quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

OS HISTÉRICOS NO PODER

Uma das experiências mais perturbadoras que tive na vida foi a de perceber, de novo e de novo ao longo dos anos, o quanto é impossível falar ao coração, à consciência profunda de indivíduos que trocaram sua personalidade genuína por um estereótipo grupal ou ideológico. 


Diga você o que disser, mostre-lhes mesmo as realidades mais óbvias e gritantes, nada os toca. Só enxergam o que querem. Perderam a flexibilidade da inteligência. Trocaram-na por um sistema fixo de emoções repetitivas, acionadas por um reflexo insano de autodefesa grupal.

No começo não é bem uma troca. O estereótipo é adotado como um revestimento, um sinal de identidade, uma senha que facilita a integração do sujeito num grupo social e, libertando-o do seu isolamento, faz com que ele se sinta até mais humano. Depois a progressiva identificação com os valores e objetivos do grupo vai substituindo as percepções diretas e os sentimentos originários por uma imitação esquemática das condutas e trejeitos mentais do grupo, até que a individualidade concreta, com todo o seu mistério irredutível, desapareça sob a máscara da identidade coletiva.

Essa transformação torna-se praticamente inevitável quando a unidade do grupo tem uma forte base emocional, como acontece em todos os movimentos fundados num sentimento de "exclusão", "discriminação" e similares. 

Não me refiro, é claro, aos casos efetivos de perseguição política, racial ou religiosa. A simples reação a um estado de coisas objetivamente perigoso não implica nenhuma deformação da personalidade. Ao contrário: quanto mais exageradas e irrealistas são as queixas grupais, tanto mais facilmente elas fornecem ao militante um "Ersatz" de identidade pessoal, precisamente porque não têm outra substância exceto a ênfase mesma do discurso que as veicula. 

À dessensibilização da consciência profunda corresponde, em contrapartida, uma hipersensibilização de superfície, uma suscetibilidade postiça, uma predisposição a sentir-se ofendido ou ameaçado por qualquer coisinha que se oponha à vontade do grupo.

No curso desse processo, é inevitável que o amortecimento da consciência individual traga consigo o decréscimo da inteligência intuitiva. As capacidades intelectuais menores, puramente instrumentais, como o raciocínio lógico verbal ou matemático, podem permanecer intactas, mas o núcleo vivo da inteligência, que é a capacidade de apreender num relance o sentido da experiência direta, sai completamente arruinada, às vezes para sempre.

A partir daí, qualquer tentativa de apelar ao testemunho interior dessas pessoas está condenada ao fracasso. A experiência que elas têm das situações vividas tornou-se opaca, encoberta sob densas camadas de interpretações artificiais cujo poder de expressar as paixões grupais serve como um sucedâneo, hipnoticamente convincente, da percepção direta. 

O indivíduo "sente" que está expressando a realidade direta quando seu discurso coincide com as emoções padronizadas do grupo, com os desejos, temores, preconceitos e ódios que constituem o ponto de intersecção, o lugar geométrico da unidade grupal.

O mais cruel de tudo é que, como esse processo acompanha "pari passu" o progresso do indivíduo no domínio da linguagem grupal, são justamente os mais lesados na sua inteligência intuitiva que acabam se destacando aos olhos de seus pares e se tornando os líderes do grupo.

Um grau elevado de imbecilidade moral coincide aí com a perfeita representatividade que faz do indivíduo o porta-voz por excelência dos interesses do grupo e, na mesma medida, o reveste de uma aura de qualidades morais e intelectuais perfeitamente fictícias.

Não conheço um só líder esquerdista, petista, gayzista, africanista ou feminista que não corresponda ponto por ponto a essa descrição, que corresponde por sua vez ao quadro clássico da histeria. 

O histérico não sente o que percebe, mas o que imagina. Quando o orador gayzista aponta a presença de cento e poucos homossexuais entre cinquenta mil vítimas de homicídios como prova de que há uma epidemia de violência anti-gay no Brasil, é evidente que o seu senso natural das proporções foi substituído pelo hiperbolismo retórico do discurso grupal que, no teatro da sua mente, vale como reação genuína à experiência direta. 

Quando a esposa americana, armada de instrumentos legais para destruir a vida do marido em cinco minutos, continua se queixando de discriminação da mulher, ela evidentemente não sente a sua situação real, mas o drama imaginário consagrado pelo discurso feminista. 

Quando o presidente mais mimado e blindado da nossa História choraminga que levou mais chicotadas do que Jesus Cristo, ele literalmente não se enxerga: enxerga um personagem de fantasia criado pela propaganda partidária, e acredita que esse personagem é ele. Todas essas pessoas são histéricas no sentido mais exato e técnico do termo. E se não sentem nem a realidade da sua situação pessoal imediata, como poderiam ser sensíveis ao apelo de uma verdade que não chega a eles por via direta, e sim pelas palavras de alguém que temem, que odeiam, e que só conseguem enxergar como um inimigo a ser destruído?

A raiz de todo diálogo é a desenvoltura da imaginação que transita livremente entre perspectivas opostas, como a de um espectador de teatro que sente, como se fossem suas, as emoções de cada um dos personagens em conflito. Essa é também a base do amor ao próximo e de toda convivência civilizada. 

A presença de um grande número de histéricos nos altos postos de uma sociedade é garantia de deterioração de todas as relações humanas, de proliferação incontrolável da mentira, da desonestidade e do crime. 
Por: Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 12 de dezembro de 2012



QUEDA LIVRE

Enquanto a Rússia e a China continuam a reforçar seus respectivos arsenais militares, o Ocidente continua a diminuir o seu.

Nos aproximamos de um penhasco fiscal. Queremos dar dinheiro e prover salvação para todos. Mas no fim não vamos sequer salvar nós mesmos.

Conforme nos aproximamos do 'penhasco fiscal', também nos aproximamos de outro penhasco. Nos tempos mais recentes os Estados Unidos assumiram a responsabilidade de defender e libertar milhões de pessoas em terras distantes. Combatemos o terrorismo, o que é compreensível; mas também nos interessamos na libertação dos povos árabes dos governos tirânicos do Egito, Líbia e Síria. Enquanto isso, pagamos uma enorme soma monetária para adaptarmos o Iraque ao regime democrático — embora essa democracia esteja sempre a beira de entrar em colapso. Também tentamos formar uma democracia no Afeganistão. Derramamos bilhões de dólares nesses países. Nossa generosidade não tem fim.

Talvez você tenha notado esse nosso novo princípio: proclamar que todos merecem um lanche grátis, educação pública grátis, um emprego e plano de saúde. Pois bem, esse princípio tem um aspecto internacional; nomeadamente que todos no planeta merecem ser resgatados pelo exército americano e levados à democracia. Como nós pagamos isso, fica a cargo de qualquer um supor. É claro que não podemos deixar de pagar por isso, tampouco não podemos deixar de ir à falência por isso. Parece que temos de salvar o planeta, mesmo que isso signifique que nós mesmos iremos à falência junto com o planeta.

Vejamos o caso da Síria, onde a rebelião contra o regime de Bashar Assad tem se intensificado. Na manhã do dia 10 de dezembro, a DEBKAFile relatou que os rebeldes capturaram o maior depósito de armas químicas a leste de Aleppo. Na semana passada, o Secretário de Relações Exteriores da Grã-Bretanha, William Hague, disse ao Parlamento ter evidências de que o regime de Assad estava se preparando para usar armas químicas contra os rebeldes. Essa afirmação foi corroborada pelo Secretário de Defesa dos EUA Leon Panetta, que disse: "A inteligência que temos em mãos nos causa sérias preocupações [...] O Presidente dos Estados Unidos deixou bem claro que haverá consequências [...] se o regime de Assad cometer o terrível erro de usar essas armas químicas contra seu próprio povo."

Com a economia mundial à beira do abismo e o penhasco fiscal se aproximando, por que os Estados Unidos e seus aliados se preocupam com o uso de armas químicas no decorrer de uma guerra civil que nada tem haver com os Estados Unidos e não representa qualquer ameaça direta a qualquer um fora da Síria? O leitor deve perceber que a lógica do humanitarismo recente abraça o intervencionismo. Onde quer que intervenhamos, seja para salvar a indústria automotiva, os bancos ou a Grécia, estamos assumindo que sempre somos os responsáveis encarregados de salvar a tudo e a todos. Não é permitido que nada de ruim aconteça.

No último ano revelou-se no primeiro balanço do Federal Reserve que ele emprestou 16 trilhões dólares para salvar bancos e outras instituições. Grande demais para falir é só mais uma sujeira nas mandíbulas do destino. Isso certamente significa que não podemos permitir que Assad use armas químicas contra os rebeldes na Síria. Mas há uma estranha contradição nisso: O aviso do Presidente Obama ao regime de Assad contradiz a solução preferida por ele para o problema do "penhasco fiscal", pois o presidente quer comer seu próprio bolo e continuar a tê-lo. Ele quer cortar o orçamento de defesa e quer que as forças americanas impeçam um ditador de intoxicar seu próprio povo. Mas alguém pode me explicar quando Obama perceberá que ele não pode ter as duas coisas por muito tempo?

Se os Estados Unidos quer manter-se como polícia do mundo, primeiramente temos que colocar nossa casa fiscal em ordem sem partir para grandes cortes no orçamento militar. Mas colocar nossa casa em ordem implicaria uma atitude negativa em relação ao intervencionismo governamental e, consequentemente, isso se aplicaria também à política externa; Vemos então que nosso problema é intrínseco, assim como a solução. Parece que não podemos nos salvar, pois não podemos subverter nosso recente princípio que rege nossas ações.

