sábado, 26 de janeiro de 2013

SEM DINHEIRO, NÃO HÁ NEM CIVILIZAÇÃO E NEM PROGRESSO

Este artigo foi extraído do livro "O que o governo fez com o nosso dinheiro", futuro lançamento do IMB

O surgimento do dinheiro

Como surgiu o dinheiro? É claro que Robinson Crusoé, sozinho em sua ilha, não necessitava de nenhum dinheiro. Ele não poderia comer moedas de ouro. Tampouco Crusoé e Sexta-Feira, ao trocarem entre si peixe por madeira, tinham de se preocupar com dinheiro. Porém, quando a sociedade se expande e passa a ser formada por várias famílias, o cenário se torna propício para o surgimento do dinheiro.

Para explicar a função do dinheiro, temos de retroceder no tempo e perguntar: por que, afinal, os homens fazem transações econômicas? Por que eles trocam bens entre si? A troca é a base essencial de nossa vida econômica. Sem trocas, não haveria uma economia real e, praticamente, não haveria sociedade. Quando uma troca é voluntária, ela claramente ocorre porque ambas as partes esperam se beneficiar dessa transação. Uma troca é um acordo entre A e B no qual A transfere seus bens ou seus serviços para B, e B por sua vez transfere seus bens ou seus serviços para A. Obviamente, ambos, por definição, esperam se beneficiar dessa troca, pois cada um valoriza mais aquilo que está recebendo do que aquilo do qual abriu mão. Não fosse assim, não haveria uma troca voluntária.

Quando, por exemplo, Robinson Crusoé troca um peixe por um pedaço de madeira, ele dá mais valor à madeira que está "comprando" do que ao peixe que está "vendendo", ao passo que para Sexta-Feira, ao contrário, dá mais valor ao peixe do que à madeira. De Aristóteles a Marx, o homem erroneamente tem acreditado que uma troca denota algum tipo de igualdade de valor — que se um barril de peixes é trocado por dez toras de madeira, então há uma espécie de igualdade secreta entre tais coisas. A verdade, no entanto, é que a troca só ocorreu porque cada uma das partes valorou os dois produtos de maneira distinta.

Por que a propensão a transacionar é algo tão universal na humanidade? Fundamentalmente, por causa da grande variedade existente na natureza: a variedade que há nos homens e a variedade e a diversidade da localização dos recursos naturais. Cada homem possui um conjunto diferente de habilidades e aptidões específicas, e cada pedaço de terra possui suas características próprias, suas riquezas únicas. É desta variedade — um fato externo e natural — que surge a troca: o trigo produzido em uma localidade geográfica é trocado pelo ferro produzido em outra localidade geográfica; um indivíduo fornece seus serviços médicos em troca do prazer de ouvir uma música tocada em um violino por outro indivíduo. 

A especialização permite que cada indivíduo aprimore suas melhores habilidades, e permite que cada região geográfica desenvolva seus próprios recursos particulares. Se ninguém pudesse transacionar, se cada indivíduo fosse forçado a ser totalmente autossuficiente, a maioria de nós obviamente morreria de fome, e o restante mal conseguiria se manter vivo. A troca é a força vital não só da economia, mas da própria civilização.

Escambo

No entanto, esse processo de troca direta de bens e serviços úteis dificilmente seria capaz de manter uma economia acima de seu nível mais primitivo. Tal troca direta — ou escambo — dificilmente é melhor do que a pura e simples autossuficiência. Por quê? Em primeiro lugar, está claro que tal arranjo permite somente uma quantidade muito pequena de produção. Se João contrata alguns trabalhadores para construir uma casa, com o que ele lhes pagará? Com partes da casa? Com os materiais de construção que não forem utilizados? 

Os dois problemas básicos deste arranjo são a "indivisibilidade" e a ausência daquilo que chamamos de "coincidência de desejos". Assim, se o senhor Silva tem um arado que ele gostaria de trocar por várias coisas diferentes — por exemplo, ovos, pães e uma muda de roupas —, como ela faria isso? Como ele dividiria seu arado e daria uma parte para um agricultor e a outra parte para um alfaiate? Mesmo para os casos em que os bens são divisíveis, é geralmente impossível que dois indivíduos dispostos a transacionar se encontrem no momento exato. Se A possui um suprimento de ovos para vender e B possui um par de sapatos, como ambos podem transacionar se A quer um terno? Imaginem, então, a penosa situação de um professor de economia: ele terá de encontrar um produtor de ovos que queira comprar algumas aulas de economia em troca de seus ovos! 

Obviamente, é impossível haver qualquer tipo de economia civilizada sob um arranjo formado exclusivamente por trocas diretas.

Trocas indiretas

Felizmente, o homem descobriu, em seu infindável processo de tentativa e erro, um arranjo que permitiu que a economia crescesse de forma contínua: a troca indireta. Em uma troca indireta, você vende seu produto não em troca daquele bem que você realmente deseja, mas sim em troca de um outro bem que você, futuramente, poderá trocar pelo bem que você realmente deseja. À primeira vista parece uma operação canhestra e circular. Mas a realidade é que foi exatamente este maravilhoso arranjo o que permitiu — e que segue permitindo — o desenvolvimento da civilização.

Considere o caso de A, o agricultor, que quer comprar os sapatos feitos por B. Dado que B não quer ovos, A terá de descobrir o que B realmente quer — digamos que seja manteiga. O indivíduo A, então, troca seus ovos pela manteiga de C, e então vende a manteiga para B em troca dos sapatos. O indivíduo A irá comprar a manteiga não porque a deseja diretamente, mas sim porque isso o permitirá adquirir os sapatos. Similarmente, o senhor Silva, o dono do arado, venderá seu arado por uma mercadoria que ele possa com mais facilidade dividir e vender — por exemplo, manteiga. Ato contínuo, ele trocará partes de manteiga por ovos, pães, roupas etc. 

Em ambos os casos, a superioridade da manteiga — razão pela qual existe uma demanda extra por ela, que vai além do seu mero consumo — está em sua maior comerciabilidade, ou seja, em sua maior facilidade de ser trocada, de ser vendida, de ser comercializada.

Se um bem é mais comerciável do que outro — se todos os indivíduos estão confiantes de que tal bem será vendido com mais facilidade —, então ele terá uma grande demanda, pois ele será usado como um meio de troca. Ele será o meio pelo qual um especialista poderá trocar seu produto pelos bens de outros especialistas.

Assim como há uma grande variedade de habilidades e recursos na natureza, também há uma grande variedade na comerciabilidade dos bens existentes. Alguns bens são mais demandados que outros, alguns são plenamente divisíveis em unidades menores sem que haja perda de valor, alguns são mais duráveis, e outros são mais transportáveis por longas distâncias. Todas essas vantagens aumentam a comerciabilidade de um bem. Sendo assim, em cada sociedade, os bens mais comerciáveis serão, com o tempo, escolhidos para representar a função de meio de troca. À medida que sua utilização como meio de troca vai se tornando mais ampla, a demanda por eles aumenta, e, consequentemente, eles se tornam cada vez mais comerciáveis. O resultado é uma espiral que se auto-reforça: mais comerciabilidade amplia o uso do bem como meio de troca, o que por sua vez aumenta ainda mais sua comerciabilidade, reiniciando o ciclo. No final, apenas uma ou duas mercadorias serão utilizadas como meios gerais de troca — em praticamente todas as trocas. Tais mercadorias são chamadas de dinheiro.

Ao longo da história, diferentes bens foram utilizados como meios de troca: tabaco, na Virgínia colonial; açúcar, nas Índias Ocidentais; sal, na Etiópia (na época, Abissínia); gado, na Grécia antiga; pregos, na Escócia; cobre, no Antigo Egito; além de grãos, rosários, chá, conchas e anzóis. Ao longo dos séculos, duas mercadorias, o ouro e aprata, foram espontaneamente escolhidas como dinheiro na livre concorrência do mercado, desalojando todas as outras mercadorias desta função. Tanto o ouro quanto a prata são altamente comerciáveis, são muito demandados como ornamento, e se sobressaem em todas as outras qualidades necessárias. Em épocas recentes, a prata, por ser relativamente mais abundante que o ouro, se mostrou mais útil para trocas de menor valor, ao passo que o ouro foi mais utilizado para transações de maior valor. De qualquer maneira, o importante é que, independentemente do motivo, o livre mercado escolheu o ouro e a prata como a mais eficiente forma de dinheiro.

Este processo — a evolução cumulativa de um meio de troca no livre mercado — é a única maneira pela qual o dinheiro pode surgir e ser estabelecido. O dinheiro não pode se originar de nenhuma outra maneira: mesmo que as pessoas repentinamente decidam criar dinheiro utilizando materiais inúteis, ou o governo decrete que determinados pedaços de papel agora são "dinheiro", nada disso pode funcionar se o bem estipulado não possuir um histórico como meio de troca. 

Toda e qualquer demanda por dinheiro ocorre porque as pessoas podem utilizar aquele bem para calcular preços. Incorporado na demanda pelo dinheiro está o conhecimento dos preços do passado imediato. Ao contrário dos bens diretamente utilizados pelos consumidores e pelos empreendedores, a mercadoria a ser utilizada como dinheiro tem de apresentar um histórico de expressão de valores na forma de preços. Antes de tal produto ser definido como dinheiro, ele tem de possuir um passado no qual ele foi utilizado como definidor de preços. É sobre este histórico que a demanda será baseada. 

