quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O MITO DA AUSTERIDADE EUROPEIA


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Vários políticos e comentaristas, como Paul Krugman, alegam que o problema atual da Europa é a austeridade. Mais especificamente, alegam que os gastos dos governos europeus estão insuficientes. 

O argumento padrão é o seguinte: em decorrência das reduções nos gastos governamentais, a demanda na economia torna-se insuficiente. Isso leva a um aumento no desemprego. O desemprego piora a situação porque gera uma queda ainda maior na demanda agregada, o que por sua vez provoca uma queda nas receitas governamentais e um consequente aumento em seus déficits orçamentários. Ato contínuo, os governos europeus, pressionados pela infatigável Alemanha, aprofundam seus cortes de gastos, reduzindo novamente a demanda agregada da economia ao demitir funcionários públicos e cortar gastos assistencialistas. Isso, por sua vez, reduz ainda mais a demanda agregada, gerando uma infindável espiral baixista de desemprego e miséria. 

O que pode ser feito para se sair desta espiral? A resposta dada pelos comentaristas é simplesmente a de acabar com a austeridade, turbinando os gastos governamentais para elevar a demanda agregada. Paul Krugman chegou até mesmo a argumentar em prol de uma organização planetária contra uma invasão de alienígenas, o que induziria os governos a gastarem mais. E por aí vão as bizarrices. Mas esse raciocínio procede?

Em primeiro lugar, será que há realmente alguma austeridade na zona do euro? Um indivíduo só pode ser considerado austero se ele poupa, isto é, se ele gasta menos do que ganha. E a realidade é que não existe absolutamente nenhum país na zona do euro que seja austero. Todos eles gastam mais do que arrecadam de receitas.

Com efeito, os déficits orçamentários dos governos da zona do euro estão extremamente altos, em níveis insustentáveis, como pode ser visto no gráfico abaixo, o qual retrata os déficits de cada governo em porcentagem de seu PIB. Note que os números para 2012 são aqueles desejados por cada governo.
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Os números absolutos para os déficits — em bilhões de euros — são ainda mais impressionantes.
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Outro bom retrato da austeridade é comparar os gastos dos governos às suas respectivas receitas (o quão maior é o gasto público em relação à receita, em termos percentuais).
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Imagine que um conhecido seu tenha gastado, em 2008, 12% a mais do ganhou; em 2009, 31% a mais; em 2010, 25% a mais; e, em 2011, 26% a mais. Você diria que essa pessoa é austera? Você diria que esse comportamento é sustentável? Pois é exatamente isso o que o governo da Espanha tem feito. E ele vem se mostrando incapaz de mudar de postura. Perversamente, os comentaristas da mídia estão dizendo que é justamente essa "austeridade" a responsável pelo encolhimento da economia espanhola e pelo seu alto desemprego.

Infelizmente, austeridade é uma condição necessária para a recuperação da Espanha, da zona do euro, e de qualquer outra economia em recessão. A redução dos gastos do governo faz com que recursos reais — que até então haviam sido absorvidos pelo estado — sejam liberados e consequentemente disponibilizados para o setor privado. A redução dos gastos do governo faz com que novos projetos de investimento se tornem lucrativos e impede os antigos de irem à falência.

Considere o seguinte exemplo. João quer abrir um restaurante. Ele faz alguns cálculos. Ele estima que as receitas do restaurante serão de $10.000 por mês. Já os custos estimados são os seguintes: $4.000 de aluguel do espaço; $1.000 de conta de luz, água, gás e telefone; $2.000 pela comida; e $4.000 para os salários. Com as receitas estimadas em $10.000 e os custos estimados em 11.000, João não irá começar seu empreendimento.

Agora, suponhamos que o governo se torne mais austero, ou seja, ele efetivamente reduza seus gastos. Suponhamos que o governo extinga algumas agências reguladoras e alguns ministérios, e venda os prédios dessas burocracias no mercado. Como consequência, haverá uma tendência de queda nos preços dos imóveis e dos alugueis. O mesmo ocorrerá com os salários. Os burocratas demitidos sairão à procura de empregos no setor privado, e essa maior oferta de mão-de-obra exercerá uma pressão baixista sobre os salários. Adicionalmente, as agências e os ministérios abolidos não mais estarão consumindo energia e demais serviços de utilidade pública, o que gerará uma tendência de queda no preço destes serviços. João poderá agora alugar um espaço para seu restaurante no local onde funcionava uma destas burocracias por $3.000, dado que os alugueis estão barateando. Suas contas de luz, água, telefone, gás etc. caem para $500, e os burocratas demitidos poderão ser contratados para lavar pratos e servir mesas por $3.000. Agora, com as receitas estimadas em $10.000 e os custos em $8.500, o lucro esperado será de $1.500, e João poderá iniciar seu empreendimento.

Dado que o governo reduziu seus gastos, ele poderá reduzir também seus impostos, medida essa que poderá elevar o lucro líquido final de João (que agora tem de pagar um imposto de renda menor). Graças à austeridade, o governo foi capaz também de reduzir seu déficit. Aquele dinheiro que até então era emprestado ao governo para financiar seu déficit poderá agora ser emprestado para João para que ele faça seu investimento inicial: transformar as antigas instalações burocráticas em um restaurante. Com efeito, um dos principais problemas de países como a Espanha é que a poupança real dos cidadãos está sendo utilizada pelo sistema bancário não para financiar empreendimentos privados, mas sim para financiar o governo. Empréstimos estão praticamente indisponíveis para empresas privadas porque os bancos utilizam seus fundos para comprar títulos do governo a fim de financiar o déficit público.

No final, tudo se resume à seguinte questão: quem deve determinar o que deve ser produzido e como? O governo, que usa recursos alheios para proveito próprio (como expandir a burocracia por meio de agências reguladoras, ministérios, programas assistencialistas, guerras etc.), ou empreendedores em um ambiente concorrencial, batalhando entre si para satisfazer os desejos dos consumidores com produtos cada vez melhores e mais baratos (como João, que agora utiliza em seu restaurante parte dos recursos anteriormente imobilizados no aparato estatal)?

Se você crê que a segunda opção é a melhor, então a austeridade é o caminho certo. Mais austeridade e menos gastos governamentais significam menos recursos para o setor público (menos burocracia, menos agências reguladoras, menos ministérios) e mais recursos para o setor privado, que os utiliza para satisfazer os desejos dos consumidores (mais restaurantes). Austeridade é a solução para os problemas da Europa e dos EUA, uma vez que ela estimula o crescimento sólido e reduz os déficits governamentais.

Um PIB menor?

Mas não seria verdade que, ao menos temporariamente, a austeridade reduz o PIB e joga a atividade econômica em uma espiral descendente?

Infelizmente, o PIB é um número bastante enganador. O PIB nada mais é do que o valor de mercado de todos os bens finais e serviços produzidos em um país dentro de um dado período. 

Há dois motivos por que um PIB menor nem sempre é um mau sinal.

O primeiro motivo está relacionado à questão dos gastos governamentais. Imagine um burocrata do governo que emite alvarás de funcionamento. Quando ele nega a autorização para um determinado empreendimento, quanta riqueza foi destruída? Como calcular? Seria por meio das receitas esperadas desse empreendimento ou por meio de seus lucros esperados? E se o burocrata involuntariamente tiver impedido o surgimento de uma inovação que poderia evitar o desperdício de inúmeros recursos escassos para a economia? É difícil dizer qual o tamanho da destruição de riqueza provocada pelo burocrata. Poderíamos simplesmente, e arbitrariamente, pegar seu salário anual de $120.000 e subtraí-lo da produção privada da economia. O PIB seria menor.

No entanto — está sentado? —, o exato oposto ocorre na prática. Os gastos governamentais contam positivamente para o PIB. O salário do burocrata — e sua atividade destruidora de riqueza — eleva o PIB em $120.000. Isso significa que, se a agência reguladora desse burocrata for fechada e ele for demitido, então o imediato efeito dessa austeridade será uma redução de $120.000 no PIB. No entanto, essa redução no PIB é um ótimo sinal para a produção privada e para a satisfação dos desejos dos consumidores.

Segundo, se a estrutura de produção se encontra distorcida após um período de crescimento econômico aditivado pela expansão artificial do crédito, a reestruturação da economia também irá gerar uma queda temporária no PIB. Com efeito, o PIB só poderia ser mantido se a estrutura de produção permanecesse inalterada. Mas a permanência dessa estrutura distorcida e artificial representaria um consumo de riqueza, e não uma produção.

Se a Espanha ou os EUA tivessem continuado utilizando a mesma estrutura de produção vigente durante seus anos de crescimento, eles teriam continuado construindo a quantidade de imóveis que construíram em 2007. Vários recursos escassos teriam sido desperdiçados nesses projetos, mais empresas estariam falidas no futuro e haveria menos capital disponível na economia. A reestruturação de uma economia que foi artificialmente distorcida pelo crédito farto e barato direcionado ao setor imobiliário requer justamente um período de encolhimento do setor imobiliário. Mais especificamente, tal setor terá de fazer um menor uso dos fatores de produção, liberando mão-de-obra e capital para outros setores. E estes fatores de produção devem ser transferidos para aqueles setores onde eles estão sendo demandados com mais urgência pelos consumidores. 

A reestruturação não é instantânea; ela é organizada e conduzida por empreendedores em um processo dinâmico e competitivo que é incômodo, fatigante e que leva tempo. Durante esse período de transição, quando os empregos naqueles setores artificialmente inchados da economia estão sendo destruídos, o PIB tende a cair. Essa queda no PIB é apenas um sinal de que a necessária reestruturação da economia já está ocorrendo. A alternativa seria continuar produzindo a mesma quantidade de imóveis produzida em 2007. Se o PIB não caísse acentuadamente, isso significaria que a expansão econômica destruidora de riqueza estaria continuando exatamente como estava nos anos 2005—2007.

