sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O EXTERMÍNIO DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS


Perdoem o sensacionalismo do título, mas é um fato: as empregadas domésticas entrarão em extinção, e por um motivo ruim. O motivo bom para a extinção das domésticas seria se pessoas que trabalharam ou consideram trabalhar como domésticas tivessem ofertas de trabalho melhores e mais bem remuneradas. Nesse caso, elas demandariam salários muito altos para trabalhar como domésticas; salários além das possibilidades da maioria dos domicílios. E assim o serviço doméstico seria gradualmente extinto, restringindo-se aos muito ricos. É algo que vem, aos poucos, acontecendo.

O motivo ruim para a extinção das domésticas se dá quando, embora muitas pessoas queiram trabalhar como domésticas e não tenham alternativas de emprego melhores, existe algo que as proíbe de fazê-lo. E é isso que quero discutir aqui. Os responsáveis por criar esse impedimento a um trabalho honesto são, como não poderia deixar de ser, nossos políticos, bem como sindicalistas e todos aqueles que defendem a ideia para lá de perniciosa dos direitos trabalhistas.

Muitos estão celebrando a recente conquista trabalhista brasileira: a extensão de FGTS e hora extra para empregadas domésticas (a qual aguarda aprovação do Senado). Foi uma grande vitória para as leis trabalhistas nacionais, e uma grande derrota para os brasileiros; empregadas inclusive. Vou analisar aqui os efeitos dessas duas mudanças legais. Mas enuncio já o problema de fundo: o estado é capaz de aumentar o preço de um serviço; mas não é capaz de aumentar de seu valor.

FGTS

O FGTS funciona quase como um fundo de investimento; isto é, um fundo com rendimentos baixíssimos, não raro inferiores à inflação, e que obriga seus depositantes a manter o dinheiro lá. Sua justificativa é que ele funciona como uma proteção ao trabalhador em caso de desemprego. Implícita aí está a premissa de que o trabalhador é burro demais para poupar por conta própria.

Claro que, quando deseja poupar parte de seu salário para se proteger de eventualidades futuras, qualquer trabalhador pode abrir uma conta bancária (como aliás várias empregadas já fazem; a minha está entre essas) e aplicar seu dinheiro a um retorno superior ao do FGTS. Quem ganha nessa história? Para o empregador, dá na mesma: o que ele paga de FGTS ele deixa de pagar em remuneração. A única diferença é que a vaga de emprego é ofertada a um salário básico menor. O valor que o empregador estaria disposto a desembolsar, que antes virava integralmente salário (dividido desigualmente por conta da obrigação de décimo terceiro e férias), agora divide-se entre salário e FGTS. Parte do que poderia ir para o bolso da empregada ficará nas contas do governo.

O trabalhador perde: parte de seu salário lhe é alienada e sub-remunerada. Já o governo... esse ganha! E aí está a explicação do FGTS. A Caixa Econômica Federal brinca de fazer investimento com o dinheiro do fundo, levando adiante as ambições do governo para o país e ajudando megaempresas público-privadas, segundo critérios políticos, e sem gerar retorno. Outra parte é usada para alimentar a bolha imobiliária criada e insuflada pelo governo. Um fundo de baixíssimo retorno e baixíssima liquidez; e um banco salvo do risco de corrida bancária, sem obrigação de dar retorno a seus "clientes". Tudo o que a Caixa ganha nessa conta (a diferença entre a remuneração que ela dá e a remuneração que o mercado daria por esse dinheiro) ela tira dos salários dos trabalhadores. As empregadas só têm a lamentar: serão agora obrigadas a ceder dinheiro para esse golpe financeiro do estado.

O FGTS supostamente se justifica porque os trabalhadores não poupariam por conta própria. Por que não? Os trabalhadores são perfeitamente capazes de poupar por conta própria. E para os psicologicamente incapazes de tomar essa decisão, que melhor escola de prudência do que aprender na prática? A existência do FGTS infantiliza o trabalhador, sem em nada ajudar a melhorar as supostas falhas de caráter generalizadas que visa compensar. Ao tirar de suas mãos a decisão de poupar, o FGTS garante que o bom hábito nunca será criado.

Sem falar que, em muitos casos, gastar todo o salário agora pode realmente ser a melhor decisão para um trabalhador; se ele quer um móvel ou um eletrodoméstico agora, ou se quer ir ao bar com o dinheiro que ganhou honestamente, quem negará a ele esse direito? Para gerações acostumadas a inflação alta, confisco, instabilidade institucional e irresponsabilidade fiscal, o mais razoável é mesmo gastar o máximo possível agora e não poupar; sabe lá quanto o dinheiro valerá no ano seguinte. É esse o efeito moral da intervenção do estado.

Hora Extra

O caso da hora extra é ainda mais complicado. Primeiro porque o impacto dela no custo de se contratar uma empregada é muito pesado. Segundo estimativas conservadoras, seria um aumento de pelo menos 45%. A princípio, isso não traria grandes problemas; bastaria o patrão reduzir o salário base. Claro que essa mudança não viria sem custos; dada a baixa educação do setor, pode demorar um tempo para se difundir a informação de que, com as horas extras contabilizadas, um salário muito menor resultaria na mesma remuneração final. Muitas se negariam a trabalhar pelos novos salários antes de se dar conta disso. A difusão de informação também tem custos.

O problema maior dessa redução do salário é que em muitos casos, para manter a mesma remuneração final, empregadores teriam de reduzi-lo a um valor inferior ao salário mínimo, o que é proibido. Assim, o resultado é que o custo de se contratar uma empregada doméstica efetivamente aumentará; resultado especialmente válido para as faixas inferiores de remuneração — ou seja, para os domicílios de classe C que recentemente vêm contratando empregadas. Na margem, a demanda pelo serviço doméstico cairá. Casas ficarão mais sujas, mulheres e homens (mas especialmente mulheres) trabalharão menos fora de casa e/ou terão menos tempo de lazer; e mulheres pobres desejosas de uma oportunidade de trabalho que demande baixíssima qualificação terão mais dificuldade em encontrar um patrão. Sua pobreza será mais duradoura. Todos saem perdendo.

Esse não é o único efeito nocivo de se instituir a hora extra. A novidade modifica profundamente a relação de trabalho em si. Pois neste setor é comum que os horários sejam flexíveis, e que a remuneração não se dê precisamente pelo número de horas. Isso não quer dizer que não existam remunerações diferentes para uma empregada que fique 6 horas diárias no serviço e outra que more na casa do patrão. É bem sabido por qualquer um que queira contratar uma empregada que é preciso pagar mais por uma que se disponha a dormir na casa. É a pergunta mais básica na hora de conseguir alguém: é pra dormir? Se sim, sai mais caro (ou é mais difícil encontrar quem tope, o que redunda na mesma coisa; pois aquelas que "não podem" aceitaria dormir na casa dos patrõespor um certo preço). O mercado já encontrou, portanto, soluções para remunerar o valor adicional gerado por aquelas que ficam mais tempo no serviço; e essas soluções levam em conta a flexibilidade e a fluidez inerentes à função. Em que outro trabalho há tal flexibilidade com horário de chegada e de saída, ou com saídas e ausências para resolver problemas pessoais? Com férias longas e possibilidade de se escolhê-las livremente?

Impor a hora extra é um golpe particularmente nefasto porque quebra a relação de confiança na qual o trabalho de empregada doméstica se dá: ele deixa de ser um trabalho no qual favores podem ser dados de parte a parte e se transforma numa relação calculista, num cabo de guerra em que uma parte busca tirar mais da outra dando o mínimo possível. Patrão e empregado tornam-se inimigos. A realidade das piores relações virará, aos poucos, a regra para todas. Como sempre, é via legislação trabalhista que a luta de classes — pesadelo alimentado por esquerdossauros de gabinete — vira realidade.

Lei trabalhista como criadora da luta de classes

O mecanismo que instaura essa luta é simples. Ao aumentar a remuneração obrigatória de uma função, o estado cria uma disjunção falsa na mente da maioria dos empregados: "se eu não estou recebendo tudo o que a lei demanda, ainda que eu tenha concordado plenamente com os termos do contrato, estou sendo explorado". Como o estado é dotado de uma aura mágica e onisciente na cabeça de muita gente, seus ditames são vistos como expressão de um ideal possível, de uma realidade objetiva que deveria vigorar, e que se não vigora é porque alguém está sendo canalha. O que ele não percebe é que a lei, ao alterar a remuneração legal de um determinado trabalho, não altera o valor que aquele trabalho gera.

A pergunta que fica obscurecida, mas que deveria ser feita, é: será que meu trabalho vale o quanto quero ganhar? Será que alguém estaria disposto a pagar, voluntariamente, o salário que quero receber? Se não, pode ter certeza que nenhum governo do mundo conseguirá obrigar um patrão a lhe contratar pelo que você quer ganhar; tudo que o estado consegue fazer é impedir que esse patrão lhe contrate por um valor inferior a esse, mantendo-lhe no desemprego ou na informalidade. A medida estatal destrói possibilidades de contratação sem criar nada em seu lugar.

Não se sabe ao certo se os custos ficarão, de fato, proibitivos, pois ainda não se definiu como a hora extra será calculada e remunerada no caso das empregadas. Talvez a solução encontrada para não arruinar o setor seja torná-las algo muito leve. Nesse caso, assim como em todos os outros, vale a mesma regra: a lei trabalhista, na exata medida em que deixa de ser perversa, torna-se inócua. Ela é incapaz de aumentar salários; ela pode, no melhor dos casos, proibir remunerações abaixo do que o mercado já pratica, e assim não causar grandes danos.

O valor do salário

Há um dado da economia que é muito difícil para a maioria aceitar pois temos enraizada a noção de que todo mundo merece, por desempenhar uma função qualquer, uma remuneração que o permita se sustentar com dignidade. Infelizmente, tal concepção, embora fruto de um desejo nobre, seria catastrófica se levada a sério. Pois um trabalho ajuda a sociedade a viver melhor se ele produz valor; o mero tempo ou esforço gastos, em si mesmo, não trazem benefício algum. A remuneração ao trabalhador no mercado corresponde ao valor que seu trabalho cria, e apenas isso. O valor de um determinado trabalho é determinado pela capacidade desse trabalho de ser usado, direta ou indiretamente, para satisfazer a desejos e necessidades dos demais participantes do mercado.

Quem cria valor, recebe valor. O mercado — isto é, as pessoas que transacionam umas com as outras — não remunera horas de trabalho, não remunera os ATPs gastos com atividade física, não remunera o esforço mental, e não remunera nem mesmo o mérito e a dedicação; remunera a criação de valor. Todas essas outras coisas são remuneradas apenas na medida em que ajudam na criação de valor.

Desse princípio, segue-se que, quanto mais unidades de um bem ou serviço estão disponíveis, menor é o valor de cada uma dessas unidades. Se houvesse apenas uma pessoa na cidade capaz de limpar o chão, a remuneração dela seria altíssima, pois todos disputariam seus serviços com unhas e dentes. Se houver muitas — e há, posto que essa tarefa não exige habilidades ou conhecimentos incomuns — a remuneração de cada uma será baixa, pois é uma função cuja oferta está sobrando e que, a bem da verdade, eu mesmo poderia fazer se gastasse um pouco do meu tempo de lazer.