De modo resumido, considere a seguinte situação: (1) ao tentar salvar todo mundo nós vamos à falência; (2) deste modo, não podemos sequer salvar a nós próprios; (3) e tudo está perdido. Assim, em uma tentativa utópica de fazer com que tudo acabe bem, tudo deverá acabar mal. Nesta coluna eu já escrevi sobre a lei sociológica da "intenção reversa" e dos "efeitos opostos". Todos lembramos da "guerra para acabar com todas as guerras" (que não acabou), guerra à pobreza, guerra às drogas, etc. Para toda ação governamental há uma reação diametralmente oposta. Sem duvida aprenderemos que a luta do governo contra o aquecimento global coincide com o início da próxima Era do Gelo; também saberemos em breve que os resgates financeiros de 2008 significarão a falência de todos em 2013. Então por que não deveríamos bombardear a Síria e derrubar Assad hoje, mesmo que seja apenas para garantir o surgimento de um regime muito mais perigoso amanhã? Isso é o que o governo faz no final das contas.

Você pode perguntar novamente sobre as armas químicas de Assad. Deus nos livre de alguém usar aquelas armas contra os civis; mas armas químicas não foram feitas para ser usada contra os civis. Levada pela artilharia ou por mísseis, as ogivas químicas são mais eficazes quando usadas em soldados em um campo aberto do que contra civis em uma cidade. Como logo fica evidente, os civis poderiam se esconder em abrigos e porões onde o agente químico não conseguiria, na maioria dos casos, penetrar eficientemente. É evidente que as armas químicas foram feitas para uso no campo de batalha e não para cidades.

Ainda assim, falar em guerra química é levantar um tópico que evoca fortes reações que deixam os políticos ocidentais alarmados ao ponto deles trazerem a tona suas preocupações humanitárias. Ironicamente são essas preocupações humanitárias que levaram os EUA e/ou a OTAN a ameaçar atacar a Síria, o que por outro lado provoca a reação da Rússia, que é aliada da Síria. Assim perguntamos: até onde os Estados Unidos pretende ir? A maior razão pela qual não demos início à Terceira Guerra Mundial contra a Rússia durante a Guerra Fria foi pela simples razão de que destruir o mundo não era um modo bom de salvá-lo. E agora que a América tem mísseis inferiores aos dos russos nós estamos subitamente prontos a levar a cabo um confronto com a Rússia no leste do Mediterrâneo?

Enquanto a Rússia e a China continuam a reforçar seus respectivos arsenais militares, o Ocidente continua a diminuir o seu. Não é somente os Estados Unidos que estão cortando os custos militares. Conforme noticiou a NBC News no último mês de outubro, "Cortes orçamentários na defesa dos países do ocidente podem ser irrefreáveis". Mas está tudo bem, certo? Como nos disseram, os gastos militares dos EUA faz com que "o resto do mundo seja um anão". Essas cifras são certamente distorcidas, pois a China não conta todas suas armas ou dá o número certo de soldados que tem, tampouco a Rússia. Deste modo nós parecemos tão devassos quando se trata em gastos militares, que o Pentágono acaba por ser o maior provedor do bem-estar. Nossos soldados e marinheiros são bem melhor remunerados que os soldados e marinheiros dos outros países; considerando apenas seus pacotes de benefícios!

É uma situação difícil para se estar. Nos aproximamos de um penhasco fiscal. Queremos dar dinheiro e prover salvação para todos. Mas no fim não vamos sequer salvar nós mesmos. Parece não haver qualquer passagem ou abertura pela qual podemos escapar das consequências da nossa decadência. Como Gustave Le Bon explicou há mais de 100 anos que "(Uma pessoa de inteligência superior sabe) que aquelas nações que estão à beira do abismo continuarão em frente até cair. Essa pessoa sabe que as instituições não podem ser modificadas pela vontade dos legisladores; e vendo que os socialistas desejam avidamente derrubar as instituições as quais nossas civilizações se apoiam, ele pode prontamente predizer a catástrofe que se seguirá após tais eventos”.

Por:  JEFFREY NYQUIST  Publicado no Financial Sense.

Tradução: Leonildo Trombela Júnior

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

UM CARRASCO VENERADO TAMBÉM MATA


Uma grande fatia da população genuinamente acredita que o governo é seu benfeitor, que ele visa aos melhores interesses dela, que ele existe para protegê-la das iniquidades e da tirania dos homens maus. Já a outra fatia o vê como seu inimigo declarado. O problema é que, dependendo das circunstâncias e das políticas, ambas podem trocar de lado.

Esta espécie de mecanismo hidráulico pode ser observada no interminável debate sobre impostos (quem paga mais impostos em relação à sua renda), sobre salário mínimo, sobre saúde pública, sobre educação pública, sobre segurança, sobre o combate às drogas, sobre as regulamentações etc. — você escolhe. É desta forma que o governo consegue continuamente jogar um grupo contra o outro em um concurso de pilhagem mútua, fazendo com que as pessoas ajam como tribos primitivas que ainda não descobriram como produzir, comercializar e prosperar. 

Este conflito açulado pelo governo está esfacelando a civilização, criando uma batalha épica que nenhum dos dois lados pode vencer. O único real vitorioso nesta batalha é o próprio governo.

"Não é que governos comecem virtuosos e terminem em pecado", disse um astuto observador. "Qualquer governo sempre começa protegendo alguns poucos e termina se protegendo contra todos".

Essas são as palavras de Robert LeFevre, um brilhante escritor que viveu de 1911 a 1986. Ele exerceu uma enorme influência em sua época, muito antes de estas ideias se tornaram comuns entre os mais sábios. Ele foi capaz de enxergar as reais intenções dos governos que recorriam a esta tática de dividir e conquistar. Ele explicou que assistencialismo, regulamentações e políticas monetárias inflacionistas são tão perigosos para o desenvolvimento humano quanto guerras e imperialismo. Ele conseguiu explicar a real natureza do estado como poucos outros conseguiram.

Seu magistral livro The Nature of Man and His Government foi publicado em 1959. Vejo essa obra como a parte dois de A Lei, de Frédéric Bastiat.

É absolutamente surpreendente como que algo tão claro, tão profético, tão perspicaz e ao mesmo tempo tão calmamente racional possa ter sido escrito meio século atrás, em uma época em que a maioria das pessoas julgava o tamanho governo e de suas atividades como sendo bem enxuto (e de fato era, comparado aos dias de hoje). Robert LeFevre antecipou nossa era como poucos livros de sua época conseguiram.

LeFevre dizia que o governo é apenas uma ferramenta e nada mais. Governos são criados por pessoas que têm medo de alguma coisa (invasões estrangeiras, velhice, violência, doenças, segurança de produtos etc.). Essas pessoas criam governos na esperança de que eles irão arrefecer seus medos. Mas ocorre justamente o contrário: governos intensificam os medos.

E é assim porque o governo pode fazer uma coisa, e uma coisa apenas: coagir pessoas. Toda a atividade estatal, no final, se resume a isso. O governo exerce sua coerção criando e impingindo um número cada vez maior de leis e de regulamentações que visam apenas a espoliar a propriedade dos cidadãos e controlar suas vidas. Quanto mais o governo age, menos dinheiro e liberdade as pessoas têm para gerir suas próprias vidas.

No entanto, várias pessoas negam que é isso o que ocorre. Elas imaginam o governo como sendo um meio para se alcançar a justiça social, a paz global, a igualdade para todos, a moralidade, a virtude, a saúde, o bem-estar, a pureza racial, a harmonia e a prosperidade eterna. E tudo isso sem recessões.

Claro, nada disso jamais ocorreu na história do mundo, não importa o tanto de poder e dinheiro que tenha sido entregue aos governo.s Mas esse fracasso é incapaz de abalar a fé das pessoas. Por quê? Porque elas ainda não conseguiram aceitar a verdade que LeFevre explicou neste seu pequeno livro.

E essa verdade é a raiz da vasta quantidade de problemas econômicos e sociais que temos hoje. Não importa quem está no poder, escreveu LeFevre, assim como não importa quem está operando a guilhotina. O governo, a qualquer momento e sob qualquer partido político, está fazendo justamente aquilo que governos fazem: dividindo e conquistando a sociedade, e tolhendo os direitos e as liberdades dos indivíduos.

O erro primário, disse LeFevre, foi exatamente o de criar um governo.

Mas então por que não criar um governo e colocar várias restrições às suas ações? Ora, isso foi exatamente o que a geração dos fundadores dos EUA fizeram ao criar a Constituição americana. Elas criaram um aparato que deliberadamente incapacitava o governo de fazer o que quisesse. Havia três poderes, os sistemas de elaboração de novas leis eram extremamente complexos, e havia uma enormidade de pesos e contrapesos para conter qualquer ímpeto autoritário e centralizador.

À época, observadores do velho mundo riram da ideia e disseram se tratar do mais convoluto sistema de governo que já haviam visto, um sistema que garantiria que o governo jamais funcionasse perfeitamente. O que eles não entenderam era que este era exatamente o objetivo.

Porém, o que aconteceu no decorrer do tempo? O governo americano se livrou de seus limites e restrições. E isso era totalmente previsível.

Como disse LeFevre, o governo "é um instrumento de força e de coerção. E jamais pode haver um instrumento de força e coerção que irá voluntária e conscientemente se restringir a si próprio. Logo, ele deve ser contido de fora. No entanto, não há nenhuma ferramenta capaz de fazer isso. Pois qualquer tipo de ferramenta, qualquer que seja a sua natureza — a qual foi supostamente criada para restringir e conter o governo — irá, por sua própria natureza, simplesmente se tornar um governo do governo."