Porém, a única maneira pela qual isso pode acontecer é começando por uma mercadoria que foi utilizada quando a economia ainda operava sob escambo. Ato contínuo, a essa demanda anterior pelo seu uso direto (por exemplo, no caso do ouro, para ornamentos), é acrescentada a demanda para ele passar a ser utilizado como um meio de troca.[1]

Portanto, o governo é completamente impotente para criar um dinheiro do nada, utilizando um material sem passado algum como meio de troca; o dinheiro só pode surgir e evoluir pelo processo de livre mercado.

O que nos leva, então, à verdade mais importante de toda essa nossa argumentação a respeito do dinheiro: o dinheiro é uma mercadoria. Aprender essa simples lição é uma das tarefas mais importantes do mundo. Com enorme frequência, as pessoas falam de dinheiro como se fosse algo muito acima ou muito abaixo dessa realidade. O dinheiro não é uma abstrata unidade de conta, perfeitamente separável de um bem concreto; não é um objeto inútil que só presta para trocas; não é um "título de reivindicação" sobre os bens produzidos pela sociedade; não é uma garantia de um nível fixo de preços. O dinheiro é simplesmente uma mercadoria. 

O dinheiro difere das demais mercadorias por ser demandado majoritariamente como um meio de troca. Mas, excetuando-se isso, o dinheiro é uma mercadoria — e, como todas as mercadorias, ele possui um estoque real e é demandado por pessoas que querem comprá-lo, que querem portá-lo etc. Como todas as mercadorias, seu "preço" — em termos de outros bens — é determinado pela interação entre sua oferta total, ou estoque, e sua demanda total por pessoas que querem comprá-lo e guardá-lo. (As pessoas "compram" dinheiro ao venderem seus bens e serviços, e "vendem" dinheiro ao comprarem bens e serviços).

Os benefícios do dinheiro

O surgimento do dinheiro foi uma grande dádiva para a humanidade. Sem o dinheiro — sem um meio geral de troca — seria impossível haver uma genuína especialização, uma genuína divisão do trabalho. Consequentemente, seria impossível a economia avançar para além de seu nível mais simples e primitivo. Com o dinheiro, todos os problemas de indivisibilidade e da "coincidência de desejos", que atormentavam a sociedade baseada no escambo, são eliminados. Agora, João pode contratar trabalhadores e pagá-los em... dinheiro. O senhor Silva pode vender seu arado por unidades de... dinheiro.

O dinheiro-mercadoria é divisível em pequenas unidades, e é aceito generalizadamente por todos. Sendo assim, todos os bens e serviços são vendidos por dinheiro, e esse dinheiro é então utilizado para comprar outros bens e serviços que as pessoas desejam. Por causa do dinheiro, é possível se criar uma complexa "estrutura de produção" formada por fatores de produção como bens de capital, mão-de-obra e terra. Todos estes fatores são combinados de modo a aprimorar o processo produtivo em cada estágio da cadeia de produção. E todos estes fatores são pagos em dinheiro.

A criação do dinheiro traz outro grande benefício. Uma vez que todas as trocas são feitas em dinheiro, todas as 'taxas de câmbio' ou 'razões de troca' são expressos em valores monetários, de modo que as pessoas agora podem comparar o valor de mercado de cada bem em relação aos demais. Se um aparelho de televisão é trocável por três onças de ouro, e um automóvel é trocável por sessenta onças de ouro, então nota-se que um automóvel "vale", no mercado, vinte aparelhos de televisão. Tais 'taxas de câmbio' ou 'razões de troca' são os preços, e o dinheiro-mercadoria serve como um denominador comum para todos os preços. 

É o estabelecimento de preços monetários no mercado o que permite o desenvolvimento de uma economia civilizada, pois somente os preços permitem ao empreendedor fazer o cálculo econômico. Podendo fazer o cálculo econômico, os empreendedores podem avaliar o quão corretamente estão satisfazendo as demandas dos consumidores; eles podem avaliar como os preços de venda de seus produtos se comportam em relação aos preços que têm de pagar pelos fatores de produção (seus "custos"). Dado que todos esses preços são expressos em termos monetários, os empreendedores podem determinar se estão auferindo lucros ou sofrendo prejuízos. São esses cálculos que guiam os empreendedores, os trabalhadores e os proprietários de terra e de bens de capital em sua busca pela renda monetária no mercado. Somente esses cálculos permitem que recursos escassos sejam alocados para seu uso mais produtivo — para aqueles investimentos que irão satisfazer da melhor forma possível a demanda dos consumidores.

Praticamente todos os manuais de economia dizem que o dinheiro possui várias funções: ser um meio de troca, ser uma unidade de conta (ou um "mensurador de valores"), ser uma "reserva de valor" etc. No entanto, já deve estar claro que todas essas funções são simplesmente corolários da única grande função do dinheiro: ser um meio de troca. Por sempre ter sido um meio geral de troca, o ouro é a mercadoria mais comerciável. Ele pode ser estocado para servir como meio de troca tanto no futuro quanto no presente, e historicamente todos os preços sempre foram expressos em termos de ouro.[2] Por sempre ter sido uma mercadoria utilizada como meio para todas as trocas, o ouro sempre serviu como unidade de conta tanto para os preços do presente quanto para os preços esperados no futuro. 

É importante entender que o dinheiro só pode ser visto como uma unidade de conta ou como um título de reivindicação sobre bens a partir do momento em que ele passa a servir como um meio de troca. É de sua função como meio de troca que derivam todas as outras suas características, como ser unidade de conta e reserva de valor.

Civilizações só existem e o mundo só se desenvolve quando existe o dinheiro.

[1] Sobre a origem do dinheiro, cf. Carl Menger, Principles of Economics, Glencoe: Free Press, 1950, p. 257-71; Ludwig von Mises, The Theory of Money and Credit, New Haven: Yale University Press, 1951, p. 97-123.
[2] O dinheiro não "mensura" preços ou valores.  O dinheiro é um denominador comum para a expressão de preços e valores. Em suma, os preços são expressos em dinheiro, mas são por ele mensurados.

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies. 

O BÁSICO SOBRE INFLAÇÃO


1. Inflação é um aumento na quantidade de dinheiro e de crédito criado em decorrência desta criação adicional de dinheiro. A principal e mais visível consequência da inflação é a elevação dos preços. Portanto, uma inflação de preços — atenção para o termo correto — é causada unicamente pelo aumento da quantidade de dinheiro na economia. 

2. A quantidade de dinheiro na economia é uma variável decorrente das políticas monetárias do governo — mais especificamente, de seu Banco Central.

3. Um dos principais motivos para a criação de mais dinheiro é a existência de um orçamento deficitário por parte do governo. Orçamentos deficitários são gerados por gastos crescentes e extravagantes, os quais o governo é incapaz de cobrir utilizando exclusivamente suas receitas de impostos. Gastos excessivos decorrem principalmente dos esforços do governo em redistribuir riqueza e renda para setores privilegiados — isto é, esforços para retirar recursos dos produtivos para sustentar os improdutivos de todas as classes. Isto corrompe a ética e desestimula os incentivos trabalhistas tanto dos produtivos quanto dos improdutivos.

4. As causas da inflação de preços não são, como se diz frequentemente, "múltiplas e complexas"; elas são simplesmente a consequência inevitável de uma criação excessiva de dinheiro. Não existe algo como "inflação gerada pelo aumento dos custos". Se salários e outros custos trabalhistas ou de produção forem forçados para cima, mas não houver um aumento na quantidade de dinheiro na economia, e os produtores tentarem repassar estes aumentos aos consumidores elevando os preços de venda, a maioria deles irá apenas vender menos produtos. O resultado será um menor nível de produção e a perda de empregos. Custos maiores podem ser repassados para os preços somente quando os consumidores têm mais dinheiro para pagar por estes preços mais altos. 

5. Controles e congelamentos de preços não podem interromper ou arrefecer a inflação de preços. Eles podem, no máximo, atrasar a sua manifestação. Pior ainda: eles irão sempre desorganizar a economia. Controles de preços simplesmente comprimem ou eliminam por completo as margens de lucro, desarranjam a estrutura de produção da economia, e geram gargalos e escassezes. Todo e qualquer controle de preços e salários implantado pelo governo, ou até mesmo a sua "monitoração", é apenas uma tentativa de políticos de jogar a responsabilidade pela inflação sobre produtores e vendedores, e não em suas próprias políticas monetárias.

6. Uma prolongada inflação nunca "estimula" a economia. Ao contrário, ela desequilibra e desorganiza a estrutura produtiva da economia, direcionando a produção e o emprego para investimentos que mais tarde revelar-se-ão insustentáveis, gerando prejuízos, desperdício de recursos escassos e maior desemprego. O desemprego assim gerado permanecerá em níveis elevados enquanto o salário demandado estiver acima do real valor de mercado — seja por demandas sindicais, por leis de salário mínimo (que mantém adolescentes e mão-de-obra pouco qualificada fora do mercado de trabalho) ou por prolongados e generosos seguros-desemprego.