Como os salários das domésticas têm subido

É bem sabido que vivemos em uma época de crescente escassez relativa de empregadas, e que os salários vêm, por causa disso, subindo bastante. Sobem da única maneira que salários podem subir: pelo aumento do valor gerado pela mão-de-obra. Para as condições atuais, o salário que se pagava nos anos 90 não dá mais para contratar uma empregada. A mão-de-obra brasileira é mais produtiva do que era naquela época. O comércio e os serviços em geral demandam muitas mulheres que poderiam trabalhar como domésticas. Ao mesmo tempo, muitas pessoas em ascensão econômica agora querem, elas também, contratar empregadas. "É uma questão de oferta e demanda. Se há menos trabalhadores disponíveis, o custo desse serviço cresce." Se um pesquisador do IBGE é capaz de dizer isso, o Brasil ainda tem jeito! A lei trabalhista não tem nada a ver com o aumento dos salários.

É verdade que alguns trabalhadores se privilegiam dessas leis no curto prazo: aqueles cuja remuneração estava abaixo de seu potencial, que ainda não se deram conta de que há pessoas dispostas a contratá-los por preços mais altos. Esses continuarão contratados e terão um aumento salarial. Mas pensem: a alta rotatividade do setor de domésticas, em que muitas largam um emprego pouco tempo depois por encontrar uma alternativa melhor, indica que esse problema de sub-remuneração não deve ser muito duradouro. A tendência de alta dos salários prova o meu ponto. Se os salários estão subindo, é porque os trabalhadores estão conseguindo elevar sua remuneração; ou seja, ou estão mudando de empregador ou negociando termos melhores com o mesmo empregador. Seja como for, sua remuneração não está encontrando obstáculos para subir e chegar a seu valor potencial.

Já os malefícios são de longo prazo, quiçá permanentes. Todos cuja produtividade é inferior à remuneração mínima exigida pela lei (que leva em conta salário mínimo e todas as demais exigências) serão, com o tempo, demitidos e/ou não encontrarão emprego. As menos instruídas, com menos experiência e com menos habilidades terão muito mais dificuldade em encontrar quem as empregue. A governanta de décadas, que cozinha maravilhosamente e basicamente gere a casa, continuará encontrando demanda: sua remuneração atual já émaior do que o mínimo legal a ser estabelecido neste ano. Já a iniciante, analfabeta, que não sabe fritar um bife e mistura roupas brancas e coloridas na máquina, essa encontrará um mercado muito mais hostil; pois quem pagará mais de R$1.200,00/mês por seus serviços?

Sua alternativa é manter-se no setor informal, recebendo algo mais próximo de seu valor de mercado. Quem sabe, no futuro, ela consiga usar isso em sua vantagem em um processo trabalhista contra a patroa? O estado desempenha nesse caso o papel de agente corrosivo das relações de confiança das quais o mercado defende. Novamente, somos confrontados com o caráter imoralizante de sua influência.

O fim do serviço doméstico não é algo bom?

O serviço doméstico é alvo de muito preconceito nos meios esclarecidos. Não sei por quê. Ele sempre foi, e continua sendo, uma oportunidade de ascensão social para mulheres pouquíssimo qualificadas, e que não tiveram oportunidade de educação. É, inclusive, um caso muito interessante de discriminação pró-mulher; pelo menos por enquanto. Os empregadores preferem empregadas mulheres, e provavelmente só aceitariam um homem no serviço se fosse por um salário consideravelmente mais baixo. Por uma série de motivos (que podem ser reais ou fruto do preconceito, cabe a cada um decidir por si), a maioria das pessoas se sente mais à vontade deixando uma mulher cuidar de sua casa, o que envolve deixar alguém que (inicialmente) não é íntimo lidar com diversos âmbitos da intimidade dos patrões. Sendo assim, ele funciona como meio de ascensão social específico para as mulheres das classes mais pobres.

Muitos lamentam os salários baixos e o baixo grau de instrução de muitas empregadas. Mas o emprego doméstico não é a causa de nada disso; ele é parte da solução! Garanto que o leitor conhece casos de empregadas que vieram de contextos paupérrimos e cujos filhos hoje gozam de uma qualidade de vida superior à da mãe quando criança. Há até muitas empregadas que contratam empregadas e/ou diaristas para suas casas.

O valor do serviço doméstico advém da própria natureza da sociedade humana e do sistema de mercado. O valor que um membro de um domicílio de classe média gera trabalhando fora de casa é maior do que o custo de se pagar uma empregada para fazer o serviço doméstico. Ele valoriza mais o tempo de lazer do que o salário que a empregada demanda. A empregada, por outro lado, valoriza mais o salário que ganha ali do que o tempo livre que teria se não tivesse essa função; sua qualidade de vida cairia muito sem essa fonte de renda. Via de regra, tudo o mais considerado, ela ganha mais ali e tem um trabalho mais seguro e menos demandante do que em qualquer outra ocupação a que ela poderia ter acesso; a prova é que ela está lá. Quando melhores oportunidades surgirem, ela se vai.

"Mas no Primeiro Mundo esse negócio de empregada não existe!" É verdade. E essa verdade se deve a dois motivos, conforme enunciei no início do artigo: um bom e outro mau. Vejam: em países mais ricos, onde o valor criado por cada trabalhador é, em média, alto, é muito caro contratar uma empregada. Para aceitar trabalhar em uma casa, então, os trabalhadores exigirão um valor maior do que a maioria dos patrões está disposta a pagar. Esse é um desenvolvimento natural e que está, inclusive, em curso no Brasil.

Mas essa história tem também um lado mais sombrio. Afinal, bem se sabe que há uma classe baixa, tanto de imigrantes como de nativos, com baixa produtividade e com desemprego crônico morando nas periferias europeias. Ora, será que muitos profissionais de classe média alta europeus e americanos não adorariam ter empregadas domésticas como as que temos no Brasil? Arrisco que sim. Então por que todo esse desemprego? Será que os desempregados pobres se negam a desempenhar esse tipo de função "inferior"? Provavelmente. Mas eles não precisam engolir o próprio orgulho e trabalhar para sobreviver? Não.

O estado de bem-estar de países ricos garante a todos, mesmo a quem não trabalha, um padrão de vida relativamente alto, de modo que trabalhar não é mais uma necessidade. Há todo um filão do jornalismo de tabloide britânico que se dedica a expor os casos escandalosos — e também hilários — de famílias de gerações de desempregados, totalmente irresponsáveis e perdulários, cuja irresponsabilidade, ao invés de ser desestimulada, é premiada.

O Brasil, supostamente, também tem uma malha de proteção de social, só que nossos serviços e garantias estatais são ruins, o que não é uma surpresa. O estado não gera riqueza; ele apenas suga parte da riqueza produzida na sociedade. Assim, se a sociedade da qual o estado suga seus recursos for rica — isto é, se ela tiver alta concentração de capital físico e humano — então o estado poderá prover serviços generosos e de alta qualidade. Se a sociedade for pobre, o estado terá serviços precários e os benefícios por ele concedidos serão poucos. Quase todos os países pobres do mundo são welfare states, e isso não os faz menos pobres. A consequência disso para nós é que, enquanto o pobre europeu pode basicamente se recostar, o pobre brasileiro tem que se virar; quase nada está garantido para ele. E é por isso que a jovem pobre no Brasil aceita trabalhar de empregada e a jovem inglesa prefere ficar em casa e comprar um tablet. Assim, dada nossa realidade social, faz todo o sentido que mulheres com pouca formação procurem, entre outras atividades, a de empregada.

A solução do mercado

Felizmente, o mercado sempre encontra meios de burlar as ineficiências e pesos mortos criados pela intervenção estatal. Assim como, no meio empresarial, a legislação trabalhista praticamente obriga as empresas a pagar por serviços de PJ ao invés de contratar formalmente um funcionário, também no setor das domésticas vem ganhando peso a função da diarista para trabalhos específicos. Esse processo é em parte independente das leis trabalhistas: com o encarecimento da mão-de-obra, serviços especializados com tempos estritamente determinados tornam-se mais vantajosos. Não dá para pagar uma mulher para ficar o dia todo em casa, grande parte do tempo apenas de stand-by caso alguém precise de algo. Mas dá para pagar para essa mesma mulher passar uma hora produtiva dentro da casa toda semana. As leis trabalhistas, contudo, aceleram esse processo de mudança, tornando-o mais rápido do que deveria ser. Graças a elas, esse processo se dará um pouco antes de muitas mulheres terem conseguido encontrar alternativa melhor no mercado de trabalho.

Esse é provavelmente o novo paradigma ao qual os brasileiros se habituarão. Uma realidade com um pouco menos de lazer e um pouco menos de possibilidades para trabalhadoras pobres e pouco qualificadas, mas na qual, ainda assim, ambos os lados conseguem se beneficiar mutuamente.

A outra parte da solução é nossa velha e conhecida informalidade, que deve continuar a vigorar em muitos casos. É uma opção de risco para o empregador, mas que, num mercado como o das domésticas, em que a confiança pesa muito, continua fazendo sentido para muitos. Ao contrário do que se diz, não há problema absolutamente nenhum na existência do trabalho informal. O problema, como tentei mostrar, são as leis que criam a necessidade da informalidade.

Joel Pinheiro da Fonseca é mestrando em filosofia, editor da revista Dicta&Contradicta

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

DEMONSTRE APREÇO PELOS COMERCIANTES


As pessoas podem ser manifestamente desagradáveis com comerciantes e com atendentes de lojas, tratando de maneira sórdida indivíduos que estão apenas tentando empreender e que estão ali apenas para nos servir e prestar um bom atendimento. 

Sim, é um direito das pessoas reclamarem: uma característica do mercado é que você não tem de comercializar com ninguém em específico. E, ainda assim, confesso ficar aborrecido quando vejo pessoas sendo tão desdenhosas e desrespeitosas para com tentativas de empreendimento. Por que não simplesmente se recusar a comprar e ir embora? Pra que proferir invectivas e se comportar de maneira rude?

Outra dia, na loja de materiais esportivos, ouvi consumidores resmungando que essa luva era muito cara, que essa raquete de tênis era muito sensível, que esse sapato era muito espalhafatoso, que esse equipamento de ginástica não era tudo aquilo que diziam, e que a loja deveria trabalhar apenas com essa marca de bola, e não com aquela outra. A maioria dos consumidores dos produtos desta loja está feliz, caso contrário a loja não mais estaria operante; porém, outras pessoas (de novo, corretamente) simplesmente assumem que é seu direito não gostar, rechaçar, desprezar, rebaixar, humilhar e dispensar qualquer comerciante com um simples e depreciativo gesto de mão.

Compare esta cena à ala de segurança ou alfandegária de um aeroporto. Essa mesma classe de cidadãos se submete a filas humilhantes, marchando em estilo quase militar, e se deixa ser revistada, ter sua privacidade invadida e às vezes até seus pertences confiscados por burocratas que não dão nenhuma explicação. Ninguém ousa proferir uma palavra de protesto ou de reclamação por puro medo de ser repreendido por desacato a funcionário público, com ameaça de prisão. O único objetivo é sair dali o mais rápido possível para chegar ao outro lado da barreira governamental, onde a mini utopia do comércio aeroportuário nos espera ansiosamente para nos servir de maneira decente — e é melhor que aquele sanduíche e aquela cerveja sejam servidos imediatamente, caso contrário vamos exigir nossos direitos!

