domingo, 30 de dezembro de 2012

O PREÇO DO COLABORACIONISMO

Se a população tivesse sido alertada disso em tempo, a “era Lula”, com todo o seu cortejo de crimes e abjeções, teria permanecido no céu das hipóteses, sem jamais descer e realizar-se no planeta Terra.

Não há nada que um comunista odeie mais do que o companheiro-de-viagem frouxo, ou escrupuloso, que não o acompanha em todos os seus desvarios, não endossa todas as suas mentiras, não acoberta ou aplaude todos os seus crimes.

Uma vez que você lhe deu alguma compreensão e ajuda, ele jamais o perdoará se você não continuar a fazê-lo pelos séculos dos séculos, até o amargo fim, sacrificando no caminho a honra, a consciência e até a capacidade elementar de perceber o momento em que a tolerância a um erro se transmuta em cumplicidade com um crime.

Se existe um direito que todo comunista nega sistematicamente aos seus amigos e benfeitores, é o de dizer: “É demais. Cheguei ao meu limite. Não posso lhe dar mais nada.”

Para um comunista, a amizade que não consente em transformar-se em escravidão não é amizade: é traição.

É por isso que a Carta Capital, o Portal Vermelho, a Hora do Povo e todos os outros canais por onde escoa a massa fecal comunista impressa e eletrônica despejam agora todo o seu ódio sobre a “mídia burguesa” ou “mídia golpista”, aquela mesma que, com seu silêncio obsequioso e cúmplice, reforçado de tempos em tempos por negações explícitas, ajudou o Foro de São Paulo a crescer em paz e segurança, escondidinho, longe dos olhos da multidão curiosa, até tornar-se o dominador quase monopolístico não só da política brasileira, mas de meio continente.

Essa mídia finge surpresa e escândalo, agora, quando o depoimento de Marcos Valério e o caso Rosemary terminam de revelar as dimensões oceânicas da sujeira petista e rompem até a blindagem laboriosamente construída e mantida, ao longo de pelo menos dezesseis anos, em torno da figura do sr. Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas quem quer que lesse as atas do Foro, onde o impoluto cavalheiro aparecia presidindo assembléias ao lado do sr. Manuel Marulanda, comandante da maior organização terrorista e narcotraficante da América Latina, compreenderia de imediato não estar diante de nenhum santo proletário, mas sim de um leninista cínico, disposto usar de todos os meios lícitos e ilícitos, morais e imorais, para aumentar o poder do seu grupo.

Se a população tivesse sido alertada disso em tempo, a “era Lula”, com todo o seu cortejo de crimes e abjeções, teria permanecido no céu das hipóteses, sem jamais descer e realizar-se no planeta Terra. Não só a grande mídia, mas os partidos “de direita”, as lideranças empresariais, as igrejas, os comandos militares e até os propugnadores ostensivos da causa “liberal”, todos unidos, sonegaram ao povo essa informação vital que teria posto o país num rumo menos deprimente e menos vergonhoso.

Mas não foi só o Foro, nem os podres de São Lula, que essa gente escondeu. Durante pelo menos menos duas décadas, a versão esquerdista da história do regime militar foi endossada e repetida fielmente em todos os jornais, canais de TV, escolas e discursos parlamentares, até incorporar-se no imaginário popular como uma espécie de dogma sacrossanto, a encarnação mesma da verdade objetiva, acima de partidos e ideologias.

Nenhum “repórter investigativo”, daqueles que vasculhavam até os últimos desvãos obscuros da vida particular do sr. Collor de Mello, teve jamais a curiosidade de perguntar o que fizeram em Cuba, ao longo de trinta anos ou mais, os terroristas brasileiros que ali se asilaram. Quantos, por exemplo, à imagem e semelhança do sr. José Dirceu, se integraram na polícia política e nos serviços de espionagem da ditadura fidelista, acumpliciando-se a atos de perseguição, tortura e assassinato político incomparavelmente maiores e mais cruéis do que aqueles pelos quais viriam depois a choramingar e exigir indenizações no Brasil?

Omitindo essa e outras partes decisivas da história, nossa mídia e nossas “classes dominantes” permitiram que uma visão monstruosamente deformada do passado se incorporasse à linguagem usual da nossa política, deixando que criminosos amorais e frios ostentassem diante do povo a imagem de vítimas sacrificiais inocentes e obtivessem disso lucros publicitários e eleitorais incalculáveis.

Qual o nome dessas atitudes, senão “colaboracionismo”? Todos aqueles que tinham o poder e os meios de barrar a ascensão comunopetista fizeram exatamente o contrário: estenderam o tapete vermelho e, curvando-se gentilmente dos dois lados da pista, deram passagem a quantos Lulas e Dirceus houvesse, aplaudindo, como prova de grande evolução democrática, a tomada do país por um bando de delinqüentes psicopatas, insensíveis e coriáceos, tão hábeis na simulação de boas intenções quanto incapazes do menor sentimento de vergonha e culpa, mesmo quando pegos de calças na mão.

Mas, é claro, um belo dia até o estômago de avestruz do colaboracionista mais impérvio chega ao limite da sua capacidade digestiva. Com toda a boa-vontade do mundo, sorrindo, entre lisonjas e rapapés, o sujeito engoliu sapos e mais sapos, depois cobras e lagartos e por fim jacarés. Mas então pedem-lhe que engula um dinossauro, e ele por fim desaba: “Não, não agüento. Isso é demais.”

Foi o que aconteceu com a nossa mídia (e a classe que ela representa) quando vieram as provas do Mensalão.

A reação brutal do bloco lulocomunista expressa a indignação da criança mimada ante a repentina supressão dos afagos usuais, que o tempo havia consagrado como direitos adquiridos. 

Por: POR OLAVO DE CARVALHO Publicado no Diário do Comércio.

sábado, 29 de dezembro de 2012

POR QUE OS INTELECTUAIS ODEIAM O CAPITALISMO?

N. do T.: o artigo a seguir foi adaptado de um discurso improvisado feito pelo autor, daí o seu tom mais coloquial.


Por que os intelectuais sistematicamente odeiam o capitalismo? Foi essa pergunta que Bertrand de Jouvenel (1903-1987) fez a si próprio em seu artigo Os intelectuais europeus e o capitalismo.

Esta postura, na realidade, sempre foi uma constante ao longo da história. Desde a Grécia antiga, os intelectuais mais distintos — começando por Sócrates, passando por Platão e incluindo o próprio Aristóteles — viam com receio e desconfiança tudo o que envolvia atividades mercantis, empresariais, artesanais ou comerciais.

E, atualmente, não tenham nenhuma dúvida: desde atores e atrizes de cinema e televisão extremamente bem remunerados até intelectuais e escritores de renome mundial, que colocam seu labor criativo em obras literárias — todos são completamente contrários à economia de mercado e ao capitalismo. Eles são contra o processo espontâneo e de interações voluntárias que ocorre de mercado. Eles querem controlar o resultado destas interações. Eles são socialistas. Eles são de esquerda. Por que é assim?

Vocês, futuros empreendedores, têm de entender isso e já irem se acostumando. Amanhã, quando estiverem no mercado, gerenciando suas próprias empresas, vocês sentirão uma incompreensão diária e contínua, um genuíno desprezo dirigido a vocês por toda a chamada intelligentsia, a elite intelectual, aquele grupo de intelectuais que formam uma vanguarda. Todos estarão contra vocês.

"Por que razão eles agem assim?", perguntou-se Bertrand de Jouvenel, que em seguida pôs-se a escrever um artigo explicando as razões pelas quais os intelectuais — no geral e salvo poucas e honrosas exceções — são sempre contrários ao processo de cooperação social que ocorre no mercado.

Eis as três razões básicas fornecidas por de Jouvenel.

Primeira, o desconhecimento. Mais especificamente, o desconhecimento teórico de como funcionam os processos de mercado. Como bem explicou Hayek, a ordem social empreendedorial é a mais complexa que existe no universo. Qualquer pessoa que queira entender minimamente como funciona o processo de mercado deve se dedicar a várias horas de leituras diárias, e mesmo assim, do ponto de vista analítico, conseguirá entender apenas uma ínfima parte das leis que realmente governam os processos de interação espontânea que ocorrem no mercado. Este trabalho deliberado de análise para se compreender como funciona o processo espontâneo de mercado — o qual só a teoria econômica pode proporcionar — desgraçadamente está completamente ausente da rotina da maior parte dos intelectuais.

Intelectuais normalmente são egocêntricos e tendem a se dar muito importância; eles genuinamente creem que são estudiosos profundos dos assuntos sociais. Porém, a maioria é profundamente ignorante em relação a tudo o que diz respeito à ciência econômica.

A segunda razão, a soberba. Mais especificamente, a soberba do falso racionalista. O intelectual genuinamente acredita que é mais culto e que sabe muito mais do que o resto de seus concidadãos, seja porque fez vários cursos universitários ou porque se vê como uma pessoa refinada que leu muitos livros ou porque participa de muitas conferências ou porque já recebeu alguns prêmios. Em suma, ele se crê uma pessoa mais inteligente e muito mais preparada do que o restante da humanidade. Por agirem assim, tendem a cair no pecado fatal da arrogância ou da soberba com muita facilidade.

