segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

AUTORITARISMO

O maior perigo para a humanidade: nossa recorrente paixão pelo autoritarismo


É inegável que, nos dias de hoje, ditadura, intervencionismo e socialismo são extremamente populares. Nenhum argumento lógico parece conseguir enfraquecer essa popularidade. O fanatismo impede que os ensinamentos da teoria econômica sejam ouvidos, a teimosia impossibilita qualquer mudança de opinião e a experiência histórica não serve de base para nada. 

Para compreender as raízes dessa rigidez mental, devemos nos lembrar de que as pessoas sofrem e se sentem infelizes e frustradas porque as coisas nem sempre se passam da maneira como elas gostariam. O homem nasce como um ser egoísta, um ser não-sociável, e é só com a vida que ele aprende que sua vontade não é a única nesse mundo; existem outras pessoas que também têm suas vontades. A vida e a experiência irão lhe ensinar que, para realizar os seus planos, ele terá de encontrar o seu lugar na sociedade, terá de aceitar as vontades e os desejos de outras pessoas como um fato consumado, e terá de se ajustar a esses fatos se quiser chegar a algum lugar. 

A sociedade não é aquilo que o indivíduo gostaria que fosse. Todo indivíduo tem a respeito de seus conterrâneos uma opinião menos favorável do que a que tem sobre si próprio. Ele se julga possuidor do direito natural de ocupar na sociedade um lugar melhor do que aquele que efetivamente ocupa. Ele se julga digno de estar em uma classe social mais elevada. Só que diariamente o presunçoso — e quem está inteiramente livre da presunção? — sofre novas decepções. E diariamente ele aprende, nem sempre de maneira pacífica e corriqueira, que existem outras vontades além da sua. 

Para se blindar dos efeitos mentalmente devastadores destas seguidas decepções, o neurótico se refugia em sonhos encantados. Mais especificamente, ele sonha com um mundo no qual apenas a sua vontade é decisiva e é implantada sem restrições. Neste seu mundo onírico, ele é o ditador. Só aquilo que tiver a sua aprovação pode acontecer. Somente ele pode dar ordens; os outros apenas obedecem. Sua razão é suprema.

Neste mundo secreto de ilusões, o neurótico pensa ser um César, um Genghis Khan ou um Napoleão. Mas, na vida real, quando fala com os seus conterrâneos, tem de abaixar a cabeça e ser mais modesto. Sendo assim, perante essa sua irremediável insignificância, ele tem de se contentar em apoiar uma ditadura comandada por outra pessoa. Não importa se tal ditadura seja em seu próprio país ou em um outro distante: em sua mente, este ditador está ali apenas para efetuar as suas (do neurótico) vontades. Trata-se de uma mistura de psicopatia com megalomania.

Nenhum indivíduo jamais apoiou uma ditadura que fizesse coisas opostas às que ele considera certas. Quem apóia uma ditadura o faz por achar que o ditador está fazendo o que, na opinião deste indivíduo, tem de ser feito. Quem apóia ditaduras tem sempre em mente o desejo irrefreável de dominar seus conterrâneos de forma irrestrita, e impor a eles todas as suas vontades — ainda que tal serviço seja feito por outra pessoa. 


O defensor de ditaduras costuma ter um carinho específico pela expressão "planejamento econômico" — ou "economia planejada" —, a qual, particularmente nos dias de hoje, é um pseudônimo de socialismo. Neste arranjo, qualquer coisa que as pessoas queiram fazer tem de ser primeiramente aprovada e planejada. Estes que, assim como Marx, rejeitam a "anarquia da produção" e pretendem substituí-la pelo "planejamento", desprezam profundamente a livre iniciativa, as vontades e os planos das outras pessoas. Somente uma vontade deve prevalecer, somente um plano deve ser implementado: aquele que tem a aprovação do neurótico; o plano que ele considera correto, o único plano. Qualquer resistência deve ser subjugada e sobrepujada; nada deve impedir o neurótico de tentar ordenar o mundo de acordo com seus próprios planos. Todos os meios que façam prevalecer a suprema sabedoria do lunático devem ser utilizados. 

Essa é a mentalidade das pessoas que, certa vez, em uma exposição das pinturas de Manet em Paris, exclamaram: "a polícia não deveria permitir isso!" Essa é a mentalidade das pessoas que constantemente bradam: "deveria haver uma lei contra isso!"

E, quer elas admitam ou não, esta é exatamente a mentalidade de todos os intervencionistas, socialistas e defensores das ditaduras. Há apenas uma coisa que eles odeiam mais do que o capitalismo: um intervencionismo, um socialismo ou uma ditadura que não corresponda a todas as suas vontades. Daí a briga apaixonada entre comunistas e nazistas; entre os partidários de Trotsky e os de Stalin; entre os seguidores de Strasser e os de Hitler. 

A liberdade e o sistema econômico 

O principal argumento contra a proposta de se instituir um regime socialista é o de que, no sistema socialista, não há espaço para a liberdade individual. Socialismo, argumenta-se, é o mesmo que escravidão. Não há como negar a veracidade desse argumento. Onde o governo controla todos os meios de produção, onde o governo é o único empregador e tem o direito de decidir que treinamento as pessoas deverão receber, onde e como deverão trabalhar, o indivíduo não é livre. Tem o dever de obedecer e não tem direitos. 