Quando consumidores, somos mestres do universo; quando cidadãos perante autoridades governamentais, somos cordeirinhos dóceis e obedientes. E talvez isso seja fácil de ser entendido. O governo tem uma arma apontada para a nossa cabeça. Já o comerciante está apenas tentando nos persuadir a abrir mão do nosso dinheiro em troca de bens e serviços. O primeiro não aceita 'não' como resposta; já o último vê um 'não' como sendo parte inerente à sua rotina diária.

Ainda assim, deveríamos ser mais conscientes dessa diferença, e demonstrar maior apreço pelo significado de tudo isso. A classe de pessoas que optou pelo caminho da persuasão em vez da coerção merece todo o nosso respeito e gratidão, mesmo quando não compramos nada deles. A classe comerciante é aquela que torna possível tudo em nossa vida: nossas moradias, nossa comida, nossos serviços médicos, nossas roupas, nosso ar condicionado, nossos computadores, nossos aparatos musicais — absolutamente tudo que faz com que nossa vida diária seja tolerável, prazerosa e jubilosa.

Frequentemente somos tentados a crer que o posto de gasolina, a farmácia, o restaurante, a franquia de fast-food, e a padaria da esquina são apenas coisas comuns à estrutura do nosso mundo, uma inevitabilidade do nosso meio. Mas não são. A decisão de abrir um comércio é algo absolutamente desgastante e inquietante, pois o risco de dar errado e fazer com que o empreendedor perca tudo é muito alto. O futuro é desconhecido tanto no sentido macroeconômico (será que a economia vai entrar em recessão e fazer com que a renda dos consumidores caia?) quanto no sentido microeconômico (talvez ninguém realmente queira comprar minhas coisas). Frequentemente a ideia exige que o empreendedor utilize todo o dinheiro que ele poupou — ou que ele vire refém dos bancos. Não importa qual seja a ideia do empreendimento: o ato de empreender sempre será algo amedrontador.

E não se trata apenas de dinheiro. Você acabará comprando vários objetos e equipamentos (o seu capital) que, caso o empreendimento dê errado, não serão facilmente convertidos para outros fins; muito menos poderão ser vendidos a preços sequer comparáveis àqueles pelos quais você os comprou. Cadeiras, mesas, placas, cartazes, letreiros e outras decorações revelar-se-ão um puro desperdício caso o empreendimento não dê certo. 

E há também o problema com as outras pessoas. Você tem de contratar empregados, e estes têm de ser pagos muito antes de você vislumbrar qualquer perspectiva de lucro — se é que algum dia o lucro virá. Você repentinamente se torna o responsável por essas pessoas.

Você pode até se autointitular "chefe" ou "patrão", mas no íntimo sabe que isso não representa a realidade. Você é responsável pelos seus empregados, mas não é realmente o patrão. Os patrões são os consumidores, cuja volubilidade e inconstância podem tanto lhe enriquecer quanto destruir seu novo meio de vida — você está completamente à mercê deles.

E depois há a questão da comercialização do produto. Você acredita no seu produto, mas você não pode fazer tudo por conta própria. Você tem de contratar pessoas que terão a função de saber ofertar e vender o seu produto. É necessariamente verdade o fato de que essas pessoas que você irá contratar não serão tão sólidas quanto você no entusiasmo ou mesmo na crença na qualidade do seu bem ou serviço. Elas terão de ser "vendedores" de qualidade — alguém contratado para estar empolgado e interessado no ofício, mas que, na maioria das vezes, preferiria estar fazendo outras coisas.

Isso não é, de modo algum, uma crítica aos vendedores contratados. Muito pelo contrário. O vendedor estará na desconfortável posição de ter de imitar o senso de responsabilidade e de desejo de sucesso que já existe na mente do criador do empreendimento, mas que não existe naturalmente na mente do vendedor. É por isso que saber vender é uma arte que exige treinamento. As pessoas normalmente desprezam essa necessidade de treinamento e até mesmo fazem gracejos, mas se trata de algo essencial. Tampouco existe algo como um 'vendedor genérico', aquele que domina a arte de saber vender qualquer coisa. O que podemos vender e o que não podemos vender depende enormemente do nosso próprio enfoque e da nossa própria mentalidade.

Jamais também subestime o problema dos estoques, algo que requer julgamentos empreendedoriais diários. Se você, por exemplo, está no ramo da venda de madeira compensada, e o seu primeiro mês de vendas ficou muito aquém das suas expectativas, sua batalha apenas começou. Você terá de fazer um melhor juízo acerca dos estoques do mês seguinte. Compre muito e você dissipará todos os seus lucros. Compre pouco e você perderá clientes que, ao não encontrarem um produto específico em seu estabelecimento, nunca mais voltarão. Suas estimações terão de estar praticamente corretas o tempo todo. Mas você não possui uma bola de cristal. E esse problema da adivinhação nunca irá deixar de lhe importunar: não importa o quão bem sucedido você tenha sido em um dado mês, você jamais terá ideia do que lhe aguarda no mês seguinte. Um pequeno descuido e sua sorte estará selada.

E há ainda a concorrência. Qualquer um está livre para copiar e reproduzir o seu sucesso. Quanto mais bem sucedido for o seu empreendimento, mais imitadores você inspirará, os quais farão de tudo para copiar exatamente o que você faz, só que, de alguma forma, a um preço menor. Isso significa que você constantemente terá de se manter um passo à frente, sempre inovando. Ao mesmo tempo, você constantemente terá de saber como se autoavaliar, sempre olhando para trás. Um dia ruim de vendas pode não significar nada, mas pode também significar tudo. Pode ser apenas um ligeiro solavanco em sua jornada rumo à glória, mas pode também ser o prenúncio do desastre. Simplesmente não há como saber de antemão.

As forças da concorrência em um mercado dinâmico estão constantemente atuando para solapar o seu sucesso futuro. Para os empreendimentos que hoje são bem sucedidos, o sistema de mercado equivale a uma gigantesca conspiração que visa a reduzir seus lucros a zero. A única maneira de resistir e contra-atacar é servindo seus clientes com ainda mais atenção e excelência.

E, ainda assim, não importa quão bem sucedidos tenham sido seus planos até aqui, não há absolutamente nada garantido para o futuro. A qualquer dia, a qualquer hora, tudo pode se esvanecer. Os consumidores podem desaparecer. As tendências podem mudar. As preferências e os gostos da classe consumidora podem sofrer uma guinada. Você é total e completamente dependente dos caprichos subjetivos de todo o resto. Não importa quão grande seja a sua determinação, a realidade implacável é que você simplesmente não pode controlar o que os outros pensam ou fazem. E isso vale tanto para o pipoqueiro da esquina quanto para a Amazon.com. Não importa o quão grande você tenha se tornado, dinheiro nenhum pode garantir que o seu futuro empreendedorial seja propício.

E por que, mesmo assim, alguém ainda se arrisca? Por que uma pessoa decide se tornar comerciante ou empreendedora? A resposta típica é que as pessoas fazem isso por dinheiro. Mas não há absolutamente nenhuma garantia de que tal atitude será transmutada em dinheiro. O dinheiro tanto pode vir aos montes como pode vir em quantidades escassas. E, quando ele vem, ele normalmente acaba sendo reinvestido no próprio empreendimento, para que este se mantenha viável. Então, por que as pessoas se arriscam nisso? 


Tudo tem a ver com o sonho do sucesso, a esperança de fazer a diferença, de ganhar a vida com a vocação, com a concretização da ambição de servir bem e ser reconhecido por isso. É isso que motiva e guia o empreendedor.

E como nós retribuímos essas pessoas? Falando palavras ásperas, gritando e desdenhando, se recusando a comprar seus produtos, criticando a menor das falhas e se recusando a dar absolutamente qualquer crédito por suas tentativas. Nós os chamamos de gananciosos e menosprezamos seus pedidos de compra, dizendo que seus produtos são imprestáveis. O estado oprime essas pessoas com regulações, impostos, burocracias, ordens e imposições muito maiores do que aquelas vivenciadas pelo resto de nós, e ainda assim elas insistem, resolutas em sua determinação.

É algo evidente que a classe comercial é tratada hoje da mesma forma como era tratada na antiguidade: como pessoas desprezíveis, vis, incapazes e ineptas. Porém, a verdade é essa: a classe comercial é a classe que nos fornece exatamente todas as coisas que mais amamos. Nós dependemos dela e ela depende de nós.

As pessoas que hoje têm de lidar com esse estado leviatã normalmente se sentem impotentes para fazer qualquer coisa contra essa atual situação opressora. Eu sugiro que uma maneira de lutar contra essa tomada hostil da sociedade pelo estado e por seus burocratas desprezíveis é mostrando uma maior apreciação por aquilo que representa o exato oposto dessa opressão. Devemos mostrar apreço pelos comerciantes. Deveríamos começar mostrando gratidão intelectual pelas coisas que eles fazem por nós. Deveríamos ir ainda mais adiante e realmente dizer aos comerciantes o quão elevada é a nossa consideração pela vocação deles.

Controlar nossas afeições é uma maneira de contra-atacar. Por isso, devemos mostrar respeito, consideração e apreço pelas coisas e pelas pessoas que estão fazendo o que é melhor para a sociedade, e que estão servindo de inspiração para outras pessoas seguirem seus passos. O modelo e o ideal de sociedade em que queremos viver, uma sociedade pacífica e próspera, pode estar tão perto de nós quanto aquela loja de conveniências logo ali na esquina.

O ARSENAL DO IRÃ

Uma questão que ocupava de maneira obsessiva a diplomacia ocidental desapareceu há alguns meses dos radares: já não se fala mais dos progressos realizados pelo Irã para se dotar de uma arma nuclear.


Paralelamente, não se evocam mais os bombardeios que Israel, ou os Estados Unidos, poderiam realizar para erradicar as instalações nas quais engenheiros e operários estariam preparando uma bomba atômica iraniana.

Esse silêncio tem razões políticas: os dois países aptos a lançar uma ação militar, Israel e Estados Unidos, estavam indisponíveis. Os Estados Unidos tinham a eleição presidencial de 6 de novembro e Israel vai votar no dia 21 para definir se o atual governo se mantém.

Isso não significa que Teerã tenha acalmado seus ardores. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ligada à Organização das Nações Unidas, diz o contrário: "O programa iraniano não vai parar. Cada mês, este país instala duas novas cascatas de centrífugas".

Depois que essas duas disputas eleitorais ficarem definitivamente para trás, é bem provável que o perigo nuclear iraniano volte à baila. Mas o problema poderá mudar de figura.

Até o ano passado, Israel estava impaciente para agir, para lançar bombas e Barack Obama temperava esses arroubos militares, chegando a "repreender" o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, que não gostou nem um pouco.

Hoje, Israel se sente um pouco ultrapassado pelos acontecimentos. A verdade é que o Irã enterrou seus sítios nucleares tão profundamente no subsolo que a aviação israelense já não será capaz de destruí-las.

Somente a aviação americana tem meios militares suficientemente poderosos para realizar semelhante operação.

Barack Obama não tem escapatória. O que ele vai decidir? É verdade que ele prometeu que não deixaria o Irã dominar a arma nuclear. Mas ele fez essa promessa a contragosto. Aliás, ele também declarou que encerraria a "década de guerra" da era Bush.