Conclusão

A austeridade do governo é uma condição necessária para a prosperidade privada e para uma rápida recuperação econômica. O problema da Europa (e dos EUA) não é o excesso, mas sim a escassez de austeridade — ou melhor, a sua completa ausência. Uma queda no PIB pode ser um indicador de que a necessária e saudável reestruturação da economia já está ocorrendo.

Philipp Bagus 
é professor adjunto da Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.  É o autor do livro A Tragédia do Euro.  Veja seuwebsite.

Tradução de Leandro Roque

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O HUMANISTA QUE AMAVA STALIN

Oscar Niemeyer era quase uma unanimidade. A reação à sua morte comprova isso. Mas será que tanta reverência se deve somente às suas qualidades artísticas? Muitos consideram que Niemeyer foi um gênio. Não sou da área, não me cabe julgar. Ainda assim, não creio que tanta idolatria seja fruto apenas de suas curvas.
Tenho dificuldade de entender por que o responsável pelo caríssimo projeto da construção de Brasília, o oásis dos políticos corruptos afastados do escrutínio popular, mereceria um prêmio em vez de um castigo. Por acaso as pirâmides do Faraó eram boas para o povo? Mas divago.
Eis a questão: por que Niemeyer foi praticamente canonizado? Minha tese é que ele representava o ícone perfeito da CHEC (Comunistas Hipócritas da Esquerda Caviar). No Brasil, você pode ser podre de rico, viver no maior conforto de frente para o mar, mamar nas tetas do governo, desde que adote a retórica socialista.
Falar em “justiça social” enquanto enche o bolso de dinheiro público, isso merece aplausos por aqui. Já o empresário que defende o capitalismo, produz bens demandados pelo povo e não depende do governo é visto como o vilão. Os discursos sensacionalistas valem mais do que as ações concretas. Imagem é tudo!
As curvas traçadas pelo “poeta do concreto”, que considerava o dinheiro algo “sórdido”, custavam caro. Quase sempre eram pagas pelos nossos impostos. Foram dezenas de milhões de reais só do governo federal. Muito adequado o velório ter sido no Palácio do Planalto, o maior cliente do arquiteto. Licitação e concorrência? Isso é coisa de liberal chato.
Niemeyer virou um ícone contra o excesso de razão nas construções, mas acabou com extrema escassez de razão em suas ideias políticas. Sempre esteve do lado errado, alimentado por um antiamericanismo patológico. Defendeu os terroristas das Farc, os invasores do MST e o execrável regime comunista, mesmo depois de cem milhões de vidas inocentes sacrificadas no altar dessa ideologia.
Ele admirava os tiranos assassinos Fidel Castro e Stalin, e chegou a justificar seus fuzilamentos. Até o fim de sua longa vida, usou sua fama para disseminar essa utopia perversa, envenenando a cabeça de jovens enquanto desfrutava do conforto capitalista.
No meu Aurélio, há uma palavra boa para definir pessoas assim, que curiosamente vem antes de “craque” e depois de “crânio”. Talvez Niemeyer fosse as três coisas ao mesmo tempo.
Roberto Campos certa vez disse: “No meu dicionário, ‘socialista’ é o cara que alardeia intenções e dispensa resultados, adora ser generoso com o dinheiro alheio, e prega igualdade social, mas se considera mais igual que os outros.” Bingo!
Para quem ainda não está convencido de que toda essa comoção tem ligação com sua pregação política, pergunto: seria a mesma coisa se ele defendesse com tanta paixão Pinochet em vez de Fidel Castro? A tolerância seria a mesma se, em vez de Stalin, fosse Hitler o seu guru?
E não me venham dizer que são coisas diferentes! Tanto Stalin como Hitler eram monstros, da mesma forma que o comunismo e o nacional-socialismo são igualmente nefastos. Que grande humanista foi esse homem que defendeu até seu último suspiro algo tão desumano assim?
Acho compreensível o respeito pela obra de Niemeyer, ainda que gosto seja algo subjetivo e que a simbiose com o governo mereça críticas. Entendo o complexo de vira-lata que faz o povo babar com os poucos brasileiros famosos mundialmente. Mas acho inaceitável misturarem as coisas e o colocarem como um ícone do humanismo. Não faz o menor sentido.
Seu brilhantismo como artista não lhe dá um salvo-conduto para a defesa de atrocidades. É preciso saber separar as coisas, o gênio artístico do homem e suas ideias. E tenho certeza de que não é apenas sua arquitetura que gera essa idolatria toda. Basta ver a reação quando questionamos a pessoa, não o arquiteto.
Sua neta Ana Lúcia deixou clara a confusão: “As ideias que ele tentou passar de humanismo, justiça social, isso é tão importante quanto as obras dele. Acho que a gente tem que preservar e difundir o pensamento dele.” Como assim?
Aproveito para avisar que sou sensível ao sofrimento das vítimas do comunismo, mas sou imune à patrulha ideológica da CHEC. A afetação seletiva da turma “humanista” não me sensibiliza. É até cômico ser rotulado de radical por stalinistas.
Por fim, espero que Niemeyer chame logo seu camarada Fidel Castro para um bate-papo onde ele estiver, e que lá seja tão “paradisíaco” como Cuba é para os cubanos comuns. Talvez isso o faça finalmente mudar de ideologia...
Rodrigo Constantino, O GLOBO

A DERROTA DO SUPEREGO

"O Superego, que é gradualmente formado no "Ego", se comporta como um vigilante moral. Contém os valores morais e atua como juiz moral. Inconscientemente, o Superego faz a censura dos impulsos que a sociedade e a cultura proíbem ao Id, impedindo o indivíduo de satisfazer plenamente seus instintos e desejos. É o órgão da repressão, particularmente a repressão sexual. Manifesta-se na consciência indiretamente, sob a forma da moral, como um conjunto de interdições e de deveres." 

Sigmund Freud, em "O Ego e o Id" de 1923.

O que um texto tão antigo de psicologia tem a ver com a economia? Partindo do pressuposto que a economia é a soma das ações e desejos de indivíduos (nem sempre racionais), eu diria que tem tudo a ver.

Para entender melhor a profunda transformação que o mundo passa, é necessário analisar a profunda transformação (para pior) que os valores das sociedades ocidentais vêm sendo submetidos. Começando pelo sintoma em si, a dívida. O mundo ocidental vive hoje sob o peso de uma dívida impagável. Parte no setor privado, parte no setor público, ambas igualmente impagáveis. O que levou a este crescimento brutal do endividamento? Simples. O crescimento dos gastos de pessoas e governos ter sido bem superior ao incremento das receitas.

O gráfico ao lado, das despesas do governo americano (poderia ser de qualquer país ocidental) desde o pós-guerra, ilustra bem o crescimento contínuo ao longo dos anos das despesas públicas. O fato é que, nos últimos 60 anos, nos tornarmos cada vez mais mimados e gastões enquanto sociedade. Os valores tradicionais de poupança, sacrifício e estoicismo definitivamente não fazem parte do nosso repertório. O mantra dos dias atuais é: "o importante é ser feliz, deu vontade? Então faça". Vivemos a ausência do superego como um freio aos nossos impulsos. Deu vontade de comprar aquele carro novo? Que se danem as 72 parcelas com juros gordinhos. O verão está chegando e você não vai fazer aquele cruzeiro com o Rei Roberto Carlos? O cartão de crédito está aí para isso mesmo; depois se dá um jeito de pagar. Ou não.


Será que virei um “socialista chatinho”? Não! Tudo a favor do capitalismo, da inovação e do livre mercado, mas me parece que há algo errado nas longas filas de pessoas trocando o seu Iphone X (comprado há meses) pelo novíssimo Iphone X+1. Não vejo problema com o consumo, quem sou eu para julgar se é excessivo ou não? O problema está quando quem financia esse consumo é a dívida e não um eventual incremento de receita.

Esta geração de superego castrado parece não entender que a conta chega. Pode demorar, mas chega. Por hora, essa gente se enamorou do estado super provedor que está em alta por toda parte. Ou seja, a responsabilidade por gastar menos do que ganho não é minha. Quem equilibra as minhas contas no fim do dia é o estado babá. É bolsa disso, cota daquilo, subsídio aqui e financiamento barato acolá. Até nos Estados Unidos, o maior sucesso da liberal democracia mundial, parece que a demografia transformou essas pessoas estado-dependentes em maioria. 

Este declínio de valores está destruindo o mundo ocidental (que um dia teve valores judaico-cristãos). Em algum tempo, a China ultrapassará os Estados Unidos como a maior economia do mundo. Estudos apontam que a Rússia, por volta de 2020, passará a Alemanha. 

Receio que a hegemonia econômica acabará nas mãos de povos com valores muito distintos dos nossos. Pior do que perder uma partida disputada é entregar o jogo de bandeja. E através desta inversão, vamos assistindo o mundo ocidental abrir mão de seus valores e adotar valores estranhos em nome de conceitos absurdos como o multiculturalismo. 

Vejamos o caso europeu. O casal moderno mal tem um filho, que será educado e após ingressar no mercado de trabalho será taxado entre 50% e 70% de sua renda. Esses impostos irão sustentar os quatro (ou mais) filhos do casal muçulmano (que sabemos, mal irão trabalhar). Não há economia que resista a isso. A conta não fecha. Alguns moderninhos irão dizer que este pensamento é xenófobo. Se uma família de imigrantes paraguaios se instala na casa de um brasileiro e essa pessoa concorda em sustentá-los, é simplesmente burrice e não multiculturalismo, em minha opinião.

Está claro que o ocidente está descendo a ladeira, e não por conta da crise de 2008. Trata-se um longo processo em curso. E neste ambiente de desconstrução como ficam os nossos investimentos?

Começando pelas moedas, que são, ou deveriam ser, nossa reserva de valor. A supremacia de uma moeda não ocorre da noite para o dia e nem é fruto da vontade de alguém. Trata-se de um processo que reflete um domínio econômico, tecnológico e mercantil. Que por sua vez teve como base uma cultura e valores sólidos. O que está em curso é a redução da relevância do dólar e do euro. E notem que a recente desvalorização, por conta da impressão desenfreada de numerário, não é a causa e sim o sintoma de algo maior em curso. 