Os defensores do socialismo nunca conseguiram apresentar uma refutação efetiva a esse argumento. Retrucam dizendo apenas que, na economia de mercado, há liberdade apenas para os ricos, e não para os pobres; e que, por uma liberdade desse tipo, não valeria a pena renunciar às supostas vantagens do socialismo. 

Ocorre que os homens são diferentes, desiguais. E sempre o serão. Alguns são mais dotados em determinado aspecto, menos em outro. E há os que têm o dom de descobrir novos caminhos, de mudar os rumos do conhecimento. Nas sociedades capitalistas, o progresso tecnológico e econômico é promovido por esses homens. Quando alguém tem uma ideia, procura encontrar algumas outras pessoas argutas o suficiente para perceberem o valor de seu achado. Alguns capitalistas que ousam perscrutar o futuro, que se dão conta das possíveis consequências dessa ideia, começarão a pô-la em prática. Outros, a princípio, poderão dizer: "são uns loucos", mas deixarão de dizê-lo quando constatarem que o empreendimento que qualificavam de absurdo ou loucura está florescendo, e que toda gente está feliz por comprar seus produtos.

No sistema ditatorial marxista, por outro lado, o corpo governamental supremo deve primeiro ser convencido do valor de uma ideia antes que ela possa ser levada adiante. Isso pode ser algo muito difícil, uma vez que o grupo detentor do comando — ou o ditador supremo em pessoa — tem o poder de decidir. E se essas pessoas — por razões de indolência, senilidade, falta de inteligência ou de instrução — forem incapazes de compreender o significado da nova ideia, o novo projeto não será executado.

Para analisar essas questões devemos, em primeiro lugar, entender o verdadeiro significado da palavra liberdade. Liberdade é um conceito sociológico. Não há, na natureza ou em relação à natureza, nada a que se possa aplicar esse termo. Liberdade é a oportunidade concedida ao indivíduo pelo sistema social para que ele possa modelar sua vida segundo sua própria vontade. Que as pessoas tenham que trabalhar e produzir para poder sobreviver é uma lei da natureza; nenhum sistema social pode alterar esse fato. Que o rico possa viver sem trabalhar não diminui em nada a liberdade daqueles que não tiveram a sorte de estar nessa posição afortunada. Em uma economia de mercado, naquela em que há liberdade de empreendimento, e ausência de privilégios e protecionismos estatais, a riqueza de um indivíduo representa a recompensa concedida pela sociedade pelos serviços prestados aos consumidores no passado. E esta riqueza só pode ser preservada se ela continuar a ser utilizada — isto é, investida — no interesse dos consumidores. 

Que a economia de mercado recompense generosamente aquele que se mostrou capaz de bem servir aos consumidores é algo que não causa nenhum dano aos consumidores. Ao contrário, só os beneficia. Nada, nesse processo, é tomado do trabalhador, e muito lhe é proporcionado, o que lhe permite aumentar sua produtividade do trabalho. A liberdade do trabalhador que não tem propriedades está no seu direito de escolher o local e o tipo de seu trabalho que quer. Ele não está sujeito às arbitrariedades de um senhor de engenho que o tem como vassalo. Ele simplesmente vende os seus serviços no mercado. Se um empreendedor se recusar a lhe pagar o salário correspondente às condições do mercado, ele encontrará outro empregador disposto a, no seu próprio (do empregador) interesse, lhe pagar o salário de mercado. O trabalhador não deve subserviência e obediência ao seu empregador; ele deve ao seu empregador apenas a prestação de serviços. Ele recebe seu salário não como um favor, mas sim como uma recompensa de que é merecedor. 

Os pobres também têm a possibilidade, em uma sociedade capitalista, de se fazer pelo seu próprio esforço. Isso não ocorre apenas às atividades comerciais. A maioria das pessoas que hoje ocupa uma posição de destaque nas profissões liberais, nas artes e na ciência começou a carreira na pobreza. Entre os líderes e os vencedores, muitos são originários de famílias pobres. Quem quer ser bem-sucedido, qualquer que seja o sistema social, terá que vencer a apatia, o preconceito e a ignorância. Não se pode negar que o capitalismo oferece essa oportunidade. 

Em uma economia capitalista, o mercado é um corpo social; é o corpo social por excelência. Todos agem por conta própria; mas as ações de cada um procuram satisfazer tanto as suas próprias necessidades como também as necessidades de outras pessoas. Ao agir, todos servem seus concidadãos. Por outro lado, todos são por eles servidos. Cada um é ao mesmo tempo um meio e um fim; um fim último em si mesmo e um meio para que outras pessoas possam atingir seus próprios fins.

Todos os homens são livres; ninguém tem de se submeter a um déspota. O indivíduo, por vontade própria, se integra num sistema de cooperação. O mercado o orienta e lhe indica a melhor maneira de promover o seu próprio bem estar, bem como o das demais pessoas. O mercado comanda tudo; por si só coloca em ordem todo o sistema social, dando-lhe sentido e significado.