7. Para se evitar estragos irremediáveis, a noção de que expansões monetárias podem estimular permanentemente a economia deve ser irreversivelmente rejeitada. Adicionalmente, o governo deve ser retirado por completo do controle da oferta monetária, deixando esta área a cargo das forças de mercado. Por fim, o orçamento do governo deve ser equilibrado o mais rapidamente possível, e não de maneira gradualista e indolor. O equilíbrio deve ser alcançado por meio de um acentuado corte de gastos, e não pelo aumento de uma carga tributária já extremamente elevada, que comprime salários e desestimula o trabalho árduo e a produção. 

Henry Hazlitt (1894-1993) foi um dos membros fundadores do Mises Institute. Ele foi um filósofo libertário, economista e jornalista do The Wall Street Journal, The New York Times, Newsweek e The American Mercury, entre outras publicações. Ele é mais conhecido pelo seu livro Economia em uma Única Lição.

SINDICATOS NÃO PODEM BENEFICIAR OS TRABALHADORES EM GERAL


Social-democratas, progressistas e toda a esquerda em geral acreditam firmemente, e erroneamente, que sindicatos são capazes de aprimorar o padrão de vida dos assalariados de todo o sistema econômico. E acreditam que eles conseguem fazer isso por meio da imposição de aumentos salariais. Ao pensarem assim, esses grupos ideológicos cometem a falácia de pressupor que, dado que ganhar mais dinheiro é obviamente um objetivo inteligente para um assalariado buscar, então se todos os assalariados conjuntamente reivindicarem o mesmo para si, tal imposição será igualmente benéfica para todos conjuntamente.



Os proponentes destas ideias se mostram totalmente ignorantes do fato de que aumentos salariais impostos por sindicatos reduzem a quantidade de mão-de-obra demandada e consequentemente geram desemprego tanto para os não-sindicalizados quanto para aqueles trabalhadores cuja habilidade e produtividade geram menos valor do que o novo piso salarial imposto. Mais ainda: menor emprego significa menor produção, e menor produção significa menor oferta de bens e serviços, o que significa preços mais altos. Para coroar tudo, haverá um aumento nos gastos sociais para se conceder benefícios aos desempregados, o que pode levar a um aumento futuro da carga tributária.

A única maneira de se aumentar os salários sem que isso gere um aumento no desemprego é aumentando a quantidade de dinheiro na economia, o que consequentemente tende a elevar o volume de gastos em todo o sistema econômico. Porém, tal fenômeno, assim como o descrito no parágrafo anterior, também levará a um aumento nos preços, e consequentemente não irá aprimorar o padrão de vida dos assalariados.

Expressando estes pontos na tradicional terminologia de oferta e demanda, a única maneira de os salários nominais subirem é havendo uma menor oferta de mão-de-obra — o que significa menos pessoas empregadas — ou havendo mais demanda por mão-de-obra, o que também significa que está havendo uma maior demanda por bens de consumo e, consequentemente, que os preços dos bens de consumo estão mais altos. Logo, por mais surpreendente que isso possa parecer, podemos concluir que salários maiores — sejam eles obtidos por meio de uma menor oferta de mão-de-obra ou por uma maior demanda por mão-de-obra decorrente de um aumento da quantidade de dinheiro na economia — simplesmente não podem aumentar o padrão de vida do assalariado médio. 

Temos de concluir, portanto, que se realmente desejam aumentar o padrão de vida do assalariado médio, os sindicatos estão completamente equivocados em ter como objetivo exigir aumentos salariais. No entanto, este é exatamente o seu supremo objetivo, não havendo nenhum outro objetivo comparável à grandiosidade deste.

Sim, é possível haver um aumento na demanda por mão-de-obra que leve a aumentos salariais e que, ao mesmo tempo, não gere aumento na demanda por bens de consumo e nem aumento de preços. Mas isso só poderia ocorrer caso fosse resultado de um aumento na poupança. E o que permitiria isso seria uma grande redução nos gastos do governo feita em simultâneo a uma equivalente redução de impostos, dentre eles o imposto de renda de pessoa jurídica, o imposto de renda de pessoa física, o imposto sobre ganhos de capital e todos os outros impostos que incidem sobre a receita e o lucro das empresas. Dado que impostos são pagos com fundos que poderiam ser poupados e utilizados em investimento, tal redução de impostos permitirá que tais fundos sejam agora efetivamente poupados e investidos. Essa poupança adicional poderia, consequentemente, ser em grande parte utilizada para pagar os aumentos salariais.

Por conseguinte, os assalariados poderiam aumentar correspondentemente seus gastos em consumo. E isso não representaria um aumento geral do gasto em consumo porque estaria sendo financiado por uma equivalente — aliás, mais do que equivalente — redução nos gastos do governo. Ou seja, o governo reduziu seus gastos para que os trabalhadores pudessem aumentar os próprios. Assim, embora os salários dos trabalhadores tenham aumentado, não houve nada que tornasse possível a elevação generalizada dos preços. 

No entanto, desnecessário dizer que tais reduções de impostos são um anátema absoluto para os sindicatos e seus defensores.

Nunca é demais ressaltar que o que de fato aumenta o padrão de vida dos assalariados é o aumento na produtividade da mão-de-obra — isto é, um aumento na quantidade de bens produzidos por unidade de mão-de-obra. Este aumento de produtividade serve para aumentar a oferta de bens em relação à quantidade de mão-de-obra disponível. E tal aumento na oferta de bens em relação à mão-de-obra leva a uma redução dos preços dos bens em relação aos salários pagos. Caso a quantidade de dinheiro na economia fosse constante ou aumentasse muito pouco, os preços cairiam ao mesmo tempo em que os salários permaneceriam inalterados. Havendo um aumento mais substancial da quantidade de dinheiro na economia, seria possível que os preços permanecessem inalterados ao mesmo tempo em que os salários subissem. Seria possível também que tanto preços e salários aumentassem, mas com os preços subindo menos que os salários. A questão é que, se estiver havendo um aumento contínuo da produtividade, de modo que a quantidade de bens esteja sempre aumentando em relação à quantidade de mão-de-obra disponível, estará havendo um aumento no padrão de vida dos assalariados.

É essencial entender que a base para um aumento da produtividade da mão-de-obra está na quantidade de investimento feito na produção de bens de capital. E investimentos em bens de capital são estimulados por reduções nos gastos do governo acompanhadas por uma equivalente redução naqueles impostos que são pagos com fundos que, uma vez liberados deste encargo, poderão ser substancialmente poupados e investidos em bens de capital.

O problema é que os sindicatos e seus defensores ideológicos são totalmente alheios a estes fatos econômicos. Acima de tudo, eles são ignorantes quanto ao fato de que o padrão de vida dos assalariados não advém necessariamente de um aumento salarial mas sim de uma queda de preços dos bens de consumo e dos serviços. Como explicado acima, a queda nos preços não precisa ser em termos nominais ou absolutos. Basta apenas que seja uma queda relativa, isto é, que os preços aumentem menos que os salários — ou, colocando de outra forma, que os preços ao menos sejam menores do que seriam caso o único fator atuante fosse um aumento na quantidade de dinheiro e do volume de gastos na economia.

Quando finalmente se entende que o real aumento do padrão de vida dos assalariados advém da redução relativa de preços e não do aumento nominal dos salários, não é difícil chegar à conclusão de que os sindicatos não apenas são totalmente ignorantes em relação a como elevar o padrão de vida dos assalariados em geral, mas também atuam diretamente contra os interesses dos assalariados em geral. Em vez de agirem de modo a facilitar investimentos em bens de capital, o que aumentaria a produtividade (logo, os salários) e a oferta de bens de consumo, e consequentemente reduziria os preços relativos destes bens, os sindicatos defendem medidas que necessariamente obstruem esses investimentos, como impostos, encargos sociais e trabalhistas, e maiores gastos com salários.

Sindicatos podem aumentar o padrão de vida de pequenos grupos de trabalhadores, mas apenas ao adquirirem privilégios monopolísticos que limitam o número de trabalhadores que podem ser empregados em uma determinada linha de trabalho ou ao gerarem ou manterem uma necessidade artificial pelos serviços de trabalhadores de determinadas áreas. Porém, nestes casos, os sindicatos estão reduzindo o padrão de vida de outros trabalhadores. Os trabalhadores que forem impedidos de trabalharem em áreas dominadas por sindicatos terão de encontrar empregos em outros setores, nos quais o acréscimo de sua mão-de-obra servirá apenas para reduzir ainda mais os salários. Se houver leis de salário mínimo que proíbam uma redução salarial, então estes trabalhadores desalojados acabarão simplesmente desempregados ou tomando os empregos de outros trabalhadores menos qualificados, os quais ficarão desempregados.

À luz de tudo isso, é possível entendermos como a produtividade da mão-de-obra ao longo dos últimos 225 anos aumentou em uma escala de vários múltiplos, e com um comparavelmente enorme efeito positivo sobre os salários reais (a quantidade de horas de trabalho necessária para se adquirir bens e serviços corriqueiros vem caindo continuamente) e sobre o padrão de vida geral, e sem nenhum efeito negativo sobre a taxa de desemprego. Com efeito, o número total de assalariados empregados também aumentou enormemente, em linha com o aumento populacional possibilitado pelo aumento na produtividade da mão-de-obra e o consequente aumento no padrão de vida.