Sabemos quem está perdendo relevância, mas ainda não está claro quem ocupará esses espaços. A moeda chinesa é um candidato provável, mas é um processo muito longo e com muita volatilidade no meio do caminho. Nestes tempos de grandes mudanças nada melhor que um bom consultor de investimentos, que pode lhe ajudar até na escolha de ativos não financeiros. O que nos parece prudente é que o investidor, neste desarranjo de referências de reserva de valor, comece a considerar uma parcela cada vez maior de ativos reais em sua carteira. Afinal, em tempos de incerteza, para onde flui o dinheiro? Porém, deve-se notar que esse processo deve ser feito com sabedoria pois não faltam ativos reais caros por aí.

Quando se analisa os títulos governamentais de países como Estados Unidos, França e até mesmo Alemanha, causa espanto ver que investidores aceitem juros reais negativos para carregar papéis de países bem endividados. Já falamos aqui que essa conta será paga preferencialmente via uma maior inflação global. Quando isto ocorrer, os títulos de renda fixa (governamentais e corporativos) irão sofrer bastante em termos de preço para que se ajustem aos novos patamares de taxa de juros.

Alguns olham para a bolsa como ativo real. Embora eu ache as ações, como classe de ativo, mais atrativas que os títulos de renda fixa, devemos lembrar que uma ação nada mais é que um fluxo de caixa descontado a uma taxa. Tendo isso em mente, vemos um fluxo de caixa que tende a piorar, tanto pelo aumento de taxação pelo mundo (começando com o Obama), quanto pela menor atividade (lembre-se, o mundo ainda está desalavancando). E teremos também uma maior taxa de desconto, afinal os juros não ficarão no chão para sempre. Nesta classe de ativos a seleção também será importante.

Nesta carta falamos dos ativos e da economia em termos globais, deixaremos as desventuras de Dilma e seus meninos para depois. Por hora é bom saber que estamos no meio de uma complexa transformação que não deixará o mundo como nós o concebemos.

SANTOS E PECADORES

Jornalistas não são santos. Colunistas muito menos. De mim falo: teria uns 18 ou 19 anos quando respondi pela primeira vez em tribunal por abuso de liberdade de imprensa.


Nada de especial: escrevi um artigo; o visado não gostou de certas comparações, digamos, zoomórficas; e moveu-me um processo para limpar a sua honra e dignidade.

Pessoalmente, teria preferido um duelo. Mas defendi-me como pude --e ainda hoje recordo a cara do juiz, um homem com sessenta e poucos anos, estupefacto com a criança que tinha à frente e que, nas alegações finais, resolveu fazer uma longa dissertação sobre John Milton e o seu "Areopagitica", um notável panfleto de 1644 a favor da liberdade de expressão.

De nada valeu. Fui condenado. Justo? Injusto? Honestamente, isso interessa? Sei apenas que, olhando para as fotos desse tempo, tenho saudades: do rapaz que ali estava, tenro como um cordeirinho; e, claro, do meu advogado, já falecido, e que por acaso também era meu pai.

Passaram-se todos esses anos. Devo ter escrito umas duas mil colunas depois dessa. E, pelos vistos, os tribunais continuam a gostar de mim: agora mesmo, no momento em que bato essas linhas, creio que corre no Brasil uma queixa contra uma coluna minha neste site da Folha.

Estou pronto para o que der e vier. Qualquer pretexto é válido para voltar a São Paulo e, por essa ordem, almoçar no Dalva e Dito, jantar no Epice e beber com os meus amigos onde eles quiserem.

Repito: jornalistas não são santos. Colunistas muito menos. E a melhor forma de lidar com ambos --sim, faço uma distinção, porque jornalistas não gostam de colunistas, e vice-versa-- é pelos mecanismos normais de um Estado de Direito. Tribunais. Não através de comissões de "sábios", órgãos reguladores ou outras aberrações parajudiciais, ou extrajudiciais, que adquirem sempre um poder intolerável e potencialmente censório.

Ninguém está acima da lei. E não pode existir nenhuma lei especial que esteja acima da lei geral só para vigiar e punir uma classe profissional em particular.

Infelizmente, parece que o Reino Unido já esqueceu estas preciosas lições que garantiram a liberdade de imprensa no país desde a abolição da censura em finais do século 17.

E esqueceu porque entrou em pânico com o comportamento criminoso dos tabloides do país, em especial do defunto "News of the World", que grampeou telefones de celebridades, políticos e até vítimas de sequestro e homicídio. Sem falar de outros actos igualmente grotescos, como a chantagem e a corrupção de agentes policiais. Tudo em nome do "direito de informar".

Qualquer destes actos repugna uma pessoa civilizada. Mas nenhum deles precisa de legislação extraordinária. Muito menos de um novo órgão regulador respaldado pela lei, tal como proposto pelo juiz Brian Leveson no seu relatório apresentado na última semana.
Paul Hackett/Reuters
Brian Leveson, que sugeriu promulgação de nova lei para garantir a regulação eficaz da imprensa britânica


São quase duas mil páginas que, entre outras inovações perigosas, defendem a constituição de uma entidade autorreguladora composta por membros da imprensa e exteriores a ela, com poderes para supervisionar abusos e multar ou punir os jornalistas abusadores.

David Cameron, o premiê conservador, aplaudiu o esforço do relatório Leveson. Mas, com coragem e sensatez, não parece disposto a cruzar esse Rubicão (palavras dele), mesmo que tenha de enfrentar a revolta do seu parceiro de coalização, o "liberal" Nick Clegg.

Cameron tem razão: o problema do relatório não está na existência de um órgão autorregulador, que aliás já existe (a Comissão de Reclamações contra a Imprensa, que faz recomendações e defende vítimas de abusos jornalísticos).

O problema está na proposta de um novo órgão sujeito a pressões políticas e constituído por agentes políticos, que passaria a ter sobre o jornalismo um poder incontrolado e incontrolável.

John Milton, no seu "Areopagitica", embora desaprovasse as ideias blasfemas e sediosas, deixou um conselho que transcende o horizonte curto do seu tempo: numa sociedade livre, mesmo as más ideias têm direito a existir. Porque é pelo confronto com elas, e em contraste com elas, que chegaremos à verdade e ao bem - uma observação sábia sobre a qual John Stuart Mill, dois séculos depois, edificaria a sua igreja.

Espero que David Cameron se lembre desses ilustres antepassados. Respeitando a liberdade de expressão, sim. Mas respeitando também o papel dos tribunais, e apenas dos tribunais, para punir os seus abusos. Por: João Pereira Coutinho  Folha de SP

A HERANÇA MALDITA

A coisa mudou: quem for pego com a boca na botija será defenestrado sem choro nem vela


Não pertenço a nenhum partido político nem tenho compromisso com nenhum deles, quer apoiem ou se oponham ao governo. Por isso, quando opino acerca de fatos políticos e critico ações de decisões governamentais, faço-o na condição de cidadão que, há muitos anos, observa e reflete sobre a vida política nacional.

Nessas condições, seria quase impossível calar-me diante do que tem ocorrido no Brasil nestes últimos anos, como é o caso do mensalão, que se tornou um episódio dominante no cenário nacional. Tanto mais depois do julgamento do Supremo Tribunal Federal, que não deixou dúvidas quanto ao comprometimento dos processados nele envolvidos.

Esse julgamento, como nenhum outro, foi feito às claras, transmitido na íntegra pela televisão, sem nada esconder. Resultado: José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e quase todos os demais foram condenados a penas cuja dosimetria os ministros discutiram acaloradamente. Não obstante, o PT e os sentenciados, sem qualquer pudor, passaram a afirmar que foram injustiçados por um julgamento político, e não jurídico. E decidiram promover uma campanha nacional para denunciar essa injustiça.

Isso certamente não ocorrerá, mesmo porque, no dia seguinte àquela manifestação do PT, um novo escândalo tomou conta do noticiário: a Polícia Federal acusou Rosemary Nóvoa de Noronha, chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo, indiciada por corrupção ativa.

Rosemary foi nomeada para esse cargo pelo então presidente Lula e o acompanhava nas viagens que fazia. Bastante estranho, não? Antes, nos anos 1990, assessorava José Dirceu, que a apresentou a Lula.

No início do governo deste, em 2003, foi nomeada assessora especial do gabinete pessoal da Presidência da República, antes de ser alçada à direção do escritório presidencial em São Paulo.

A pedido de Lula, Dilma a manteve no cargo, e é nesse escritório que Lula e Dilma se encontram para acertar os ponteiros quando a situação política o exige.

Pois bem, naquela sexta-feira, a Polícia Federal prendeu seis pessoas e indiciou outras 12, acusadas de participar de um esquema que fraudava pareceres técnicos em agências reguladoras e órgãos federais. Entre os presos, estão os irmãos Paulo Rodrigues Vieira, diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), Rubens Carlos Vieira, diretor de Infraestrutura Aeroportuária da Agência Nacional de Aviação (Anac) e Marcelo Rodrigues Vieira. Os irmãos Vieira foram indicados para aqueles cargos por Rosemary, que mantinha com eles estreita ligação no esquema de fraudes descoberto pela PF.

Além de Rosemary, foram indiciados 11 servidores, entre os quais o advogado-geral da União adjunto, José Weber Holanda, o segundo na Advocacia Geral da União (AGU), órgão diretamente ligado à Presidência da República.

Em face de tamanho escândalo, envolvendo ocupantes de importantes cargos de confiança do governo federal, a presidente Dilma Rousseff convocou uma reunião de emergência com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e as ministras Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti, para avaliar a situação. Disso resultou a exoneração imediata de Rosemary e o afastamento dos irmãos Vieira de seus cargos. Dada a estreita ligação de Lula com Rosemary, foi a ele comunicada a sua exoneração, antes que se efetuasse.