Chegam, inclusive, ao ponto de pensar que sabem mais do que nós mesmos sobre o que devemos fazer e como devemos agir. Creem genuinamente que estão legitimados a decidir o que temos de fazer. Riem dos cidadãos de ideias mais simplórias e mais práticas. É uma ofensa à sua fina sensibilidade assistir à televisão. Abominam anúncios comerciais. De alguma forma se escandalizam com a falta de cultura (na concepção deles) de toda a população. E, de seus pedestais, se colocam a pontificar e a criticar tudo o que fazemos porque se creem moral e intelectualmente acima de tudo e todos. 

E, no entanto, como dito, eles sabem muito pouco sobre o mundo real. E isso é um perigo. Por trás de cada intelectual há um ditador em potencial. Qualquer descuido da sociedade e tais pessoas cairão na tentação de se arrogarem a si próprias plenos poderes políticos para impor a toda a população seus peculiares pontos de vista, os quais eles, os intelectuais, consideram ser os melhores, os mais refinados e os mais cultos.

É justamente por causa desta ignorância, desta arrogância fatal de pensar que sabem mais do que nós todos, que são mais cultos e refinados, que não devemos estranhar o fato de que, por trás de cada grande ditador da história, por trás de cada Hitler e Stalin, sempre houve um corte de intelectuais aduladores que se apressaram e se esforçaram para lhes conferir base e legitimidade do ponto de vista ideológico, cultural e filosófico.

E a terceira e extremamente importante razão, o ressentimento e a inveja. O intelectual é geralmente uma pessoa profundamente ressentida. O intelectual se encontra em uma situação de mercado muito incômoda: na maior parte das circunstâncias, ele percebe que o valor de mercado que ele gera ao processo produtivo da economia é bastante pequeno. Apenas pense nisso: você estudou durante vários anos, passou vários maus bocados, teve de fazer o grande sacrifício de emigrar para Paris, passou boa parte da sua vida pintando quadros aos quais poucas pessoas dão valor e ainda menos pessoas se dispõem a comprá-los. Você se torna um ressentido. Há algo de muito podre na sociedade capitalista quando as pessoas não valorizam como deve os seus esforços, os seus belos quadros, os seus profundos poemas, os seus refinados artigos e seus geniais romances. 

Mesmo aqueles intelectuais que conseguem obter sucesso e prestígio no mercado capitalista nunca estão satisfeitos com o que lhes pagam. O raciocínio é sempre o mesmo: "Levando em conta tudo o que faço como intelectual, sobretudo levando em conta toda a miséria moral que me rodeia, meu trabalho e meu esforço não são devidamente reconhecidos e remunerados. Não posso aceitar, como intelectual de prestígio que sou, que um ignorante, um parvo, um inculto empresário ganhe 10 ou 100 vezes mais do que eu simplesmente por estar vendendo qualquer coisa absurda, como carne bovina, sapatos ou barbeadores em um mercado voltado para satisfazer os desejos artificiais das massas incultas."

"Essa é uma sociedade injusta", prossegue o intelectual. "A nós intelectuais não é pago o que valemos, ao passo que qualquer ignóbil que se dedica a produzir algo demandado pelas massas incultas ganha 100 ou 200 vezes mais do que eu". Ressentimento e inveja.

Segundo Bertrand de Jouvenel,

O mundo dos negócios é, para o intelectual, um mundo de valores falsos, de motivações vis, de recompensas injustas e mal direcionadas . . . para ele, o prejuízo é resultado natural da dedicação a algo superior, algo que deve ser feito, ao passo que o lucro representa apenas uma submissão às opiniões das massas.

Enquanto o homem de negócios tem de dizer que "O cliente sempre tem razão", nenhum intelectual aceita este modo de pensar.

E prossegue de Jouvenel:

Dentre todos os bens que são vendidos em busca do lucro, quantos podemos definir resolutamente como sendo prejudiciais? Por acaso não são muito mais numerosas as ideias prejudiciais que nós, intelectuais, defendemos e avançamos?

Conclusão

Somos humanos, meus caros. Se ao ressentimento e à inveja acrescentamos a soberba e a ignorância, não há por que estranhar que a corte de homens e mulheres do cinema, da televisão, da literatura e das universidades — considerando as possíveis exceções — sempre atue de maneira cega, obtusa e tendenciosa em relação ao processo empreendedorial de mercado, que seja profundamente anticapitalista e sempre se apresente como porta-voz do socialismo, do controle do modo de vida da população e da redistribuição de renda.


Jesús Huerta de Soto , professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor da monumental obra Money, Bank Credit, and Economic Cycles.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

COMO O ESTADO IRÁ DEFINHAR ATÉ SE TORNAR IRRELEVANTE

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A Google comprou o YouTube em 2006, quando a histeria sobre violações de direitos autorais estava em seu auge. Os novos proprietários do YouTube imediatamente se ocuparam em tentar criar uma plataforma condizente com os padrões legais para evitar bilhões de dólares em processos pendentes. Os usuários do YouTube estavam postando uma enorme quantidade de material protegido por direitos autorais, e a Google seria responsabilizada judicialmente por isso. 

Durante os três anos seguintes, as retiradas de materiais postados ocorreram furiosamente. Usuários estavam tendo seus materiais deletados. Filmes caseiros que utilizavam músicas de fundo protegidas por direitos autorais tiveram seu som apagado. Vídeos que faziam homenagens a artistas populares utilizando suas músicas sumiram. Até mesmo vídeos que mostravam pessoas dançando em seus carros enquanto ouviam alguma música foram abolidos.

Isso não era divertido para ninguém. Os artistas não gostaram dessas medidas. Eles são os mais beneficiados quando um fã faz um vídeo em sua homenagem e ficam contentes (e lisonjeados) em ver sua música sendo difundida. Os proprietários dos direitos autorais também não ganharam nada com essa censura. Eles não obtinham nenhuma receita com a retirada dos materiais.

Já a Google não gostou nada de ter de fazer isso por causa de todos os gastos que teve de incorrer para criar programas que vasculhassem continuamente o site. Era também constrangedor quando esses seus programas deletavam um vídeo caseiro de uma festa infantil só porque as crianças estavam cantando "Parabéns pra Você". Para os consumidores e usuários, ter seu vídeo removido é um insulto imperdoável.

Ou seja, ninguém realmente se beneficiava desse sistema. E a situação estava se tornando cada vez mais difícil de ser controlada, uma vez que os uploads de vídeos cresciam exponencialmente (48 horas de vídeos novos surgem a cada minuto). Mas ainda assim a censura perdurou. A presunção de que músicas protegidas por direitos autorais não podiam ser postadas no YouTube estava enraizada no sistema.

Ninguém realmente gostava da maneira como o sistema funcionava. Mas era difícil imaginar outra forma. Afinal, aquele era o sistema que a lei havia construído. E certamente a lei deve prevalecer independentemente de quão absurdo seja o resultado. Era como as cenas de As Bruxas de Salem, de Arthur Miller: ninguém em Salem realmente acreditava na prática de matar bruxas, mas as pessoas prosseguiam com a carnificina porque era assim que o sistema funcionava.

Era evidente que a lei havia criado uma situação insustentável. Ela criou um sistema custoso demais para todos. Não podia continuar assim. Mas o que iria mudá-lo? E como? Foi exatamente aí que as forças da economia de mercado vieram ao resgate.

A Google criou um novo sistema que exibe anúncios comerciais na parte inferior de cada vídeo. E permitiu também a veiculação de propagandas antes do início dos vídeos. Várias dessas propagandas são incrivelmente interessantes, diga-se de passagem, e nada aborrecidas para os usuários, como poderiam ser — mesmo porque há a opção de pulá-las após 5 segundos de exibição. (Toda a instituição dos anúncios comerciais no YouTube merece um artigo à parte).

Adicionalmente, a Google costurou um acordo entre os usuários do YouTube e os proprietários de direitos autorais. Se um determinado vídeo infringisse direitos autorais, o proprietário destes direitos seria notificado e teria então duas opções: ordenar a retirada do vídeo ou permitir um anúncio comercial neste vídeo, o qual lhe garantiria receitas. Praticamente todos optaram pela solução comercial, e simplesmente porque é mais vantajoso para o proprietário ganhar dinheiro do que perseguir o criador do vídeo utilizando o sistema judicial.

Os proprietários dos direitos autorais aprenderam nesse processo algo que já era óbvio para muitos de nós havia muito tempo, mas que, por motivos estranhos, ainda não havia sido captado pelos fiscais da lei. Eles aprenderam que aquilo que parece ser uma violação da lei e uma transgressão dos direitos de propriedade pode ser retrabalhado e transformado em uma forma pacífica e mutuamente benéfica de publicidade. O maior inimigo de qualquer empreendimento comercial é a obscuridade; e não há maior aliado do que pessoas atentas que podem eventualmente vir a se tornar clientes.

Hoje, o YouTube hospeda uma vasta quantidade de materiais que, dois anos atrás, eram considerados piratas e ilegais. Está tudo lá, atendendo às demandas de milhões de usuários que não pagam um centavo para utilizar este serviço. Ele está fazendo aquilo que o Napster fazia na virada do século, antes de ser destruído pelo governo. A diferença é que o acesso gratuito é financiado por meio de formas pacíficas de publicidade. Aquilo que a lei estatal havia transformado em uma guerra de todos contra todos, o mercado converteu em um sistema de paz e abundância para todo mundo.