As pessoas dizem que os governos atuais enlouqueceram com sua insanidade de regulamentações e seu indecifrável arcabouço tributário. LeFevre discordaria. "Um governo que cria e impõe à força uma infinidade de regras e códigos não está fora de sua natureza", escreveu ele. "Esta é exatamente a sua natureza. É assim que governos operam. E quanto mais tempo um governo durar, maior será a quantidade de leis que ele irá criar. É a função de um governo criar leis e impingi-las. Não há por que estranhar tal comportamento."

Tenha em mente que isso que você lerá agora foi escrito em 1959:

Atualmente, os governos se preocupam majoritariamente não com criminosos, mas sim com os cidadãos honestos. Cada cidadão é uma vítima das táticas agressivas do governo . . . o cidadão médio de hoje, cercado e ofuscado pelo governo por todos os lados, descobre que está infringindo várias leis durante o decorrer um só dia. E este fato faz com que ele deixe de ser um cidadão honesto e se transforme em um cidadão transgressor, o que o iguala a qualquer criminoso de rua que, com efeito, transgride a lei com objetivos agressivos.

Sim, mas e o que dizer a respeito da agressividade dos reguladores, da sanha da Receita Federal, da perversidade dos burocratas e do total desrespeito à privacidade pessoal e financeira dos cidadãos?

LeFevre responde: "O governo possui uma único padrão de comportamento: exigir obediência. Seus decretos, bons, maus ou indiferentes, são obrigatórios e impingidos à força. E os homens dentro do governo não reconhecem nenhum lei que não necessite ser impingida. Se o governo adotou uma determinada política, tal política tem necessariamente de ser aplicada, mesmo que uma determinada medida almeje a estabilidade social e a outra, a injustiça social."

Um bom exemplo deste comportamento paradoxal pode ser observado na regulamentação do setor automotivo. Um grupo de reguladores exige que os carros sejam mais seguros. Outro grupo quer que eles consumam menos. Os objetivos estão em conflito, sendo até mesmo contraditórios (para o carro ser mais econômico, ele tem de ser mais leve, o que aumenta a probabilidade de mortes em caso de acidentes). Ambos os grupos conseguiram impor suas vontades, e os resultados foram absurdos. Eles criaram uma bagunça e, ao fazerem isso, destruíram as forças criativas do mercado capazes de inventar coisas novas e melhores.

Este é apenas um exemplo. Há milhões de outros. Estamos cercados pelas distorções criadas por decretos governamentais. Em consequência, somos mais pobres, mais doentes e menos civilizados do que seríamos sem estas distorções. E o que é particularmente lamentável é que não há como quantificar toda esta perda, pois o governo faz com que invenções e criações sejam ilegais em qualquer setor que ele controle por completo.

Como LeFevre repetidamente afirma, o governo foi criado pelas pessoas para ser uma ferramenta. Esta ferramenta não alcançou seu objetivo.

O governo, quando devidamente examinado, revela ser apenas um grupo de homens falíveis, mas com o poder político para agir como se fossem infalíveis.

E então ele diz com otimismo: assim como ele foi criado, ele pode ser desfeito. Ele pode ser desmantelado. Ele pode ser abolido. Em vez de uma sociedade baseada na coerção, podemos ter uma sociedade baseada no comércio e na ação voluntária. Para alcançarmos isso, precisamos apenas fazer essa escolha.

Jeffrey Tucker é o presidente da Laissez-Faire Books e consultor editorial do mises.org. É também autor dos livros It's a Jetsons World: Private Miracles and Public Crimes e Bourbon for Breakfast: Living Outside the Statist Quo


A NOVA LEI DA NOTA FISCAL E A DISCRIMINAÇÃO CONTRA OS PEQUENOS

Não se deve subestimar a capacidade do governo de perverter medidas de cunho liberal e utilizá-las para proveito próprio, aumentando seu poder. Em hipótese alguma se deve duvidar de que o governo irá aproveitar uma demanda popular antiestado e subvertê-la para agigantar seu poder.


Um exemplo deste oportunismo estatal são as privatizações. Em tese, a privatização de empresas estatais seria uma medida que retira poder e arbitrariedade do estado, pois este deixa de ser administrador e investidor e passa a ser apenas um coletor de impostos. Na prática, no entanto, é diferente. O estado vende empresas e ao mesmo tempo aumenta seu controle. Ou seja, ele privatiza (troca a gestão estatal pela gestão privada), mas não desestatiza. No final, aumenta seu poder por meio da mágica das agências reguladoras. 

O estado tira proveito da maior eficiência da gestão privada para aumentar sua receita de impostos, e reforça o poder das agências reguladoras para controlar rigidamente os mercados em que atuam essas empresas privatizadas. Em troca dessa submissão, o governo usualmente garante às empresas uma reserva de mercado, a qual é solidificada pelas agências reguladoras, que implantam barreiras burocráticas e regulatórias à livre entrada de competidores, impedindo assim uma genuína livre concorrência

No Brasil, como regra geral, os setores "privatizados" mantiveram em grande medida seus monopólios garantidos por lei, em um formato destinado a maximizar tanto a chamada 'outorga' quanto as participações nos resultados futuros. Em outras palavras, o repasse do monopólio por lei ao gestor privado permite ao governo maximizar tanto os valores recebidos pelo estado na data da "privatização" como nos anos vindouros . Além disso, os leilões foram viabilizados com dinheiro do BNDES, e os fundos de pensão de estatais (que, em última instância, são controlados por políticos e sindicalistas ligados a partidos políticos) adquiriram participações em várias dessas empresas "vendidas". Não houve um único setor da economia do qual o estado tenha se retirado por completo. Assim como a jabuticaba e a pororoca, as "privatizações" brasileiras são um fenômeno único: aumentam a participação do estado na economia.

Fizemos estes prolegômenos para introduzir o leitor ao novo golpe que está sendo perpetrado pelo estado contra a iniciativa privada, golpe este travestido sob o manto de "mais transparência" e "preocupação com os direitos do cidadão": a obrigatoriedade da discriminação de impostos na nota fiscal.

A exigência de que os impostos embutidos nos preços das mercadorias e serviços sejam discriminados na nota fiscal sempre foi uma demanda popular. A ideia é que, se os consumidores de fato souberem o quanto pagam de impostos — embutidos veladamente no preço final —, terão maior consciência do tanto o governo extrai dele e do que o governo pode estar desviando para a corrupção. Ato contínuo, ofereceriam maior resistência a qualquer anúncio de aumento de impostos.

Até aí, tudo bem. Trata-se, de fato, de uma medida antiestado. Afinal, governo nenhum tem interesse em súditos bem informados a respeito de sua esbórnia fiscal. Porém, como diz o aforismo apócrifo, o diabo está nos detalhes. Veja a notícia a seguir:




Medida foi aprovada com vetos e entra em vigor em junho de 2013

Nova lei determina que os tributos incidentes sobre os produtos e serviços devem ser explicitados na nota fiscal.

A presidente Dilma Rousseff publicou nesta segunda-feira (10) no "Diário Oficial da União" a lei 12.741, que determina que os tributos incidentes sobre os produtos e serviços devem ser explicitados na nota fiscal. Diferentemente do texto aprovado pelo Congresso Nacional, a lei sancionada estabelece que deverão ser identificados sete e não nove tributos: Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), PIS/Pasep, Cofins, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre Serviços (ISS).

Informações referentes ao Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) foram vetadas pela presidente. Outro veto diz respeito à parte do texto que determinava a identificação do tributo mesmo que estivesse sendo questionado na Justiça ou em processo administrativo.

No caso dos serviços financeiros, as informações sobre os tributos deverão ser colocadas em tabelas fixadas nos pontos de atendimento, como agências bancárias. O IOF deverá ser discriminado somente para os produtos financeiros, assim como o PIS e a Cofins, somente para a venda direta ao consumidor. A lei também estabelece que a nota fiscal deverá trazer o valor da contribuição previdenciária dos empregados e dos empregadores sempre que o pagamento de pessoal constituir item de custo direto do serviço ou produto fornecido ao consumidor.

Sempre que os produtos forem fabricados com matéria-prima importada que represente mais de 20% do preço de venda, os valores referentes ao Imposto de Importação, ao PIS/Pasep e à Cofins incidentes sobre essa matéria-prima também deverão ser detalhados.

Para que os estabelecimentos comerciais tenham tempo para se adaptar às novas regras, a lei só entra em vigor em junho de 2013. A partir daí, quem descumprir a lei pode ser enquadrado no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que prevê sanções como multa, suspensão da atividade e cassação da licença de funcionamento.

A lei é fruto de uma iniciativa popular que reuniu aproximadamente 1,56 milhão de assinaturas coletadas pela campanha nacional De Olho no Imposto, da Associação Comercial de São Paulo.

Perceberam a encrenca? A notícia, que tinha tudo para ser boa, é péssima. Para começar, o cálculo dos impostos ficará a cargo das empresas. Só que graças ao nosso sistema tributário incompreensível, ele é extremamente complicado e nada exato. Aliás, ele é quase impossível de ser feito, principalmente ao se levar em conta os impostos embutidos nos insumos. Consequentemente, isso abre espaço para vários tipos de chantagem e de cobrança de propina da parte dos fiscais do governo. O risco de autuação será alto. Quem descumprir a lei — qualquer pequena empresa sem contadores capacitados — será enquadrado com multa, suspensão da atividade e cassação da licença de funcionamento.