Desta vez, Dilma agiu mais rápido do que quando demitiu os ministros corruptos que Lula lhe deixara como herança maldita. Naquela ocasião, ela chegou a defender alguns dos acusados e só os demitiu quando a situação se tornou insustentável. Agora, porém, em face do desgaste sofrido com o julgamento do mensalão e a condenação de dirigentes petistas, a coisa mudou: quem for pego com a boca na botija será defenestrado, de imediato, sem choro nem vela.

A verdade é que mais uma vez Dilma foi surpreendida por "malfeitos" envolvendo pessoas de sua equipe vinculadas ao ex-presidente Lula, que teria se queixado ao saber do novo escândalo: "Fui apunhalado pelas costas", expressão semelhante à que pronunciou por ocasião da descoberta do mensalão, em 2005. Por isso, não se surpreendam se, amanhã, ele vier a afirmar que tudo isso não passou de uma farsa, inventada pela imprensa.
Por: Ferreira Gullar     Folha de SP


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

MELANCOLIA E REVOLTA

Não sou propenso a queixas nem a desânimos. Entretanto, ao pensar sobre o que dizer neste artigo senti certa melancolia. Escrever outra vez sobre o "mensalão" e sobre o papel seminal do Supremo Tribunal Federal? Já tudo se sabe e foi dito. Entrar no novo escândalo, o do gabinete da Presidência da República em São Paulo? Não faz meu estilo, não tenho gosto por garimpar malfeitos e jogar mais pedras em quem, nessa matéria, já se desmoralizou bastante.


Tentei mudar de foco indo para o econômico. Mas de que vale repetir críticas aos equívocos da política petrolífera, que começaram com a redefinição das normas para a exploração do pré-sal? As novas regras criaram um sistema de partilha que se apresentou como inspirado no "modelo norueguês" - no qual os resultados da riqueza petrolífera ficam num fundo soberano, longe dos gastos locais, para assegurar bem-estar às gerações futuras -, quando, na verdade, se assemelha ao modelo adotado em países com regimes autoritários. Até aqui o novo modelo gerou apenas atrasos, custos excessivos e estagnação na produção de petróleo, além de uma briga inglória (e injusta para com os Estados produtores) a respeito de royalties que ainda não existem e que, quando existirem, serão uma torneira aberta para gastos correntes e pressões inflacionárias. A contenção do preço da gasolina já se tornou rotina, mesmo que afete a rentabilidade da Petrobrás e desorganize a produção de etanol. O objetivo é segurar a inflação por meio de artifícios e garantir a satisfação dos usuários. Calo sobre os efeitos da redução continuada do IPI para veículos e do combustível artificialmente barato. Os prefeitos que cuidem de aumentar ruas e avenidas para dar cabida a tanto bem-estar... E os moradores das grandes cidades que se munam de ainda maior paciência para enfrentar mais congestionamentos.

E que dizer da tentativa de cortar o custo da energia elétrica, que teve como resultado imediato a perda de valor das ações das empresas? E essa agora de altos funcionários desdizerem o anunciado e, sem qualquer segurança sobre como será ajustado o valor do patrimônio das empresas do setor elétrico, provocarem súbitas altas nas ações? O pior é que ninguém será responsabilizado por eventuais ganhos de especulação advindos da falta de compostura verbal. Valerá a pena insistir em que o trem-bala é um desvario na atual conjuntura, pois terminará sendo pago pelos contribuintes, como estão sendo pagas as usinas mal licitadas? Para a construção destas, pelas condições estabelecidas pelo próprio governo, praticamente só acorrem empresas estatais financiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com dinheiro transferido do Tesouro, quer dizer, seu, meu, nosso. E as rodovias e os aeroportos? Uma novela que já vai longe, numa trama desencontrada. Tomara ainda tenhamos final feliz...

Olhando em retrocesso, nos anos da grande ilusão, lá pelos finais de 1970 e meados dos 1980, os "projetos-impacto", como a Transamazônica, a Ferrovia do Aço e outros tantos, feitos a partir de decisões tecnocráticas nos gabinetes ministeriais, nos estarreciam. Clamávamos também contra indícios de corrupção. Não poderíamos imaginar que, depois das greves de São Bernardo do Campo e das Diretas-Já, as mesmas distorções seriam praticadas por alguns que então as combatiam. Criticava-se tanto o nepotismo e o compadrio, a falta de profissionalismo na administração e de transparência nas decisões, e se imaginava com tanta fé que o Congresso Nacional livre daria cobro aos desmandos, que é difícil esconder a desilusão. As proezas de cinismo e leniência praticadas por alguns dos personagens que apareciam como heróis-salvadores são chocantes. Dá lástima ver hoje uns e outros confundidos na coorte de dúbios personagens que alegam nada saber dos malfeitos.

O que entristece, porém, não é somente a conduta de algumas pessoas. É o silêncio das instituições democráticas. A mídia fala e cumpre o seu papel. Cumpre-o tão bem que é confundida pelos que sustentam os malfeitos como se fosse ela, e não a polícia, quem descobre os desatinos ou como se servisse à oposição interessada em desgastar o governo. Recentemente, algumas instituições de Estado começaram a agir responsavelmente: o Ministério Público pouco a pouco perdeu o ranço ideológico para se concentrar no que lhe é devido, a defesa da lei em nome da sociedade. Os tribunais, especialmente depois de o Conselho Nacional de Justiça ser organizado, começam a sacudir a poeira e a julgar, dando-lhes igual o réu ser potentado ou pobretão. Mas o Congresso e os partidos estão longe de corresponder aos anseios dos que escrevemos a Constituição de 1988.

O Congresso, que na Carta de 88, por sua inspiração inicial parlamentarista, ficou com responsabilidades enormes de fiscalização, prefere calar e se submeter docilmente ao Executivo. Voltamos aos tempos da República Velha, com eleições a bico de pena e as Comissões de Verificação dos Poderes, que cassavam os oposicionistas. Só que agora somos "modernos": não se frauda o voto, asseguram-se maiorias pelos balcões ministeriais ricos em contratos e por emendas parlamentares distorcidas. Com maiorias de 80% parece até injusto pedir que a oposição atue. Como?

De qualquer maneira, é preciso bradar e mostrar indignação e revolta, ainda que pouco se consiga de prático, mesmo sem esperança de vitória ou retribuição imediata, como se fazia no tempo do autoritarismo. Não há bem que sempre dure nem mal que não acabe. Chegará o momento, como chegou nos anos 1980, em que, com toda a aparência de poder, o sistema fará água. Entre as centenas, talvez milhares de pessoas que se beneficiam da máquina do poder e os milhões de pessoas "emergentes" ávidas por melhorar sua condição de vida por este Brasil afora, há espaço para novas pregações? Novas ilusões? Quem sabe... Mas, sem elas, é a rotina do já visto, das malfeitorias e dos "não sei, não vi, não me comprometo".
Por: Fernando Henrique Cardoso  O Estado de S.Paulo - 02/12

CONTRIBUINTE PAGA VIDA SEXUAL DO GARANHÃO DE GARANHUNS

Mês passado, Lula voltou de um périplo pela África e Ásia, em busca de apoio oficial para disputar o prêmio Nobel da Paz. Faz sentido. A África é um continente adequado para expor sua genialidade. Um leitor de Veja se irrita. “Se instituíssem o Prêmio Nobel da Corrupção, com certeza ele estaria entre os primeiros colocados”.


O leitor talvez nem tenha idéia da verdade que está afirmando. O prêmio da Paz é o que mais acolhe vigaristas e corruptos. Vamos lá: Luther King, Madre Teresa de Calcutá, Arafat. Lula quer sentir-se entre seus pares, quando for receber o galardão em Oslo. Quem quer que conheça a lista dos laureados com o Nobel da Paz sabe que Lula tem boas chances.

Mas Lula está ocupando a primeira página dos jornais da semana não por suas nobres tentativas de oferecer ao Brasil seu primeiro Nobel, mas por questões mais bem prosaicas. E bem previsíveis. Um homem que não tem escrúpulos em comprar um Congresso, obviamente tampouco teria escrúpulos em comprar mais uma mulher para seu uso. Neste sentido, deve estar se espelhando em estadistas de escol, como Kennedy, Mitterrand, Clinton. Descobriu-se o que há muito muitos políticos e jornalistas estavam sabendo: que o homem dividia seu leito com mais uma dessas prostitutazinhas de palácio.

Não serei eu a condená-lo por essa humana pretensão. Logo eu, que tanto curti as profissionais, e que jamais prometi fidelidade a mulher nenhuma. Sei que há casais que se satisfazem um com o outro. São raros, mas existem. Pessoalmente, nunca tive temperamento para a monogomia. Isso é coisa de cristãos e sou ateu. Mas há abissais diferenças entre mim e o Sumo Analfabeto. Por um lado, não sou analfabeto nem presidente da República. Por outro, abomino a mentira e particularmente a mentira conjugal.

Anônimo cidadão, posso me permitir tantas relações quantas quiser e comportar-me como bem entender, desde que não infrinja lei nenhuma. Este espaço é muito grande. Talvez eu tenha ferido a ética de muita gente, mas ferir ética não é crime. Se alguém um dia me surpreendesse num bordel, tanto faz como tanto fez. Aliás, os bordéis fizeram parte de minha vida. Pena que não existam mais.

Já com um presidente da República é diferente, e esta é uma das razões pelas quais eu jamais desejaria estar na pele de um deles. Há uma coisa que se chama liturgia do cargo. Supõe-se que o primeiro mandatário de uma nação seja um símbolo dessa nação, e símbolos não podem andar galinhando por aí a torto e a direito. Tivesse eu a desgraça de ser presidente da República, me manteria fiel - mais ou menos fiel, digamos – durante meu mandato. E provavelmente sóbrio. Não se permite que um presidente ande tomando porres pelos botecos da vida. Até Jânio Quadros era discreto neste sentido.