O presidente americano disse também que tal operação poderia provocar uma escalada dos preços do petróleo e, com toda certeza, uma explosão do mapa político desse Oriente Médio instável. Sabe-se também que o Irã construiu meios de defesa antiaéreos formidáveis ao redor de seus sítios nucleares.

No entanto, embora os israelenses reconheçam que não têm a capacidade para realizar a operação sozinhos, eles continuam decididos a pressionar de todas as formas os Estados Unidos.

O período que se abrirá após as eleições israelenses do dia 21 será propício. Seja qual for o resultado (Netanyahu ou não), o futuro gabinete israelense será composto de "falcões".

Israel fará de tudo então para arrastar os Estados Unidos para uma ação militar. Mas a maioria dos ministros israelenses não confia em Obama e desconfia que ele prefere contemporizar.

Netanyahu e seus ministros têm adotado um discurso de viés alarmista. Eles argumentam que é preciso agir muito rápido contra o Irã: "O ponto de máximo perigo será atingido no dia em que os iranianos dispuserem da quantidade de urânio para fabricar uma arma atômica, ou seja, 250 quilos de urânio enriquecido a 20%, e eles estão fabricando regularmente 15 quilos por mês. Um simples cálculo permite concluir que restam aos americanos e ao Ocidente aproximadamente seis meses para agir".

Esses cálculos, esse prazo de seis meses, circulam em Israel há algumas semanas. E constata-se que foram retomados, sem citar sua origem, por alguns meios de comunicação importantes do Ocidente, como se Israel tivesse conseguido impor aos ocidentais, conscientemente ou não, seu próprio calendário. 
Por: Gilles Lapouge / Tradução de Celso Paciornik

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

FIM DA LINHA EM PARIS


A França é um país com enorme riqueza cultural, mas que sempre alimentou idéias políticas e econômicas esquisitas. À exceção de pensadores brilhantes como Voltaire, Frederic Bastiat, Alexis de Tocqueville, Jean-François Revel, Raymond Aron, Guy Sorman e alguns outros, o fato é que quase todas as ideologias estatizantes possuem um DNA francês. O Estado é adorado por lá. Escrevi no capítulo “Décadence avec élégance” do meu livro “Privatize Já” (editora LeYa):

Se tem um importante país europeu onde a mentalidade estatólatra é predominante, esse país é a França. Desde os tempos de Luís XIV, a quem é atribuída a frase L’État c’est moi (o estado sou eu), a França é palco de regimes concentradores de poder e recursos no estado. O ministro de Luís XIV, Colbert, daria inclusive nome a esse modelo mercantilista controlador. Seu oposto, o laissez-faire, teria surgido como um grito de desespero dos empresários frente a essa asfixia causada pelo “colbertismo”.

Isso tudo me veio à mente nesses dias, quando o ator Gerárd Depardieu decidiu abrir mão de sua cidadania francesa e passou a ser um cidadão russo. Quando alguém prefere abandonar a “cidade das luzes” em troca da gélida Rússia sob o comando de Vladimir Putin é porque a coisa está realmente feia na França. E de fato está!

Muitos resolveram criticar não o governo francês e sua sede insaciável por recursos, mas o ator, acusado de antipatriotismo. Depardieu rebateu com uma carta aberta, alegando que trabalha desde cedo e que já pagou, segundo seus cálculos, quase US$ 200 milhões em tributos ao longo de sua vida. Realmente, se alguém acha pouco, é porque perdeu completamente o juízo.

O presidente socialista François Hollande venceu com uma plataforma populista de taxar mais ainda os ricos. Ao subir para 75% o imposto daqueles que ganham mais de um milhão de euros por ano, o governo francês está declarando que os ricos são escravos. Ninguém em sã consciência pode considerar razoável uma pessoa trabalhar três quartos do ano apenas para sustentar a máquina estatal.

Claro que muitos ricos possuem inúmeros privilégios e esquemas para burlar parte desse fardo absurdo. A França, nesse e em outros aspectos, parece-se muito com certo país tupiniquim da América do Sul. Subsídios estatais, brechas legais, favorecimentos de todo tipo, enfim, os grandes grupos aliados do “rei” conseguem sobreviver nesse capitalismo de compadres. Mas um ator, um esportista, um profissional liberal que ganha muito dinheiro nem sempre desfruta das mesmas regalias.

Com suas medidas cada vez mais socializantes, a França acabou criando uma casta de privilegiados e uma reduzida mobilidade social. As mesmas grandes empresas existem há décadas. Não há casos de empresas inovadoras que nascem em garagens e ficam gigantes. Não há casos de gigantes que vão à falência, como deveria ocorrer em um sistema capitalista de livre mercado. Os vencedores de antes se protegem com as muletas estatais da concorrência, engessando a economia.

John Bagot Glubb, em seu livro de 1978 “The Fate of Empires and the Search for Survival”, tenta definir um padrão comum de ascensão e declínio de impérios. Seus estudos apontam para os seguintes estágios: 1. Era da explosão com os pioneiros; 2. Era das conquistas; 3. Era do comércio; 4. Era da abundância; 5. Era do intelecto; 6. Era da decadência; 7. Era do declínio e colapso.

Outros pesquisadores, como Will Durant, chegaram a conclusões semelhantes: o próprio sucesso planta as sementes do fracasso. Após uma era da abundância, intelectuais começam a colocar em xeque os valores que permitiram tais conquistas, e vendem ilusões, utopias, sistemas abstratos desligados da realidade. Uma decadência moral toma conta do império, os heróis deixam de ser os empreendedores, e passam a ser artistas e intelectuais cujas vidas são exemplos de imoralidade. Os bárbaros vêm de dentro!

O Estado de bem-estar social é criado com os frutos das velhas conquistas, e prepara o terreno para os escombros a seguir. A França não está sozinha nessa trajetória. Mas ela pode ser vista como seu grande ícone. Os Estados Unidos vêm atrás, com mais tempo para desperdiçar, mas seguindo o mesmo caminho fadado ao fracasso.

Em crise existencial, a Europa pós-moderna, liderada pela França, possui estudantes de 30 anos e aposentados de 50 anos, e ainda se questiona por que o pequeno grupo de trabalhadores entre eles não consegue fazer as contas fecharem.

É triste ver a civilização ocidental, especialmente a França, representante de um incrível legado cultural, passar por isso. Mas estamos diante de uma profunda crise de valores, e enquanto estes não mudarem, o destino não parece nada promissor. A debandada de Gérard Depardieu é apenas um sintoma da doença. Se ela continuar sendo ignorada, a decadência será inevitável. Por: Rodrigo Constantino, revista VOTO

"MATAMOS E FOMOS COMER JACA"

Este foi o título da matéria de Wilton Junior, publicada no jornal A Tribuna, onde três adolescentes assassinaram uma criança de 11 anos idade – maltrataram o menino e depois o enterraram ainda vivo, ...“e fomos comer jaca”.

Esse é mais um drástico acontecimento que reforça, mais uma vez, a necessidade urgente de uma revisão da lei da maioridade penal. A virulência de um crime não pode ser medida a partir de uma idade cronológica.

Pelo teor do crime praticado, o cumprimento de uma pena em si, pode durar uma vida. A realização de um trabalho de ressocialização do autor do crime deve ser levado a sério no que diz respeito à gravidade de sua periculosidade.

Na Inglaterra, por exemplo, temos vários exemplos de crianças de 10 a 12 anos que sofreram penas de algumas décadas, por terem cometido assassinatos. Naquele país, a maioridade penal vale a partir dos 12 anos.

A realidade deve ser concebida como uma realidade. Se quisermos mudar alguma coisa em nosso país devemos deixar de lado os sentimentos e passarmos a lidar com crua realidade dos fatos. A estabilidade na vida será maior quando pais conseguirem adotar, verdadeiramente, os seus filhos.

Isso não é simples: filhos desejados, filhos não desejados. A sociedade, a partir das suas instituições competentes, deve adotar, como numa família, os menores que sinalizam, aqui ou ali, práticas desviantes. O bom trabalho de agentes públicos deve incluir o atrevimento de uma implicação que não se acomode nas regras dadas de antemão.

Uma intervenção somente promove mudanças significativas se ela mesma opera nas bordas e nos limites impostos pela ordem estabelecida.

Se a sociedade se isenta de sua responsabilidade pelos atos desviantes desses jovens estes, cada vez mais, serão colocados à margem do convívio pelo caminho da violência.

Insisto, a lei da maioridade penal, ainda vigente em nosso País, tornou-se uma lei perversa. Uma lei que não mais preconiza os limites necessários – o que legitima uma lei como lei é o seu caráter de necessidade –, estimula o jovem em violência a um desvio de seu itinerário, levando-o facilmente ao mundo da criminalidade.

Ministros, desembargadores, políticos, juízes, promotores, delegados, policiais, advogados, estudantes de Direito, famílias: onde estão que não se pronunciam? Nada dizem, nada fazem, tudo permanece como está! Vivemos uma vida emudecida.

As famílias vivem em seus isolamentos, voltadas a uma individualidade insensata, narcísica, sem caminhar rumo a uma conquista social.

Numa família os pais precisam punir seus filhos para que aceitem os limites da lei impostos a seus atos, o mesmo deve se repetir em sociedade quando jovens têm dificuldade em reconhecer que todo ato gera consequências que esbarram nos limites da mesma lei civilizatória.

Não se educa, não se ensina responsabilidade, isentando crianças e adolescentes das consequências de seus atos. Adolescentes que se tornam violentos, frequentando os territórios de uma marginalidade, carregam na cabeça a fantasia de que não foram desejados pelos pais, que teria sido melhor não tivessem nascidos, já que não encontram um lugar na sua própria existência.

Por isso mesmo, muitas vezes os cuidados vindos da sociedade não encontram uma resposta que corresponda aos investimentos amorosos. São sujeitos que carregam uma desesperança tão assustadora que a vida em si não tem valor.

O que dizer quando um filho torna-se a resposta impensada de uma gravidez inconsequente?
O que é fundamental é que tenha havido desejo na união de um homem e de uma mulher, para que possam ocupar a função de pai e de mãe.

José Nazar é psiquiatra e psicanalista.

Artigo publicado no jornal A Tribuna em 13/01/13.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A CRISE É MORAL

O Japão está em crise há décadas. A Europa está em grave crise. Os Estados Unidos cada vez se parecem mais com a Europa. Não seria exagero falar em uma grande crise das democracias modernas. O que pode explicar tal fenômeno?

A esquerda vai apontar para os bodes expiatórios de sempre: o capitalismo, o liberalismo, o individualismo. E a esquerda vai errar o alvo, como sempre. Foi o capitalismo liberal com foco no indivíduo que tirou milhões da miséria e permitiu uma vida mais confortável a essa multidão. Quem está mais longe desse sistema, está em situação muito pior.

O que explica as crises atuais então? Claro que um fenômeno complexo tem mais de uma causa. Mas eu arriscaria uma resposta por meio de um antigo provérbio conhecido: avô rico, filho nobre, neto pobre. Isso quer dizer, basicamente, que o próprio sucesso planta as sementes do fracasso, só que de outra geração.