Trata-se de uma solução absolutamente brilhante, além de ser um fantástico exemplo de como o mercado é capaz de fornecer soluções pacíficas para problemas que, caso contrário, o estado iria abordar com coerção e brutalidade. A solução do mercado para este caso foi do tipo "breaking bad"[1], no sentido de que foi uma rejeição explícita a tudo que o estado estava tentando impor. E como os custos impostos pela agressiva abordagem estatal estavam crescendo enormemente, o mercado encontrou outra saída. Guerra custa caro.

Já a prosperidade requer paz. O estado queria guerra, mas o mercado disse 'não'. É claro que seria muito melhor se as regulamentações e as proteções aos monopólios intelectuais fossem revogadas e o próprio mercado fosse incumbido da tarefa de criar modelos comerciais de distribuição em um ambiente livre de intervenções. Porém, em vez de apenas ficar inerte esperando por mudanças na lei, o setor privado encontrou uma forma de contornar a lei.

E esta solução está mudando completamente a maneira como se faz distribuição musical. Quando o cantor/rapper sul-coreano PSY surgiu com sua música "Gangnam Style", ainda em julho deste ano, seu vídeo se tornou um viral muito além das expectativas de qualquer ser humano. Ele está fadado a ser o primeiro vídeo do YouTube a receber 1 bilhão de visualizações, e tudo isso em um extremamente curto período de tempo.



PSY (Park Jae-Sang) é um artista que padecia no anonimato havia uma década. Ele sabia o valor da exposição. Quando sua música começou a ser pirateada, quando restaurantes com o nome de Gangnam Style começaram a surgir, quando camisetas e produtos com sua marca começaram a pipocar por todos os lados, ele veementemente se recusou a impingir sua propriedade intelectual. Ele muito sabiamente percebeu que qualquer tipo de compartilhamento de sua imagem poderia ser positivo para ele. E, sem nenhuma surpresa, estima-se que ele irá faturar US$8,1 milhões este ano apenas com downloads de sua música no iTunes, ingressos para suas apresentações e publicidade. Graças à sua recusa em participar do sistema estatal de proteção ao monopólio intelectual, ele se tornou um dos músicos mais famosos do mundo, e rapidamente será um dos mais ricos também.

Vale a pena pararmos para refletir um pouco sobre as lições deste exemplo. Em nossa época, o aparato de regulação estatal — não apenas para a propriedade intelectual, mas também, e principalmente, para todas as áreas da economia — criou uma situação intolerável e insustentável para todos os cidadãos. Até mesmo aqueles que imaginavam que iriam se beneficiar das regulamentações protecionistas não estão colhendo as promessas — pelo menos não no grau em que imaginaram. E é assim porque a marcha da história não pode ser interrompida nem mesmo pelas maiores e mais violentas tentativas de coerção estatal. O mercado sempre irá prevalecer — o que é apenas outra forma de dizer que a ação humana irá preponderar sobre a coerciva maquinaria do estado — no longo prazo.

Estamos testemunhando isso em todas as áreas da vida. As leis estatais antidrogas estão sob séria pressão de pessoas revoltadas com as horrendas ondas de encarceramento por causa de ações que a maioria das pessoas não considera serem crimes sérios (como fumar maconha). A educação pública, por mais poderosos que sejam os sindicatos de seus funcionários, está desacreditada, e sua decadência está levando os pais a optarem pelo ensino doméstico autônomo, pela educação via internet ou por alternativas criativas oferecidas pelo mercado (como a Khan Academy). Em poucos anos, a educação pública — e sua usina de doutrinação marxista — deixará de ter qualquer importância.

Até mesmo o até então poderoso e intocável setor bancário está passando por turbulências, não obstante todas as tentativas dos bancos centrais e dos governos de monopolizarem o sistema. A nova moeda Bitcoin está crescendo e prosperando, não obstante todas as tentativas de dizer que o arranjo é uma farsa e uma fraude. Novos sistemas de pagamento estão surgindo diariamente na forma de cartões-presentes [também chamado deGift Card, é um cartão pré-pago que tem como objetivo ser usado para presentear pessoas para quem você não sabe qual presente específico dar] e de cartões que podem ser instantaneamente carregados com dinheiro. Aplicações digitais estão permitindo novas formas de empréstimos que contornam completamente o sistema oficial chancelado pelo estado.

Pessoal, se vocês quiserem entender como o estado entrará em colapso no futuro, é para essa direção que vocês têm de olhar. O colapso do estado não ocorrerá pela via política. Não ocorrerá por meio de reformas implementadas de cima para baixo. Ocorrerá, isso sim, por meio do sistema empreendedorial de tentativa e erro, pois o mercado não ficará inerte. Tendo de lidar com os pavorosos custos impostos pelo anacrônico sistema estatal, o mercado continuará encontrando maneiras criativas e surpreendentes de burlar o aparato coercivo, inventando com eficácia novas esferas de liberdade que permitirão que o progresso ocorra.

Todo e qualquer ato de empreendedorismo é, por definição, revolucionário. Há um espírito anarquista em sua raiz. Um ato empreendedorial é um ataque ao cerne do status quo. Empreender significa estar insatisfeito com a atual situação. Empreender significa imaginar algo novo e melhor. Empreender é um ato que produz mudanças graduais, inesperadas e não consentidas, pois acrescenta uma nova dimensão de experiência a como nos vemos, a como nos entendemos e a como interagimos com os outros.

Sem empreendedorismo, a história não registraria nenhum momento de progresso, a nossa compreensão do quão singular e especial é essa nossa época neste mundo seria para sempre indefinida, e toda a sociedade iria atrofiar até finalmente morrer. Com o empreendedorismo, toda e qualquer tentativa de controlar e paralisar o mundo encontra resistência e, no longo prazo, sempre fracassa.

A história nos ensina que aqueles que ousam tentar bloquear o progresso humano sempre acabam sendo atropelados. Sim, haverá muito atrito e vários poderosos serão vitimados à medida que tentamos nos mover do atraso para o progresso. Mas chegaremos lá, um ato de desobediência criativa de cada vez.



Jeffrey Tucker é o presidente da  Laissez-Faire Books e consultor editorial do mises.org.  É também autor dos livros It's a Jetsons World: Private Miracles and Public Crimes e Bourbon for Breakfast: Living Outside the Statist Quo

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

AS LAMENTAÇÕES DO DINOSSAURO

Terminei a leitura do último livro de Mario Vargas Llosa ("A Civilização do Espetáculo", editora Quetzal, 219 págs.) exatamente como gosto de terminar um livro: com notas extensas de concórdias e discórdias, escritas pelo meu punho, ao longo de todo o livro.


Mas, primeiro, as apresentações: Vargas Llosa apresenta-se como "um dinossauro em tempos difíceis". O que significa este jurássico autorretrato?

Significa uma confissão: Vargas Llosa olha em volta e vê frivolidade, aparência --numa palavra, "espetáculo". E vê o desaparecimento da cultura como experiência ética e estética que nos permite compreender os problemas do mundo.

Hoje, esta "civilização do espetáculo", que se desdobra em livros "light", filmes "light", arte "light", religiões "light" e até relacionamentos pessoais "light", serve apenas para fugirmos dos problemas do mundo. Numa palavra, serve para nos "alienarmos".

O termo não é inocente, e Vargas Llosa sabe disso: como diria Marx e os seus discípulos, sobretudo o "situacionista" Guy Debord, existe na civilização de hoje, como existia na civilização dos séculos 19 e 20, uma vontade desesperada de remeter o pensamento e a cultura para as margens da sociedade capitalista. E aqui reside a minha pergunta primeira: não terá sido sempre assim?

Platão, na sua "República", não era particularmente entusiasta dos poetas da sua época. Shakespeare, tido agora como parte fundamental do "cânone ocidental", era considerado um dramaturgo "popular" pela "intelligentsia" da Inglaterra isabelina.

Não estaremos nós também a ver superficialidade em toda a parte e a cometer o mesmo erro dos nossos antepassados, que sempre se consideraram testemunhas de um mundo em decadência?

Woody Allen, de quem Vargas Llosa manifestamente não gosta, glosou sobre o assunto em "Meia-Noite em Paris": há nos contemporâneos de todas as eras um descontentamento com o presente que os leva a romantizar eras passadas.

Assim acontecia com o personagem do filme, o roteirista Gil (um notável Owen Wilson), que suspirava no século 21 pela Paris da década de 20. Até viajar a esse passado de "festa móvel", como lhe chamou Hemingway, e descobrir que os contemporâneos da década de 20 suspiravam pela Belle Époque; e os contemporâneos da Belle Época, pelo Renascimento italiano; e etc. etc., sempre em regressão nostálgica.

Não quero com isso dizer --Deus me livre e guarde!-- que um dia olharemos para as brincadeiras conceituais de um Damien Hirst da mesma forma que olhamos para um Cézanne ou para um Matisse. Nessa matéria, o vaso sanitário de Marcel Duchamp já encerrou há muito o capítulo dos "happenings" circenses.

Mas será preciso reproduzir aqui o que os críticos coevos de Cézanne e Matisse escreveram à época sobre os quadros desses dois reputados mestres?