Quisesse eu curtir os prazeres de uma prostituta, acho que colocaria o SNI a investigar sua vida pregressa pelo menos até a primeira comunhão. Um homem de Estado não pode dividir sua cama com qualquer piguancha. É uma questão até mesmo de segurança nacional. Uma vez na condição de ex-presidente, eu voltaria serenamente a cair na gandaia. Isto é, se ainda tivesse ganas. A idade nos torna mais seletivos.

Mais ainda. Fosse eu presidente, por mais avançadinha que fosse minha mulher, ela também teria de entrar em recesso, pelo menos por quatro anos. Não fica bem a um presidente ser cornificado. Um presidente resiste à pecha de corrupto, ditatorial, desonesto. Mas não há mandato que perdure para um corno. Depois do mandato, tudo bem. Quatro anos passam rápido. Ainda sobra juventude para folgar.

Os jornais estão insistindo na infidelidade conjugal de Lula e parecem querer intrigá-lo com Dona Marisa Letícia. Vã tentativa. Dona Marisa já provou das delícias do Planalto e não será besta em mandar para a panela a galinha de ovos de ouro. Certamente seguirá o sábio exemplo da senadora Hillary Clinton. Relevará, e ainda passará por moderninha, mantendo seus privilégios na planície.

Ao ser infiel à sua galega – como Lula a chamava – o futuro Nobel da Paz está no fundo encarnando uma vocação nacional, a de trair a própria mulher. As mulheres em geral sabem disso, mas não querem incomodar-se. Desde que não seja em seus círculos de amizade, os maridos que pulem a cerca à vontade. 

Não, o problema não reside na infidelidade. O problema é que Lula aliou-se a uma mulher com ambições de mando e de dinheiro. E sem nenhum escrúpulo. Com a mesma nonchalance com que o PT comprou parlamentares, Dona Rose comprou favores para maridos e amigos, utilizando o poder que a intimidade com Lula lhe conferia. No fundo, não bastasse o contribuinte estar pagando o Aerolula e seus lençóis egípcios, a compra de parlamentares e o êxito profissional de seu filho, está também pagando a vida sexual do garanhão de Garanhuns.

Em Napoleão e as Mulheres, Guy Bretton conta um episódio da vida do imperador. Napoleão, para aliviar-se das tensões da guerra, mandou buscar a um acampamento uma de suas favoritas. A moça chegou e fez-se anunciar. Com a objetividade de um general em campanha, Napoleão enviou-lhe uma ordem:

- Que se vá despindo.

O tempo transcorria e o general não se fazia presente ao bivouac da moça. Com frio, ela pediu ao ordenança de Napoleão que o lembrasse de sua presença. Napoleão, imerso em seu prazer predileto, a guerra, deu nova ordem:

- Que se vá deitando.

E nada do general comparecer ao encontro. Angustiada, a moça pediu novamente que o ordenança o lembrasse de sua presença. Napoleão, qual estratego em batalha, foi curto e grosso:

- Que vá embora.

As leitoras que me perdoem, mas a meu ver este deveria ser o comportamento de um presidente ante seus biscates. Frieza e distância. Não se pode misturar vontade de poder com meros desejos sexuais. Em algum momento, vai dar confusão. Ainda há pouco, dois generais nos Estados Unidos perderam seus galões por confundir as duas vontades. Já que falei em Jânio, volto a lembrá-lo. Certa vez, uma jornalista perguntou-lhe:

- Olá, Jânio. Que é que há de novo? 

Jânio, que podia ser acusado de tudo, menos de lerdo de pensamento, reagiu de bate-pronto:

- Esta nossa intimidade. Intimidade gera filhos e aborrecimentos, duas coisas que não quero ter com você.

Se a intimidade com a Presidência não gerou filhos, dos aborrecimentos o nobelizável não escapou. Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza. Estranho no ninho, Lula esqueceu de tomar as providências necessárias para preservar intacta sua máscara de honestidade.

Abomino a mentira conjugal, escrevi lá atrás. Obviamente, Lula escondia a Outra da Perpétua. Tanto que as duas jamais viajavam juntas em seus turismos ao Exterior. Nisto reside outro erro seu. Provavelmente, o episódio terá desdobramentos que não ocorreriam se Dona Marisa Letícia estivesse ciente das escapadelas do marido.

Mais ainda: Brasília é um prostíbulo a céu aberto. Freqüentado não por pobres meninas que giram bolsinha nas ruas. Mas por ancas soberbas que ondulam nos corredores da Câmara e do Senado. É óbvio que o garanhão de Garanhuns, dotado de tanto poder que se permitia até mesmo comprar parlamentares, não terá sido insensível a tais tentações. 

Ninguém se surpreenda se outras Roses surgirem.
Por:  Janer Cristaldo

A LIMITAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE, AS EXTERNALIDADES E AS OBRAS ESTATAIS


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Os direitos de propriedade, tais como limitados pelas leis e protegidos pelo poder judicial e pela polícia, são o resultado de um longo período de evolução. A história de todo esse tempo é o registro dos violentos esforços feitos com o objetivo de abolir a propriedade privada. Seguidamente, déspotas e movimentos populares têm tentado restringir os direitos de propriedade privada ou aboli-los inteiramente. Essas tentativas falharam, é verdade. Mas deixaram traços nas ideias que influenciaram a forma legal e a definição de propriedade. Os conceitos legais de propriedade não levam na devida conta a função social da propriedade privada. Existem certas deficiências e incongruências que perturbam o desenvolvimento dos fenômenos do mercado.

O direito de propriedade, considerado de forma consistente, deveria, por um lado, conferir ao proprietário o direito de usufruir todas as vantagens que o bem possuído pode gerar, e deveria, por outro lado, onerá-lo com todos os inconvenientes resultantes de seu emprego. Assim sendo, as consequências seriam de exclusiva responsabilidade do proprietário, que, ao lidar com sua propriedade, levaria em conta todos os resultados esperados de sua ação, tanto os favoráveis como os desfavoráveis. Mas, se alguns dos benefícios de sua ação não podem ser auferidos e alguns dos inconvenientes não lhe são debitados, o proprietário, ao elaborar os seus planos, não se preocupará com todos os feitos de sua ação. Não considerará os benefícios que não aumentam a sua própria satisfação, nem os custos que não o oneram. Sua conduta se afastará da linha que teria seguido se as leis refletissem melhor os objetivos econômicos da propriedade privada. Realizará certos projetos só porque as leis o desobrigam da responsabilidade de alguns dos custos incorridos. Ele deixará de realizar outros projetos simplesmente porque as leis o impedem de colher todas as vantagens decorrentes dos mesmos.

As leis relativas à responsabilidade e à indenização por danos causados eram e ainda são deficientes sob muitos aspectos. De um modo geral, aceita-se como um princípio o fato de que cada um é responsável pelos danos que suas ações infringirem a outras pessoas. Mas esse princípio sempre teve suas brechas, suas exceções legais. Em alguns casos, esse privilégio foi concedido intencionalmente àqueles que se dedicavam a atividades que as autoridades desejavam impulsionar. Quando, no passado, em muitos países, os proprietários das fábricas e das estradas de ferro não foram responsabilizados pelos danos que suas empresas infringiam à propriedade e à saúde de seus vizinhos, clientes, empregados e outras pessoas (através de fumaça, fuligem, barulho, poluição da água e acidentes causados por equipamento inadequado ou defeituoso), a ideia subjacente era a de que não se deveria enfraquecer o progresso da industrialização e o desenvolvimento dos meios de transporte.

As mesmas doutrinas que inspiraram e ainda continuam inspirando muitos governos a incentivarem investimentos em fábricas e estradas de ferro por meio de subsídios, isenção de impostos, tarifas e crédito barato, contribuíram para o surgimento de uma situação jurídica na qual a responsabilidade dessas empresas foi prática ou formalmente aliviada. Mais tarde, começou a prevalecer a tendência oposta, e a responsabilidade dos industriais e das estradas de ferro passou a ser tratada com maior severidade do que a dos demais cidadãos e firmas. Também, nesses casos, os objetivos são políticos. Os legisladores desejavam proteger os pobres, os assalariados, os camponeses, contra os ricos capitalistas e empresários.

Que o fato de desobrigar o proprietário de algumas das desvantagens que resultam da maneira como ele conduz o seu negócio seja fruto de uma política deliberada adotada pelos governos e pelos legisladores — ou seja, um efeito não intencional da redação tradicional das leis — é, de qualquer forma, um dado que precisa ser levado em conta. Estamos diante do problema dos denominados custos externos. Esta situação faz com que algumas pessoas escolham certas maneiras de satisfazer suas necessidades simplesmente em função do fato de que uma parte dos custos incorridos não lhes é debitada, mas recai sobre outras pessoas.

O exemplo extremo nos é proporcionado pelo caso das terras sem dono. Se a terra não tem dono, embora o formalismo jurídico possa qualificá-la de propriedade pública, as pessoas utilizam-na sem se importar com os inconvenientes de uma exploração predatória. Quem tiver condições de usufruir de suas vantagens — a madeira e a caça dos bosques, os peixes das extensões aquáticas e os depósitos minerais do subsolo — não se preocupará com os efeitos posteriores decorrentes do modo de exploração. Para essas pessoas, a erosão do solo, o esgotamento dos recursos exauríveis e qualquer outra redução da possibilidade de utilização futura são custos externos, não considerados nos cálculos pessoais de receita e despesa. Cortarão as árvores sem qualquer consideração para com as que ainda estão verdes ou para com o reflorestamento. Ao caçar e pescar não hesitarão em empregar métodos contrários à preservação das reservas de caça e pesca. 