Somos os herdeiros de uma geração mimada, que colheu os frutos do árduo trabalho de seus pais, acostumados com vidas mais duras, com guerras, com diversas restrições. Essa geração, principalmente na década de 1960 e 70, pensou que bastava demandar, e todos os seus desejos seriam atendidos, sabe-se lá por quem.

Acostumados com o conforto ocidental, essas pessoas passaram a crer que a opulência era o estado natural da humanidade, e não a miséria. Em vez de pesquisar as causas da riqueza das nações, como fez Adam Smith, eles acharam que bastava distribuir direitos e jogar a conta para o governo.

O Estado se tornou, nas palavras de Bastiat, “a grande ficção pela qual todos tentam viver à custa de todos”. O conceito de escassez foi ignorado, e muitos passaram a acreditar na ilusão de que basta um decreto estatal para se obter crescimento e progresso. Vários olharam para esse deus da modernidade em busca de milagres.

Foi assim que a impressão de moeda por bancos centrais passou a ser confundida com criação de riqueza. Ou que gastos públicos passaram a ser sinônimo de estímulo ao PIB, colocando o termo “austeridade” na lista dos inimigos mortais. O crédito sem lastro para consumo passou a ser visto como altamente desejável, e a poupança individual como algo prejudicial ao crescimento econômico. 

Toda uma geração acreditou que era possível ter e comer o bolo ao mesmo tempo, esquecendo o alerta de Milton Friedman, de que não existe almoço grátis. Esmolas estatais foram distribuídas a vários grupos organizados, privilégios foram criados para várias “minorias” e o endividamento público explodiu.

O Estado de bem-estar social criou uma bomba relógio, mas ninguém quer pagar a fatura. Acredita-se que é possível jogá-la indefinidamente para frente. Os banqueiros centrais vão criar mais moeda ainda, os governos vão gastar mais e assumir novas dívidas, as famílias vão manter o patamar de consumo e tomar mais crédito, e todos serão felizes. E ai de quem alertar que isso não é possível: será um ultraconservador reacionário e radical.

A postura infantil se alastrou para outras áreas além da econômica. Os adultos agem como adolescentes e delegam ao governo a função de cuidar de seus filhos e de si próprios. O paternalismo estatal assume que indivíduos não são responsáveis, mas sim mentecaptos indefesos que necessitam de tutela.

Intelectuais de esquerda conseguiram convencer inúmeras pessoas de que elas não são responsáveis por suas vidas, e sim marionetes sob o controle de forças maiores e determinísticas. Roubou alguém? É vítima da sociedade desigual. É vagabundo? Culpa do sistema. Matou uma pessoa? A arma é a culpada, e a solução é desarmar os inocentes.

Notem que o mundo atual exime de responsabilidade o indivíduo de quase todas as atrocidades por ele cometidas. Sob a ditadura velada do politicamente correto, ninguém mais pode dar nome aos bois e colocar os pingos nos is. Os eufemismos são a regra, e a linguagem perdeu seu sentido. O criminoso vagabundo é a vítima, e sua vítima é o verdadeiro culpado: quem mandou ter mais bens?

Portanto, engana-se quem pensa que para sair dessa crise precisamos de mais do mesmo: mais crédito, mais dívida pública, mais gastos de governo, mais impostos sobre os ricos e mais impressão de moeda. Não! A receita proposta por Obama e companhia é o caminho da desgraça. Ela representa estender artificialmente a “dolce vita” dos filhos nobres (e mimados), como se o dia do pagamento nunca fosse chegar. Ele chega, inexoravelmente.

Os netos pobres seremos nós, ou nossos filhos, se essa trajetória não mudar logo. A crise não é apenas econômica; ela é moral. Por: Rodrigo Constantino O Globo

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A DECADÊNCIA DA FRANÇA

Gérard Depardieu já é cidadão russo. Foi recebido pelo próprio Vladimir Putin, depois de polêmica feia com o governo de François Hollande.


Eis a questão: Depardieu está cansado de pagar impostos. Durante a sua longa carreira, já pagou mais de € 145 milhões (cerca de R$ 384 milhões). Chega. Sobretudo quando o governo de Hollande promete taxar com redobrada dureza os mais ricos do país.

Comento essa história com alguns amigos progressistas que não se conformam: se o Estado francês deseja aumentar para 75% o Imposto de Renda de quem ganha mais de € 1 milhão (R$ 2,6 milhões), como é possível que Depardieu se recuse a contribuir?

Claro que o verbo, na minha opinião, não é "contribuir". É "permitir". No caso, "permitir" ser roubado pelo Estado. Mas o problema, no fundo, é outro: quando Depardieu diz adeus à França e aceita um passaporte de Putin, talvez seja a França, e não Depardieu, que esteja com problemas sérios.

Aliás, bastaria perguntar aos meus amigos progressistas quando estiveram eles em Paris pela última vez. O silêncio seria geral. Paris é uma cidade que já não existe no radar deles.

Sem falar do óbvio: qual foi o último romancista francês que eles leram em 2012? Qual foi o filme a que assistiram? Que exposição os motivou ou encantou?

E, filosoficamente falando, quem é o grande pensador francês da atualidade? Melhor ainda: seriam eles capazes de ler esse pensador na língua original?

"É a economia, estúpido!", dizia um conhecido marqueteiro americano nas eleições presidenciais de 1992 entre Clinton e Bush (pai). No caso da França, a economia é apenas o começo do problema.

E esse começo é o mesmo dos países do sul da Europa: o euro, uma quase imposição gaulesa para que a União Europeia engolisse a temível reunificação da Alemanha, permitiu à França uma década de endividamento e gastos públicos como se não existisse amanhã.

Os resultados, que a revista "The Economist" resumiu recentemente, arrepiam qualquer cristão: o Estado consome 57% do PIB (a maior fatia de toda a zona do euro). A dívida pública saltou dos 22% do PIB (em 1981) para os 90% (em 2012). O desemprego atinge 25% da população jovem.

Perante tudo isso, a solução de François Hollande é taxar tudo que se mexe: trabalho, capitais, patrimônio. E depois? Quando não existir mais nada nem ninguém para "contribuir"?

Depois, a França chegará a duas conclusões dolorosas.

A primeira é que, ao adiar as reformas necessárias para que a sua economia seja minimamente competitiva, Paris capitulou perante a Alemanha: Angela Merkel é hoje a líder informal da Europa, não François Hollande.

E, segunda, que há um cheiro de declínio no território preferencial dos franceses: o da cultura.

Anos atrás, a revista "Time" provocou polêmica ao cartografar esse declínio com números. Na França, publica-se muito -mas os livros não sobrevivem fora das fronteiras francesas. Na França, filma-se muito -mas os filmes também não sobrevivem fora do país.

O mais celebrado artista plástico francês -Robert Combas- é personagem secundário nos circuitos artísticos internacionais (que estão em Londres, Nova York e até Berlim). A cultura pop francesa é uma piada (ou, no limite, uma imitação grotesca dos rappers americanos).

Se não fossem moda e gastronomia, que só com muita benevolência podem ser consideradas "alta cultura", o que seria da França, hoje?

Formulo essa questão e o leitor, conhecendo a minha costela anglófila, imagina um riso perverso.

Imagina mal. Em 2012, o melhor livro que li foi francês ("O Mapa e o Território", de Michel Houellebecq). Em 2012, o melhor filme a que assisti foi uma produção parcialmente francesa ("Amour", de Michael Haneke). E, para ficar na filosofia, o melhor tratado de política que li no ano findo também foi francês (uma história do liberalismo de Pierre Manent).

Só que tudo isso são exceções que só confirmam o meu desgosto: eu gostaria de ter mais França, e não menos, nas estantes de minha casa. Isso só não é possível porque o declínio é real.

Sem enfrentar esse declínio, os meus amigos progressistas podem encontrar em Gérard Depardieu o bode expiatório. Infelizmente, não será o bode a ressuscitar o rebanho.

Por: João Pereira Coutinho Folha de SP

O TIGRE DE PAPEL

O Brasil já foi chamado “o país dos bacharéis”. O bacharelado – ou diploma universitário, em geral – costumava ser, na prática, a prova de que seu portador pertencia à classe média urbana. A formação universitária propriamente dita, ainda que melhor que a atual, importava menos que a existência do “canudo de doutor” (e todo bacharel era “doutor”; mestrado e doutorado eram coisas de estrangeiros).


De lá pra cá muito mudou, mas a importância relativa dos papeizinhos dotados de poderes mágicos só aumentou. Para que se possa considerar que mais gente pertence à classe média, o governo facilita o acesso a cursos superiores em função de critérios absolutamente irrelevantes do ponto de vista acadêmico, muda a faixa de renda que caracteriza a pobreza; em suma, muda o papel. Distribui papéis. É o papel que faz a realidade.

A mesma idolatria pelo papel explica sermos ao mesmo tempo um dos países em que é mais difícil conseguir habilitação para dirigir – requerendo cursos teóricos e práticos em veículos especialmente adaptados ao exame psicotécnico – e o terceiro lugar mundial em mortes no trânsito. O primeiro e o segundo lugar têm mais de um bilhão de habitantes cada, e bem menos mortes por cem mil habitantes. Em outras palavras, somos os campeões!

Ainda é a mesma papelucholatria que faz com que seja praticamente impossível conseguir autorização para porte de arma, mas tenhamos quase quatro vezes o número de mortes por arma de fogo que os “violentos” EUA.

Multidões de analfabetos funcionais lotam os bancos universitários e ganham seus canudos sem nunca terem lido um livro inteiro. Multidões de habilitados atropelam, colidem e fazem barbeiragens em geral, sendo condenados – após um processo judicial que implica em pilhas enormes de papel e leva alguns anos para ser concluído – a pagar cestas-básicas quando matam uma família. Os professores não podem instruir, mas os alunos são automaticamente aprovados para que não deixem de receber seus papeizinhos mágicos; a polícia não pode investigar, mas cada ocorrência é criteriosamente registrada em fartas resmas e carimbada várias vezes antes de ser arquivada. Carregamos carteirinhas do SUS, sabedores de que sem elas não conseguiremos uma vaga no corredor do hospital para agonizar em paz. Somos todos identificados por carteiras de identidade, e temos a certeza de ter nascido que só uma certidão de nascimento pode dar.

No papel, somos os campeões. No papel, somos uma potência.

Pena que papel aceita qualquer coisa.

Por: Carlos Ramalhete é professor. Publicado no jornal Gazeta do Povo.

MELHOR SER MINISTRO NA MORDÓVIA

Milionários do Ocidente pedindo asilo na Rússia? C’est nouveau ça! O ator Gérard Depardieu, que havia se refugiado na Bélgica para fugir à fúria fiscal do presidente socialista François Hollande - que aumentou para 75% o imposto a ser pago por quem ganha mais de um milhão de euros ao ano - recebeu hoje passaporte russo das mãos do presidente Vladimir Putin. Recebido o documento, o ator dirigiu-se para a Mordóvia, onde foi convidado para ser o ministro da Cultura. Sob um governo socialista, melhor ser ministro da Cultura na Mordóvia que milionário na França.


Em meus dias de Suécia, vivi em uma sociedade onde a honestidade era a regra. O Estado confiava no cidadão e o cidadão confiava no Estado. O mais odiado dos crimes, naqueles dias, era a sonegação de impostos. Quem sonegava estava cometendo um crime de lesa-igualdade. O problema é que o imposto de renda podia chegar até 95% e houve inclusive o caso caricatural da escritora Astrid Lindgren, autora de livros infanto-juvenis, em que chegou a 102%. Uma cascata de leis impensadas, uma incidindo sobre a outra, produziu o absurdo. Foi quando soou o alerta sobre a fome fiscal dos socialistas suecos.