A única contribuição dos sindicatos a esse processo é impedi-lo ou retardá-lo. A cada avanço ocorrido no mundo empreendedorial, os sindicatos tentam combater o aumento da produtividade sempre que isso ameaça reduzir o número de empregos disponíveis para seus membros. Com efeito, eles abertamente se orgulham de "manter pessoas empregadas" quando deveriam era se orgulhar de criar bens e ser produtivos, aparentemente incapazes de compreender que manter empregos exigindo uma mão-de-obra maior do que a necessária para produzir um determinado bem serve apenas para impedir a produção de outros bens, os quais, conjuntamente a esse bem em particular com o qual eles estão preocupados, poderiam aumentar o padrão de vida dos trabalhadores.

Para continuarem existindo, sindicatos necessitam de um "sangue fresco" que possa ser continuamente sugado. Sua mais abundante e fecunda fonte nas últimas décadas tem sido os funcionários públicos, que hoje formam a maioria de seus membros. Ao fazerem vultosas contribuições para a campanha de políticos corruptos, e ao obrigarem seus membros a votarem em massa nestes políticos, os sindicatos dos funcionários públicos podem garantir salários e aposentadorias magnânimas (para não dizer bizarras) para seus membros, tudo financiado pelos pagadores de impostos do setor privado. Em face das iminentes falências governamentais ao redor do mundo, este processo parasitário vem encontrando crescente oposição. A esperança do setor produtivo é que ele esteja hoje próximo de seu fim.


George Reisman é Ph.D e autor de Capitalism: A Treatise on Economics. (Uma réplica em PDF do livro completo pode ser baixada para o disco rígido do leitor se ele simplesmente clicar no título do livro e salvar o arquivo). Ele é professor emérito da economia da Pepperdine University. Seu website: www.capitalism.net. Seu blog georgereismansblog.blogspot.com Tradução de Leandro Roque

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

EUROPA SE DESARMA E VENDE ARMAMENTO À RÚSSIA

Sem ocultar sua satisfação, a agência Novosti comemora que a Rússia se rearma “como todo o planeta, salvas as exceções notáveis dos europeus e dos EUA”. Precisamente os países que ainda são considerados como grandes obstáculos aos sonhos de domínio universal russo.

Os líderes socialistas da França e da Rússia se encontraram no mês de outubro último em Paris para uma “vasta contemplação do horizonte de assuntos estratégicos” mundiais, cujo conteúdo ficou reservado – informou a agencia oficial russa Novosti.

A agência, entretanto, deixou transparecer o fundo dessa “contemplação estratégica”.

O presidente socialista francês François Hollande ordenou a redação de um “Livro branco” visando à aprovação no primeiro semestre de 2013 de uma lei rebaixando ainda mais a capacidade de defesa da França. 

Falando aos deputados, o chefe do Estado Maior francês, almirante Guillaud, explicou que “o esforço de defesa, que era de 2 % do PIB em 1997, oscilou na última década entre 1,6 % e 1,7 %. Em 2012 é de 1,55%. E por volta de 2015 superará apenas 1,3 %”. 

A extremamente depauperada defesa francesa vai traduzir-se em menos homens, menos armas e menor capacidade de reação.

Sem ocultar sua satisfação, a agência Novosti comemora que a Rússia se rearma “como todo o planeta, salvas as exceções notáveis dos europeus e dos EUA”. Precisamente os países que ainda são considerados como grandes obstáculos aos sonhos de domínio universal russo.

Segundo o Ministério de Finanças da Rússia, sua despesa com o exército aumentará 25% em 2013, ou 3,2% do PIB. Em 2015 o aumento atingirá 3,7%, o equivalente ao triplo do que estará aplicando a França naquele ano.

Moscou não faz segredo de seu objetivo armamentista: “a Rússia relança suas despesas militares porque, na sua visão estratégica, a força está voltando nas relações internacionais”, explicou Thomas Gomart, do reputado Institut Français des Relations Internationales (IFRI). 

Entretanto, a Rússia reconhece a inferioridade de seu complexo militar-industrial e de sua tecnologia. Ela precisa que os ocidentais lhe forneçam os equipamentos de qualidade que ela é incapaz de produzir. 

Precisa, por isso, dos europeus, e agora de seus amigos socialistas franceses. Eis o objetivo não abertamente confessado da reunião.

Fala-se em Moscou do “efeito Mistral” – nome dos quatro porta-helicópteros que a França vai lhe fornecer. Através de sua subsidiária Renault Trucks Defense, a Renault apresentou no salão Interpolitex de Moscou um novo blindado ligeiro, o Sherpa, muito esperado pelos russos.

“Os russos são conscientes de sua inferioridade, garante Thomas Gomart. Quando eles viram em ação os meios franceses e britânicos engajados na Líbia, compreenderam que eram incapazes de fazer o mesmo”.

Nada a ver com as formidáveis despesas e pífios resultados russos na guerra da Geórgia em 2008.

O todo-poderoso presidente Vladimir Putin disse a Hollande que enquanto as aquisições militares russas na França atingiriam 28 bilhões de euros, na Alemanha iriam para 72 bilhões, ou seja, 2,5 vezes o material francês. 

Tudo isso para ser usado um dia contra uma Europa que se desarma.
Luis Dufaur, escritor, edita o blog Flagelo Russo.

UM ENGODO CHAMADO MÉTODO PAULO FREIRE

A ressurreição da múmia comunista chamada Paulo Freire não se observa apenas nos campi cada vez mais estéreis das faculdades, mas também nos campos improdutivos do “messetê”.

Em 1943, foi introduzida no Brasil a Cruzada ABC (Ação Básica Cristã), com sede em Recife, Pernambuco. A Cruzada era um programa de alfabetização baseado no Método Laubach, que incluía, ainda, a bolsa-escola para famílias pobres. (E ainda dizem que o pernambucano Cristovam Buarque, que, com certeza, conhecia o Método Laubach, é o criador do bolsa-escola.) O missionário norte-americano Frank Charles Laubach desenvolveu seu método de alfabetização de adultos inicialmente nas Filipinas, onde, em 30 anos, conseguiu alfabetizar 60% de sua população.

No Brasil, o Método Laubach foi deturpado e substituído pelo Método Paulo Freire:

“Concomitante e subitamente, começaram a aparecer em Pernambuco cartilhas semelhantes às de Laubach, porém com teor filosófico totalmente diferente. As de Laubach, de cunho cristão, davam ênfase à cidadania, à paz social, à ética pessoal, ao cristianismo e à existência de Deus. As novas cartilhas, utilizando idêntica metodologia, davam ênfase à luta de classes, à propaganda da teoria marxista, ao ateísmo e a conscientização das massas à sua ‘condição de oprimidas’. O autor dessas outras cartilhas era o genial Sr. Paulo Freire, diretor do Sesi, que emprestou seu nome à essa ‘nova metodologia’ - da utilização de retratos e palavras na alfabetização de adultos - como se a mesma fosse da sua autoria” (David Gueiros Vieira, in Método Paulo Freire ou Método Laubach?).

O Movimento de Educação de Base (MEB) era uma organização criada pela Igreja Católica, financiada pelo governo João Goulart e administrada por militantes da esquerda católica, muitos dos quais eram membros da Ação Popular, que mais tarde se tornaria um grupo terrorista e promoveria um atentado no Aeroporto de Guararapes, Recife, em 1966. Baseado nas ideias marxistas de Paulo Freire, autor do livro pauleira Pedagogia do Oprimido, o MEB funcionava através de escolas radiofônicas, sob a direção de um líder local (padre ou camponês), em contato com as Ligas Camponesas.

Afinal, o que vem a ser o Método Paulo Freire, tão enaltecido pelos esquerdistas que tomaram de assalto as salas de aula das escolas e das universidades brasileiras? Ninguém melhor do que o historiador Paul Johnson para explicar esse engodo da mais pura ideologia marxista:

“O professor brasileiro Paulo Freire (...) descobriu que qualquer adulto pode aprender a ler em quarenta horas suas primeiras palavras que conseguir decifrar se estiverem carregadas de significação política; (...) apenas a mobilização de toda a população pode conduzir à cultura popular. As escolas são contraprodutivas (...) O melhor caminho a seguir é um rompimento com a educação institucional rumo à educação popular. O método se baseia no uso de palavras e expressões empregadas conscientemente de forma dúbia e duvidosa, de acordo com o conceito que seu autor tem de ‘educação libertadora’ e que pode ser assim resumido no conhecido jargão esquerdista: ‘(...) há uma incompatibilidade estrutural entre os interesses da classe dominante e a verdade...; a verdade está do lado dos oprimidos e não pode ser conquistada senão na luta contra a classe dominante...; a verdade é revolucionária, não deve ser buscada e sim feita’ ” 
(Paul Johnson, in Inimigos da Sociedade - cit. COUTO, 1984: 39).

“O avanço do processo revolucionário comunista antes de Março de 1964, na área da educação, foi em grande parte creditado ao uso do Método Paulo Freire, que tem potencial para materializar, com inegável eficiência, aquela afirmativa de Fred Schwarz: ‘O primeiro passo na formação de um comunista é a sua desilusão com o capitalismo’. Hoje, o método e seu autor vêm sendo reabilitados em vários pontos do país, aparentemente com a mesma função revolucionária de antes. A alfabetização que propicia, baseada nas condições reais em que vive o aluno, explora largamente as contradições internas da sociedade para desmoralizar o capitalismo, e através dele a democracia, deixando a porta aberta para a opção socialista”. 
(COUTO, 1984: 38-9) 

A ressurreição da múmia comunista chamada Paulo Freire não se observa apenas nos campi cada vez mais estéreis das faculdades, mas também nos campos improdutivos do “messetê”: 

“De acordo com os ideais socialistas e coletivos, calcados no princípio da solidariedade, o projeto educacional do MST tem como base teórica Paulo Freire, Florestan Fernandes, Che Guevara, o cubano José Martí, o russo A. Makarenko e clássicos como Marx, Engels, Mao Tsé-Tung e Gramsci”.
(revista Sem Terra, Out-Nov-Dez 1997, pg. 27).