Ponto de ordem. Concordo com Vargas Llosa sobre a "civilização do espetáculo" que se espalhou em volta. Concordo que a sensibilidade cultural do nosso tempo torna mais difícil o aparecimento de um James Joyce porque escasseia o público exigente e paciente para o ler. Concordo que o "eclipse" do intelectual se deve ao papel abjeto que ele teve, sobretudo no século 20, ao emprestar o seu nome e prestígio a regimes totalitários.

E concordo, de alma e coração, que o relativismo larvar que contaminou a "crítica" e as "humanidades" faz com que hoje uma ópera de Verdi ou um concerto dos Rolling Stones sejam colocados no mesmo patamar valorativo.

Mas introduzo aqui uma ligeira variação ao argumento central de Vargas Llosa: vivemos hoje uma "civilização do espetáculo" porque o nosso tempo globalizado criou os mecanismos de difusão que nos permitem assistir a esse excesso de espetáculo.

Assistimos a tudo: ao lixo cultural, mas também a raras preciosidades. Assistimos aos tubarões em formol de Damien Hirst, mas também aos retratos de Lucien Freud. Assistimos à mediocridade pirotécnica de Hollywood, mas também ao cinema de Michael Haneke. Lemos Dan Brown, mas também os romances do próprio Vargas Llosa.

Perante esta selva estética e ética, o caminho não está em jogar a toalha e decretar o fim de uma "civilização". Está, pelo contrário, em ser "um dinossauro com calças e gravata", disposto a resgatar do caos o que merece ser celebrado como nunca. Por: João Pereira Coutinho, Folha de SP

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A VIRTUDE DAS "INEFICIÊNCIAS DE MERCADO"


O mercado é frequentemente, e muito corretamente, caracterizado como sendo um extraordinário 'solucionador de problemas'. Quando há regras claras e bem determinadas (como respeito à propriedade privada, liberdade de comércio e império da lei), indivíduos em busca de seus próprios interesses econômicos conseguem coordenar seus planos com os planos econômicos de outros indivíduos de maneira relativamente bem-sucedida, gerando uma ordem geral harmoniosa e dinâmica, na qual todos se beneficiam. E o principal: isso tudo ocorre sem que cada indivíduo esteja ciente — ou sem que seja necessário ele estar ciente — de como tudo acontece. É por isso que os economistas costumam dizer que os mercados são muito mais "sábios" do que uma única pessoa.

Porém, sou da opinião de que os mercados são mais importantes pelos problemas que eles "criam" do que pelos problemas que eles solucionam.

Em 1920, Ludwig von Mises explicou que um determinado indivíduo na sociedade só é capaz de planejar racionalmente — isto é, encontrar e utilizar os meios mais eficientes e menos custosos para se alcançar um determinado fim — se houver um sistema de preços de mercado que possam guiá-lo. Seria melhor, do ponto de vista deste indivíduo, construir uma ponte utilizando molibdênio ou utilizando aço? Ou talvez uma combinação de ambos? Ou será que ele deveria mesmo construir uma ponte em vez de investir em um serviço de balsas? Se estas questões já são difíceis o bastante em um mundo em que há preços de mercado, elas seriam impossíveis de ser respondidas caso não houvesse preços para o aço, o molibdênio e todos os tipos de insumos utilizados na construção de um determinado tipo de ponte (ou um determinado tipo de serviço de balsa).

É desta maneira que o sistema de preços — preços que surgem da livre transação de propriedade privada em um livre mercado — ajuda este indivíduo a solucionar não apenas o problema de como construir uma ponte, mas também, e principalmente, a questão sobre se tal ponte deve ou não ser construída. Com a ajuda dos preços de mercado, este indivíduo torna-se capaz, ao menos em princípio, de estimar quais os custos das várias alternativas a esta ponte. E aquela opção que gerar o maior lucro — aquela cujos benefícios esperados excedem os custos esperados pela maior margem — tenderá a ser também a mais eficiente (isto é, este indivíduo estará obtendo o mais alto retorno para seu investimento).

Aproximadamente 20 anos após o artigo de Mises, Friedrich Hayek explicou como estes preços criados pelo mercado permitem que um indivíduo imperfeitamente informado consiga coordenar seus planos em conjunto com um vasto de número de pessoas espalhadas pela economia global sem necessariamente saber como isso está ocorrendo. Se o preço da gasolina sobe, ninguém tem de dizer a este indivíduo para usar menos o seu carro, embora seja exatamente isso o que o aumento da escassez relativa da gasolina (fenômeno esse responsável pelo aumento do preço) esteja impondo.

Tomadas conjuntamente, as análises de Mises e Hayek sobre a economia de mercado aperfeiçoam enormemente a nossa ideia sobre o que Adam Smith, ainda no século XVIII, quis dizer ao se referir à "mão invisível". Considerando que o processo de coordenação, possibiltado pelos preços de mercado, é repetido continuamente para todos os bens e serviços produzidos em uma economia, fica fácil entender por que vários economistas se mostram impressionados com a capacidade do mercado de "espontaneamente" solucionar problemas.

Este processo de coordenação também joga uma luz sobre como as políticas governamentais — coletivistas ou apenas intervencionistas — que eliminam ou distorcem os preços do mercado tendem a tornar o mundo bem mais irregular, incerto e volúvel.

Por mais maravilhosa que a economia de mercado seja em solucionar problemas, de certa forma a verdadeira engenhosidade do processo de mercado está em como ele consegue chamar a atenção das pessoas para os problemas existentes. Para conseguir resolver um problema, você tem antes de estar ciente de que existe um problema. Esta, creio eu, foi a grande constatação que Israel Kirzner, ainda no início da década de 1970, ofereceu para o nosso entendimento do processo de mercado — mais especificamente, que o mercado é um processo de descoberta empreendedorial de erros.

Uma implicação desta constatação é que políticas governamentais que interfiram nos preços do mercado e solapem sua confiabilidade (a qual não pode ser perfeita) inevitavelmente farão com que a descoberta das ineficiências seja profundamente mais difícil e problemática. O solapamento dos preços de mercado é uma medida que obscurece o próprio significado da ineficiência.

A rigor, uma ineficiência existe quando, para uma dada pessoa em um dado tempo e em um dado local, o custo de uma ação supera seus benefícios. Vimos acima que, para calcular racionalmente custos e benefícios, você necessita da existência de preços para insumos e produtos — no exemplo, para aços e pontes. Logo, quando o governo ataca os direitos de propriedade, quando ele interfere no mercado, quando ele manipula a oferta monetária e distorce os preços, ele não apenas está fazendo com que seja mais difícil ser eficiente, como também está afetando a própria capacidade empreendedorial de se perceber as ineficiências.

Por exemplo, utilizando as regras da aritmética, é fácil ver que a afirmação 1 + 2 = 4 está errada. Mas o que podemos dizer sobre a afirmação _ + _ = _ ? Qual a solução deste "problema"? Há alguma solução? No livre mercado, são os preços que preenchem as lacunas; são eles que "criam erros". Ou seja, são eles que revelam erros que ninguém seria capaz de perceber caso inexistissem preços. E são estes erros que empreendedores alertas irão perceber e corrigir. Se os erros e as ineficiências permanecessem invisíveis, a busca por melhores maneiras de se fazer as coisas jamais ocorreria.

Uma economia sem ineficiências é uma em que o conhecimento é tão perfeito que ninguém comete erros. Ou é uma em que as políticas governamentais conseguiram com total eficácia abolir todas as possibilidades de ineficiência. Em um mundo de surpresa e descobrimento, de experimentos e inovações, a primeira opção é impossível; e a segunda, como Mises demonstrou há quase 100 anos, não apenas é impossível como também é intolerável.

Portanto, uma economia ativa e pujante tem de "criar" ineficiências. Várias ineficiências. São as ineficiências que possibilitam maiores eficiências e contínuas inovações. E é exatamente isso o que o processo de mercado faz a todo o momento. Ainda bem!

Sanford Ikeda é professor associado de economia no Purchase College, da State University of New York, e autor do livroThe Dynamics of the Mixed Economy: Toward a Theory of Interventionism.

LULA E O CASO ROSE

Um mês depois de revelado o escândalo, Lula continua fugindo de perguntas sobre o caso Rose. Logo saberá que é impossível escapar de quadrilheiras de estimação



O berreiro dos cardeais, os uivos dos apóstolos, a choradeira dos devotos, as lamentações das carpideiras ─ nada disso vai adiantar. Nenhuma espécie de chilique da seita lulopetista impedirá que o mestre seja obrigado a quebrar a mudez malandra. Desde 23 de novembro, quando a Operação Porto Seguro tornou nacionalmente conhecida uma certa Rosemary Noronha, Lula foge de comentários sobre a quadrilheira de estimação. O silêncio que começou há mais de um mês pode até estender-se por duas, três semanas. A trégua do Ano Novo ajuda. Mas o ex-presidente não escapará da hora da verdade.

A menos que todos os jornalistas resolvam perder definitivamente a voz, o homem que nunca sabe de nada será confrontado com perguntas e cobranças que exigirão álibis menos bisonhos e respostas mais criativas. Se repetir, por exemplo, que se sente “apunhalado pelas costas”, Lula se arriscará a ouvir de volta uma desmoralizante gargalhada nacional. Se confirmar que “não se surpreendeu” com o que houve, como balbuciou em Berlim, terá de ser menos ambíguo: não se surpreendeu com as gatunagens de Rose, com o atrevimento do bando, com a eficiência da Polícia Federal ou com o quê?