Personalidades como Ingmar Bergman ou Ronnie Peterson chegaram inclusive a trocar de país para fugir à fúria tributária do Estado. Em 1976, Bergman foi preso por sonegação fiscal, em pleno Teatro Real de Estocolmo, durante um ensaio de A Dança da Morte, de Strindberg. O cineasta deixou então seu país para viver um longo exílio artístico em Munique. Anistiado em 1979 depois de um ajuste fiscal, ele voltou à Suécia em 1981 para filmar Fanny e Alexandre, mas o retorno definitivo à Suécia aconteceu apenas em 1988. 

Por mais dinheiro que você tenha, sempre dói no bolso receber um milhão e deixar 750 mil para o Estado. O dinheiro é covarde. Mal se sente ameaçado, bate asas. Isto, até hoje os socialistas não entenderam. Em busca da sociedade igualitária, acabam afastando os mais ricos e nivelando por baixo. Aconteceu também em 81, na França. Mitterrand, ao ser eleito, começou a privatizar bancos e ameaçou aumentar o imposto de renda das grandes fortunas. O dinheiro começou a fugir da França, por discretas fronteiras com a Suíça. Só quando Mitterrand se deu conta deste medo visceral do dinheiro e voltou atrás em seus propósitos, os milionários aceitaram voltar à França.

A cidadania russa foi concedida a Depardieu na quinta-feira passada, por decisão especial de Putin. Recebido o documento, o ator fez o elogio da democracia no país. “Ele não será esquecido e esta frase jamais lhe será perdoada: 'é uma grande democracia' “ – disse o jornalista Matei Ganapolski, da rádio de oposição Echo Mosky. Na Rússia, os cidadãos, do bilionário ao pobre, pagam 13% de imposto de renda. Nisto consiste a democracia louvada por Depardieu.

Uma outra personalidade francesa do cinema também pretende obter asilo em Moscou, Brigite Bardot. Por outras razões, segundo alega. Está farta da França porque o governo decidiu abater dois elefantes doentes. Falta saber se na Rússia elefantes doentes não são abatidos. Mas o imposto é de 13%. 

A fuga de Depardieu é apenas a ponta emersa do iceberg. Entende-se que quem ganha muito queira proteger sua fortuna. O que não se entende – perguntaram-se os franceses – é como Depardieu ganhava tanto. E uma nova polêmica, alheia à questão fiscal, está tomando conta dos jornais. Resposta: é que o cinema francês – como aliás, o nosso é subsidiado pelo Estado. E o rei escolhe seus amigos. 

Segundo Le Monde, o cinema francês repousa sobre uma economia cada vez mais subvencionada. Mesmo seus maiores sucessos comerciais perdem dinheiro. Os filmes são muito caros. A França detém o recorde mundial de custo médio de produção: 5,4 milhões de euros, enquanto o custo médio de um filme independente americano gira em torno de 3 milhões de euros. Este custo médio não baixa nunca, embora sempre haja mais filmes, o mercado de salas esteja estagnado, o vídeo afunde e as audiências de cinema na televisão estejam em perpétuo declínio. Sobre o top 10 de uma economia que concerne 220 filme, só um é rentável. Todos os filmes franceses de 2012 ditos importantes foram “plantados”, perdendo milhões de euros: Les Seigneurs, Astérix, Pamela Rose, Le Marsupilami, Stars 80, Bowling, Populaire, La vérité si je mens 3, etc.

Como manter nas telas filmes que o público recusa e mesmo assim dar continuidade a uma indústria do cinema, aparentemente florescente? Só mesmo com o dinheiro do contribuinte, desviado pelo Estado, para repartição entre cineastas amigos. O caso de Depardieu não é único. Há dezenas de atores recebendo salários que a indústria não comporta. A affaire do futuro ministro da Cultura da Mordóvia serviu para puxar um escândalo bem maior, nutrido pelo Estado francês.

Qualquer semelhança com Pindorama não é mera coincidência. Com a diferença de que, no Brasil, a imprensa não dá um pio sobre a corrupção dos cineastas. Verdade que casos como o de Guilherme Fontes e sua biografia de Chateaubriand surgiram à tona, como também o de Norma Benguel e sua adaptação de O Guarani. Norma foi indiciada pela Polícia Federal e responde a acusações de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e apropriação indébita. 

Mas a coitada está em cadeira de rodas. Deixa pra lá. Deixa pra lá também os demais cineastas, ou não teríamos cinema no Brasil. Por Janer Cristaldo


A REFORMA DO PODER LEGISLATIVO

Impressiona muito o contraste na atitude assumida, no final de ano, pelos congressistas norte-americanos e os brasileiros.

Lá, os parlamentares se dispuseram a trabalhar, ininterruptamente, no mês de dezembro, inclusive no dia 31, e em 1.º de janeiro para encontrar uma saída para o que foi chamado de abismo fiscal (fiscal cliff), cuja consumação, a partir de janeiro, teria repercussões severas sobre o nível da atividade econômica mundial.

Ainda que não se tenha logrado uma solução definitiva para a complexa combinação de corte de gastos e de impostos, o episódio valoriza a capacidade de negociação entre o Executivo e o Legislativo daquele país, sob a égide do consagrado princípio da harmonia e independência dos poderes.

Aqui, depois do prolongado recesso oficioso decorrente das eleições municipais, os senadores e deputados optaram por desfrutar das tradicionais férias de fim de ano, que se prolongam até o início de fevereiro, sem que deliberassem, dentre inúmeras matérias relevantes, sobre o Orçamento para 2013 e os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – malgrado todos saberem que os recursos desse fundo constituem fonte indispensável para financiamento dos gastos da esmagadora maioria dos Estados.

O que houve com o Congresso Nacional? Decidiu abdicar do exercício de suas funções constitucionais?

Paradoxalmente, a abertura democrática, que sucedeu os governos militares, e a Constituição de 1988 concorreram, francamente, para o enfraquecimento da atividade parlamentar.Mesmo em épocas difíceis, como no segundo governo de Getúlio Vargas e nos governos militares pós-64, o Congresso jamais renunciou às suas responsabilidades. Ainda que desfalcado pela cassação de ilustres membros, novas gerações de parlamentares mantiveram o legado de combatividade, exercendo honradamente a atividade política na sua expressão mais nobre.

Em 1985, as novas bases de apoio governamental promoveram uma assustadora fúria fisiológica, privilegiando-se a filiação partidária em detrimento da habilitação técnica. Perdeu-se a compostura. A cobiça atingiu limites escandalosos, levando à criação de tantos cargos quantos fossem necessários para saciar a sede fisiológica.

A Constituição de 1988 introduziu institutos concebidos para uma pretensão de governo parlamentarista. Prevalecendo a tese presidencialista, esses mesmos institutos se converteram em armas contra o próprio Parlamento, a exemplo das medidas provisórias com força de lei.

O mais grave é que, com o passar do tempo, elas aumentaram sua toxicidade política, sendo utilizadas para tudo, desde a alteração do Orçamento e das leis de diretrizes orçamentárias até a majoração de tributos, daí passando para verdadeiras colchas de retalho, recheadas pelos “contrabandos” dos projetos de lei de conversão.

O novo regime, introduzido pela Emenda Constitucional n.º 32, de 2001, estabelecendo o travamento das pautas legislativas até a votação das medidas provisórias editadas, infelizmente serviu apenas para paralisar de vez a atividade legislativa.

Até mesmo a exigência constitucional de prévio exame dos requisitos de relevância e urgência foi afastada por uma manobra regimental, repudiada recentemente pelo STF.

Consolidou-se, dessa forma, a transferência da capacidade de legislar para o Poder Executivo, que dispõe ainda do recurso ao veto, que pode fulminar as parcas proposições do Legislativo. Não bastasse a exigência de quórum qualificado para sua derrubada, na prática, só remotamente os vetos são apreciados.

É espantoso constatar que existem mais 3 mil vetos na fila há mais de 12 anos, a despeito de a Constituição prescrever prazo de 30 dias para sua apreciação pelo Congresso.

Tudo isso estimulou, também, a preguiça. O Congresso perdeu o gosto pela produção de leis, propiciando, inclusive, um crescente ativismo do Poder Judiciário para suprir a mora legislativa.

O poder de fiscalização do Congresso foi garroteado pelo boicote à convocação de autoridades e pela farsa das CPIs, apequenadas pela maior capacidade investigatória dos órgãos especializados e pelo silêncio dos investigados, com base em direito sufragado pela Constituição.

O que sobra para o Congresso? Elevar verbas de representação, indicar apaniguados para funções públicas, cumprir os formalismos para aprovação de indicados para os cargos de ministros de tribunais, embaixadores e diretores de agências e, por fim, fazer o jogo das emendas parlamentares – fonte inesgotável da corrupção política. Eventualmente, escutam-se protestos.

Os brasileiros cultivam grande apreço por reformas. Elas satisfazem o desejo de mudar e têm tamanha indeterminação que atendem a todas as vontades. A imprecisão do ânimo reformista não significa, contudo, negação dos problemas. A reforma política, por exemplo, deveria ultrapassar a dimensão eleitoral e incluir a reforma do Legislativo. Trata-se, entretanto, de tarefa difícil, pois requer o concurso de estadistas. 
Por: Everardo maciel  Fonte: O Estado de S. Paulo

domingo, 13 de janeiro de 2013

PETRÓLEO NO ESPAÇO

Cientistas descobrem petróleo, e refinaria cósmica no espaço

Para quem acreditava que o pré-sal era a fronteira final do petróleo, os astrônomos têm uma surpresa.
A Nebulosa Cabeça de Cavalo, localizada na Constelação de Órion, fica a 1.300 anos-luz da Terra, o que certamente a torna menos acessível do que os epósitos do pré-sal. Mas a descoberta pode reavivar o interesse pelas teorias abióticas do petróleo, que afirmam que o valioso óleo pode ser de origem mineral, e não um composto fóssil oriundo da degradação de matéria orgânica. Jerome Pety e seus colegas descobriram os hidrocarbonetos interestelares - moléculas de C3H+ - usando o radiotelescópio de 30 metros do Instituto de Radioastronomia Milimétrica (IRAM), na Espanha.

Refinaria cósmica

Devido à forma peculiar e facilmente reconhecível que lhe deu o nome, a Nebulosa Cabeça de Cavalo é um dos objetos celestes mais fotografados pelos astrônomos. Mas é também um fantástico laboratório de química interestelar, onde o gás de alta densidade, aquecido pela luz de uma estrela supermaciça, continuamente interage e desencadeia reações químicas em muitos níveis. A molécula C3H+ descoberta pelos astrônomos pertence à família dos hidrocarbonetos, sendo parte das fontes de energia mais utilizadas hoje em nosso planeta, o petróleo e o gás natural.

A descoberta do "petróleo espacial", segundo os pesquisadores, "confirma que esta região é uma ativa refinaria cósmica".

Os astrônomos descobriram o petróleo espacial usando o radiotelescópio de 30 metros do Instituto de Radioastronomia Milimétrica (IRAM), na Espanha.