Periodicamente, o mito de palha, que foi secretário de Educação do governo Luíza Erundina na cidade de São Paulo, é incensado na mídia para adoração, como o artigo da Gazeta do Povo, de 19/01/2013, Pela união na construção do saber. Sem direito a contraditório.

Em 2012, o plagiário de Laubach foi declarado por lei patrono da educação brasileira. Não há nome melhor para explicar o grau de mediocridade de nossas escolas e universidades, principalmente as faculdades ligadas à área da educação.

Nota: COUTO, A. J. Paula. O desafio da subversão. Impresso na Gráfica FEPLAM, Porto Alegre, RS, 1984. Por: POR FÉLIX MAIER

UMA SOCIEDADE ADOLESCENTE

Em meu último artigo tratei do lado moral da crise que os países desenvolvidos enfrentam. Algumas pessoas podem estranhar o foco, pois sou economista. Gostaria de lembrar que Adam Smith, antes de escrever sobre a riqueza das nações, escreveu "Teoria dos Sentimentos Morais". Debater o crescimento de 1% ou 2% do PIB pode ter sua relevância; mas economia é muito mais que isso.


Eis porque retorno ao tema da crise de valores, desta vez priorizando o caso latino-americano. Se Japão, Estados Unidos e Europa passam por um declínio moral, parece que a América Latina, em especial o "eixo do mal" bolivariano, sequer experimentou uma fase de maturidade. Estamos estagnados na era do infantilismo.

É por isso que recomendo a leitura de "A sociedade que não quer crescer", do argentino Sergio Sinay. O livro disseca os perigos do fenômeno que podemos observar facilmente no Brasil também: adultos que se negam a ser adultos. São os "adultescentes".

Como a Argentina parece estar em estágio mais avançado da patologia, os alertas de Sinay tornam-se ainda mais importantes. A Argentina pode ser o Brasil amanhã, o que é uma visão assustadora. Não só porque a presidente exagera no botox, mas porque a volta ao passado populista se dá a passos largos.

O autor faz a ligação entre essa postura infantil de boa parte da população e a anomia em que vive seu país, cada vez mais bagunçado e autoritário. É o que acontece quando os adultos preferem agir como adolescentes, no afã de postergar ao máximo a velhice.

Maturidade exige renúncia, sacrifício, responsabilidade e compromisso. Tudo aquilo que muitos adultos modernos fogem como o diabo foge da cruz. Talvez para aplacar sua angústia existencial, esses adultos desejam permanecer jovens para sempre, e agem como tal. São colegas de seus filhos, e delegam a responsabilidade de educá-los a terceiros. Confundem seus caprichos com direitos. Nas palavras do autor:

"Uma sociedade empenhada em permanecer adolescente vive no imediatismo, na fugacidade, nas rebeliões arbitrárias que a nada conduzem, na confrontação com as regras – com qualquer regra, pelo simples fato de existirem – no risco absurdo e inconsciente, na fuga das responsabilidades, na ilusão de ideais tão imprevistos como insustentáveis, na absurda luta contra as leis da realidade que obstruem seus desejos volúveis e ilusórios, na rejeição ao compromisso e ao esforço fecundo, na busca do prazer imediato, ainda que se tenha que chegar a ele através de atalhos, na confusão intelectual, na criação e adoração de ídolos vaidosos colocados sobre pedestais sem alicerces".

Impossível não pensar em Chávez, Morales, Corrêa, Kirchner e Lula. Ou ainda nos artistas e atletas famosos que levam vidas altamente questionáveis do ponto de vista ético, mas ainda assim viram heróis nacionais. Eis o exemplo que Sinay usa do lado argentino:

"Uma sociedade é adolescente quando carece de critérios para distinguir entre as habilidades futebolísticas de seu maior ídolo esportivo, Diego Maradona, e suas condutas irresponsáveis, sua ética duvidosa, seus valores acomodatícios; quando acredita que aquelas habilidades justificam tais ‘desvalores’ e quando, assim como um adolescente, os vê como um tributo invejável".

Não podemos ridicularizar nossos "hermanos" nesse ponto. Basta pensar nos nossos próprios heróis. Para sair do futebol, que tal Oscar Niemeyer? Os brasileiros não souberam separar seu talento artístico do restante, e criaram a imagem de um grande humanista abnegado. Um humanista que, como já abordei nesse espaço, adorava o maior assassino de todos os tempos: Joseph Stalin.

Mas a simples constatação de que não se pode ser um grande humanista e um defensor de Stalin ou Fidel Castro ao mesmo tempo, bastou para gerar reações histéricas: "Quem você pensa que é para falar do grande mestre?"

O colunista Zuenir Ventura também reagiu: "Algumas críticas ideológicas a Oscar Niemeyer depois de morto revelam, de tão iradas, que no Brasil foi fácil acabar com o comunismo. O difícil é acabar com o anticomunismo". Resta perguntar: e devemos acabar com a oposição a esta utopia que trucidou dezenas de milhões de inocentes?

O comunismo foi o sonho adolescente de intelectuais que pariu o pesadelo real de milhões de pessoas. Combatê-lo é um dever moral. Hoje ele se adaptou, mudou, mas ainda sobrevive como "socialismo bolivariano", com que muitos brasileiros flertam.

Até quando vamos viver em uma sociedade adolescente, que se recusa a amadurecer e deposita no "papai" governo uma fé messiânica? Por: Rodrigo Constantino, O GLOBO

FEIJÃO CAPITALISTA

Boa parcela da opinião pública acredita que a comida do povo vem do agricultor familiar, enquanto o agronegócio capitalista serve ao comércio exterior. Ledo engano. O equívoco nasce de uma ideia antiga, superada. Hoje manda a integração produtiva no campo.


A começar do ciclo açucareiro colonial, no Nordeste, a historiografia consagrou distintas funções, e certa oposição, entre a grande propriedade rural, dominante, e a agricultura de subsistência, que vivia em suas beiradas. Existia, realmente, um dualismo. Escritores famosos, como Caio Prado Jr., sempre descreveram a grande lavoura - o latifúndio ou a plantation - como aquela destinada à exportação, de açúcar, cacau ou borracha. Produzir alimento básico era coisa de pobre.

Quando chegou o ciclo da mineração, no século 18, o deslocamento da população - a maioria escrava - rumo ao Sudeste, exigiu fortalecer a produção de alimentos. Desde os pampas gaúchos, dedicado à pecuária e ao seu valioso charque de carne, por todo o Centro-Sul surgiram novos agricultores, animados por atenderem o consumo interno criado nas atividades auríferas das Minas Gerais.

Mais tarde, na economia cafeeira de São Paulo, já livre da escravidão, o colonato favoreceu o cultivo de gêneros alimentícios, seja entre as ruas do cafezal novo, seja em áreas destacadas da fazenda. Caminhava a economia livre. Mas a crescente demanda nas cidades brasileiras trouxe à tona a questão do abastecimento urbano. Em 1901, relatava Alberto Passos Guimarães - A Crise Agrária, 1978 -, quase 43% das importações brasileiras, em valor, representavam produtos básicos, incluindo feijão, fava, milho, arroz, banha e manteiga. Com escassez os preços elevaram-se, estimulando os pequenos agricultores. Plantar comida passava a oferecer lucro.

A partir da grande crise mundial, dos anos 1930, a diversificação da economia brasileira, na cidade e no campo, aprofundou-se. Décadas depois, com o forte êxodo rural alargando as metrópoles, a necessidade do abastecimento nas periferias transformou definitivamente a agricultura de subsistência em próspero negócio. Além do tradicional arroz com feijão, os moradores do asfalto exigiam ovos, carnes, verduras e legumes, frutas, leite; aos roceiros bastava produzir e vender. Daí surgiram os Ceasas, sacolões, varejões e, claro, os supermercados. Mudou a distribuição no varejo dos alimentos.

Mudou também, e muito, o caráter da produção rural. Ela ganhou escala e tecnologia, cresceu em produtividade, integrou-se às agroindústrias, aprendeu a comercializar, buscou financiamento. O raciocínio guarda lógica: as cidades brasileiras jamais teriam sido abastecidas - e bem ou mal o foram - sem uma grande transformação ocorrida no campo. Que prossegue acelerada.

Nesse processo histórico, as análises dualistas sobre a agricultura perderam razão. Sim, existem ainda os tradicionais agricultores de subsistência, a maioria empobrecida no semiárido nordestino. Enfraqueceu-se, porém, com a modernização agrária a antiga oposição entre a grande e a pequena produção. Ambas, com tecnologia, passaram a ser regidas pela lucratividade do mercado, seja interno, seja externo. Assim, tornaram-se complementares, e muitas vezes se confundiram. Vejam alguns exemplos.

Típica da velha família rural, a banha de porco acabou substituída na cozinha pelos óleos vegetais. O mais barato, de consumo popular, origina-se do esmagamento do grão da soja. Pois bem, no Paraná e no Rio Grande do Sul, grandes plantadores da oleaginosa, 90% da produção advém de agricultores familiares, ligados às grandes cooperativas exportadoras. Ou seja, a mesma agricultura que gera divisas garante a fritura na mesa. Sem distinção.