O colecionador de escândalos já deveria ter aprendido que nenhuma patifaria de grosso calibre deixa de existir ou fica menor só porque o protagonista da história finge ignorá-la. Atropelado pelas apurações da PF, passou as duas primeiras semanas enfurnado no Instituto Lula, de onde só saiu para uma festa no Rio e uma discurseira para catadores de papel em São Paulo. Sempre cercado por muros humanos, não concedeu aos repórteres um único segundo de sua preciosa atenção. Depois, viajou para longe do Brasil e passou uma semana driblando jornalistas com saídas pelos fundos e escapadas pela cozinha. Para quê? Para nada.

Se já era de bom tamanho quando partiu, a encrenca ficara um pouco maior quando voltou. Indiciada pela Polícia Federal, Rosemary Noronha foi em seguida denunciada pelo Ministério Público por formação de quadrilha, corrupção passiva, tráfico de influência e falsidade ideológica. Entre os comparsas incluídos na denúncia figuram os irmãos Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), Rubens Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e Marcelo Vieira, que vive de expedientes. Os três bebês de Rosemary são os líderes da máfia dos pareceres técnicos forjados.

Os lucros da organização criminosa aumentaram extraordinariamente depois do recrutamento da chefe de gabinete do escritório paulista da Presidência. Rose apresentava-se aos interlocutores conforme o grau de intimidade. Para os íntimos, era a mulher do Lula. Para o resto, a namorada do presidente. Nas reuniões com subordinados, declamava o primeiro verso do hino dos novos-ricos: “Aqui tudo é chique”. Parecia-lhe especialmente chique a decoração do escritório na esquina da Paulista com a Augusta. Numa das paredes, um imenso pôster mostra Lula (com a camisa do Corinthians) batendo um pênalti.

Enquanto esteve acampada na casa da filha Mirele, também demitida da Anac, Rose pôde contabilizar os estragos causados pela brusca tempestade. De um dia para o outro, perdeu o emprego oficial, o posto de primeira-dama oficiosa, o escritório, o salário superior a R$ 10 mil, os amigos e o namorado. Acabou a vida mansa proporcionada pelos lucros da quadrilha. Acabaram as viagens internacionais ou mesmo domésticas: excluída das comitivas presidenciais desde a posse de Dilma Rousseff, agora não pode sequer sonhar com outro cruzeiro no mar de lhabela, ao som da dupla sertaneja Bruno e Marrone.

Sempre à beira de um ataque de nervos, Rose acha que os companheiros do PT não lhe estenderam a mão na hora da tormenta. É uma caixa-preta até aqui de mágoa. Tão perigosa quanto Paulo Vieira, que anda sondando o Ministério Público sobre as vantagens da delação premiada. Nesta segunda-feira, a sindicância aberta pelo Planalto para apurar o envolvimento de funcionários públicos com a quadrilha foi prorrogada por dez dias. Talvez dê em nada. Mas o processo judicial começou a andar. E o desfecho do julgamento do mensalão avisou que ninguém mais deve considerar-se condenado à perpétua impunidade.

Nos escândalos anteriores, havia entre Lula e os meliantes em ação um comando formado por companheiros ─ que funcionou como um oportuníssimo airbag na hora do estrondo. Desta vez nâo há intermediários entre o candidato a inimputável e a turma da delinquente que protege há quase 20 anos. As impressões digitais do ex-presidente estão por toda parte. Foi Lula quem instalou Rosemary Noronha no gabinete em São Paulo e pediu a Dilma que a mantivesse no cargo.

Foi Lula quem, a pedido de Rose, transformou os irmãos Vieira em diretores de agências reguladoras. Sem Lula, Rose não se teria juntado à comitiva presidencial em 23 viagens internacionais. Sem Lula, uma alpinista social de subúrbio jamais teria feito carreira como traficante de influência. Era Lula a fonte de poder da quadrilha, que não teria existido sem ele. Pouco importam os balidos do rebanho, a vassalagem dos governadores ou as genuflexões de Dilma Rousseff (que conhecia muito bem a representante da Presidência em São Paulo).

Rose é um caso de polícia criado por Lula. Todos são iguais perante a lei. Ele que trate de encontrar explicações ─ se é que existe alguma. Por: Augusto Nunes

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

MARKETING INFANTIL - O BODE EXPIATÓRIO DA VEZ


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Foi-se o tempo em que burocratas passavam o tempo procurando pêlo em ovo. A moda agora é passar o tempo procurando brinquedo em guloseima. E encontraram.

Um projeto do deputado Rui Falcão (PT), que proíbe a venda de alimentos e bebidas com inclusão de brinquedos promocionais e impede a veiculação de comerciais publicitários, entre 6h e 21h, de alimentos e bebidas pobres em nutrientes, foi aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo. Isso significa que propagandas de lanches, balas, chocolates e afins serão reservadas aos horários a que apenas adultos podem assistir; e que, na próxima Páscoa, os brinquedinhos dentro dos ovos de chocolate deverão ser substituídos por alguma outra coisa não tão divertida, como um figo, por exemplo. O projeto caminha para o endosso final do governador tucano.

O raciocínio desses legisladores reside na alegação de que a obesidade infantil é uma questão de saúde pública, de que alimentos ricos em açúcar, sal e gordura ajudam no ganho de peso de crianças, e de que, portanto, a criação de estímulos de venda para tais produtos é um desfavor à sociedade. A solução seria regular, reprimir e controlar o mercado.

Ao que tudo indica, mais uma vez — e na calada da noite —, os teóricos de gabinete, aqueles que decidem o que é o homem e como as pessoas devem pensar e agir, que tempos atrás proibiram a sacolinha plástica de mercado, o sopão dos pobres, o ovo com gema mole, agora encontraram mais um bom filão para justificar seus salários, e mais uma vez sem que a maioria saiba. A decisão desce com a força do carimbo; e aquilo que antes se podia fazer, e que nem o padre dizia que era errado, torna-se crime do dia para a noite.

Apesar do assunto interessar a pais, filhos e famílias em geral, o teor de tal projeto não foi alvo de debate na sociedade civil. Ele simplesmente foi decidido e pronto. E essa recusa em ouvir o que os verdadeiros responsáveis pela saúde das crianças — os pais — têm a dizer sobre a questão carrega uma mensagem perturbadora, cada vez mais frequente e sintomática: é o estado — e não os pais, a família — quem sabe o que é melhor para as crianças. É o Estado quem sabe e determina quais valores, qual imaginário, qual educação, qual alimentação as crianças devem seguir. Exagero? Não acredito.

É óbvio que nenhum pai deseja seu filho correndo risco de saúde por causa da obesidade, e que, se sentindo impotente e confuso diante de tal hipótese, acabe mesmo é por agradecer a existência de um estado que lhe diga que está aí para facilitar a sua vida.

Mas a questão é muito mais complexa do que simplesmente brinquedos ou propaganda de guloseimas, que sempre existiram. A sociedade de hoje, especialmente nas grandes metrópoles, se tornou hostil a uma vida saudável para nossas crianças. A busca por estabilidade econômica muitas vezes leva os pais a deixarem seus filhos sem sua companhia por longos períodos, e estes acabam preenchendo seu tempo na TV ou na internet.

O medo da violência impede que as crianças façam como eu, na minha infância, e saiam pelas ruas e parques desacompanhados para soltar pipa, pedalar, jogar bola e gastar energia. A falta de tempo inclina ao consumo de produtos industrializados, mais práticos, mas também menos saudáveis do que a comida fresca e balanceada que o brasileiro sempre aprendeu a comer. Diante de uma conjuntura que torna a obesidade infantil uma hipótese cada vez mais real, chega o estado com sua singular vocação para se capitalizar politicamente.

Poucos percebem a artimanha barata de associação de uma causa aparentemente boa com uma alegação torta e que, no fundo, trata da busca de vantagens políticas.

Quem iria se levantar contra um projeto que, para todos os efeitos, visa a proteger criancinhas? Quem está disposto a correr o risco de ser rotulado como promotor da obesidade infantil? Ninguém. E é por isso que tal projeto ganha relevância política ainda maior. A criança aqui, na realidade, não passa de um escudo, um instrumento para a promoção e expansão do estado sem limites, aquele estado já chamado, mais de uma vez, de estado-babá.

O estado-babá, que não é bobo e percebe, graças aos seus instrumentos de controle social (IBGE etc.), que os pais estão cada vez mais distantes de seus filhos, e que, portanto, têm cada vez menos autoridade dentro de casa, identifica um bode expiatório e associa sua destruição à solução do problema que apavora os pais. O lanche com brinquedo e a propaganda seriam então os culpados da vez.

É aí que entra a terceirização da culpa, analgesiando a mente desses pais que, se sentindo aliviados depois de comprarem seus filhos com um "sim" a tudo que desejam, devolverão sua gratidão em forma de votos à manutenção do poder arbitrário do estado.

Pela simples razão de que a verdade muitas vezes incomoda e quem incomoda não recebe votos é que o estado-babá sempre dará preferência à terceirização da culpa — e não à exposição da verdade.

Lembrar aos pais que a responsabilidade sobre a obesidade de seu filho pertence a eles mesmos, que aos pais cabe a decisão de ter ou não ter uma TV em casa, de que o controle do dinheiro da família não é da criança, e que, portanto, não há possibilidade de um filho se encher de gordura sem que o pai não tenha de alguma forma permitido tal lambança, pelo fornecimento de capital e pela falta de autoridade, seria inconveniente e impopular. Seria sincero demais.