Nos primórdios da civilização, quando ainda havia abundância de terras de qualidade não inferior à já utilizada, o uso de métodos predatórios era corrente. Quando a produtividade diminuía, o lavrador abandonava sua terra e se mudava para outro lugar. Só mais tarde, à medida que a população crescia e não havia mais disponibilidade de terra virgem de primeira classe, as pessoas começaram a considerar tais métodos predatórios um desperdício. Consolidava-se assim a instituição da propriedade privada da terra; a princípio, nas terras aráveis, e depois, passo a passo, estendendo-se aos pastos, às florestas, aos pesqueiros. As novas colônias de ultramar, especialmente os vastos espaços dos Estados Unidos, cujas fantásticas potencialidades agrícolas estavam praticamente intactas, quando lá chegaram os primeiros colonizadores, passaram pelos mesmos estágios. Até as últimas décadas do século XIX havia sempre uma zona geográfica aberta aos recém-chegados: a fronteira. Nem a existência dessas regiões inexploradas, nem o seu desaparecimento são peculiares à América. O que caracteriza as condições americanas é o fato de que, ao esgotarem-se as terras inexploradas, fatores institucionais e ideológicos impediram que os métodos de utilização da terra se ajustassem à nova circunstância.

Nas áreas centrais e ocidentais da Europa continental, onde a instituição da propriedade privada já estava firmemente estabelecida há muitos séculos, as coisas foram diferentes. Não houve erosão de solos já cultivados. Não houve devastação de florestas, apesar do fato de as florestas particulares terem sido, durante gerações, a única fonte de madeira para construção e mineração, e de combustível para as fundições e os fornos, para as cerâmicas e para as fábricas de vidro. Os proprietários dessas florestas foram impelidos a conservá-las movidos pelos seus próprios interesses egoístas. Nas áreas mais densamente habitadas e industrializadas, até alguns anos atrás, entre um quinto e um terço da superfície era ocupado por florestas de primeira classe administradas segundo os melhores métodos da tecnologia florestal.[1]

O cálculo econômico torna-se ilusório e os seus resultados enganadores sempre que uma parte considerável dos custos incorridos sejam custos externos. Mas isto não é uma consequência das alegadas deficiências inerentes ao sistema de propriedade privada dos meios de produção. É, ao contrário, uma consequência das brechas deixadas no sistema. Poderiam ser eliminadas por meio de uma reforma das leis relativas à responsabilidade por danos infringidos e pelo cancelamento das barreiras institucionais que impedem o pleno funcionamento do sistema de propriedade privada.

O caso dos benefícios externos não é simplesmente uma inversão do caso dos custos externos. Ele possui características e campo de aplicação próprios.

Quando os resultados de uma ação não beneficiam apenas o agente atuante, mas também outras pessoas, existem duas alternativas:

1 — O ator considera as vantagens que espera auferir para si mesmo tão importantes que está disposto a arcar com todos os custos. O fato de sua ação também beneficiar outras pessoas não o impedirá de realizar aquilo que promoverá o seu próprio bem-estar. Quando uma companhia de estrada de ferro constrói um dique para proteger a sua linha férrea de deslizamentos ou avalanches, também está protegendo as casas nos terrenos adjacentes. Mas esse benefício auferido pelos vizinhos não impedirá a companhia de realizar um investimento que considera vantajoso.

2 — Os custos necessários à realização de um projeto são tão grandes que nenhum dos possíveis beneficiários está disposto a suportá-los inteiramente. O projeto só poderá ser realizado se um número suficiente de interessados compartilhar os seus custos.

Não seria necessário dizer mais nada sobre benefícios externos, se não fosse o fato de esse fenômeno ser inteiramente deturpado na literatura pseudoeconômica corrente.

Um projeto P não será lucrativo se os consumidores preferirem a satisfação derivada de outro projeto à satisfação prevista com a realização de P. A execução de P desviaria capital e trabalho de algum outro projeto, considerado mais urgente pelos consumidores. O leigo e o pseudoeconomista não chegam a perceber esse fato. Teimosamente se recusam a reconhecer a escassez dos fatores de produção. No seu entendimento, P poderia ser realizado sem qualquer inconveniente, isto é, sem renúncia a qualquer outra satisfação; seria apenas a insensibilidade do sistema de lucro que estaria a impedir que a nação desfrutasse graciosamente os benefícios de P.

Ora — continuam esses críticos de visão curta e mentalidade estreita —, o absurdo do sistema de lucro torna-se especialmente ultrajante se a não lucratividade de P se dever ao fato de o empresário não considerar nos seus cálculos as vantagens de P que para ele são benefícios externos. Do ponto de vista da sociedade como um todo, dizem esses críticos, tais vantagens não são externas; beneficiam pelo menos alguns membros da sociedade e aumentam o "bem-estar total". A não realização de P seria portanto uma perda para a sociedade. Por isso, quando a iniciativa privada, egoisticamente, se recusa a realizar tais projetos não lucrativos, o dever do governo é preencher esse vazio.

O governo deveria ou realizá-los por meio de empresas públicas ou subsidiá-los para torná-los atrativos ao empresário privado e ao investidor. Os subsídios poderiam ser concedidos seja diretamente em dinheiro, à custa do erário público, seja por meio de tarifas cuja incidência recairia sobre os compradores dos produtos. Os que assim argumentam não percebem que os meios que o governo utiliza para fazer funcionar uma empresa deficitária ou para subsidiar um projeto não rentável terão de ser retirados da capacidade de gastar e investir dos contribuintes ou terão de ser obtidos de modo inflacionário. 

Nem o governo nem qualquer indivíduo têm a possibilidade de criar algo do nada. Maiores gastos do governo representam menores gastos do público. As obras públicas não são realizadas pelo poder milagroso de uma varinha de condão; são pagas com recursos tomados dos cidadãos. Se o governo não houvesse interferido, os cidadãos os teriam empregado em projetos lucrativos, os quais agora não mais serão realizados porque os meios correspondentes lhes foram subtraídos. Para cada projeto não rentável realizado com a ajuda do governo, há um outro que deixa de ser realizado em virtude da intervenção governamental. Com uma diferença: o projeto não realizado teria sido lucrativo, isto é, teria empregado os escassos meios de produção de maneira a atender às necessidades mais urgentes dos consumidores. Do ponto de vista dos consumidores, o emprego desses meios de produção para realização de um projeto não lucrativo é um desperdício. Priva-os daquelas satisfações que preferem, dando-lhes em troca aquelas que o projeto estatal pode lhes oferecer.

As massas crédulas incapazes de ver além do que a vista alcança se entusiasmam com as realizações maravilhosas de seus governantes. Não chegam a perceber que são elas, as massas, que pagam a conta e que, consequentemente, têm que renunciar a muitas satisfações de que teriam usufruído se o governo tivesse gasto menos com projetos não rentáveis. Não têm imaginação suficiente para sequer vislumbrar as possibilidades que o governo não permitiu que viessem a existir.

Esses entusiastas da intervenção estatal ficam ainda mais extasiados quando a ação governamental possibilita que produtores submarginais continuem produzindo, competindo com usinas, lojas ou fazendas mais eficientes. Nesses casos, dizem eles, é óbvio que a produção total aumentou e que alguma coisa — que se não fosse a ajuda das autoridades não teria sido produzida — foi acrescentada à riqueza geral. O que ocorre, na realidade, é exatamente o oposto; o montante da produção total e da riqueza total diminui. Instalações que produzem por custos maiores entram em funcionamento, enquanto outras instalações que produzem por custos menores são forçadas a diminuir ou a paralisar a sua produção. Os consumidores não estão obtendo mais, e sim, menos.

Uma ideia que habitualmente tem muita aceitação é a de que o governo deve promover o desenvolvimento agrícola daquelas regiões do país maldotadas pela natureza. Nessas regiões, os custos de produção são maiores do que em outras áreas; é precisamente este fato que torna o seu solo submarginal. Se não forem ajudados por recursos públicos, diz o senso comum, os agricultores que trabalham essas terras não conseguiriam suportar a competição das fazendas mais férteis. A agricultura desapareceria ou não se desenvolveria e a região se tornaria uma parte atrasada do país. Com pleno conhecimento dessa realidade, as empresas que visam ao lucro evitam investir na construção de estradas de ferro que liguem essas regiões inóspitas aos centros de consumo.

A situação difícil dos agricultores não é causada pela falta de meios de transporte. A causalidade é no sentido inverso: como as empresas percebem que as perspectivas agrícolas da região não são favoráveis, abstêm-se de investir em estradas de ferro que provavelmente não serão lucrativas, porque há falta de uma quantidade suficiente de bens a serem transportados. 

Se o governo, cedendo aos grupos de pressão interessados, constrói a estrada de ferro e a opera com déficit, certamente estará beneficiando os proprietários de terras dessas regiões pobres. Podem então esses agricultores, uma vez que uma parte dos custos de transporte é absorvida pelo erário público, competir com os que cultivam terras melhores e que não recebem ajuda oficial. Mas quem paga os favores concedidos a esses agricultores privilegiados são os contribuintes, que terão de prover os fundos necessários para cobrir o déficit. Tal liberalidade não afeta o preço nem a quantidade total disponível de produtos agrícolas. Simplesmente torna rentável a operação de fazendas que até então eram submarginais, e marginaliza outras fazendas cuja operação era até então lucrativa. Desloca a produção das terras, que poderiam produzir por custos menores, para terras cujos custos de produção são maiores. Em vez de aumentar, diminui a riqueza e a disponibilidade total de mercadorias, uma vez que as quantidades adicionais de capital e trabalho, necessárias ao cultivo de campos que exigem custos de produção maiores, são retiradas de outros empregos que tornariam possível a produção de outros bens de consumo. O governo consegue beneficiar algumas regiões do país, dando-lhes o que lhes falta, mas em detrimento de outros setores e gerando custos que excedem os ganhos deste pequeno grupo privilegiado.