No café, a maior parte da safra brota das lavouras mineiras, grandemente ligadas às cooperativas. A Cooxupé, a maior delas, aglutina 12 mil cafeicultores, sendo 80% pequenos produtores rurais. Do embarque total de grãos nos pátios da cooperativa (2011), perto de 15% se destinou às torrefadoras do mercado interno; a grande parte seguiu exportada. Pequenos, juntos, ficam grandes.

Em cada ramo da agropecuária nacional se pode verificar essa junção entre o agronegócio capitalista e a produção familiar, sendo difícil separar, no destino, o mercado interno do externo. Na cultura da cana, em que preponderam os grandes usineiros, cerca de 70% do açúcar se exporta, mas o etanol, que enche o tanque dos veículos, dos pobres principalmente, fica aqui dentro.

Quem produz frango, o agricultor familiar ou o agronegócio? Resposta fácil: ambos. As empresas frigoríficas representam grandes negócios, privados ou cooperativados; já os avicultores, a elas integrados, são familiares. 

E o feijão? A maioria da produção, é verdade, advém de pequenos produtores. Estes, entretanto, não se configuram mais como de subsistência, vendendo apenas o excedente. Que nada. Espelham agricultores altamente tecnificados.

Nos Estados Unidos, sabe-se, a mecanização da agricultura provocou, ao mesmo tempo, o aumento da escala de produção e o fortalecimento da gestão familiar, preponderante por lá. Tal processo se caracteriza, por aqui, especialmente em Mato Grosso, onde enormes fazendas produzem soja e milho, nas lavouras tocadas pelos próprios produtores e seus filhos. Negócios gigantes, familiares.

Essas histórias mostram que ser familiar não necessariamente significa ser pequeno. E comprovam que pequeno agricultor pode, perfeitamente, participar do agronegócio, quer contribuindo para a exportação, quer alimentando o povo.

Pode acreditar: inexiste oposição entre agricultura familiar e agronegócio. O feijão virou capitalista.
Por: Xico Graziano O Estadão

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

FIGURAS

Façamos um teste — responda rápido: qual é o nomecompleto de sua empregada doméstica?


Vivemos de figuras de todo tipo, como a de inocentes e de criminosos. De poetas e políticos — uns mentem falando a verdade; os outros são viciados em tratar da verdade mentindo.

A palavra "figura" agasalha muitos sentidos. O mapa do Brasil é uma figura na forma de presunto como dizia Lima Barreto. Todo mundo sabe quem o come, mas "figura" que não sabe. Eis um outro sentido para essa imensa palavra: o fingir ou esquecer.

Todo ser imaginário é uma figura que é carta de baralho e configuração geométrica. A pirâmide serve como uma boa representação de um Brasil onde poucos governam ganhando muito e onde muitos são governados recebendo pouco.

"Figura" também significa aspecto, emblema, alegoria. Até ante ontem, a figura de uma pessoa negra etiquetava um escravo; hoje, uma consciência maior da nossa alergia à igualdade, faz o uniforme branco das babás virar um problema anunciado em pelo pelos duas colunas importantes: a do Ancelmo Gois e o da Miriam Leitão.

E, no entanto, o branco é uma representação do limpo e do transparente. Símbolo da paz não deixa de ser curioso como o branco se relaciona com os fantasmas envoltos em nevoa. Esse nevoeiro de um Brasil escravocrata que escondemos, no qual o branco figurava como uma personificação da propriedade pessoas.

Uniformizar, como disse Max Weber, faz parte do mundo moderno onde médicos, garçons, policiais, engenheiros, cientistas e operários estão uniformizados. A questão é o uso obrigatório e simbólico da roupa para distinguir as babás nesses clubes de elite. Ser de elite dispensa para cima; já o uso obrigatório do uniforme distingue para baixo. Uma presumida superioridade dada pela riqueza, pelo poder ou pela celebrização extingue a culpa, do mesmo modo que o emprego doméstico deve lembrar — pela roupa usada como cicatriz ou estigma — a origem escravocrata do serviço que promove a intimidade mas (e ai está o ponto) não pode conduzir a igualdade. Ora, uma intimidade (o dar a mão) sem igualdade (o não tomar o braço) tem sido o princípio estruturante de toda a nossa vida social.

Uma das babás diz ao jornal (O Globo) que elas não tem nome. São "babás": o papel social de anjos da guarda dos filhinhos amados de suas bem postas patroas, promove o sumiço de suas cidadanias. Sempre foi assim. Façamos um teste — responda rápido: qual é o nome completo de sua empregada doméstica?

Entre a escravidão na casa e o pseudomoderno emprego doméstico quase não há hiato. A continuidade foi feita abafando a igualdade mas mantendo a intimidade que humaniza a todos não liquidando, porém, as subordinações. No fundo, o problema não são somente das babás mas das patroas receosas de serem confundidas com suas "criadas" na medida em esses serviços se profissionalizam e trazem à tona esses dilemas.

Há aqui um sintoma da silenciosa mas permanente, revolução igualitária que se realiza hoje no Brasil. Ela surge na indignação com administradores públicos corruptos e ineficientes; com o populismo calhorda que aristocratiza roubando, e é profundamente anti-igualitário porque deseja a exceção e o retorno do poder como instrumento de aristocratização; e passa por essas barbaridades de assassinar em lugares públicos como ruas e restaurantes porque o "outro" não sabe com quem está falando. Ai temos crimes cometidos em nome de uma desavença pessoal interpretada como falta de respeito porque o se desconhecido se não se comportar como um inferior ele vira um inimigo.

Toda reação contra a regra da lei para todos revela esse nosso temor de uma impessoalidade que conduz ao igualitarismo contrário a boa e velha hierarquia que nos indicava com quem falávamos. É terrível ver sumir o mundo de exclusividades e testemunhar a raia miúda frequentando locais e usando roupas privativas dos grã-finos.

O surto de uniformizar para distinguir para baixo faz parte dessa reação a igualdade que chega para calibrar a liberdade excessiva dos que tem muito. Como distinguir para baixo se todo mundo está ficando muito parecido? Como saber com quem se está falando se não se sabe mais quem é a mãe ou a babá da criança?

Eu seria favorável ao uso compulsório do uniforme branco nos clubes se os bandidos também fossem obrigados a usar as mascaras típicas de suas figuras. Mas ai o (des)mascarar seria equivalente a revolução que tanto queremos e — eis a questão — não queremos. Senão não seriamos campeões mundiais de empregadas domésticas. Por: Roberto DaMatta O Globo

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

NAUFRÁGIO TRIBUTÁRIO

Considerar que a função das empresas é gerar receita tributária emperra o país. Dilma deve impor concepção desenvolvimentista à Receita

Talvez um dos principais fatores do fracasso econômico do governo Dilma Rousseff em seus dois primeiros anos -com alta inflação, baixo PIB, um dos últimos lugares em crescimento na América Latina, pouco investimento, perda de competitividade internacional e crescimento da esclerosada máquina burocrática- seja o confuso, arcaico e oneroso sistema tributário.

Mediante ciclópicos autos de infração, a produção de complexas normas auxilia a fragilizar as empresas.

Militando há 55 anos na área fiscal e tendo convivido com os pais do Direito Tributário brasileiro, à época em que as leis eram feitas por juristas e não por "regulamenteiros", tenho acompanhado a deterioração do sistema.

O cidadão, jamais consultado, vê-se de mais em mais envolvido num emaranhado de leis, portarias, instruções normativas, soluções de consulta. A única certeza que se apresenta é a insegurança jurídica.

Pretende a presidente Dilma atrair investimentos, mas a Receita Federal auxilia a afastá-los, considerando operações suspeitas fusões, incorporações e outras formas de agregação de sociedades. Isso tisna a agilidade competitiva das empresas brasileiras perante aquelas de outros países.

A famosa norma antielisão (LC 104/01), que ainda não foi regulamentada, é, sob disfarces diferentes, amplamente utilizada para inviabilizar tais operações, sob a alegação de que, ao escolher entre duas soluções rigorosamente legais, deve o contribuinte sempre adotar a que se apresentar tributariamente mais onerosa.

Não discuto a idoneidade dos agentes fiscais, mas, sim, a errônea filosofia de que a função da empresa é gerar receita tributária e não provocar o desenvolvimento econômico e social do país. Essa filosofia está emperrando, definitivamente, o governo da presidente Dilma, não só com medíocre performance econômica, mas também com a desestabilização do terceiro setor -que faz o que o governo deveria fazer com nossos tributos-, sendo perseguido pelo poder público como se fosse fonte de receita tributária e não de assistência social e educação.

Participei da comissão de especialistas nomeada pelo Senado para propor uma reformulação do pacto federativo e do sistema tributário. Éramos 13 e, após seis meses de intensos trabalhos, apresentamos 12 propostas de emendas constitucionais, leis complementares, resoluções do Senado e leis ordinárias. Entregues em 30/10/2012 ao presidente do Senado, elas continham soluções para o equacionamento da guerra fiscal, novos critérios para os fundos de participação dos Estados e municípios, para os royalties do petróleo e para a reformulação da partilha tributária.

Apenas no que concerne à guerra fiscal, o governo federal aproveitou as sugestões.