Dos 88 tributos existentes no Brasil, a lei só determinou "transparência" para oito deles. A lista de impostos a serem especificados é estritamente controlada pela lei, e a presidente já começou vetando dois impostos (IR e CSLL) desse processo de transparência. Ademais, o Imposto de Importação só será incluído caso o importado represente mais de 20% do preço final de venda, uma métrica que deverá excluir quase todos os importados de varejo que utilizam cadeias de distribuição custosas. Que transparência é essa que se propõe a divulgar menos de 1/10 dos impostos, e com exceções? Na verdade, é um processo de desinformação, e não de transparência.

O processo de aprovação desta lei, que levou 10 anos e consumiu uma quantidade gigantesca de recursos humanos e financeiros — boa parte advinda de liberais bem-intencionados —, foi contaminado desde a origem pela mentalidade estatista de que precisamos da autorização de Brasília para divulgar um mero dado. O mais curioso é que, até hoje, era proibido divulgar a carga tributária contida no produto. Qualquer folheto ou papel grampeado podia ser interpretado pelo estado como um ato subversivo. (No caso do Dia da Liberdade de Impostos, ao perceber o potencial eleitoreiro dessa encampação estatal, foi aprovada uma lei "permitindo" que se faça a manifestação e instituindo por lei o "Dia Nacional da Conscientização de blá-blá-blá"). O que antes era proibido, a partir de agora será obrigatório. É igual à democracia: ou você é proibido de votar ou é obrigado a votar. Os burocratas do estado possuem uma mentalidade binária: eles só veem proibições e obrigações. Não há o meio termo, que é a liberdade.

Quem será o mais atingido por essa lei? O pequeno empresário, é claro. Ele agora terá mais um custo e mais uma obrigação, o que dificultará ainda mais sua concorrência com as grandes empresas. Alguns já se deram conta disso e já começaram a reclamar.

E as grandes empresas? Embora percam, o fato é que para estas esse trabalho adicional é proporcionalmente pequeno. Mas há um diferencial nada desprezível: esta lei acaba sendo benéfica para elas, pois irá diminuir a competição das pequenas e médias empresas.

Isso é fácil de entender. Impostos, regulamentações e burocracia funcionam também como barreiras ao surgimento de novos concorrentes. Uma empresa já estabelecida em um determinado ramo já se adaptou aos impostos e aos custos contábeis de operá-los, ao passo que esses mesmo impostos impedem que pequenas empresas cresçam e que novas empresas surjam. Uma alta carga tributária, acompanhada de um emaranhado indecifrável de códigos tributários, serve como barreira de entrada no mercado, o que apenas ajuda as empresas já estabelecidas. Para estas, uma alta carga tributária ou um emaranhado burocrático incompreensível e arbitrário são um preço válido a ser pago, pois garante que novas empresas fiquem afastadas e que a concorrência seja mínima. 

Ao passo que o pequeno empresário estará mais manietado, os grandes não terão dificuldades — nem carência de recursos — para lidar com essa nova imposição estatal. Com nada menos que 88 tributos e uma burocracia que é um emaranhado de leis, medidas provisórias, decretos e outros atos tributários aterrorizantes, que pequena empresa conseguirá concorrer com os barões já estabelecidos (e quase sempre financiados pelo BNDES)? 

O estado, mais uma vez, cria uma intervenção que não apenas aumenta seu poder e suas receitas, como também auxilia os grandes à custa dos pequenos. E ainda há aqueles que dizem que o estado existe para preservar a concorrência e manter a solvência dos mais fracos...

Portanto, eis aí duas lições: 1) nunca subestime a capacidade do estado de subverter para proveito próprio causas até então antiestatais; e 2) jamais comemore antecipadamente a aprovação de medidas aparentemente pró-mercado. O estado sabe o que faz e jamais iria voluntariamente criar leis que prejudicassem a si próprio — salvo se for uma questão relativa a sua própria sobrevivência. 

Se você é um pequeno empreendedor, nossas condolências. E boa sorte.

Equipe IMB

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

ENERGIA NO PALANQUE

Pouco antes das últimas eleições, a presidente Dilma Rousseff anunciou, em rede de rádio e TV, a decisão de reduzir em 20%, em média, a conta de luz dos brasileiros. Por mais que ficasse claro o viés eleitoral de uma medida a ser implementada apenas seis meses depois, ela mereceu aplauso de todo o país. A grande surpresa veio com a edição da medida provisória 579, que altera radicalmente o marco regulatório do sistema elétrico nacional.


Graves equívocos permeiam a proposta. A começar por reduzir a poucos gabinetes a responsabilidade por mudanças tão profundas, ignorando o Congresso, as empresas do setor, especialistas e vozes qualificadas do seu próprio partido e do governo, alijadas do processo.

A retórica não conseguiu esconder o alto risco que as mudanças carregam. Entre os que se levantam para alertar o governo está a voz corajosa do professor Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobras no governo Lula. Ele, como todos nós, concorda com a necessidade de redução do custo da energia, mas alerta que as medidas anunciadas não conseguirão alcançar esse objetivo; que a capacidade de investimento das empresas (leia-se ampliação da oferta, qualidade e segurança dos serviços) ficará comprometida, havendo o risco de desemprego no setor. Ou seja, no fim, quem vai pagar a conta -alta- é a população. A energia mais cara é aquela que o país não tem.

Com dificuldades de enfrentar críticas e o debate à luz do dia, o PT optou, mais uma vez, pela conveniência de torcer a realidade para que ela ganhe os contornos que lhe interessam. Sem argumentos, preferiu estimular a desinformação criando um mantra a ser repetido com ferocidade pela claque Brasil afora: "O PT quer baixar a conta de luz e o PSDB não deixa!"

Mentem. Na velha tese de que os fins (a permanência do partido no poder) justificam os meios, legitimam a mentira como arma do embate político e desrespeitam os brasileiros, em nome de quem dizem agir.

Pouco importa a desconfortável constatação de que governos do PSDB, como São Paulo, Paraná e Minas Gerais, pratiquem a isenção de impostos nesta área em patamares superiores à de governos do PT. Em Minas, metade das famílias não paga ICMS nas contas de luz. Tampouco que as oposições venham há muito cobrando redução dos cerca de dez tributos federais incidentes sobre a conta de luz.

É o velho PT agindo como sempre fez. Em época de crise, invente um inimigo e desvie a atenção dos seus problemas. Aí está, de novo, o discurso do nós -os bons- contra eles -os maus. O governo começou a tratar esta questão, tão séria e complexa, em cima de um palanque e, infelizmente, ainda não desceu dele. O país não merece isso. Por: Aécio Neves, Folha de SP

NO QUE VAI DAR ISSO AÍ?

Nem a economia, como fator isolado, será suficiente para desconstruir a imagem do governo se a imagem de Lula não desabar.


Não sou nenhuma celebridade, nem gostaria de ser. Mas volta e meia alguém me pára na rua. Felizmente não querem autógrafos. Querem saber no que vai dar isso aí. A pergunta se refere a essa coisa em que transformaram o Brasil. Minha resposta acaba sendo comprida. Então, doravante, para simplificar as coisas, passarei a responder por escrito. Andarei com a resposta no bolso.

O Brasil está no olho de um furacão e não toma conhecimento. Como nunca antes neste país os problemas são graves e têm efeitos cumulativos. Mencionarei apenas os principais, relacionando-os à nossa posição no contexto mundial: a) estamos em 88º lugar no ranking da educação básica e no 66º da educação superior; b) este ano, pela primeira vez, entramos na lista das 50 economias mais competitivas, com um modestíssimo 48º lugar; c) nossas péssimas instituições nos deixam no 79º lugar em relação ao quesito qualidade das instituições nacionais; d) ocupamos o 99º lugar no ranking da liberdade de imprensa; e) somos o país lanterna do BRIC quanto ao número de registro de patentes nos Estados Unidos (apenas 7% do total obtido pela China no ano passado); f) ocupamos o 84º posto entre 187 países no ranking do desenvolvimento humano (IDH); g) somos o 69º país mais corrupto, com uma vergonhosa nota pouco superior a três. Junto com a proverbial impunidade, os sucessivos casos de corrupção, na novilíngua oficial, viraram "malfeitos" - assim como se fossem travessuras de gente grande.

Não bastasse isso, 2012 foi um ano perdido. Nossa economia cresceu uma ninharia, pouco mais de um por cento, índice que nos coloca em penúltimo lugar entre os 20 países ibero-americanos. Como consolação, ganhamos do Paraguai. As tarefas centrais de qualquer governo - Educação, Saúde, Segurança e Infraestrutura - vão de mal a pior. Um governo desses só pode ser bem pontuado distribuindo dinheiro para os pobres e para os ricos, e mandando a conta para a classe média. Dos primeiros vêm os votos; dos segundos a grana.

A alegria dos criminosos brasileiros é a falta de policiais e presídios. Milhares de condenados operam livremente, ora por falta de quem os capture, ora porque não tem onde ficar detidos. Assim, convivemos com tenebrosa sensação de insegurança. E o governo aplicou, até o mês de novembro de 2012, apenas um por cento do que estava previsto no orçamento federal para construção de estabelecimentos penais. Aliás, em relação ao orçado para investimentos neste ano, o governo da União, em todos seus setores de atuação, só conseguiu usar 34%. Quanto ao ano de 2013, é visível que o governo esgotou os truques para fazer a economia crescer à base do consumo interno: baixou juros, ampliou prazos de financiamento, concedeu substanciais reduções de IPI e chamou à sociedade ao endividamento. Haverá algo mais, na cartola das demagogias oficiais, além do nunca feito dever de casa?

