quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

QUEDA LIVRE

Enquanto a Rússia e a China continuam a reforçar seus respectivos arsenais militares, o Ocidente continua a diminuir o seu.

Nos aproximamos de um penhasco fiscal. Queremos dar dinheiro e prover salvação para todos. Mas no fim não vamos sequer salvar nós mesmos.

Conforme nos aproximamos do 'penhasco fiscal', também nos aproximamos de outro penhasco. Nos tempos mais recentes os Estados Unidos assumiram a responsabilidade de defender e libertar milhões de pessoas em terras distantes. Combatemos o terrorismo, o que é compreensível; mas também nos interessamos na libertação dos povos árabes dos governos tirânicos do Egito, Líbia e Síria. Enquanto isso, pagamos uma enorme soma monetária para adaptarmos o Iraque ao regime democrático — embora essa democracia esteja sempre a beira de entrar em colapso. Também tentamos formar uma democracia no Afeganistão. Derramamos bilhões de dólares nesses países. Nossa generosidade não tem fim.

Talvez você tenha notado esse nosso novo princípio: proclamar que todos merecem um lanche grátis, educação pública grátis, um emprego e plano de saúde. Pois bem, esse princípio tem um aspecto internacional; nomeadamente que todos no planeta merecem ser resgatados pelo exército americano e levados à democracia. Como nós pagamos isso, fica a cargo de qualquer um supor. É claro que não podemos deixar de pagar por isso, tampouco não podemos deixar de ir à falência por isso. Parece que temos de salvar o planeta, mesmo que isso signifique que nós mesmos iremos à falência junto com o planeta.

Vejamos o caso da Síria, onde a rebelião contra o regime de Bashar Assad tem se intensificado. Na manhã do dia 10 de dezembro, a DEBKAFile relatou que os rebeldes capturaram o maior depósito de armas químicas a leste de Aleppo. Na semana passada, o Secretário de Relações Exteriores da Grã-Bretanha, William Hague, disse ao Parlamento ter evidências de que o regime de Assad estava se preparando para usar armas químicas contra os rebeldes. Essa afirmação foi corroborada pelo Secretário de Defesa dos EUA Leon Panetta, que disse: "A inteligência que temos em mãos nos causa sérias preocupações [...] O Presidente dos Estados Unidos deixou bem claro que haverá consequências [...] se o regime de Assad cometer o terrível erro de usar essas armas químicas contra seu próprio povo."

Com a economia mundial à beira do abismo e o penhasco fiscal se aproximando, por que os Estados Unidos e seus aliados se preocupam com o uso de armas químicas no decorrer de uma guerra civil que nada tem haver com os Estados Unidos e não representa qualquer ameaça direta a qualquer um fora da Síria? O leitor deve perceber que a lógica do humanitarismo recente abraça o intervencionismo. Onde quer que intervenhamos, seja para salvar a indústria automotiva, os bancos ou a Grécia, estamos assumindo que sempre somos os responsáveis encarregados de salvar a tudo e a todos. Não é permitido que nada de ruim aconteça.

No último ano revelou-se no primeiro balanço do Federal Reserve que ele emprestou 16 trilhões dólares para salvar bancos e outras instituições. Grande demais para falir é só mais uma sujeira nas mandíbulas do destino. Isso certamente significa que não podemos permitir que Assad use armas químicas contra os rebeldes na Síria. Mas há uma estranha contradição nisso: O aviso do Presidente Obama ao regime de Assad contradiz a solução preferida por ele para o problema do "penhasco fiscal", pois o presidente quer comer seu próprio bolo e continuar a tê-lo. Ele quer cortar o orçamento de defesa e quer que as forças americanas impeçam um ditador de intoxicar seu próprio povo. Mas alguém pode me explicar quando Obama perceberá que ele não pode ter as duas coisas por muito tempo?

Se os Estados Unidos quer manter-se como polícia do mundo, primeiramente temos que colocar nossa casa fiscal em ordem sem partir para grandes cortes no orçamento militar. Mas colocar nossa casa em ordem implicaria uma atitude negativa em relação ao intervencionismo governamental e, consequentemente, isso se aplicaria também à política externa; Vemos então que nosso problema é intrínseco, assim como a solução. Parece que não podemos nos salvar, pois não podemos subverter nosso recente princípio que rege nossas ações.