Como o mandato não foi renovado, não pudemos continuar o trabalho para uma reforma tributária completa. Enquanto isso, o país naufraga num sistema que o próprio governo reconhece de há muito ultrapassado.

Na década de 60, no Canadá, a "Royal Comission of Taxation" se voltou a promover justiça social e desenvolvimento por meio de uma política tributária correta, que privilegia esses objetivos em lugar da mera arrecadação. Seu incremento decorre, necessariamente, do atingimento de ambos.

Creio que, se a presidente Dilma não impuser uma filosofia desenvolvimentista à Receita Federal, baseada no modelo canadense, dificilmente sairemos dos últimos lugares de desenvolvimento e seu governo continuará a ostentar um dos piores índices da América Latina, com baixo crescimento e alta inflação.
Por:Ives Gandra Martins  Folha de SP

UM CIDADÃO ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA

São abundantes os indícios que ligam Lula a um conjunto de escândalos. O que está faltando é o passo inicial que tem de ser dado pelo Ministério Público: a investigação das denúncias

Luís Inácio Lula da Silva se considera um cidadão acima de qualquer suspeita. Mais ainda: acha que paira sobre as leis e a Constituição. Presume que pode fazer qualquer ato, sem ter que responder por suas consequências. Simula ignorar as graves acusações que pesam sobre sua longa passagem pela Presidência da República. Não gosta de perguntas que considera incômodas. Conhecedor da política brasileira, sabe que os limites do poder são muito elásticos. E espera que logo tudo caia no esquecimento.

Como um moderno Pedro Malasartes vai se desviando dos escândalos. Finge ser vítima dos seus opositores e, como um sujeito safo, nas sábias palavras do ministro Marco Aurélio, ignora as gravíssimas acusações de corrupção que pesam sobre o seu governo e que teriam contado, algumas delas, com seu envolvimento direto. Exigindo impunidade para seus atos, o ex-presidente ainda ameaça aqueles que apontam seus desvios éticos e as improbidades administrativas. Não faltam acólitos para secundá-lo. Afinal, a burra governamental parece infinita e sem qualquer controle.

Indiferente às turbulências, como numa comédia pastelão, Lula continua representando o papel de guia genial dos povos. Recentemente, teve a desfaçatez de ditar publicamente ordens ao prefeito paulistano Fernando Haddad, que considerou a humilhação, por incrível que pareça, uma homenagem.

Contudo, um espectro passou a rondar os dias e noites de Luís Inácio Lula da Silva, o espectro da justiça. Quem confundiu impunidade com licença eterna para cometer atos ilícitos, está, agora, numa sinuca de bico. O vazamento do depoimento de Marcos Valério – sentenciado no processo do mensalão a 40 anos de prisão - e as denúncias que pesam sobre a ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Noronha, deixam Lula contra a parede. O figurino de presidente que nada sabe, o Forrest Gump tupiniquim, está desgastado.

No processo do mensalão Lula representou o papel do traído, que desconhecia tratativas realizadas inclusive no Palácio do Planalto – o relator Joaquim Barbosa chamou de "reuniões clandestinas" -; do mesmo modo, nada viu de estranho quando, em 2002, o então Partido Liberal foi comprado por 10 milhões, em uma reunião que contou com sua presença. Não percebeu a relação entre o favorecimento na concessão para efetuar operações de crédito consignado ao BMG, a posterior venda da carteira para a Caixa Econômica Federal e o lucro milionário obtido pelo banco. Também pressionou de todas as formas, para que, em abril de 2006, não constasse do relatório final da CPMI dos Correios, as nebulosas relações do seu filho, Fábio Luís da Silva, conhecido como Lulinha, e uma empresa de telefonia.

No ano passado, ameaçou o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Fez chantagem. Foi repelido. Temia o resultado do julgamento do mensalão, pois sabia de tudo. Tinha sido, não custa lembrar, o grande favorecido pelo esquema de assalto ao poder, verdadeira tentativa de golpe de Estado. A resposta dos ministros do STF foi efetuar um julgamento limpo, transparente, e a condenação do núcleo político do esquema do mensalão, inclusive do chefe da quadrilha – denominação dada pelo procurador-geral da República Roberto Gurgel – sentenciado também por corrupção ativa, o ex-ministro (e todo poderoso) José Dirceu, a 10 anos e 10 meses de prisão. Para meio entendedor, meia palavra basta.

As últimas denúncias reforçam seu desprezo pelo respeito as leis. Uma delas demonstra como sempre agiu. Nomeou Rosemary Noronha para um cargo de responsabilidade. Como é sabido, não havia nenhum interesse público na designação. Segundo revelações divulgadas na imprensa, desde 1993 tinham um "relacionamento íntimo" (para os simples mortais a denominação é bem distinta). Levou-a a mais de duas dúzias de viagens internacionais – algumas vezes de forma clandestina - , sem que ela tenha tido qualquer atribuição administrativa. Nem vale a pena revelar os detalhes sórdidos descritos por aqueles que acompanharam estas viagens. Tudo foi pago pelo contribuinte. E a decoração stalinista do escritório da presidência em São Paulo? Também foi efetuada com recursos públicos. E, principalmente, as ações criminosas dos nomeados por Lula - para agradar Rosemary – que produziram prejuízos ao Erário, além de outros danos? Ele não é o principal responsável? Afinal, ao menos, não perguntou as razões para tais nomeações?

Se isto é motivo de júbilo, ele pode se orgulhar de ter sido o primeiro presidente que, sem nenhum pudor, misturou assuntos pessoais com os negócios de Estado em escala nunca vista no Brasil. E o mais grave é que ele está ofendido com as revelações (parte delas, registre-se: e os 120 telefonemas trocados entre ele e Rosemary?). Lula sequer veio a público para apresentar alguma justificativa. Como se nós, os cidadãos que pagamos com os impostos todas as mazelas realizadas pelo ex-presidente, fossemos uns intrusos e ingratos, por estarmos "invadindo a sua vida pessoal."

Hoje, são abundantes os indícios que ligam Lula a um conjunto de escândalos. O que está faltando é o passo inicial que tem de ser dado pelo Ministério Público Federal: a investigação das denúncias, cumprindo sua atribuição constitucional. Ex-presidente, é bom que se registre, não tem prerrogativa de estar acima da lei. Em um Estado Democrático de Direito ninguém tem este privilégio, obviamente. Portanto, a palavra agora está com o Ministério Público Federal.
Marco Antonio Villa é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

NOSSO AMIGO, O USURPADOR

A Venezuela já não tem um governo constitucional. Desde o 10 de janeiro, data do autogolpe do chavismo, o país encontra-se sob regime de exceção. A chefia de Estado é exercida por um usurpador, Nicolás Maduro, que não representa o povo, mas apenas o desejo do caudilho enfermo, tal como interpretado pelos altos círculos “bolivarianos”. O próprio Hugo Chávez, internado em Havana, está sob os cuidados e o controle da ditadura cubana, que gerencia segundo seus critérios as informações sobre a saúde do paciente. Os venezuelanos, inclusive os eleitores do caudilho, não apenas perderam os meios para influir sobre o governo de seu país como também assistem à cassação de seu direito a saber o que se passa com o presidente reeleito. Quando usa a palavra “democracia” para fazer referência à Venezuela atual, Dilma Rousseff trai os valores que jurou preservar ao assumir a Presidência do Brasil.


Na democracia, a instituição da Presidência da República distingue-se da figura do presidente da República, que é o ocupante eventual do cargo. Nos regimes de caudilho, a distinção conceitual inexiste e, quando imposta por circunstâncias incontroláveis, torna-se fonte de crises dilacerantes. Chávez iludiu o povo ao apresentar sua candidatura à reeleição garantindo, mentirosamente, estar curado de um câncer cujas características jamais foram expostas aos eleitores. Em tese, um candidato chavista alternativo poderia disputar as eleições com chances de vitória, mas a hipótese não foi nem sequer considerada, pois a estabilidade do regime repousa sobre a figura do caudilho.


Os líderes chavistas justificaram a violação da norma invocando o respeito à “soberania popular”, isto é, ao voto do eleitorado que conferiu o novo mandato a Chávez. Efetivamente, porém, entregaram a presidência a alguém que não foi eleito por ninguém: Maduro, o vice-presidente nomeado por Chávez no mandato que se encerrou a 9 de janeiro. Na Venezuela, vices-presidentes não são eleitos, mas nomeados e demitidos pelo presidente como qualquer ministro. O usurpador instalado no palácio presidencial de Caracas não tem a legitimidade de Chávez nem a de Cabello, que representa o parlamento. Justamente por esse motivo, foi alçado ao exercício da presidência: Maduro é o reflexo espectral do caudilho, cumprindo a missão de ocupar o vazio político no lugar de um detentor de legitimidade popular — mesmo se esse personagem é um chavista histórico como Cabello.Segundo a Constituição venezuelana, na ausência do presidente eleito, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, deveria assumir provisoriamente a presidência. O governo provisório nomearia então uma junta médica para determinar se a ausência é temporária ou definitiva, caso em que seriam convocadas novas eleições. Mas, em Havana, a cúpula chavista reunida com Raúl Castro decidiu-se pela declaração da “continuidade” do governo de Chávez, violando duplamente a norma constitucional. A rejeição da instalação do governo provisório destinou-se a evitar a separação entre a instituição da presidência e a figura do caudilho. A rejeição da nomeação da junta médica destinou-se a preservar o sigilo sobre a situação médica do caudilho — ou seja, de fato, a consolidar a transferência para o regime castrista da palavra decisiva sobre a política venezuelana.