Não obstante tudo isso e muito mais, o governo e a população não têm tal percepção. E ninguém está mais longe de resolver um problema do que quem sequer sabe que ele existe. Os sucessivos escândalos que enxovalham o momento histórico e atingem danosamente nossa imagem internacional parecem não afetar as figuras centrais da república. Os patifes vivem à vida regalada, convictos da perenidade do regabofe em que se lambuzam.

Então, as pessoas me perguntam: no que vai dar isso aí? Minha resposta é política. Quem está no poder só sabe fazer mais do mesmo. As expectativas relacionadas a uma possível implosão do núcleo duro desse poder dependem exclusivamente da combinação de dois fatores: o que vier a acontecer com a imagem de Lula junto à opinião pública e dos rumos que forem tomados pela economia. Se, contrariando todas as probabilidades, a galinha que voou em meados da década passada, sair por aí planando como um falcão, continuaremos com mais do mesmo. O brasileiro, com dinheiro no bolso, pouco quer saber de democracia e de princípios morais. Mas nem a economia, como fator isolado, será suficiente para desconstruir a imagem do governo se a imagem de Lula não desabar.

E Dilma? É preciso compreender que Dilma, assim como precisou de Lula para subir, precisará de Lula para descer. Se e quando a imagem de Lula desabar, Dilma cai junto. Fora disso não há salvação.

Por: POR PERCIVAL PUGGINA

sábado, 15 de dezembro de 2012

AS MASSAS E O ESTADO EM ORTEGA Y GASSET

Qual será a alternativa, meus senhores e minhas senhoras? Eu não sei. Sei apenas que, ficando como está, a humanidade transformará o Estado de instrumento de libertação em instrumento de escravidão e morte. Tudo contra o que Ortega y Gasset desesperadamente lutou.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Quero cumprimentar os organizadores desse evento e, ao fazê-lo, a todos os presentes. É uma honra para mim estar aqui nesta Casa dedicada ao grande Miguel de Cervantes, para falar da obra de um outro grande espanhol, José Ortega y Gasset. Meu tema não poderia ser outro, eu que dediquei grande parte de minha atividade intelectual dos últimos tempos a estudar a obra de Ortega: o homem-massa e sua relação com o Estado na obra do filósofo celtibero. É o que pretendo comentar aqui.

No conjunto da obra de Ortega certamente esse tema é o mais difundido e é o maior triunfo científico de sua sociologia. Diante da sua filosofia não é o tema principal, todavia. O filósofo foi cirúrgico na sua análise e nas suas previsões nelas fundadas, daí ter encantado gerações de admiradores. Ao chamar a atenção do mundo para esse fenômeno – a emergência do homem-massa – Ortega o fez como um desesperado, que tinha em mira a sua querida Espanha, que via como invertebrada, isenta de homens egrégios. É na obra ESPANHA INVERTEBRADA, do início dos anos vinte, que poderemos enxergar por inteiro o que ele olhou e pensou. E previu com muita acuidade. O famoso REBELIÃO DAS MASSAS virá depois como um refinamento dessa sua obsessão com a vida de Espanha, seu discurso para os não espanhóis.

E por que me interessei pelo tema? Tomo aqui as palavras do próprio Ortega, escritas em 1934 no prólogo à quarta edição do ESPANHA INVERTEBRADA: “Alguém em pleno deserto se sente enfermo, desesperadamente enfermo. O que fará?” A imagem é primorosa, é como eu me sinto nesses tempos tormentosos. Por me sentir assim é que eu venho aqui falar a vocês. A minha alma sente o duplo efeito: a ameaça dos perigos dos tempos e a insuficiência de conhecimento alegada por Ortega, socraticamente, ele que era um grande mestre. Com mais rigor e propriedade faço minhas as suas palavras e lamento a minha própria ignorância.

O mundo hoje padece de crises e incertezas da maior envergadura, semelhantes àquelas vividas por Ortega no período em que escreveu o ESPANHA INVERTEBRADA e o A REBELIÃO DAS MASSAS. Novamente tempos de grandes perigos. “A história está novamente em movimento”, para usar a bela frase profética de Arnold Toynbee. Isso nos deveria fazer quedar, sem ter o que fazer diante do inevitável? De forma alguma. No mínimo, temos que imitar o filósofo e falar nem que seja às estátuas, como o fez em Paris. Ou às almas bondosas que aqui estão. Falar é sempre um grande remédio para a alma desesperada.

Por isso a atualidade de suas reflexões. Quero aqui me debruçar sobre três conceitos: homem-massa, Estado e o poder, ou seja, “quem manda no mundo”. Creio que estão contidas nessas expressões as preocupações do filósofo e a investigação para compreender esses três temas é que lhe deu as chaves para a compreensão da dinâmica política atual.

Não posso aqui deixar de me referir à recente eleição de Barack Obama para a Presidência dos Estados Unidos. Em tudo e por tudo sua eleição está carregada de significados. Quem ouviu o primeiro discurso do presidente eleito em Chicago, diante da multidão prostrada, não pôde deixar de se admirar e de se apavorar. “Change”, gritavam. E também: “Yes, we can”. Estamos aqui novamente diante de um líder de multidão que é ele mesmo a expressão do homem-massa tornado chefe de Estado. Sua característica principal, quando comparado com lideranças genuínas, é que chefes como Obama não lideram a multidão, são por elas liderados. Daí porque essas palavras-força hipnotizam e apavoram.

Obama só tem a oferecer às massas o poder de Estado posto a serviço de seus apetites e estes não são banais, são impossíveis de ser atendidos: suprimir a lei da escassez, eliminar a crise econômica por medida legislativa e unilateralmente impor a paz quando a guerra se faz necessária. E, a fracassar a paz, como no passado, fazer a guerra pela guerra, no ativismo bélico motivado por razões econômicas e ideológicas, e não pelos nobres e racionais motivos geopolíticos.

Em resumo, Obama é o exemplo mais completo e acabado de chefe de multidões erguido aos ombros pelos homens-massas desde que Hitler foi eleito, em 1933. Vimos como acabou aquela experiência histórica. Temos que decifrar o enigma atual e buscar o sentido das imorredouras palavras de Sófocles, na peça ÉDIPO REI:

“Naufraga a polis – pode conferi-lo -;

a cabeça já não é capaz de erguê-la

por sobre o rubro vórtice salino:

morre no solo – cálices de frutas;

morre no gado, morre na agonia

do aborto”.


Eu não encontraria palavras mais poéticas e mais trágicas para descrever o teor da grave crise econômica mundial instalada e a carência de um governante sensato na condução do Estado, em período tão critico. A ideologia por excelência dos homens-massa é o socialismo. E a causa da crise são as medidas socialistas tomadas no passado. E, quanto mais a crise se agrava, mais medidas socialistas são pedidas pela multidão ao governante, que é seu espelho. A causação circular gera uma espiral política infernal que há um século redundou na pira em que queimou o mundo e os homens na estupidez da guerra e na busca desesperada da solução existencial – a perfeição em vida – pela ação burocrática do Estado. O apogeu dessa loucura foram os fornos crematórios e a bomba atômica, de triste memória.

O que viu Ortega? O surgimento das multidões urbanas, átomos individualizados que herdaram o melhor da tradição ocidental, mas quais filhos pródigos de pais ricos, nada fizeram para dispor do que receberam. E entre os muitos bens herdados dois se destacam especialmente: a técnica, originada da filosofia e da ciência empírica, que deu às multidões luxos jamais imaginados pelos ricos de outrora; e o Estado, esse portento agigantado pelos modernos administradores, poder comprimido posto nas mãos desses filhos das massas, homens notavelmente despreparados para seu autogoverno.

A ausência dos “melhores”

A primeira grande desgraça que Ortega viu nos novos tempos foi o que ele chamou de “a ausência dos melhores”. Ortega entendia que há uma hierarquia natural, em que a minoria “egrégia”, em tempos sadios, é aceita como a liderança espontânea, cabendo às massas copiar-lhe o exemplo vital e obedecê-la. Quem é essa elite?

Ao ler a obra orteguiana fica sempre a pergunta impertinente. Seria o “nobre” assemelhado ao filósofo platônico? É possível que possamos ver aqui esse parentesco. No entanto, precisamos qualificar o sentido, pois essa minoria egrégia não deve ser confundida, para Ortega, com uma classe letrada ou de verniz sacerdotal, “filósofa”. Ortega repetidas vezes afirmou que é nobre aquele que dá mais de si, que se sacrifica, que supera as próprias restrições pessoais, pondo-se a serviço dos seus. É aquele que sabe das virtudes e as pratica. Não há, portanto, a idéia de uma aristocracia do conhecimento, mas do ser vital, que traz em si a história viva. Mesmo um homem simples pode ser um egrégio.

O homem nobre é o oposto do demagogo que vai à praça pública pregar facilidades para se tornar governante e que empresta sua oratória para dar voz aos vícios insaciáveis das massas.

Tampouco podemos falar de uma aristocracia de sangue. O filósofo desdenha dessa idéia e deixa claro que nobreza não pode ser transmitida geneticamente, como diríamos hoje. Nobreza de sangue é apenas uma caricatura jurídica da verdadeira nobreza, a repetição mecânica e um reconhecimento tardio do valor de um ser nobre que viveu no passado.