[1] No final do século XVIII, os governos europeus começaram a promulgar leis visando à conservação de florestas.  Entretanto, seria um grave erro atribuir a essas leis qualquer importância na conservação das florestas.  Na segunda metade do século XIX, ainda não havia uma estrutura administrativa capaz de fazer com que essas leis fossem cumpridas.  Além disso, os governos da Áustria e da Prússia, para não mencionar os estados alemães menores, não tinham suficiente poder para obrigar a aristocracia a respeitá-los.  Nenhum funcionário público antes de 1914 teria tido a audácia de causar irritação a um magnata da Boêmia ou da Silésia, ou a um Standesherr alemão (aquele cujo feudo tivesse sido anexado a uma dos estados soberanos do império).  Esses príncipes e condes cuidavam espontaneamente de suas florestas porque estavam seguros quanto à posse de seus domínios e porque procuravam preservar a fonte de suas rendas e o valor venal de suas terras.

Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

domingo, 9 de dezembro de 2012

QUEM ERAM OS RATOS?

Os “meios de difusão” tornaram-se “meios de ocultação” numa escala tal que já não há nenhum exagero em dizer que a mídia popular tem hoje por missão principal ou única tornar a verdade inverossímil ou inalcançável.

As épocas luminosas da História são aquelas em que um mesmo corpo de crenças é compartilhado pelo povo e pelos sábios, diferindo apenas no grau de compreensão refletida com que apreendem substancialmente as mesmas verdades.

Nas épocas de obscuridade, ao contrário, aquilo que os estudiosos sabem se torna dificilmente comunicável à população em geral, não por um mero descompasso de vocabulário técnico, mas por um abismo de diferença entre duas concepções do mundo mutuamente incompatíveis e intraduzíveis. É numa dessas épocas que vivemos.

Um setor da experiência humana onde isso se mostra evidente são as ciências. Enquanto nos círculos de estudiosos high brow ninguém ignora que uma ciência cada vez menos inteligível e mais reduzida a produzir aplicações práticas em lugar de explicações teóricas representa no fim das contas um fracasso colossal da inteligência humana, na mídia e na educação popular essas mesmas aplicações são festejadas como a prova final da autoridade da ciência, do seu domínio sobre o mistério do mundo. Os cientistas vivem num inferno de dúvidas, perplexidades e temores; a massa, num paraíso de certezas inabaláveis, garantidas, segundo imagina, por esses mesmo cientistas.

É como se no século XIII a população fiel continuasse a orar piedosamente enquanto nos conventos e nos claustros os monges e santos se vissem obsediados por toda sorte de dúvidas cépticas e rejeições ateísticas. Isso não aconteceu, é claro. A religião de Sto. Tomás e do quase ilegível John Duns Scot não era diferente da do camponês analfabeto. Era só mais elegante intelectualmente. Mas hoje um big shot como Brian Ridley, membro da Royal Society e portador da Medalha Paul Dirac por suas contribuições à física teórica, pode confessar que acha a relatividade e a teoria quântica cada vez menos compreensíveis, ao passo que a mesma confissão, publicada na mídia popular, atrairia sobre seu autor toda sorte de invectivas e chacotas. Definitivamente, Brian Ridley e o leitor de jornais não vivem no mesmo universo de crenças como Sto. Tomás e o camponês medieval.

No setor da política, então, a diferença entre o mundo do connoisseur e o do leigo ampliou-se de tal modo que os fatos se tornam tanto mais inverossíveis e inaceitáveis para o público geral quanto mais documentados e comprovados cientificamente. Quando o matemático Christopher Monckton, visconde de Brenchley, calculou que era da ordem de 1 para 75 trilhões a possibilidade de serem acidentais os pequenos e grandes defeitos da certidão de nascimento de Barack Hussein Obama, esse cálculo estatisticamente impecável não afetou em nada o sentimento de verossimilhança popular, o qual, sem cálculo nenhum, continua jurando que a possibilidade de um falsário eleger-se presidente dos EUA é ainda menor ou nula.

Foi assim que, no Brasil de 2002, o sr. Luís Inácio Lula da Silva se elegeu presidente com a estampa de reformador democrático, legalista e paladino da moralidade, quando doze anos de desempenho no Foro de São Paulo já o mostravam como um leninista cínico, disposto a todas as mentiras e todas as trapaças para manter o seu grupo no poder pelos séculos dos séculos. Um vídeo da campanha do PT de 2002 exibe um bando de ratos roendo a bandeira nacional, enquanto ao fundo uma voz soturna adverte: “Ou a gente acaba com eles, ou eles acabam com o Brasil” (vejam em http://jorgeifraim.blogspot.com.br/2012/10/video-profetico.html). O vídeo, de autoria de Duda Mendonça, foi visto por todo mundo; as atas do Foro de São Paulo, por meia dúzia de pesquisadores curiosos cuja palavra, àquela altura, soava como a mais pura e doida “teoria da conspiração”. Hoje até as crianças sabem que os ratos eram os próprios petistas, mas por que esperar uma década para admitir o que já estava bem provado em 2002?

O livro chinês dos Seis Estratagemas, que já citei aqui, ensina: “Todo fenômeno é no começo um germe, depois termina por se tornar uma realidade que todo mundo pode constatar. O sábio pensa no longo prazo. Eis por que ele presta muita atenção aos germes. A maioria dos homens tem a visão curta. Espera que o problema se torne evidente, para só então atacá-lo.”

O pior é que, no tempo decorrido para o problema se tornar visível na praça pública, os meios de atacá-lo podem ter-se tornado cada vez mais escassos, débeis ou inacessíveis. Se desafiado pelo Parlamento e pela OEA, terá ainda o nosso STF o poder de fazer valer a condenação dos mensaleiros? Terá, a respaldá-lo, as Forças Armadas, ou estas, temendo o rótulo de golpistas, tomarão o partido de quem fala mais grosso?

O fato é que o germe cresceu demais, tornou-se um monstro arrogante, seguro de si, dificilmente controlável. Isso jamais teria acontecido sem a proteção da mídia cúmplice, que por dezesseis anos se recusou a manchar a reputação do seus queridinhos com alguma menção aos planos criminosos do Foro de São Paulo. Mesmo agora, quando tremem sob a ameaça do controle estatal, jornais e canais de TV ainda sonegam ao público o essencial da história, para não confessar sua parcela de culpa no embelezamento publicitário dos ratos.

Os “meios de difusão” tornaram-se “meios de ocultação” numa escala tal que já não há nenhum exagero em dizer que a mídia popular tem hoje por missão principal ou única tornar a verdade inverossímil ou inalcançável. Qualquer pessoa que tenha os jornais e a TV como sua fonte principal de informações está excluída, in limine, da possibilidade de julgar razoavelmente a veracidade e a importância relativa das notícias. A política tornou-se um assunto esotérico, onde somente um reduzido círculo de estudiosos pode atinar com o que está acontecendo. Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.

CIÊNCIAS NATURAIS E CIÊNCIAS SOCIAIS


Duas diferenças fundamentais entre as ciências naturais e as ciências sociais
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Quais são as diferenças essenciais, do ponto de vista metodológico, entre as ciências naturais e as ciências sociais? A primeira e mais direta resposta pode soar estranha e difícil de acreditar, mas é a mais perfeita definição da diferença entre ambas: as ciências naturais estudam fenômenos relativamente simples e fáceis. Já as ciências da ação humana estudam fenômenos relativamente complexos. Ou, ainda mais apropriado, fenômenosextremamente complexos.

Logo, em termos mais práticos, o que distingue um praticante das ciências naturais — como um químico, um físico, um biólogo, um médico — de um economista é o fato de que o químico, o físico, o biólogo e o médico estudam fenômenos simples e fáceis, em termos relativos, ao passo que estudiosos das ciências sociais lidam com fenômenos de extrema complexidade.

É isso mesmo? Procede dizer que, por exemplo, físicos que estudam assuntos aparentemente herméticos e esotéricos, como mecânica quântica, gravitação quântica, teoria quântica de campos, buraco negro, termodinâmica de buracos negros, quantum de energia, fótons, magnetismo, cargas elétricas, mecanismo de Higgs etc. executam uma tarefa mais fácil do que a daqueles que se propõem a estudar a sociedade, algo que aparentemente todo e qualquer político e burocrata está sempre fazendo? O que pode haver de difícil em determinar se se deve subir o salário mínimo, aumentar impostos, reduzir impostos, intensificar regulamentações, diminuir regulamentações, desburocratizar, expandir a oferta monetária, reduzir juros, elevar juros, aumentar subsídios, cortar subsídios etc.? Tal tarefa certamente não deve exigir o mesmo intelecto exigido de um físico, que, para ser um bom físico, tem de se entregar a vários anos de intensos e pesados estudos. Certo?

Apesar das aparências, a realidade é exatamente contrária. Digo mais: são tão complexos os fenômenos estudados pelas ciências sociais, que quase ninguém os entende de fato. E isso, paradoxalmente, faz com que eles pareçam simples e irresistíveis demais para não se dar palpites a respeito. É justamente por isso que todos os ignorantes se atrevem a pontificar com desenvoltura e segurança sobre assuntos aparentemente simples, mas genuinamente complexos, dos quais não possuem os mais básicos conhecimentos a respeito. Quanto mais aparentemente simples um assunto, maior a gama de ignaros que ele atrai.

Ninguém se atreve a palpitar resolutamente sobre fissão nuclear sem ser um especialista doutorado em física atômica. Tampouco é comum ver um leigo perorando profundamente sobre as reações de um organismo em decorrência de uma quimioterapia. No entanto, todas as pessoas falam com total pretensão e afetação sobre o que deve ser feito a respeito de salários, previdência social, relações trabalhistas, regulamentações, juros, impostos, tarifas de importação, bancos centrais, ajuda aos pobres etc., desconsiderando que os fenômenos sociais são extremamente mais complexos e completamente mais imprevisíveis do que os do mundo da física, da astronomia, da química ou da medicina.

Justamente por serem mais complexos, somos capazes de entender apenas uma mínima fração deles. E é exatamente por isso, por entenderem tão pouco, que a imensa maioria das pessoas se atreve a dar palpites sobre o assunto. É difícil ser genuinamente consciente da complexidade daquilo que se ignora totalmente.

