou a máquina de impostos americana com sua versão INSS do Medicare. Os americanos não gostam de pagar a conta alheia, e têm razão de não gostarem. E perdeu de cara seu primeiro teste quando perdeu a maioria na Câmara de Deputados dois anos depois de eleito.

Prometeu fechar Guantánamo (a base americana em Cuba na qual são "interrogados" suspeitos de terrorismo) quando sabia que a segurança americana não podia se dar ao luxo de fazer isso.
Coitado, mas grande parte de sua torcida tupi pensa como membros de centro acadêmico, ou seja, tem uma visão infantil da política e da geopolítica de segurança, ainda que passem por humilhações contínuas nos aeroportos por conta da segurança dos voos, inclusive quando vão para os EUA comprar tênis e iPads baratos, ainda que falem mal dos Estados Unidos.

A Fox News é acusada de ser descaradamente pró-Partido Republicano. O que é verdade. Mas até aí, como chamarmos a torcida desvairada do restante da mídia pelos democratas?

Sempre que se fala do Partido Republicano, logo após vem expressões como "homens brancos", "velhos", "milionários", "não havia mulheres, afro-americanos ou hispânicos". As "cheerleaders" tupis se referem ao elefante branco do Medicare do Obama como "avanço nos direitos sociais" destruído pelos republicanos.

Os americanos fizeram o país mais rico do mundo num curto espaço de tempo sem ficar gemendo ou culpando os outros ou pedindo "Bolsa Família". Em vez de babar de inveja dos Estados Unidos, deveríamos aprender com eles.

Por: Luis Felipe Pondé Folha de SP