Se políticos acreditassem mesmo que a propaganda que promete mais do que entrega é intrinsecamente má, também proibiriam a propaganda eleitoral, que já ajudou tantos brasileiros ignorantes — às vezes com menos instrução do que crianças — a colocar no comando do estado ladrões, fraudadores e quadrilhas que usam o poder que conquistam na base da mentira para extorquir o próprio eleitorado enganado.

Se políticos acreditassem mesmo que as crianças são instrumentalizadas pela lógica do mercado e são pobres vítimas de interesses escusos, também proibiriam candidatos segurando crianças em seus colos durante o período eleitoral, beijando testas de bebês, vendendo, por meio de comerciais e santinhos, a imagem falsa de amigos do povo, capaz de atrair a simpatia da gente inocente e de seus votos confiantes.

Não, não se trata da defesa dos direitos da criança. Trata-se, mais uma vez, da diminuição da liberdade do cidadão, do enfraquecimento da autoridade dos pais, da ingerência estatal no livre mercado e na mídia, da pulverização das responsabilidades individuais, do fortalecimento e da expansão do aparato estatal sobre as consciências e sobre toda a sociedade. Isso é que é venda casada.
Silvio Medeiros é publicitário e quatro vezes ganhador do Festival Internacional de Publicidade de Cannes.

INUDÚSTRIA PAGA POR SERVIÇOS DO ESTADO


Indústria desembolsa R$ 7,5 bilhões por ano para bancar serviços públicos


SÃO PAULO - Além de arcar com o peso excessivo da carga tributária sobre seus custos, a indústria se vê obrigada a desembolsar R$ 7,5 bilhões por ano para bancar serviços de saúde, previdência e assistência aos funcionários, cuja atribuição é do Estado. O custo desses serviços, segundo pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), eleva em 0,96% os preços do setor, prejudicando tanto o consumidor quanto o produto brasileiro, que perde espaço para a concorrência internacional.
Pesquisa mostra que indústrias bancam serviços no lugar do governo

"O problema é que o governo brasileiro arrecada muito e gasta mal o dinheiro dos impostos", diz o diretor do departamento de competitividade e tecnologia da Fiesp, José Ricardo Roriz Coelho, responsável pela pesquisa, que ouviu 1,2 mil empresas do setor.

O executivo argumenta que o País tem uma das cargas tributárias mais altas do mundo, mas não oferece serviços de qualidade ou suficientes, como contrapartida, na maioria das áreas. Diante desse quadro, os gastos com esses serviços acabam saindo do bolso do contribuinte, o que representa um peso extra na carga tributária.

"As empresas oferecem serviços que deveriam ser financiados com recursos tributários, porque consideram importante para melhoria na qualidade de vida e bem estar dos funcionários, o que resulta em melhor desempenho das atividades profissionais", ressalta Roriz Coelho.

Somente com planos de saúde, a indústria de transformação gasta R$ 6,44 bilhões anuais, o equivalente a 0,38% do faturamento do setor. Os serviços oferecidos pelas empresas também contemplam planos odontológicos, subsídios para aquisição de medicamentos e serviços diversos para prevenção de doenças, o que representa ônus de R$ 647 milhões por ano, ou 0,038% do faturamento.

As empresas do setor também arcam com despesas com planos de previdência privada, com intuito de complementar a aposentadoria da previdência social oficial (INSS) dos funcionários, e com auxílio creche e berçário. Esses gastos, no montante de R$ 354 milhões , correspondem a 0,02% do faturamento anual da indústria.

No total, os gastos com serviços de saúde, previdência e assistência atingem R$ 7,5 bilhões por ano, o que representa 0,44% do faturamento. Esse dinheiro, segundo a Fiesp, teria sido suficiente, por exemplo, para elevar o investimento do setor de 7,29% para 7,73% do faturamento em 2011, o que abriria espaço para a criação de 120 mil postos de trabalho na economia.

Impacto. O impacto do custo desses serviços varia consideravelmente no mundo. Um relatório da KPMG indica que o Brasil tem a maior taxa porcentual de custos trabalhistas não previstos em lei entre 14 países analisados (ver tabela). Esses custos incluem os gastos com plano de saúde, dentre outros.

No Brasil, esses benefícios representam 32,7% do custo de trabalho total, cuja média anual é de US$ 53,9 mil por trabalhador. Na Austrália, que tem a menor taxa entre os países pesquisados, a proporção é de 9,2% para um gasto total médio por trabalhador de US$ 103,7 mil por ano.

O diretor da Fiesp observa que, se paralelamente observarmos a carga tributária em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), a brasileira é a quinta mais elevada na amostra da KPMG. "Logo, essa carga não é direcionada para atender adequadamente os serviços públicos que a sociedade brasileira necessita, fazendo com que as empresas paguem, por exemplo, planos de saúde para mitigar a deficiência estatal", diz Roriz Coelho.

A indústria de transformação respondeu por 33,9% do total da carga tributária em 2010, enquanto sua participação no PIB foi de apenas 16,2%, ressalta o executivo."O efeito disso é que 40,3% do preço dos bens industriais se deve a impostos." Por: Marcelo Rehder - O Estado de S.Paulo

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O ANO EM QUE KEYNES VOLTOU

A intensidade da crise econômica que, apesar de estar entrando em seu sexto ano, ainda domina a maior parte do planeta tem consolidado as chamadas terapias monetárias heterodoxas por parte dos bancos centrais de vários países. Ainda agora o Federal Reserve nos Estados Unidos (Fed) alterou - mais uma vez - os parâmetros para sua atuação ao vincular sua política de juros à recuperação na taxa do desemprego. Foi mais longe ainda ao elevar a meta para a inflação limite - agora 2,5% ao ano - que, se atingida, forçaria uma reversão na política monetária acomodatícia que prevalece há alguns anos.


O leitor pode imaginar os murmúrios e imprecações que devem estar sendo ouvidos nos corredores das instituições financeiras de Wall Street depois dessas decisões. Os marcos mais importantes que orientavam a atuação do Fed foram abandonados progressivamente nos últimos anos. A elevação da meta da inflação decidida agora representa um verdadeiro tapa na face dos conservadores.

No lugar das formas tradicionais de intervenção o Fed criou novos instrumentos de ação. Juros próximos de zero, recompras maciças de títulos públicos, linha de tempo para marcar compromissos com mudança de políticas foram os meios usados recentemente para enfrentar a recessão que se instalou na maior economia do mundo. Agora, a mais heterodoxa das medidas de combate ao elevado desemprego - que é a vinculação da política monetária a um nível mínimo de ocupação no mercado de trabalho - surpreendeu.

E preciso esperar um pouco para ver minha tese de recuperação mais sólida em 2013 e 2014 ser comprovada

Mas o mais difícil para os conservadores aceitarem - e que certamente está criando uma profunda melancolia dos velhos tempos - é que a inflação continua se reduzindo e não se acelerando. Afinal, já se vão quatro anos de política de juros baixos e crescimento soviético da quantidade de dólares em circulação nos mercados financeiros e a inflação não aparece. Tomemos o índice de preços ligados ao consumo dos americanos - chamado de PCE - e que é o indicador preferido do Fed para acompanhar a inflação. A taxa anual de variação dessa cesta de preços foi 1,5% em outubro de 2010, 1,6% em outubro de 2011 e 1,4% em outubro passado. Nessa última sexta-feira foram divulgados os índices de inflação relativos ao mês de novembro: apenas 1,8% superior ao do ano passado.

Claramente o Fed é hoje uma instituição totalmente controlada pelos seus membros mais heterodoxos, sob a liderança de Ben Bernanke. Os sucessos obtidos nos últimos anos - recuperação do crescimento e a ausência da inflação tão cantada pelos conservadores - têm aumentado a confiança da equipe na busca de uma vitória final e duradoura sobre a crise econômica que se seguiu à ruptura da bolha imobiliária em 2008. E tenho certeza de que, se o bom senso prevalecer nos partidos Republicano e Democrata, isto será conseguido ao longo de 2013.

Mas a grande vitoriosa, se isso ocorrer, será uma escola de pensamento econômico que tem por tradição uma leitura mais realista e livre das economias de mercado. Ao trocar dogmas rígidos, quase de fundo religioso, por uma metodologia aberta, os keynesianos se encontram em condição mais favorável para exercer sua profissão principalmente em duas situações: no início de períodos dominados pela euforia e durante os momentos em que os sentimentos que prevalecem são o medo futuro e de suas incertezas. Como vem ocorrendo nos últimos três anos.

A partir das primeiras batalhas teóricas de Lord Keynes contra os membros da chamada escola clássica, no início do século XX, essa forma de entender os fenômenos econômicos de mercado foi evoluindo. Depois de décadas no ostracismo, foi resgatada pela crise criada pela febre liberal, que atacou o mundo a partir de 2004. O dramático desses eventos é que foi o próprio Fed, com uma leitura radicalmente oposta à da direção atual, que funcionou como acelerador da crise instalada nas economias mais importantes do mundo. A crença na racionalidade intrínseca dos mercados e na necessidade de deixá-los com suas mãos livres para que o potencial de crescimento das sociedades seja atingido foi a marca dos quatro anos que antecederam a crise imobiliária americana.