Hidrocarbonetos no espaço

A equipe detectou e identificou 30 moléculas na região da Nebulosa Cabeça de Cavalo, incluindo vários pequenos hidrocarbonetos, as moléculas que compõem o petróleo e o gás natural.

O que mais surpreendeu foi a quantidade do "petróleo espacial".

- "A Nebulosa contém 200 vezes mais hidrocarbonos do que a quantidade total de água na Terra," disse Viviana Guzman, membro da equipe. Além dessas moléculas menores, os astrônomos identificaram a presença do íon propinilidina (C3H+), que foi detectado no espaço pela primeira vez.

Origem do petróleo no espaço

Mas como esse "petróleo do espaço" se forma?

Em seu artigo, Pety e seus colegas propõem que os hidrocarbonetos espaciais resultam da fragmentação de moléculas carbonárias gigantes, chamadas PAHs (hidrocarbonos policíclicos aromáticos, na sigla em inglês). Essas moléculas enormes podem ser intemperizadas pela luz ultravioleta, produzindo a grande população de hidrocarbonetos menores que foram encontrados. Esse mecanismo pode ser particularmente eficiente em regiões como a Nebulosa Cabeça de Cavalo, onde o gás interestelar está diretamente exposto à luz de uma estrela gigante situada nas proximidades.

- "Nós observamos o funcionamento de uma refinaria de petróleo natural de dimensões gigantescas," disse Pety.

Pety é responsável pelo projeto Whisper, que foi criado justamente para estudar essa "refinaria cósmica", sob coordenação do Instituto Max Planck de Radioastronomia, na Alemanha. Fonte: Inovação Tecnológica

SEM SAUDADES

É quase uma constante começar o ano novo com um balanço sobre o que finda e com votos de esperança para o futuro. Neste janeiro, não fosse a reiteração da esperança haveria dificuldades em manter o ânimo. Melhor imaginar que algo de positivo ocorrerá no futuro porque do ano que se encerrou, pouco restou de bom. Na vida pessoal é distinto. Cada um fará o balanço que melhor lhe aprouver; eu pessoalmente nada de monta tenho a lastimar. Mas nos acontecimentos públicos, quanto desalento. Ainda bem que a História não se repete automaticamente. Vade retro!

Comecemos pela economia e pelas finanças internacionais. Quando parecíamos estar saindo da recessão que se arrastava desde 2008, a recuperação mundial se mostrou mais lenta e a crise na Europa ainda mais profunda. É desolação para todos os lados. Os americanos, mais pragmáticos, nadam de braçada em um mar de dólares trocados por títulos de solvência difícil, à custa do resto do mundo. Este não sabe o que fazer com a taxa de câmbio para se defender da inundação de dólares enquanto os Estados Unidos postergam o dia do ajuste final. Sua taxa de desemprego continua elevada, embora não em ascensão; não exibem retomada vigorosa da economia, sem todavia cair no abismo fiscal anunciado pela imprensa, o fiscal cliff. Ou melhor, estão mergulhados nele, mas com escafandro: mantêm as ruas aquietadas e vão contornando sem violência os que protestam nas praças, como no caso do movimento Occupy. Não conseguem, é verdade, escapar do abismo político das posições radicalmente distintas entre republicanos e democratas, muito maior do que aquele no qual está imerso o Tesouro. Os dois partidos não se entendem para definir uma política fiscal que alivie as aperturas do Tesouro, pois os republicanos não aceitam impostos que taxem mais os ricos, nem apoiam medidas que deem alívio às dificuldades dos mais pobres, sobretudo na questão da saúde. A sociedade americana parece bloqueada.

Os europeus pretendem levar a sério o que os americanos dizem, não o que fazem. Pilotam a economia com rédea de ferro, ortodoxos como ninguém conseguira antes. E a economia, tal como o cavalo do inglês que, quando aprendeu a viver sem comer morreu, vai de austeridade em austeridade desfazendo o tão penosamente construído modelo social europeu, rompendo, ou melhor, sufocando o estado de bem estar social e destruindo as bases de um pacto de convivência aceitável. É governo caindo por todo lado e desemprego fazendo as famílias gemerem sem ilusões. E nada do PIB crescer nem das contas públicas melhorarem: da crise de liquidez do setor bancário privado passaram a quebradeira dos Tesouros nacionais, enquanto o euro continua intrépido como se fosse bandeira da Alemanha triunfante. Esta, por sua vez, torna-se capenga pela falta de quem compre as mercadorias que sua produtividade torna baratas em comparação com as produzidas além fronteiras.

Até a China, cujo aparelho produtivo, baseado em exportações, foi criado em aliança com as multinacionais, teve de ajustar-se às circunstâncias, pois lhes falta hoje o vigor do mercado externo de outrora. O país reconstitui penosamente seus objetivos; por ora, essa transição não se completou e o velho modelo já não produz os mesmos exuberantes resultados. Tenta aumentar o consumo doméstico e criar a rede de proteção social indispensável para dar ânimo às pessoas e fazê-las, em vez de poupar para a velhice e a invalidez, consumir. Ao mesmo tempo, com demanda interna insuficiente, a China reduz suas compras de commodities e busca exportar mais os muitos produtos manufaturados que fabrica. O Brasil sofre com isso. Se aqui a crise não produziu um tsunami, suas marolas converteram-se em marasmo, que obriga à navegação a vela em tempos de calmaria.

Se pelo menos a situação política mundial desse algum sinal de melhoria haveria consolo. No final de 2011 meus votos foram pela construção de uma melhor governança global, processo que se avizinhava. Não foram atendidos, demos marcha à ré. As esperanças suscitadas pelo G-20 viraram poeira e, pelo menos até agora, a regulação do mercado financeiro virou balela. No plano das relações de poder, apesar dos avanços já alcançados -- as razoáveis relações sino-americanas, o deslocamento do eixo do mundo para a Ásia, a progressiva aceitação da Rússia como parte do jogo de poder mundial e o reconhecimento do peso político específico de alguns dos países de economia emergente, como o Brasil -- não houve progresso de monta. O que parecia um ressurgimento que permitiria o reconhecimento do mundo árabe-islâmico como parceiro global _ a Primavera Árabe _ ainda é uma incógnita. Como se não bastassem a desastrada intervenção europeia na Líbia, que resultou em faccionalismo e violência, a revolta fomentada na Síria, com enorme custo humano, o fracasso da intervenção ocidental no Afeganistão e o congelamento de uma situação política precária no Iraque, há ainda o impasse nas relações palestino-israelense. Este, graças à aceitação pela ONU do estado palestino na condição de observador, junto com a enigmática revolução egípcia, poderá ser rompido. Sabe-se lá usando quais meios. Oxalá não os nucleares, pretextando a nuclearização do Irã.

Há, portanto, boas razões para desconfiar que 2013 nos prepare dias melhores. Resta o consolo de que entre nós brasileiros, a despeito do já dito e do desapontador "pibinho", que parece desenhar outro apenas melhorzinho para o ano em curso, pelo menos o Judiciário desempenhou seu papel. Sem me regozijar pelo que não me anima _ a desolação da cadeia para quem quer que seja _ é forçoso reconhecer que as instituições republicanas funcionaram. Há choro e ranger de dentes entre alguns poderosos. Há tentativas desesperadas de negar as evidências e acusar de farsa o que é correto. Mas tem prevalecido a serenidade dos que acreditam, como diz a bandeira dos mineiros sobre a Liberdade, que a Justiça pode tardar, mas não falha. São meus votos.Por: Fernando Henrique Cardoso O Globo

INFÂMIA PETISTA

A infâmia não é percebida de imediato, mas lá fora o Brasil desceu alguns degraus na escala moral. Somos já motivo de piada, de escárnio e deboche. Merecemos isso.

A infâmia não é coisa que se apanhe de imediato, no momento em que ela nasce ou é criada. É preciso alguns anos para que se sedimente na consciência do povo que algo vergonhoso, inenarrável, que antes jamais foi concebido, torne-se real aos olhos de todos. O nome dessa infâmia é Partido dos Trabalhadores, como vimos agora na posse de José Genoíno, um condenado à cadeia que assume sua vaga na Câmara dos Deputados. Eu bem poderia dizer que infame é a Câmara, mas isso seria fazer o jogo daqueles que, precisamente tentam fechá-la, e antes disso, desmoralizá-la com a posse de um condenado. 
Aos olhos das pessoas que enxergam a diferença entre o legal, e o moral ou ético, a posse de José Genoíno é um ultraje ao poder legislativo, transformado nesse ato em apêndice da vontade da governança petista ajudada pelos lacaios de sempre. Seria querer demais que os parlamentares dessa Câmara ultrajada evitassem o gesto desafiador e malicioso da grei petista, porquanto ela mesma, Câmara dos Deputados, se transformou em joguete, em fantoche de um governo pré-totalitário e fascista como é o governo Dilma Rousseff. O Senado Federal não foge a esse desgoverno.

Muito menos esperaríamos ver do próprio José Genoíno algo virtuoso, uma ação elevada, como o que esperava dele, acreditem, o ex-governador Olívio Dutra que, nos jornais disse que esperava mais ética com a renúncia do condenado quadrilheiro ao seu mandato. O mesmo se pode dizer dos demais deputados que, envergonhados alguns, ostensivos outros em suas manifestações de apoio à posse vergonhosa, se comportaram de maneira nada digna, nada ética, preferindo a desonra, e mais tarde a infâmia, a lhes pesar e sujar suas histórias pessoais.

E o povo? O povo a tudo assiste de boca aberta, uns porque não entendem o que se passou, outros porque apóiam o gesto de desafio e de desobediência de alguém que ainda tem coragem de jurar por uma Constituição que não soube respeitar. Por isso, esse momento passará inadvertido à maioria do povo brasileiro, cuja consciência do que acontece ainda o levará a reeleger Lula ou Dilma Rousseff. A infâmia não é percebida de imediato, mas lá fora o Brasil desceu alguns degraus na escala moral. Somos já motivo de piada, de escárnio e deboche. Merecemos isso.

Extremos de deboche como esse levam alguns a imaginar alternativas de ação anti-desmanche das instituições. Já se sabe que a democracia não protege a sociedade do voluntarismo totalitário, pelo contrário, este se alimenta dela, bastando para tal que um demagogo inteligente conduza o povo à ruína totalitária. Nesse nível de comprometimento da ação societária legal a única via é a ilegalidade – e a derrubada de um governo totalitário passa a ser uma missão humanista e virtuosa. A ação apolítica, no sentido clássico, passa a ser a última alternativa antes da escravidão total. Será que teremos que chegar a tal ponto? Por: Carlos Reis

sábado, 12 de janeiro de 2013

REGULAMENTAÇÃO DA MÍDIA

A garrando uma oportunidade, a condenação de alguns políticos que o lideram, o Partido dos Trabalhadores postula novamente o controle da imprensa. Existem graves distorções no jornalismo atual, devendo ele ser tratado com rigor pelos interessados - leitores, ouvintes, telespectadores- na forma e no conteúdo das notícias.Muitas críticas, no entanto, têm origem em personalidades e grupos que desejam impor programas para perpetuar seu poder.