De modo resumido, considere a seguinte situação: (1) ao tentar salvar todo mundo nós vamos à falência; (2) deste modo, não podemos sequer salvar a nós próprios; (3) e tudo está perdido. Assim, em uma tentativa utópica de fazer com que tudo acabe bem, tudo deverá acabar mal. Nesta coluna eu já escrevi sobre a lei sociológica da "intenção reversa" e dos "efeitos opostos". Todos lembramos da "guerra para acabar com todas as guerras" (que não acabou), guerra à pobreza, guerra às drogas, etc. Para toda ação governamental há uma reação diametralmente oposta. Sem duvida aprenderemos que a luta do governo contra o aquecimento global coincide com o início da próxima Era do Gelo; também saberemos em breve que os resgates financeiros de 2008 significarão a falência de todos em 2013. Então por que não deveríamos bombardear a Síria e derrubar Assad hoje, mesmo que seja apenas para garantir o surgimento de um regime muito mais perigoso amanhã? Isso é o que o governo faz no final das contas.

Você pode perguntar novamente sobre as armas químicas de Assad. Deus nos livre de alguém usar aquelas armas contra os civis; mas armas químicas não foram feitas para ser usada contra os civis. Levada pela artilharia ou por mísseis, as ogivas químicas são mais eficazes quando usadas em soldados em um campo aberto do que contra civis em uma cidade. Como logo fica evidente, os civis poderiam se esconder em abrigos e porões onde o agente químico não conseguiria, na maioria dos casos, penetrar eficientemente. É evidente que as armas químicas foram feitas para uso no campo de batalha e não para cidades.

Ainda assim, falar em guerra química é levantar um tópico que evoca fortes reações que deixam os políticos ocidentais alarmados ao ponto deles trazerem a tona suas preocupações humanitárias. Ironicamente são essas preocupações humanitárias que levaram os EUA e/ou a OTAN a ameaçar atacar a Síria, o que por outro lado provoca a reação da Rússia, que é aliada da Síria. Assim perguntamos: até onde os Estados Unidos pretende ir? A maior razão pela qual não demos início à Terceira Guerra Mundial contra a Rússia durante a Guerra Fria foi pela simples razão de que destruir o mundo não era um modo bom de salvá-lo. E agora que a América tem mísseis inferiores aos dos russos nós estamos subitamente prontos a levar a cabo um confronto com a Rússia no leste do Mediterrâneo?

Enquanto a Rússia e a China continuam a reforçar seus respectivos arsenais militares, o Ocidente continua a diminuir o seu. Não é somente os Estados Unidos que estão cortando os custos militares. Conforme noticiou a NBC News no último mês de outubro, "Cortes orçamentários na defesa dos países do ocidente podem ser irrefreáveis". Mas está tudo bem, certo? Como nos disseram, os gastos militares dos EUA faz com que "o resto do mundo seja um anão". Essas cifras são certamente distorcidas, pois a China não conta todas suas armas ou dá o número certo de soldados que tem, tampouco a Rússia. Deste modo nós parecemos tão devassos quando se trata em gastos militares, que o Pentágono acaba por ser o maior provedor do bem-estar. Nossos soldados e marinheiros são bem melhor remunerados que os soldados e marinheiros dos outros países; considerando apenas seus pacotes de benefícios!

É uma situação difícil para se estar. Nos aproximamos de um penhasco fiscal. Queremos dar dinheiro e prover salvação para todos. Mas no fim não vamos sequer salvar nós mesmos. Parece não haver qualquer passagem ou abertura pela qual podemos escapar das consequências da nossa decadência. Como Gustave Le Bon explicou há mais de 100 anos que "(Uma pessoa de inteligência superior sabe) que aquelas nações que estão à beira do abismo continuarão em frente até cair. Essa pessoa sabe que as instituições não podem ser modificadas pela vontade dos legisladores; e vendo que os socialistas desejam avidamente derrubar as instituições as quais nossas civilizações se apoiam, ele pode prontamente predizer a catástrofe que se seguirá após tais eventos”.

Por:  JEFFREY NYQUIST  Publicado no Financial Sense.

Tradução: Leonildo Trombela Júnior

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