Minha formação como economista sempre foi feita seguindo os conceitos e, principalmente, a metodologia de análise dessa escola de pensamento. Mas nunca fui dogmático e sempre procurei raciocinar com liberdade. E neste ano que se encerra, por seguir esses princípios, provei o gosto de muito acertos. O leitor do Valor pode acompanhar essas minhas "vitórias" no caso do colapso do euro, que eu nunca comprei, do "hard landing" na China, que nunca esperei, e da decadência final da economia americana, que nunca enxerguei. No caso do Brasil será preciso esperar um pouco mais para ver minha tese de uma recuperação mais sólida em 2013 e 2014 ser comprovada. Neste caso dependo ainda de que o governo deixe de lado alguns pontos de sua agenda econômica, principalmente o tabu das concessões de serviços públicos.Por: Luis Carlos Mendonça de Barros Valor Econômico

domingo, 23 de dezembro de 2012

O 'EIXO ANTIAUSTERIDADE' FRANCO-BRASILEIRO

"Abaixo a austeridade, viva o crescimento."

Dilma Rousseff e François Hollande (presidente da França) poderiam ter abandonado, na semana passada, o ambiente do Fórum pelo Progresso Social, organizado pela Fundação Jean-Jaurès e o Instituto Lula, para pichar com spray o slogan acima nas ruas de Paris, de onde, desde a queda da Bastilha, são despachadas para o mundo vibrantes palavras de ordem. "A imaginação no Poder!", de 1968, foi das mais bonitas, apesar de destituída de conteúdo prático e de não ter chegado a nenhum resultado.

Mas França e Brasil, com Dilma e Hollande, que, como diria o velho Pasquim, "raciocinam em bloco" - com perdão de Ziraldo, Jaguar & Cia. -, já formaram, segundo o respeitável Le Monde, um formidável "eixo antiausteridade", cuja primeira ação foi a proposta de criar, na ONU, um Conselho de Segurança da Estabilidade Econômica e Social, espelho do atual Conselho de Segurança, do qual o Brasil, não se sabe bem por que, se empenha em fazer parte.

O objetivo da formação desse novo conselho, explicou Hollande - segundo o nosso correspondente Andrei Netto -, é garantir que nenhuma política de reforma econômica seja adotada sem um plano (talvez ele tenha querido dizer sem um estudo) do impacto sobre o aumento do desemprego e da pobreza.

Independentemente do fato de que o que isso garante, na prática, é a impossibilidade da adoção de qualquer reforma econômica, o mais provável é o novo conselho - caso chegue de fato a ser criado, na esteira da enorme força política que Brasil e França já exibiram na ONU - se mostrar tão inoperante quanto o de Segurança. O que não seria uma probabilidade lamentável, já que muito pior seria ele se mostrar operante.

A ideia é sedutora e deverá contar com a adesão antecipada de alguns países como Grécia, Espanha, um pouco a Itália, talvez a Irlanda, Portugal e Argentina. São países que puseram abaixo a austeridade e, por isso, vivem hoje em busca de meios para tentar retomar algum crescimento econômico.

A charada, embutida nos princípios da boa governança, é que a austeridade é que gera os recursos necessários para promover o crescimento econômico saudável. Ora, dadas a ansiedade das sociedades modernas e a urgência com que suas demandas precisam ser atendidas, seu corpo político - e os governos são o corpo político das sociedades - não se dispõe a esperar que a austeridade proporcione os recursos para o crescimento.

Resultado mais imediato de crescimento se obtém com endividamento, o que é uma maneira de sacar, hoje, contra a promessa de austeridade no futuro. Só que, quando chega o momento de essa promessa se cumprir, o governo de plantão não vê por que deva apertar o cinto para cumprir o trato que seus antecessores acordaram. Na verdade, vai adiando, com novos tratos e novos compromissos, a hora da verdade, até que os credores digam "chega!". Como se dizia no tempo em que o Brasil entrou nesse processo: dívida não se paga, rola-se. Bem, rolamos até que não deu mais para rolar, naquele momento de 1982 em que o México se declarou em moratória e os guichês dos empréstimos internacionais se fecharam para todos os países "em desenvolvimento" (ainda não eram chamados de "emergentes").

Mas toda vez que governos de "centro-esquerda", no Brasil com o PT e na França com Hollande, por exemplo, chegam ao poder, torna-se moda jogar pedra na Geni da austeridade e defender as virtudes do crescimento.

No fórum parisiense, Hollande defendeu "uma virada" nas políticas macroeconômicas, com a redução da ênfase em medidas de austeridade e aumento da ênfase em estímulo ao crescimento, geração de emprego e de renda. Não sendo economista, não me aventuro a opinar, pois não sei se isso é possível nem saberia avaliar quais seus efeitos. Só sei que toda política econômica tem dupla face: uma, positiva; e outra, negativa. E o problema é saber qual o saldo líquido.

De qualquer forma, os economistas se dividem há muito tempo entre formalistas e experimentalistas. Os primeiros, orientados by the book, pelo manual; e os outros, pelo desejo de descobrir alguma fórmula que desafie o manual e de algum modo proporcione aquela satisfação especial que seria "comer do bolo e conservá-lo, ao mesmo tempo".

No Brasil do PT tem sido possível, pelo menos até agora, oferecer nacos cada vez maiores do bolo à comilança dos consumidores e fazê-lo crescer. O problema é que o crescimento do bolo tem sido a cada ano menor, sugerindo que, em algum momento, os nacos ofertados ao distinto público também terão de ser menores.

Mas essas são advertências pessimistas. O ministro Mantega, um otimista, que nunca perderá o emprego, porque nunca viu ninguém ser demitido por otimismo, garante-nos que o bolo vai voltar a crescer no ano que vem - e melhor, com nacos maiores sendo ofertados aos consumidores. Tomara!

Já sua chefe, contagiada, promete, da França, a construção de 800 aeroportos e 10 mil quilômetros de ferrovias, no seu governo. Apesar de nada disso ter acontecido em dez anos de PT, acho que esse fervor otimista não se via desde JK - que Deus o tenha! -, quando o Brasil avançou "50 anos em 5". Não foi?
Por: Marco Antonio Rocha O Estadão

O MARXISMO É UM DEFUNTO COM VERMES MAGROS


Houve um tempo que causava frenesi na direita e na esquerda falar a frase “o marxismo está morto”. Hoje é sabido que o marxismo é um cadáver cheio de vermes, ou já nem isso mais, pois os vermes vão embora quando não há mais nada para jantar.

É claro que Marx é um clássico e quem o lê junto com outros clássicos encontra um gênio. Mas a doutrina marxista, o “método” e, enfim, aquela baboseira toda de “materialismo histórico e dialético” não serve mais a ninguém que tenha ou algum juízo ou alguma inteligência. Ninguém hoje amarraria sua égua em alguma coisa rígida, capaz de impedir a digitação criativa. Aquilo que os marxistas diziam, a saber, que não podíamos usar da “teoria” como uma camisa de força, foi o que mais fizeram e, então, cansaram a todos e a si mesmos. Quando Habermas se libertou do marxismo ele nem precisou prestar contas disso. Ele simplesmente passou a escrever de modo diferente e pronto. E isso já faz tempo! Muitos agiram como ele. Outros nem precisaram de tanto, pois já estavam fora dessa ditadura mental bem antes.

Richard Rorty, amigo de Habermas, foi um intelectual da velha guarda, ao contrário do que pareceu para certos intelectuais no Brasil, ignorantes sobre filosofia americana e, de certo modo, sobre a cultura americana em geral. Caso ele tivesse tido formação europeia, teria de fazer o turn que Habermas fez. Mas, uma vez americano, Rorty podia ser um liberal ou, em termos europeus, um social democrata, sem qualquer vínculo com o marxismo. Isso fez dele uma das figuras mais criativas da cultura ocidental na transição do século XX para o XXI. Ele sabia bem o que era ser de esquerda, uma vez que seus pais foram militantes socialistas na América, mas isso não significava nenhum grande apego a Marx. Como ele mesmo costumava afirmar, logo após a Revolução Russa de 1917 os intelectuais americanos de esquerda se deslocaram para John Dewey e para o pragmatismo, deixando de lado qualquer idolatria a Marx. Isso foi uma benção para Rorty.

Em termos de história da filosofia, ele jamais teve de ficar preocupado em associar movimento cultural e classes sociais, como Marx, e em termos de metafísica, ele nunca teve de ficar preso à defesa do materialismo diante de outras posturas, como Engels. Rorty entendeu com facilidade o que Davidson estava propondo, um monismo ontológico (do lado do fisicalismo) associado a um dualismo linguístico (vocabulários para se falar da ordem do mental e da ordem do corporal), e ficou contente com isso. Chegou mesmo até em falar em fim da ontologia, junto com Ramberg. Bastaria apenas adotar a ideia de Wittgenstein, em que o mundo aparece como delimitado pela linguagem, e então viver como usuário de vocabulários úteis. Rorty ficou muito tranquilo com a posição filosófica que apostava que não precisamos resolver o problema da relação entre linguagem e mundo, uma vez que esse problema era alguma coisa mal formulada. Quem entende a palavra “montanha” é porque aprendeu jogos de linguagem em que ela faz sentido, e nesses jogos de linguagem em que ela faz sentido é um pouco fora de órbita duvidar que “montanha” é alguma coisa causalmente independente da linguagem e do pensamento. No limite, assim pensando, Rorty se livrou de debates, digamos assim, nucleares em filosofia, ao radicalizar seu pragmatismo. Usuários da linguagem devem ser bons usuários da linguagem e, então, não dar muito bola para vocabulários tão circunscritos a determinados grupos, como o vocabulário de determinados filósofos, como os kantianos, por exemplo. Pois estes diriam que a montanha que é causalmente independente da linguagem e do pensamento não seria a montanha (fenomênica), mas a montanha “em si”.