Então, o que é? Penso que para ele são aquelas pessoas que têm o sentido da história e da tradição. São aqueles que carregam o ônus das virtudes consagradas no Ocidente. São aqueles que fazem da história – mais das vezes a de tradição oral – o seu presente, fundando nela suas ações. Seu viver expressa essa atualidade do antigo. Fazem o dia a dia contemplando os milênios predecessores. Gente assim tinha ficado escassa no seu tempo, como escassa está atualmente. Os egrégios sumiram precisamente porque não há mais um passado vivo, mas a crença no presente eterno, que se perpetua.

Terá faltado a Ortega, por conta de seu agnosticismo, ligar esse “direito à continuidade” aos valores judaico-cristãos. Uma grande lacuna na sua produção teórica. A leitura atenta de sua obra, todavia, leva, de forma inescapável, a valorizar o cristianismo e colocá-lo, com o devido destaque, na coleção de requisitos para tornar alguém um ser egrégio. Tem sido, o cristianismo, o veículo pelo qual a atualidade histórica tem sido transmitida nos dois últimos milênios e não podemos deixar de creditar à Igreja Católica o mérito de reconhecer na filosofia clássica seu outro Testamento, conforme a análise lúcida do então jovem teólogo Joseph Ratzinger, no seu INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO, de 1967.


Essa consciência história é o impregnar-se com as virtudes da tradição, a temperança, o senso de justiça, a tolerância. Virtudes assim podem ser praticadas sem que haja a aquisição de cultura livresca, bastando que não seja quebrado o fio da tradição. Por isso que Ortega insistia que um dos direitos mais importantes da pessoa humana era o da “continuidade”, precisamente o de se ter um passado e de se viver o presente, construindo o futuro, sem perder de vista o legado precioso das gerações anteriores.

O império do Homem-massa

O homem-massa de Ortega é o oposto do ser egrégio como antes definido. É homogêneo, desprovido de passado. É o senhorito satisfeito. E reside aqui nessa constatação sua reprovação mais desabonadora: um ser sem passado é um ser sem história, recriado como que vindo do nada a cada geração. Junte-se a isso a confiança de quem domina as técnicas, capazes de grandes maravilhas, e aí teremos o personagem mais arrogante de todos os tempos.

O mundo que se apresenta a partir da segunda metade do século XIX é o das multidões, apinhadas nas grandes cidades. O impacto dessas aglomerações não pode ser minimizado. O ser individual perde a identidade, torna-se uma mônada indiferenciada, uma gota perdida em um oceano de gentes. Em oposição, agiganta-se o grande organizador dessas massas, o Estado, cujo papel muda radicalmente desde então, como veremos a seguir.

Ortega estava preocupado com a Espanha e a Europa, mas acabou por se tornar um profeta dos graves problemas do nosso tempo. Um escritor para o século XXI, para usar a expressão empregada por Vargas Llosa ao falar da obra de Cervantes. Ortega mesmo frisou que os problemas políticos seriam epidérmicos se a sociedade estivesse sadia, se seu corpo (as massas) e sua cabeça (a elite egrégia) estivessem interagindo como deve ser. Os fenômenos políticos, no entanto, podem ser elevados a alto grau de ameaça, a ponto de colocar a própria sobrevivência da humanidade em risco, se os tomadores de decisões de Estado foram meros representantes das massas insaciáveis. Os problemas políticos então deixam de ser epidérmicos e passam a ser o fator determinante para que a própria vida humana tenha continuidade. Os fornos crematórios de Hitler ainda não perderam de todo o calor, naquela loucura completa que foi o exercício do poder por um legítimo representante do homem-massa. Bombas atômicas estão prontas para uso em várias partes do planeta neste exato momento.

É nesse contexto que devemos tomar a célebre advertência de Ortega: “Eu sou eu e minha circunstância e se não a salvo, não salvo a mim mesmo”. Sábias e imorredouras palavras. Salvar as circunstâncias em política passou a ser um imperativo de nosso tempo. E salvar essas circunstância é resgatar o poder de Estado das mãos dos demagogos, dos chefes de multidão.

Os genocídios comunistas também não devem ser jamais esquecidos. O comunismo, assim como o nazismo, o fascismo e o progressismo, são expressões da política executada diretamente pelos homens-massa, que transformam rufiões oriundos da multidão em mandatários das nações. Homens sem passado e sem escrúpulos, que pregam facilidade e fazem a apologia de um futuro perfeito, em delirante fuga da realidade. Não são apenas crimes que esses homens praticaram, eles transformaram o Estado, de ferramenta para o bem-comum, na máquina de matar gente em larga escala. Talvez não haja na língua um vocábulo capaz de traduzir a hediondez do que estamos a ver.

O que é o Estado?

Podemos olhar o Estado de muitos ângulos e o que menos nos interessa aqui é vê-lo pela ótica jurídica. Alguém já disse que o Estado é uma ficção. Mas ficção não mata, mas a loucura, sim. O Estado é uma realidade ou uma ferramenta, como definiu Ortega y Gasset. Essa ferramenta é muito importante e sempre foi perigosa, porque o Estado é, antes de tudo, violência concentrada, capacidade de matar, de tributar, de prender, de sujeitar os indivíduos.

O Estado, quando conduzido por gente moralmente inferior, torna-se o grande algoz da humanidade. É isso que temos visto desde então. A própria guerra, cuja natureza nobre sempre foi cultuada pelo melhores, nos tempos hodiernos muda de caráter, passando de instrumento para a recuperação do equilíbrio político e da afirmação da segurança coletiva para a ação de destruição pura e simples de comunidades diferentes. O homem-massa anseia pela homogeneidade. A guerra passou a matar à escala industrial apenas para satisfazer ideologias cegas, motivadas pela falsa capacidade que teria de aperfeiçoar a humanidade. A busca da igualdade irracional motiva muitos dos morticínios contemporâneos.

O Estado, enquanto ferramenta, nos tempos antigos permitiu ao homem criar uma ordem e, a partir dela, deixar frutificar os seus engenhos, a própria liberdade ela mesma. Sem o Estado não haveria como construir um espaço de liberdade, em que o homem em geral pudesse construir seu próprio destino. Ao contrário do que pensam aqueles de tendências anarquistas, a alternativa ao Estado não é haver mais liberdade, mas sim, o seu oposto, o caos, que é a escravidão da alma. Importa, pois, não substituir uma ilusão por outra, ou seja, o Estado gigante (ou Total, como costumo chamar), pela sua ausência, mas sim, domesticá-lo e trazê-lo para proporções humanas. Fazer novamente o criador dispor de sua criatura.

O Estado só pode ser benigno quando conduzido pela elite egrégia, que carrega a tradição e sabe da missão e das limitações do ente estatal. A elite sabedora de que o Estado precisa, necessariamente, ser “mínimo”, como defenderam os liberais clássicos. A maior das mentiras da modernidade foi recriar o antigo mito sofista da igualdade, sobrepondo-se à necessidade mais terrivelmente ameaçada de todos os tempos, a liberdade. O homem-massa, quando alçado ao poder – e até mesmo para ser alçado ao poder – quer tornar o Estado o instrumento para a implantação da igualdade. Esse terrível engano está na raiz dos monstruosos crimes cometidos pelos coletivistas de todos os calibres.

O resultado dessa visão errônea é a estatização progressiva e inexorável da vida cotidiana. Tudo passou a depender do ente estatal. A moeda é do Estado, os regulamentos se multiplicam, a vida espontânea tende ao desaparecimento. Os homens são “coisificados”, tratados com seres incapazes de uma vida adulta e responsável. É o Estado-mamãe, que tudo provê, mas que não permite o menor desvio de seus regulamentos. Afinal, as leis são inexoráveis e quando se legisla sobre a banalidade da vida torna-se a própria vida uma prisão infame.

Uma crítica à democracia

Trago aqui aos senhores essas reflexões finais, tomando o quadro político que se apresenta aos nossos olhos. Acompanhamos agora as campanhas eleitorais no Brasil e no nos EUA. Pudemos ter uma clareza muito grande como a política pode ser perigosa, um nefasto exercício de auto-engano. O homem-massa eleitor é agora cortejado não para eleger os melhores partidos e as melhores pessoas para governar. Ele agora é chamado a escolher quem vai colocar “mais” e “melhor” o Estado a serviço de seus apetites, de suas idiossincrasias, de suas ilusões. “Change” e “Yes, we can” são mantras de mobilização de alto poder destrutivo, grávidos que estão de violência irracional.

Temos, pois, a resposta à terrível pergunta de Ortega: “Quem manda no mundo?” Os piores, os moralmente inferiores, os cegos, os potencialmente genocidas, são esses os que mandam no mundo. São os socialistas que mandam no mundo. Essa laia tem hoje nas mãos as rédeas do poder.

O discurso político de todo postulante aos votos parte do suposto da estupidez factual da maioria dos eleitores, que não compreende o Estado e nem os movimentos políticos, mas que julga ser seu “direito” ter todas as benesses que as classes políticas lhes prometem em troca do seu voto. É crença estabelecida que o Estado tem a obrigação de prover as necessidades básicas, do emprego à escola, da saúde à aposentadoria. Essa crença decreta o fim da democracia, que supõe o indivíduo capaz de prover-se a si mesmo, mesmo que os sistemas eleitorais formais permaneçam funcionando. Estamos a ver o suicídio do sistema democrático e nada lembra mais um Estado policial do que a forma assumida pelos Estados contemporâneos, em todos os lugares.