Não se sustenta o paralelo sucessório com o Brasil do ocaso da ditadura militar. Em março de 1985, hospitalizado às pressas, o presidente eleito, Tancredo Neves, faltou à própria posse. O vice-presidente eleito, José Sarney, assumiu a Presidência por força de um acordo inconstitucional entre líderes civis e militares, que evitou a entrega da chefia de Estado ao presidente da Câmara, o oposicionista Ulysses Guimarães. Apesar de tudo, o compromisso apoiou-se nos andrajos de legitimidade de Sarney — que, na condição de companheiro de chapa de Tancredo, triunfara no Colégio Eleitoral. Na Venezuela, em contraste, o cargo de presidente é exercido por um personagem carente de legitimidade democrática: Maduro só ocupa a cadeira presidencial pois, desde que Chávez o sagrou como “sucessor”, converteu-se no “corpo substituto” do caudilho.

Regimes revolucionários não admitem os limites impostos pelas leis. Entretanto, até hoje, o chavismo moveu-se na esfera de uma legalidade relativa, sempre ampliada e continuamente reinterpretada. Agora, uma corte suprema dominada por juízes chavistas bem que tentou preservar as aparências legais, mas só conseguiu cobrir-se de ridículo. O tribunal não podia prorrogar o mandato de Chávez, algo flagrantemente arbitrário, nem proclamar que um novo mandato teve início sem a posse do presidente, pois isso implicaria a vacância da vice-presidência e dos demais cargos ministeriais. Os juízes “solucionaram” o dilema pela declaração onírica de que, sob o “princípio da continuidade administrativa”, o antigo mandato prossegue como um mandato novo. O vulgar truque circense serve para conferir um verniz legal à permanência do vice-presidente e dos outros ministros nos cargos que ocuparam no mandato presidencial encerrado.

O dirigente chavista Elías Jaua definiu o autogolpe chavista como “um marco na construção da democracia”: a comprovação de que “o povo manda por cima dos formalismos da democracia burguesa”. O Paraguai foi corretamente suspenso do Mercosul após um processo parlamentar de impeachment que respeitou a letra da Constituição, mas violou seu espírito, ao negar ao presidente o direito à ampla defesa. A Venezuela é um caso muito mais grave, pois o autogolpe viola tanto a letra quanto o espírito da Constituição. O governo brasileiro, contudo, indiferente aos imperativos básicos de coerência, abraça-se ao usurpador e sacrifica a cláusula democrática do Mercosul às taras ideológicas do PT. O nome disso é corrupção moral. Por: Demétrio Magnoli Fonte: O Estado de S. Paulo


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

DERRUBANDO O PODER MONETÁRIO

Um ex-espião da CIA afirma que o Irã construiu uma bomba nuclear com ajuda russa e norte-coreana.

China continua a fazer pressão em prol do domínio dos Mares do Sul e do Leste chinês por meio da sua retórica belicista contra o governo de Tóquio.

Oswald Spengler uma vez escreveu que "um poder só pode ser derrubado por outro poder, e não por um princípio – e nenhum poder capaz de defrontar o dinheiro resta, a não ser este. O dinheiro só é derrubado e abolido pelo sangue." É o caso de perguntar o que Spengler quis dizer com isso. A quê ele estava se referindo? Onde está representado o poder monetário que só pode ser defrontado pelo poder do sangue? Segundo Spengler, "por meio do dinheiro, a democracia torna-se destruidora de si mesma após o dinheiro ter destruído o intelecto." Em seguida vem a regra da força bruta — o poder do sangue e os meios de guerra. No final das contas, era isso que Spengler via derrubando o poder monetário. Se olharmos com perspicácia, não veremos o "fim da história" de Francis Fukuyama ou o triunfo final da democracia. Algo completamente diferente acontece nos dias de hoje.

Há uma notícia recente que é sintomática: um ex-espião da CIA afirma que o Irã construiu uma bomba nuclear com ajuda russa e norte-coreana. Colunista do WorldNetDaily, o ex-agente da CIA Reza Kahlili publicou um artigo baseado em "uma fonte na unidade de inteligência da Guarda Revolucionária" com "acesso ao programa nuclear iraniano". A fonte afirma que o Irã obteve urânio e plutônio enriquecidos das mãos do governo norte-coreano para usar como armas; a fabricação do artefato foi em uma instalação "subterrânea desconhecida" que o ex-analista da CIA Peter Vincent Pry diz ser "a prova que os EUA provavelmente está subestimando o avanço e sofisticação do programa de armas nucleares do Irã". Alega-se que técnicos russos e norte-coreanos estão dando assistência aos iranianos nessas instalações. (Veja o artigo do WND intitulado Iran’s Nuclear Bomb Program Complete.)

Enquanto isso, como se não bastasse o programa armamentista nuclear iraniano, a China continua a fazer pressão em prol do domínio dos Mares do Sul e do Leste chinês por meio da sua retórica belicista contra o governo de Tóquio. Ainda assim a coisa vai além da retórica, pois Japão e China enviaram o maquinário militar aéreo para as ilhas Senkaku, ricas em petróleo (veja China e Japão mais próximos da guerra). Alguns observadores sentem que um conflito militar é plausível e suas consequências financeiras e políticas são incalculáveis. Enquanto os EUA não apóiam seu aliado japonês, uma entusiasmada China reforça o clima de tensão. As forças defensivas do Japão, evidentemente, não devem ser subestimadas, embora o Japão não tenha armas nucleares. Como então o Japão se sustentará ante a China sem a promessa de apoio nuclear americano? 

O repórter Bill Gertz, especialista em segurança nacional, publicou um artigo na última sexta-feira intitulado “Indicador de preparação bélica: Beijing reforça os metrôs contra ataques nucleares e de gás”. Aparentemente, o sistema de metrô de Pequim funciona como um abrigo contra explosões nucleares e faz parte de um programa muito maior de modernização nuclear levada a cabo pelos chineses. Na verdade, a China vem “construindo túneis e escondendo seu armamento nuclear desde a década de 1950” e apenas em 2010 revelou a extensão do seu programa preparativo de longo prazo. Ao mesmo tempo, diz Gertz, a Rússia também está “expandindo seu arsenal nuclear (…) Moscou anunciou no ano passado que também está construindo mais de cinco mil abrigos antibomba subterrâneos na capital russa como antecipação de um possível conflito nuclear no futuro”.

Dados esses fatos, qual inimigo nuclear Rússia e China preparam-se para enfrentar?

Segundo um artigo de Pavel Felgenhauer intitulado Putin dá início à campanha pública antiamericana, “o antiamericanismo é uma tendência forte na Rússia...”. Assim como o anti-capitalismo. De acordo com uma matéria do dia 10 de janeiro no Barents Observer, “A retórica da Guerra-Fria preocupa o Ministro do Exterior norueguês”, o vice-premiê da Rússia e ex-embaixador da OTAN postou em seu Twitter repercutindo o comissionamento de um novo submarino, o Yury Dolgoruky. No Twitter do vice-premiê Dmitry Rogozin foi postada a mensagem “Tremei, burgueses! Vocês estão acabados!”. Diante disso, o ministro norueguês demonstrou consternação. Ele disse que os oficiais russos usam a retórica da Guerra Fria “com demasiada frequência”. É claro que não se deve reclamar que um peixe tem guelras. Nesse caso, pensou-se durante 20 anos que o peixe tinha pulmões, de modo que o ministro norueguês ficou desapontado por ter descoberto que ele não tinha. 

Na batalha entre capitalismo e socialismo, vemos como o socialismo continua a subverter a liberdade econômica. O que triunfou na Rússia na década de 1990 não foi o capitalismo ou a democracia, mas um show de capitalismo e democracia. Gostaria de lembrar aos meus leitores o livro de Richard McGregor, The Party: The Secret World of China’s Communist Rulers. Nesse livro constatamos que, apesar das aparências, o Partido Comunista está dirigindo ativamente todas as grandes companhias e todas as instituições financeiras da República Popular da China.

Nós aqui no Ocidente dificilmente poderíamos imaginar a extensão dos controles governamentais secretos da Rússia e da China. Esses países são liderados por comunistas da velha guarda e dos atuais que não acreditam na liberdade econômica. Para esses governantes autocráticos, o capitalismo é um fingimento no mesmo grau da democracia. Nesse ínterim, o Ocidente vem sendo enfraquecido por dentro pelo socialismo. Como disse Oswald Spengler, “Por meio do dinheiro, a democracia torna-se destruidora de si mesma após o dinheiro ter destruído o intelecto.” Talvez tenha sido nosso bem-estar ou talvez nossa prosperidade que corroeu nossos valores e nossa integridade intelectual. Sejam quais forem nossas preocupações, não estamos resistindo efetivamente. Ao contrário, estamos distraídos e decadentes. 

Os preparativos bélicos do Irã, da Rússia e da China seguem adiante ano após ano. Os Estados Unidos continuam a caminhar lentamente em direção ao socialismo. Alguém acredita que nos será permitido fazer o caminho de volta?Por: JEFFREY NYQUIST Publicado no Financial Sense. Tradução: Leonildo Trombela Júnior