Assim, deixar esse tipo de kantismo de lado foi, para Rorty, em filosofia, um passo pragmatista equivalente ao passo que, na filosofia política, os parceiros de seu pai já haviam dado em Nova York, quando deixaram de ler Marx.

Creio que Rorty se sentiu bem livre quando viu que podia escrever poesia, como seu pai, sem ter de abandonar o que ele sabia fazer bem, que era reagir aos livros que lia com uma voracidade que nenhum outro intelectual possuiu. Sua escrita filosófica se tornou brilhantemente literária, dona de uma ironia sofisticada. Seu estilo de redescrever para, então, poder melhor conversar com filósofos vivos e mortos mostrou-se original e inconfundível. Para mim, a melhor forma autenticamente de escrever filosofia.

Essa escrita rortiana ensinou alguma coisa que era exatamente o oposto do estilo dos marxistas. Estes, sempre escreveram de uma maneira a combater o jargão de quem pensava diferente. Rorty escreveu de modo a colocar no seu próprio jargão o que outros haviam criado, e que se mostrava como vantajoso para a sua retórica, e fazia isso avisando o leitor que estava agindo desse modo. Rorty era um respeitador da criatividade daquele que ele lia. Ele podia fazer o seu leitor rir muito de quem ele comentava, mas o comentário, por mais duro que fosse, era sempre feito mostrando que as expressões criadas pelo autor que ele lia podiam ser incorporadas em uma outra narrativa. Esse estilo genial, que principalmente os marxistas nunca conseguiram possuir, foi um dos maiores legados de Rorty para as Humanidades. Quando de sua morte, Habermas foi direto nesse ponto, chamando Rorty de poeta.

O marxismo apodreceu no túmulo porque os marxistas não souberam utilizar nem mesmo as boas expressões que restaram da obra de Marx naquilo que ela se fez clássica. Eles desgastaram todas: alienação, luta de classes, ideologia, capitalismo, modo de produção, revolução, comunismo e por aí vai. Tudo isso foi usado em excesso em nome do rigor e, então, em determinado momento, começou a não soar mais como contendo algum conteúdo válido. As bocas dos marxistas continuarem mexendo, eles pareciam falar, mas o som não saía, ou seja, ninguém mais ouvia. Ninguém mais ouve. É tudo sem carne e sangue. O que é falado por um marxista é tido como tão vazio quanto os discursos da direita começaram a parecer após o nazifascismo ter perdido a guerra (ou quando hoje a direita ataca o marxismo ou comunismo!).

O marxismo modificou em muito nossa linguagem mas, ao mesmo tempo, perdeu a guerra semântica da qual participou. Felizmente! Porque durante o tempo que esteve ganhando, cerceou muitas bocas que poderiam ter dito coisa melhor.

Aqui e ali, em mestrados em educação ou em graduações de ciências sociais, há sempre algum marxista, exibindo um vocabulário que não tem corpo, um vocabulário no qual sobraram só os vermes do defunto. E hoje, vermes já magros.
Por: Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ


Safatle consulta o próprio Marx!


sábado, 22 de dezembro de 2012

O FIM DA HERANÇA BENDITA?

Nas décadas de 1950 a 1970 o Brasil deu um salto, com o produto interno bruto (PIB) per capita indo de 12% para 24% do americano. Mas o esforço de crescimento deixou cicatrizes. O endividamento do governo fez sucumbir o modelo e daí resultaram a hiperinflação, planos fracassados. queda do PIB e aumento da desigualdade e pobreza.


O modelo do "milagre" abusou do fechamento da economia e da proteção aos produtores domésticos. E também da intervenção do governo na economia, via estatais e crédito direcionado e subsidiado. Não houve foco nos motores do crescimento: a educação e a produtividade.

A partir dos anos 90, a agenda de reformas teve dois momentos. O primeiro foi nos governos Collor e, especialmente, FHC. Além da estabilização com o Plano Real e da posterior introdução do tripé macro que vigora até hoje, houve avanços em áreas críticas, como sustentabilidade da Previdência Social, institucionalidade da política fiscal, privatizações, regulação do sistema financeiro e corporativo, abertura da economia e ampliação da rede de proteção social.

No primeiro governo Lula houve aprofundamento das reformas no campo financeiro e nos mecanismos diretos de combate à pobreza, além de reforços na disciplina fiscal e monetária, que alavancaram um período de rápido crescimento do crédito e um bom aproveitamento da fase de boom global entre 2003 e o início de 2008. A partir do segundo mandato do presidente Lula, porém, essa agenda foi interrompida. Em áreas cruciais como institucionalidade da política monetária, regulação do mercado de trabalho, legislação tributária e tarifária, avaliação de políticas públicas, política educacional, eficiência do Judiciário e ambiente regulatório para o investimento em infraestrutura, não houve avanços.

Em lugar da sua continuidade, desde a crise de 2008 tem-se a segunda fase de reformas, com o uso de instrumentos regulatórios, fiscais e tributários com o objetivo de microgerenciar a atividade econômica. Aqui se incluem a lei do pré-sal, as regras de conteúdo nacional para as compras de estatais, o uso dos bancos públicos e empresas estatais para dirigir o investimento e o consumo, a elevação de tarifas de importação, a mudança na base de tributação da Previdência Social, a redução do IPI de bens duráveis, o subsídio ao consumo de petróleo, a imposição de IOF sobre investimentos estrangeiros em portfólio e a mudança do marco regulatório sobre produção e distribuição de energia.

Houve, assim, uma profunda guinada na agenda de reformas. A proposta da primeira fase, de criar um macroambiente propício ao investimento por meio de maior eficiência dos serviços e investimentos públicos, da transparência regulatória e do aumento da produtividade dos trabalhadores, foi substituída pela estratégia de criar mecanismos para incentivar a demanda, em especial o consumo e o emprego.

Uma tem como princípio a criação de um ambiente de igualdade de condições para todos os empresários e trabalhadores. A outra, a geração de incentivos que diferenciam os empresários e trabalhadores de acordo com o seu setor de atuação.

A distinção entre as duas abordagens é capturada pelo professor Luigi Zingales quando se refere a políticas pró-mercado e políticas pró-negócios. As primeiras favorecem a concorrência e a igualdade de tratamento entre grandes e pequenas empresas, em diferentes setores, e produtores nacionais e estrangeiros. As segundas buscam responder aos pleitos dos setores empresariais e trabalhistas na forma de tratamentos diferenciados em áreas como impostos, regulação e crédito.

Fazem-se duas críticas ao modelo pró-mercado. A primeira é que o aumento da concorrência produz perdas durante processos de reestruturação, como as privatizações e a abertura da economia, e acentua a desigualdade de renda. A segunda é que o mercado não propicia ganhos de escala que alavanquem investimentos e inovações - um argumento caro ao economista austríaco Joseph Schumpeter.

O modelo pró-negócios procura reduzir as desigualdades intervindo no funcionamento dos mercados - por exemplo, por meio do salário mínimo ou protegendo trabalhadores contra demissões. E oferece tratamento preferencial a empresas em setores estratégicos, de modo que se tornem empresas grandes e oligopolistas, com altos lucros para financiar investimentos e inovações.

Só que o tiro pode sair pela culatra. Ao eleger vencedores, a abordagem pró-negócios também elege os perdedores, que são, evidentemente, os empresários e trabalhadores da grande maioria das empresas, que não foram eleitas para serem as campeãs. Perde-se também em eficiência e produtividade, como bem sabemos do período do fim do "milagre econômico". Finalmente, a taxa agregada de investimento do Brasil continua em patamares bem inferiores aos dos nossos pares.

A resposta da abordagem pró- mercado aos efeitos distributivos não é limitar a concorrência, mas nivelar oportunidades, sendo educação pública a mais importante, e redistribuir renda com políticas de transferências focalizadas.

Enfim, é importante reconhecer que houve uma guinada na agenda de reformas. Até porque existe hoje grande ansiedade quanto aos resultados da nova estratégia. Depois do bom desempenho da economia brasileira até 2010, houve uma clara desaceleração da atividade e queda do investimento, em parte cíclica, em parte ligada à rigidez de oferta de nossa economia.

Nosso receio é que uma certa volta ao modelo dos anos 70 nos leve outra vez à frustração de nossos planos de desenvolvimento. Alguns sinais indicam que o modelo se está esgotando. Será que está acabando a herança bendita de Fernando Henrique Cardoso?

Com todo o esforço dos últimos 20 anos, ainda estamos em 20% do PIB per capita americano. Temos, portanto, um bom espaço para crescer. Mas sem investir mais e melhor, sem uma educação muito melhor e sem um Estado eficiente não vamos chegar ao nosso potencial. Por:  Edward Amadeo e Arminio Fraga O Estadão