Vimos nesses exemplos precisamente o esgotamento da experiência da democracia de massas, em que o voto universal não está condicionado por uma estrutura partidária que respeite e proteja a continuidade dos valores da democracia liberal. Do jeito que as instituições estão organizadas, tanto aqui como nos EUA ou em qualquer lugar do mundo, a demagogia da igualdade ou – o que é a mesma coisa – a demagogia de que o Estado teria uma função beneficente (para usar a deliciosa expressão empregada por Ortega em texto de 1953) triunfou. Posso dizer que é o triunfo do totalitarismo, do Estado Total.

Qual será a alternativa, meus senhores e minhas senhoras? Eu não sei. Sei apenas que, ficando como está, a humanidade transformará o Estado de instrumento de libertação em instrumento de escravidão e morte. Tudo contra o que Ortega y Gasset desesperadamente lutou, conforme o testemunho de sua obra. Tudo contra o que todos nós devemos lutar. Não podemos esquecer jamais que vivemos tempo de grandes perigos.


Por: POR NIVALDO CORDEIRO
Apresentação no Instituto Cervantes.
Colóquio sobre Ortega y Gasset.
12 de novembro 2008

NIEMEYER E A INTERNET

Que o homem mereça cadernos em sua homenagem na imprensa nacional, entende-se. Marcou o século com sua arquitetura. Daí a transformá-lo em santo vai uma grande distância. Não vamos negar-lhe talento. Mas como ser humano, Niemeyer era vil. E isto a imprensa não diz. Sempre acontece quando morrem ilustres canalhas. Aconteceu com Darcy Ribeiro, aconteceu com Jorge Amado.


Niemeyer morre em uma época interessante, das comunicações internéticas e das comunidades virtuais. O leitor deve lembra-se de que, há pouco, Chico Buarque dizia ter descoberto que era detestado por muita gente. Só descobriu graças à Internet, onde todo cidadão sem voz adquire voz. Não tivéssemos Internet, até hoje seria um ser angelical para a grande imprensa. O mesmo aconteceu com o arquiteto. Se os jornais insistem em mostrar o gênio, nas comunidades virtuais vemos o homem e sua miséria.

O arquiteto tem seus altos e baixos. Fez obras de alto valor estético e outras que só são louvadas por seu renome. O grande crime de Niemeyer é, a meu ver, Brasília. Verdade que não foi o único celerado a conceber Brasília. Mas sua mão está lá. Há uns vinte e mais anos, lembro que era heresia não gostar de Brasília. Bastava alguém dizer que não havia gostado e era fulminado por uma avalanche de insultos, que ia desde ignorante a reacionário. Esse culto está terminando – e tinha de terminar um dia – e hoje críticas a Brasília já são permissíveis.

Niemeyer foi o fiel intérprete dessa visão tacanha do brasileiro, que até hoje cultua o automóvel como símbolo de status. Tivesse Niemeyer uma visão do futuro, que já então se anunciava, teria começado com as fundações de um metrô. Não começou. Hoje, a cidade concebida para o automóvel tem congestionamentos monstruosos de automóveis. Poderia ter pensado na bicicleta. Brasília é plana e parece ter nascido para as bicicletas. Não pensou. 

Pior ainda sua concepção de cidade planejada. Setor residencial, hoteleiro, administrativo, de hospitais, de lazer. Isso não é cidade, mas insanidade. O lazer e o trabalho devem estar onde o ser humano reside. Madri também é uma cidade planejada. Mas foi planejada com inteligência, sem privar o cidadão urbano de seu conforto. Brasília não tem esquinas. Ora, esquinas são o melhor local para bares, restaurantes e outras casas de lazer. Brasília foi concebida não com prédios para viver, mas com máquinas de morar. 

Conheço não poucas cidades no mundo e não conheço nenhuma tão hostil ao ser humano como Brasília. Não por acaso Niemeyer era influenciado por Le Corbusier, que fez um projeto para Paris que destruía tudo que Paris tem de charme. No fundo, uma cidade que não difere muito dos monstruosos blocos residenciais de Moscou, construídos durante o regime comunista. Você vai morar não como você gosta ou gostaria de morar. Você vai morar no que o Estado acha que você gosta de morar.

E já que tocamos no assunto: costumo falar de duas espécies de inteligência, a inteligência inteligente e a inteligência burra. Inteligência burra, por exemplo, é a de um engenheiro que domina o cálculo infinitesimal mas mata a mulher por uma mesquinha crise de ciúmes. Pode ser um profissional competente, mas não soube gerir a própria vida. Niemeyer pertence a esta estirpe. Durante toda sua vida, foi cúmplice dos maiores criminosos do século passado.

Que tenha sido comunista, se entende. Quando os bolches tomaram o Palácio de Inverno, tinha dez anos. Criou-se sob a esperança da redenção do proletariado. Para um jovem idealista era difícil, nos primórdios da revolução, resistir aos apelos humanísticos do comunismo. Ocorre que o regime já desde o início mostrou ao que vinha. Lênin revelou-se tirano e assassino. Stalin ampliou sua obra. Até pode-se conceder que os crimes de Lênin permaneceram ocultos durante sua ditadura. Mas os de Stalin se tornaram conhecidos em 35. Foi quando comunistas como Ernesto Sábato, Camus, Koestler, abandonaram o barco. Niemeyer já era crescidinho, tinha 28 anos. Fosse honesto consigo mesmo, faria marcha à ré. Não fez.

O arquiteto burro atravessou o século e teve mais chances de abrir os olhos. Em 49 – quando tinha 42 anos – ocorreu em Paris a affaire Kravchenko. Há anos venho escrevendo sobre Kravchenko, personagem quase desconhecido no Brasil, e não por acaso.

Alto funcionário soviético que havia trocado a URSS pelos Estados Unidos, relatou esta opção em Eu escolhi a liberdade, livro em que denunciava a miséria generalizada e os gulags do regime stalinista. O livro foi traduzido ao francês em 1947 e teve um sucesso fulminante. A revista Les Lettres Françaises publicou três artigos difamando Kravchenko, apresentando-o como um pequeno funcionário russo recrutado pelos serviços secretos americanos. Kravchenko processou a revista, no que foi considerado, na época, o julgamento do século. No banco dos réus estava nada menos que a Revolução Comunista. Em seu testemunho, Kravchenko trouxe ao tribunal Margaret Buber-Neumann, esposa do dirigente comunistas alemão Heinz Neumann, como também o ex-guerrilheiro antifranquista El Campesino, ambos aprisionados por Stalin em campos de concentração. Kravchenko, que perdeu toda sua fortuna produzindo provas no processo, teve ganho de causa. Recebeu da revista francesa, como indenização por danos e perdas ... um franco simbólico.

A história de Kravchenko é fascinante, envolve diversos países, desde a finada União Soviética até Estados Unidos, França, Alemanha, Espanha, e até hoje não houve cineasta que ousasse transpor sua odisséia para as telas. Seu livro rendeu-lhe boa fortuna. Levado à falência com os custos do processo, foi morar no Peru, onde investiu em minas de ouro e de novo enriqueceu. Acabou suicidando-se em um hotel em Nova York. A partir de seu processo ninguém mais podia negar o universo concentracionário soviético. 1949 é a data limite para um homem que se pretenda honesto abandonar o marxismo. Niemeyer persistiu, impertérrito, em seu stalinismo. 

Teve outra chance sete anos depois, em 1956, quando Nikita Kruschev denunciou os crimes do stalinismo, no XX Congresso do PCUS. Niemeyer fez que não ouviu. Depois da morte do Paizinho dos povos, o arquiteto não se pejou em afirmar:

— Stalin era fantástico. A Alemanha acabou por fazer dele uma imagem de que era um monstro, um bandido. Ele não mandou matar os militares soviéticos na guerra. Eles foram julgados, tinham lutado pelos alemães. Era preciso. Estava defendendo a revolução, que é mais importante. Os homens passam, a revolução está aí. Há 23 anos, quando tinha 82 anos e certamente já havia chegado à idade da razão, a história deu a Niemeyer mais uma chance. Com a queda do Muro de Berlim, o comunismo mostra toda sua indigência. Dois anos depois, a União Soviética se desintegrava. Em vão. O arquiteto morreu stalinista.

É óbvio que Niemeyer teve amplo conhecimento dos crimes do comunismo. Como o teve Jorge Amado. Mas ambos sabiam que, na época em que viviam, ser comunista era altamente rentável. Amado fez fortuna com sua adesão ao stalinismo. E Niemeyer, se não fez fortuna, fez fama. Brasília ou qualquer outra obra de Niemeyer estavam acima de qualquer crítica. E ainda estão. Os grandes jornais, salvo algum jornalista desgarrado cá e lá, silenciaram completamente sobre a adesão do arquiteto à mais formidável tirania do século. 

Ainda bem que nos resta a Internet. Por: Janer Cristaldo


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

DURO CHOQUE DE REALIDADE

Após cinco trimestres consecutivos de queda no investimento, a expansão do PIB talvez não chegue a 1% este ano. Tendo em conta que, no ano passado, chegou a apenas 2,7%, a taxa média anual de crescimento no biênio deverá ser de pouco mais que 1,8%. A divulgação desse desempenho tão pífio, quando a presidente está prestes a completar a primeira metade de seu mandato, impõe duro choque de realidade ao governo. A dúvida é se tal choque dará lugar a uma reavaliação séria, no Planalto, da forma como vem sendo conduzida a política econômica.