De onde vem a tese de que é preciso regular a imprensa? Lembremos o jurista Carl Schmitt, lido por Francisco Campos, ministro de Vargas que no Estado Novo normatizou os jornais. O alemão afirma que, na busca de formar a mente pública, o audiovisual ameaça o Estado. O poder político deve ter o monopólio dessa técnica. "Nenhum Estado liberal deixa de reivindicar em seu proveito a censura intensiva e o controle sobre filmes e imagens, e sobre o rádio. Nenhum Estado deixa a um adversário os novos meios de dominação das massas e formação da opinião pública". O Estado, diz Schmitt, deve controlar os meios de comunicação: "Os novos meios técnicos pertencem exclusivamente ao Estado e servem para aumentar sua potência". O ente estatal "não deixa surgirem seu interior forças inimigas. Ele não permite que elas disponham de técnicas para sapar sua potência com slogans como"Estado de direito","liberalismo" ou um outro nome" (Schmitt em 1932, cf. O. Beaud: Os Últimos Dias de Weimar). A raiz histórica da tese é venenosa.

Na Alemanha preconizada por Schmitt o nome para a regulamentação da mídia foi a Gleichschaltung (impor à imprensa, de modo uniforme, a ideologia do partido). Em 1933 existiam no país 4 mil diários e 7 mil revistas.O Reich estatizar a a maioria das estações de rádio (1925). A Reichs Rundfunk Gesellschaft (Sociedade de Comunicação Radiofônica do Reich) foi posta em 1932 sob os comissários de Franz von Papen, o que facilitou a Gleichschaltung. Tal política foi denunciada em 1938 por Stephen H. Roberts (The House that Hitler Built), mas os olhos estavam cegos para o arbítrio. E vieram a regulamentação do rádio e do serviço postal, a centralização do controle no Ministério da Propaganda, a imposição da conformidade aos funcionários. Foram demitidos os indesejáveis (judeus especialmente).Todos deveriam aceitar os ditames do governo e do partido.Goebbels demitiu os antigos comissários do rádio. Em março de1940 foram unificados os programas radiofônicos do Reich.

Poucas leis foram necessárias para regular a mídia. Ouvir rádios estrangeiras levaria à pena de morte,segundo o Decreto Sobre Medidas Extraordinárias (1.º/9/1939). Em 1937 existiam 8 milhões de receptores de rádio na Alemanha, ante 200 aparelhos domésticos de televisão dois anos depois. Nos Jogos Olímpicos de 1936, 162.228 pessoas foram às salas que exibiam programas televisionados. O partido e o governo usavam, sobretudo, o rádio e o filme. Ao se impor à mídia, Goebbels jogou a violência física sobre ombros alheios: "Não usamos nenhuma forma de coerção. Se necessária a deixamos para outros departamentos". Segundo ele, a propaganda ("jornalística"...) sem elos com a cultura é cansativa e ineficaz. Seria preciso uni-la ao entretenimento, batizado com sarcasmo,contra as Luzes do século 18, de Aufklärung.Você não pode sempre bater o tambor, dizia,"porque o povo gradualmente se acostuma ao som e não mais o registra (...) desejamos ser os condutores de uma orquestra polifônica de propaganda". Os instintos primitivos da massa despertam e são movidos por truques simples e claros.

A mídia regulamentada teve seu papel no extermínio dos judeus, embora o regime mantivesse o segredo como arma.

Himmler, discursando em Poznan (4/10/1943), disse que o Holocausto era "um capítulo glorioso da SS que nunca chegou a ser escrito". A leitura dos jornais sob controle mostram algo diferente.A popularidade de Hitler, é certo, não se deveu à mídia ventríloqua, mas é falso dizer que jornais "independentes" (Frankfurter Zeitung, Berliner Tageblatt, etc.) se opuseram ao regime. Paul Scheffer, editorialista do Berliner Tageblatt, narra que sua posição era de marionete sob Goebbels. Os jornais deveriam "parecer" diversificados, mas agir na linha única, imposta pelo partido.

Muitos leitores cancelaram assinaturas dos jornais.Os periódicos estrangeiros eram lidos com sofre guidão.Nos textos censurados as pessoas aprenderam a ler entre as linhas para compensar a falta de informações. O encanto por Hitler seguia ao lado da impopularidade do seu partido.Segundo I. Kershaw (O Mito de Hitler: o culto do Führer e a opinião popular), os alemães atribuíam ao Führer os sucessos anteriores à guerra. A "corrupção, a imperícia administrativa e problemas de suprimento não se deviam a ele,mas ao partido".A mídia fantoche fazia do líder um inimputável. Os jornais regulamentados apresentavam-no como a pessoa que acabara com o desemprego, vencera a corrupção,levara a Alemanha ao poder europeu.Os fracassos eram atribuídos aos inimigos,como os judeus. (Informações preciosas encontram-se em BruceA.Murray, Framing the Past: The Historiography of German Cinema and Television.)

Virada a página,no mundo soviético,idênticas loas ao Pai dos Povos,igual servilismo imposto à imprensa.

E hoje, no mundo e no Brasil? Em greve inédita contra a censura, um jornal do próprio governo chinês (Global Times), em texto dos editores afirma: "A realidade é que antigas políticas de regulação da imprensa não podem continuar como estão.A sociedade está progredindo e a administração deve evoluir" (BBC, 7/1/2013).Depois do nazismo, do Pravda (o jornal mais mentiroso da História), das ditaduras Vargas e de 1964, a sociedade evoluiu, salvo para os que comparam sua ideologia aos oráculos. Os deuses exigem espinhas e almas quebradas.
Por: Roberto Romano O Estadão

A LEI DA DEMANDA

A lei da demanda é um princípio simples, mas com consequências profundas e um poder explanatório inacreditável. Ela é tão simples que pode ser explicada em um haiku: 


Quando o preço dos tomates sobe, as pessoas comem menos tomates. Quando o preço dos tomates cai, as pessoas comem mais tomates. E o que vale para o mercado de tomates, também vale para outros mercados. A lei da demanda pode ser aplicada ao mercado de bens como os tomates, ou ao mercado de serviços como o paisagismo ou o reparo de automóveis. 

Ela também pode ser aplicada a mais fatores além dos bens e serviços que compramos. Nós podemos pensar em “demanda” para todos os tipos de coisas, como demanda por velocidade ou conforto enquanto dirigimos. Quando fica mais arriscado dirigir em alta velocidade, menos pessoas fazem isso. Quando dirigir em alta velocidade fica mais seguro, mais pessoas fazem isso. 

Analise outro fator que recentemente despertou muita controvérsia: a demanda por comunicação conveniente. Com a difusão de telefones celulares (principalmente dos smart phones), a comunicação via email, mensagens de texto, Facebook, Twitter e outros aplicativos nunca esteve tão fácil. O canto da sereia dos emails, da internet e das mensagens de texto pode ser bem poderoso, até mesmo para pessoas que estejam dirigindo. 

Vejamos como a lei da demanda nos ajuda a explicar porque as pessoas mandam mensagens enquanto dirigem, e depois falaremos da teoria implícita por trás das leis que proíbem essa prática. 

Primeiro, analisemos algo chamado o Efeito Peltzman, que recebeu esse nome em homenagem ao economista Sam Peltzman, que estudou os hábitos dos motoristas antes e depois da implementação das leis que obrigam o uso do cinto de segurança. O uso obrigatório do cinto de segurança deu mais segurança ao motorista e fez o ato de dirigir ser menos arriscado. Dessa maneira, reduziu o “preço” da direção imprudente. 

De fato, Peltzman constatou que os motoristas se arriscavam mais depois que as leis sobre o cinto de segurança foram implementadas. No livro The Armchair Economist, Steven Landsburg resumiu bem as descobertas de Peltzman: houve mais acidentes, mas menos fatalidades. Quem mais sofreu com a mudança foram os pedestres, cujas mortes aumentaram. 

Não é necessário que todo mundo responda dessa maneira para que a lei da demanda seja aplicável ou útil. É provável que existam muitas pessoas que não modificaram os seus hábitos ao volante por estarem usando o cinto de segurança, da mesma forma que existem pessoas que não consomem mais cervejas quando o preço delas cai. Mas só porque é um abstêmio que não beberá mais cerveja caso o preço caia, isso não quer dizer ninguém mais irá fazê-lo. Da mesma maneira, é mais provável que alguém mande uma mensagem de texto ou dê uma olhada no Facebook caso essa pessoa esteja dirigindo um carro mais seguro. 

As autoridades reconhecem que as pessoas respondem às mudanças dos custos e benefícios de seus atos. A proibição do envio de mensagens de texto ao volante – como a que existe no estado americano do Alabama – são tentativas de aumentar o preço de uma ação imprudente e, dessa maneira, reduzir o número de pessoas que a praticam. Mas ainda precisamos observar como essas proibições irão afetar a segurança em geral, já que os recursos para colocá-la em prática precisarão vir de algum lugar. Os policiais que fiscalizarão o envio de mensagens de texto não estarão solucionando crimes. 

Ignorando a demanda 

Às vezes, as políticas governamentais ignoram totalmente a lei da demanda. Pense, por exemplo, no salário mínimo. Quando o governo estabelece um preço mínimo para o trabalho, os empregadores reduzem a quantidade de trabalho que demandariam e procuram alternativas. Alguns deles podem decidir reduzir as contratações. Outros podem cortar as horas trabalhadas (e de acordo com a lei da oferta, com um salário maior, os trabalhadores desejariam trabalhar mais horas), ou então podem simplesmente substituir o trabalho por capital (como os caixas automáticosem supermercados). 

Outros efeitos podem ser difíceis de serem vistos e os efeitos do salário mínimo podem não aparecer em uma situação de alto desemprego. As empresas que costumavam oferecer treinamento remunerado podem deixar de fazê-lo. Outras empresas que costumavam oferecer uniformes podem passar a fazer os funcionários pagarem por eles. E assim por diante. Em resposta aos preços mais altos, as empresas reduzem a quantidade de trabalho que demandam. 

Os governos também impõem controles sobre os preços de outras coisas, como o aluguel de apartamentos. Após desastres naturais, leis nebulosas contra a “manipulação dos preços” podem ser postas em prática para limitar a capacidade dos comerciantes de aumentar os preços durante situações de emergência. Em períodos assim, as pessoas precisam de mais gelo, lanternas, pilhas, madeira, pão, leite e gasolina — a qualquer preço. Se os preços puderem subir, as pessoas receberão o sinal de que precisam pensar bem antes de comprar qualquer coisa. Em resposta ao controle dos preços, as empresas não estarão dispostas a fornecer mais gelo, lanternas, pilhas e o resto dos produtos ao mercado. As pessoas ainda pagam mais caro por alguns bens que estão em falta. Eles podem não pagar muito mais em dinheiro, mas acabarão “pagando” ao ficar em longas filas. 

A lei da demanda é uma das ideias mais importantes das ciências sociais. É um princípio simples, com uma ampla variedade de aplicações. Ele nos ajuda a compreender os mercados através de bens como os tomates, serviços como os dos encanadores ou dos paisagistas, e mesmo coisas que não são tão “econômicas” assim, como a justiça e os riscos. Ela é também a lei que ignoramos em nosso próprio risco: ao formularem políticas que não levam em conta a lei da demanda, os políticos costumam utilizar “curas” políticas, como as leis de salário mínimo e o controle de preços, acabam sendo piores do que os problemas que desejam solucionar. 
Por: Art Carden Publicado originalmente na revista The Freeman