Os fenômenos do mundo da economia são extremamente mais complicados que os do mundo das ciências naturais porque o grau de complexidade conceitual e categórico é infinitamente maior. Ao passo que na física você pode isolar variáveis e trabalhar com constantes, nas ciências sociais são sete bilhões de seres humanos interagindo entre si de forma espontânea, imprevisível e criativa. Cada interação humana cria um conhecimento que antes simplesmente não existia. Nenhum átomo, nenhum elétron, nenhuma supernova é capaz de ter ideias, de criar, de descobrir, de compor sinfonias, de projetar novos modelos de televisão ou de carros, de conceber novos sistemas operacionais para computadores etc.

Hayek sempre dizia que, de longe, a ordem mais complexa do universo é o processo da ordem espontânea de um mercado. E o grande paradoxo, nunca é demais repetir, é que, quanto menos o ser humano realmente entende a respeito desse complexo processo espontâneo, mais ele se julga apto a parolar sobre um assunto do qual absolutamente nada sabe ou entende. Dependendo dos poderes que um indivíduo ou um conjunto de indivíduos possua, sua intromissão nesta ordem espontânea pode trazer danos irreversíveis. No extremo, pode destruir toda uma civilização. Uma única regulamentação, um único tributo, um único processo burocrático pode impedir que um determinado ser humano venha a interagir de forma criativa com outro ser humano, e, como consequência desse impedimento, deixem de pôr em prática uma ideia empreendedorial. É impossível quantificar quantas coisas benéficas à humanidade não foram criadas por causa de intromissões engendradas por cientistas sociais nas interações empreendedoriais humanas.

Uma segunda diferença entre as ciências naturais e as ciências sociais é que o objeto de estudo das ciências naturais são as coisas, as matérias, as substâncias: uma pedra, um mineral, uma planta, uma vesícula biliar. Já o objeto de investigação ou estudo das ciências humanas não são coisas, mas sim ideias — as ideias que os seres humanos têm a respeito de seus objetivos e dos meios com os quais alcançar esses seus objetivos. Esta é uma diferença essencial entre o mundo da ciência natural e o mundo da ciência social. Nas ciências naturais, seus profissionais estão sempre fazendo experimentos em laboratório, observando e analisando como reagem coisas externas a nós; nas ciências sociais, investigamos as ideias que outros indivíduos têm, investigamos como agem e o que fazem — ou seja, investigamos seus objetivos e os meios utilizados para alcançarem estes objetivos.

Em seu livro The Counter Revolution of Science, Hayek fornece o seguinte exemplo: um cosmético, como um creme de rosto, não é um cosmético por causa de seu composto químico (os elementos descritos em seu rótulo); ele é um cosmético porque determinados seres humanos, homens e mulheres, acreditam que esse creme que passam em seu rosto todas as noites possui uma utilidade — acreditam que fará bem à sua pele, revigorando-a para o dia seguinte, reduzindo as rugas etc. O creme pode muito bem não ter eficácia nenhuma, mas não importa; basta que um indivíduo acredite que o creme lhe trará um benefício para que aquele composto de produtos químicos passa a ser visto como um cosmético. Em termos econômicos, esse cosmético não é classificado de acordo com seu composto químico, mas sim de acordo com a ideia que outros têm a respeito dele; de acordo com a maneira como elas acreditam que esse cosmético irá servir para elas alcançarem um determinado fim.

O cosmético, portanto, é um meio para se alcançar um objetivo (uma pele revigorada). Como todo meio, ele possui a sua utilidade. A utilidade é a valoração subjetiva que um indivíduo dá a um meio em função do valor (também subjetivo) do fim que ele pode alcançar com aquele meio.

Um exemplo que particularmente gosto de fornecer, pois ilustra esse princípio à perfeição — e que virou curiosidade no YouTube —, é um vídeo em que rasgo uma cédula de 10 euros.

Quem vê uma pessoa rasgando uma cédula de dinheiro fica compungida não pelo composto de celulose e tinta que foi rasgado, mas sim por inevitavelmente pensar em tudo aquilo que aquele pedaço de papel poderia lhe propiciar. Isso significa que aquela cédula é um meio para se adquirir coisas de valor; é um meio para se alcançar múltiplos fins. Como todo meio, ela também possui uma utilidade. 

Para muitas pessoas, esta utilidade é extremamente alta, pois aquela cédula é um meio necessário para que consigam se alimentar, se locomover ou mesmo para se divertir indo ao cinema. A destruição de uma cédula de dinheiro gera pesar em muitas pessoas justamente pelas ideias que elas têm a respeito dos desejos que poderiam ser satisfeitos com aquela cédula. Ao rasgar uma cédula de papel, destruí algo que a outra pessoa faz falta.

As pessoas concedem uma categoria econômica à cédula não em função de seu composto de celulose e tinta, mas sim em função das ideias que podem satisfazer com aquela cédula, dos fins que podem alcançar com aquela cédula. A cédula, portanto, é um meio e seu valor é subjetivamente determinado por um indivíduo de acordo com o contexto de sua ação.

Conclusão

A ciência econômica, que é a ciência da ação humana, lida com as ideias que outros seres humanos possuem a respeito do que fazem, do que querem alcançar, e dos meios que utilizam para tal. Já as ciências naturais lidam com coisa externas às relações e ações humanas. Embora esta última tenha a fama de ser hermética e inalcançável para a maioria dos mortais, é a primeira que realmente não pode de maneira alguma ser confiada a leigos, aventureiros, ou idealistas. O estrago pode ser irreversível para toda uma civilização.

Jesús Huerta de Soto , professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor da monumental obra Money, Bank Credit, and Economic Cycles.

sábado, 8 de dezembro de 2012

TRISTE PIADA

A constatação de que o que o ministro Guido Mantega considerava em junho “uma piada” é simplesmente uma triste realidade, o crescimento do PIB brasileiro este ano por volta de 1%, talvez menos até, dá a dimensão da crise em que estamos metidos, sem aparentemente haver uma luz no fim do túnel.


O governo parece perdido em suas ações pontuais, e se aparentemente está fazendo tudo para criar um ambiente favorável ao crescimento econômico - redução de juros, desvalorização do Real, redução do custo da energia elétrica, desoneração da folha de pagamentos de alguns setores, investimento em infraestrutura – é justamente a maneira como age para alcançar esses objetivos que cria um clima de desconfiança no empresariado e inibe os investimentos.

As intervenções no sistema bancário para abaixar os juros, e agora a negociação na base da mão de ferro com as concessionárias de energia elétrica para conseguir uma redução de 20% na casa do consumidor já anunciada por uma cadeia de televisão nacional, são exemplares dessas intervenções governamentais que, se têm objetivos louváveis e desejáveis até, representam bem o espírito controlador deste governo, que assusta quem tem que investir e receia ficar exposto aos humores da “presidenta”.

Ao mesmo tempo, quem se coloca contra as investidas governamentais, corre o risco de ser execrado como responsável pelas altas taxas de juros ou pelo custo estratosférico das tarifas de energia. É o uso desse sistema de pressão na opinião pública que faz com que a imagem da presidente Dilma para alguns se aproxime da de Cristina Kirchner na Argentina, embora a comparação seja tão exagerada quanto comparar Lula a Chavez.

Mas o relacionamento quase amigável com figuras tão caricatas de nossa política regional e, mais que isso, certas proximidades de pensamento, fazem com que as comparações não sejam tão descabidas ao final, embora longe de se tornarem realidade. Mesmo que se anuncie um governo pró-mercado, é através de intervenções setoriais e não de negociações e reformas que tenta alcançar os objetivos.

Da mesma maneira, quase manipulando a inflação atuando pontualmente para segurar o preço da gasolina ou para baratear o preço da energia elétrica, o governo vai tentando equilibrar mal e porcamente o tripé que tem sido a base da economia brasileira desde o segundo governo de Fernando Henrique.

Apesar de tudo, a inflação está acima da meta já há algum tempo, o equilíbrio fiscal fica vulnerável com a não realização do superávit primário e o câmbio está sendo monitorado pelo governo para um nível que os empresários supõem seja de R$ 2,30, mas não há certeza quanto a isso.

Para os investidores, nacionais e estrangeiros, o fundamental é transparência e “regras do jogo” estáveis. A manutenção dos contratos já firmados na exploração do petróleo pelo sistema de concessão, como decidiu ontem a presidente Dilma, é um passo importante nessa direção, muito embora toda essa celeuma em torno do novo sistema de partilha esteja prejudicando a exploração do pré-sal, paralisada desde que se mudou o marco regulatório desnecessariamente.

Os prejuízos que a Petrobrás vem tendo devido à politização de suas atividades são demonstrações claras do caminho equivocado. O recente escândalo envolvendo nomeações para agências reguladoras é outro exemplo de precariedade de nossa organização econômica. O governo petista não gosta de privatizações e muito menos de agências autônomas, fora do controle da máquina estatal. Por isso transformou as agências em cabides de empregos subordinadas aos ministérios.

Também as obras de infraestrutura nos portos e aeroportos estão prejudicadas pela indefinição do governo, que privatiza dizendo que está apenas fazendo concessões à iniciativa privada, e ainda tenta colocar estatais como a Infraero controlando os investidores privados. 

A expectativa não é de um cenário de ruptura para a economia brasileira, mas, certamente, o País deve continuar atrás em relação ao crescimento de países emergentes como Chile, Peru e Colômbia, que caminham no sentido de aperfeiçoar a gestão macroeconômica e melhorar o ambiente de negócios, além de formalizarem contratos bilaterais de comércio com grandes economias.

Nós, por outro lado, estamos destruindo o tripé de política econômica, piorando o ambiente de negócios, com as alterações tributárias e intervenções setoriais, e, além disso, persistimos com o Mercosul com Argentina e Venezuela. A situação só não está pior porque o consumismo, das famílias e dos governos, cada vez mais endividados, segurou vendas, mas estas descolam da produção de hoje, e de amanhã, porque investimento despencando hoje significa menor capacidade de produção amanhã. Por: Merval pereira