O que mais preocupa é a queda persistente do investimento. O governo alimentava a fantasia de que bastaria reduzir os juros e depreciar o câmbio para que o investimento deslanchasse. Se tivesse feito só isso — e mantido uma política macroeconômica coerente —, os resultados não teriam sido tão medíocres. Mas fez muito mais que isso. E foi esse algo mais que deu lugar a um quadro pouco propício ao florescimento do investimento.

O governo começou por desmoralizar a política fiscal, não relutando em recorrer a truques contábeis de todo tipo para exibir um simulacro de austeridade. Tendo se permitido a extravagância de montar gigantesco orçamento paralelo no BNDES, bancado por endividamento do Tesouro, deu asas ao delírio de que qualquer projeto que lhe encantasse poderia ser viabilizado, desde que sobre ele se despejasse um volume suficientemente generoso de dinheiro público. Do trem-bala a frigoríficos campeões nacionais. Da produção de energia artificialmente barata na Amazônia à construção de sondas marítimas de alta tecnologia.

A possibilidade mais promissora de investimento de que dispunha o País — a exploração do pré-sal — foi transformada em verdadeira missão impossível. Sobrecarregou-se a Petrobras com a exigência de que fosse a única operadora do pré-sal e de que detivesse pelo menos 30% de qualquer consórcio que vier a explorá-lo. E, para culminar, passou-se a exigir que equipamentos utilizados no pré-sal tenham percentuais absurdamente altos de conteúdo nacional.

A exigência de conteúdo nacional acabou estendida a outros setores, como o automobilístico, que, em troca, foi agraciado com um nível de proteção equivalente ao que seria propiciado por alíquotas nominais de importação da ordem de 70%! Sob a bandeira do fechamento, já não há estímulo a investimentos que contemplem a integração do País às cadeias produtivas da economia mundial.

Some-se a tudo isso a perspectiva de todo um mandato presidencial com inflação bem acima da meta, gestão desastrosa do investimento público, carga tributária saltando de de 33,5% para 35,3% do PIB, em 2011, propensão desmedida ao intervencionismo, truculência regulatória, como agora se vê no setor elétrico, e o que se tem é um quadro claramente inóspito para investimentos.

Dentro de 15 meses Dilma Rousseff se verá na cabeceira da pista da eleição presidencial. Embora tenha tão pouco tempo pela frente, talvez ainda possa corrigir o rumo da política econômica. Mas, sem mudança drástica na equipe econômica do governo, tal correção pareceria pouco crível. Uma simples dança de cadeiras no eixo Fazenda-BNDES não resolveria. Seria preciso trazer gente de fora.

Mas mudar é difícil. Procrastinar mudanças é muito mais fácil. E não faltará quem assevere ao Planalto que a direção da política econômica está correta. Ou quem se disponha a reiterar que as dificuldades se devem, em grande medida, ao quadro adverso que enfrenta a economia mundial. Tampouco faltarão advertências sobre a inoportunidade da mudança.

Leonel Brizola, de quem Dilma foi correligionária até 2000, quando trocou o PDT pelo PT, talvez lhe lembrasse agora do preceito gaúcho que costumava repetir a torto e a direito: "Não se troca de cavalo no meio do banhado." A presidente pode até estar tentada a esperar momento mais propício. Mas é bem possível que, mais à frente, o banhado se mostre ainda mais fundo. E a verdade é que, com o cavalo que tem, não lhe vai ser fácil chegar ao outro lado. Por: Rogério F. Werneck, O GLOBO

QUANDO O RÉU É PADRINHO

A reação de Fux serve como vacina contra a crença ingênua nos discursos líricos do próprio Fux e como exposição involuntária do arcaísmo do Brasil oficial

Luiz Fux é o centro do mundo de Luiz Fux. Na momentosa entrevista que concedeu a Mônica Bergamo ("Folha de S.Paulo", 2/12), o ministro do STF revela suas peripécias rumo à meta obsessiva de ocupar uma das 11 cadeiras da mais alta Corte. Fux procurou fidalgos da nossa pobre república, como Delfim Netto, um signatário do AI-5, Antonio Palocci, o ministro que violou o sigilo bancário de uma testemunha, e João Pedro Stédile, líder de um movimento social pendurado no cabide do poder, além de "empresários" que prezam tanto o acesso aos palácios quanto o conforto do anonimato. O juiz não diz, apenas, que fez política, como sempre fazem os candidatos ao Supremo. Confessa — é essa a palavra! — que procurou padrinhos entre os poderosos réus do caso mais importante que julgaria, caso sua empreitada fosse exitosa. José Dirceu e João Paulo Cunha apadrinharam a candidatura de Fux — o magistrado que, no ano seguinte, ajudaria a condená-los a penas de prisão em regime fechado.

Não é uma confissão espontânea, longe disso. "Querem me sacanear", disse Fux a uma repórter na cerimônia de posse de Joaquim Barbosa. Dias depois, procurou o jornal para conceder a entrevista. A iniciativa é uma reação à ofensiva da quadrilha incrustada no PT que, desde a proclamação de seus votos sobre o núcleo político do mensalão, começou a vazar uma mistura de informações e lendas sobre a heterodoxa campanha do juiz pela indicação presidencial. "O pau vai cantar!", avisou Fux à repórter, ajustando sua linguagem aos costumes do meio político no qual habitualmente circula.

No mundo de Fux, jornais devem ser instrumentos a serviço dos interesses de Fux. Ele sabe escolher. A imprensa independente serve-lhe, hoje, para apresentar sua versão das conversas perigosas que manteve com os réus. A imprensa chapa-branca serviu-lhe, anteontem, para cristalizar relações com os padrinhos, que já eram réus. O jornal "Brasil Econômico" pertence à Ejesa/Ongoing, que tem Evanise Santos, namorada de José Dirceu, como diretora de marketing institucional. Em 2010, o juiz em campanha combinou com Evanise uma entrevista "de cinco páginas" à publicação. Comenta-se no mercado de mídia que a entrada do grupo português Ongoing no Brasil teria sido intermediada por Dirceu e obedeceria à estratégia de montagem de uma rede de veículos de comunicação alinhados ao governo.

O enigma de Capitu pertence ao domínio da grande arte; o de Fux, ao da baixa política. Mas, assim como nunca saberemos se Capitu traiu Bentinho em "Dom Casmurro", não se esclarecerá jamais se o magistrado traiu os padrinhos quando proferiu suas sentenças no caso do mensalão. Naturalmente, Fux nega ter discutido o processo nas conversas de apadrinhamento, mas admite a hipótese do intercâmbio de frases de duplo sentido num encontro com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Sobre o fato incontroverso de que se reuniu com o réu José Dirceu para solicitar apoio, suas explicações oscilam, contraditoriamente, entre os excessos da implausibilidade ("naquele momento, eu não me lembrei" da situação jurídica do interlocutor) e os da candura ("a pessoa, até ser julgada, é inocente").

Durante o julgamento do mensalão, o Planalto e a cúpula petista fizeram chegar à imprensa os sinais de sua fúria com os votos de ministros que, na tóxica visão do governo, seriam devedores do favor da indicação. No caso de Joaquim Barbosa, insinuou-se que haveria favor associado à cor da pele, uma sugestão asquerosa que emana da natureza das políticas de preferências raciais consagradas pelo mesmo Barbosa. No caso de Fux, que o juiz-candidato assumira um compromisso informal de "matar no peito" o espectro da condenação do núcleo político da quadrilha. Agora, pela boca de Cândido Vacarezza, ex-líder do governo na Câmara, interlocutor do juiz e de João Paulo numa "reunião que me parecia fechada", a insinuação contra Fux roça a fronteira da acusação.

Combinam-se, na operação difamatória, o impulso cego da vingança e um cálculo político racional. A quadrilha e sua esfera de influência pretendem manchar a reputação do juiz, mas também contestar a legitimidade do Supremo na arena da opinião pública. Os condenados e seus porta-bandeiras estão seguros de que o vício é idêntico à virtude. Por isso, não se preocupam com os estilhaços lógicos desprendidos por seu bombardeio: segundo a versão que semeiam, o governo Dilma Rousseff trocou a indicação de Fux pela promessa de um voto favorável a réus do alto círculo do lulopetismo, algo que configuraria crime de responsabilidade.

No Antropologia, Immanuel Kant define a virtude como "a força moral da determinação de um ser humano no cumprimento de seu dever", e o vício como transgressão dos princípios da lei moral. A trajetória de Fux, das reuniões com os padrinhos que eram réus até as sessões de julgamento do mensalão, esclarece os dois conceitos kantianos. Na campanha promíscua de candidato ao Supremo, o juiz pode até não ter violado nenhuma lei, mas transgrediu a "lei moral" que manda separar os interesses privados do poder associado a uma posição pública ocupada ou almejada. Nos votos sobre o núcleo político da quadrilha, os melhores proferidos no STF, o magistrado não se limitou a aplicar a lei com competência e brilhantismo: ele revelou, junto com a maioria de seus pares, a "força moral" incomum de cumprir o dever fundamental dos juízes, que é o de submeter os poderosos à ordem jurídica geral.

A ofensiva difamatória da quadrilha é uma nova, repetitiva, descarga do lixo produzido por figuras deploráveis que, sem corar, exibem-se como arautos de sacrossantas causas políticas e sociais. A reação de Fux tem suas utilidades. Serve como vacina contra a crença ingênua nos discursos líricos do próprio Fux e como exposição involuntária do arcaísmo do Brasil oficial, que ainda não sabe o significado de "coisa pública".
Por: Demétrio Magnoli  O Globo