O mercado não é um local, uma coisa, uma entidade coletiva. O mercado é um processo, impulsionado pela interação das ações dos vários indivíduos que cooperam sob o regime da divisão do trabalho.

A reiteração de atos individuais de troca vai dando origem ao mercado, à medida que a divisão de trabalho evolui numa sociedade baseada na propriedade privada. 

A economia de mercado, em princípio, não respeita fronteiras políticas. Seu âmbito é mundial. O mercado torna as pessoas ricas ou pobres, determina quem dirigirá as grandes indústrias e quem limpará o chão, fixa quantas pessoas trabalharão nas minas de cobre e quantas nas orquestras filarmônicas. Nenhuma dessas decisões é definitiva: são revogáveis a qualquer momento. O processo de seleção não para nunca.

Atribuir a cada um o seu lugar próprio na sociedade é tarefa dos consumidores, os quais, ao comprarem ou absterem-se de comprar, estão determinando a posição social de cada indivíduo. Os consumidores determinam, em última instância, não apenas os preços dos bens de consumo, mas também os preços de todos os fatores de produção. Determinam a renda de cada membro da economia de mercado. São os consumidores e não os empresários que basicamente pagam os salários ganhos por qualquer trabalhador.

Se um empreendedor não obedecer estritamente às ordens do público tal como lhe são transmitidas pela estrutura de preços do mercado, ele sofrerá prejuízos e irá à falência. Outros homens que melhor souberam satisfazer os desejos dos consumidores o substituirão.

Os consumidores prestigiam as lojas nas quais podem comprar o que querem pelo menor preço. Ao comprarem e ao se absterem de comprar, os consumidores decidem sobre quem permanece no mercado e quem deve sair; quem deve dirigir as fábricas, as fornecedoras e as distribuidoras. Enriquecem um homem pobre e empobrecem um homem rico. Determinam precisamente a quantidade e a qualidade do que deve ser produzido. São patrões impiedosos, cheios de caprichos e fantasias, instáveis e imprevisíveis. Para eles, a única coisa que conta é sua própria satisfação. Não se sensibilizam nem um pouco com méritos passados ou com interesses estabelecidos.

A economia de mercado, ou capitalismo, como é comumente chamada, e a economia socialista são mutuamente excludentes. Não há mistura possível ou imaginável dos dois sistemas; não há algo que se possa chamar de economia mista, um sistema que seria parcialmente socialista. A produção ou é dirigida pelo mercado, ou o é por decretos de um czar da produção, ou de um comitê de czares da produção. A economia de mercado é o produto de um longo processo evolucionário. É o resultado dos esforços do homem para ajustar sua ação, da melhor maneira possível, às condições dadas de um meio ambiente que ele não pode modificar. É, por assim dizer, a estratégia cuja aplicação permitiu ao homem progredir triunfalmente do estado selvagem à civilização.

O progresso é sempre um deslocamento do velho pelo novo. Progresso sempre quer dizer mudança. Nenhum planejamento econômico pode planejar o progresso, nenhuma organização pode organizá-lo. O progresso é a única coisa que desafia quaisquer limitações e controles. A sociedade e o estado não podem promover o progresso. O capitalismo também não pode fazer nada pelo progresso. Porém, e isso é já bastante, o capitalismo não coloca barreiras intransponíveis ao progresso. Uma sociedade socialista se tornaria absolutamente rígida, pois tornaria o progresso impossível. 

O intervencionismo não abole por completo todas as liberdades dos cidadãos. Porém, a cada nova medida intervencionista implantada, uma fatia importante de liberdade individual é abolida e, consequentemente, a atividade econômica é restringida. 

O fato inegável

O que tem melhorado a situação das pessoas, o que tem dado a elas melhores condições de vida, e o que tem criado todas aquelas coisas que hoje consideramos como o orgulho das realizações humanas, não foram declamações de nobres intenções, nem discursos sobre justiça social, e nem sonhos sobre um mundo melhor — e muito menos efetivos esforços para se implantar o "mundo melhor" pela força das armas. O que possibilitou todas estas coisas foi o empenhado trabalho diário das pessoas, cujos esforços foram direcionados para melhorar suas próprias condições de vida por meio do trabalho duro, fazendo coisas que eram desconhecidas em épocas passadas e que eram desconhecidas até mesmo por elas próprias em tempos anteriores recentes. 

A história da tecnologia e do comércio fornece inúmeros exemplos que confirmam isso. No passado, havia um considerável intervalo de tempo entre o surgimento de algo até então completamente desconhecido e sua popularização no uso cotidiano. Algumas vezes, passavam-se vários séculos até que uma inovação se tornasse amplamente aceita por todos — ao menos dentro da órbita da civilização ocidental. Pense na lenta popularização do uso de garfos, sabonetes, lenços, papeis higiênicos e inúmeras outras variedades de coisas.

Desde seus primórdios, o capitalismo demonstrou uma tendência de ir encurtando esse intervalo de tempo, até ele finalmente ser eliminado quase que por completo. Tal fenômeno não é uma característica meramente acidental da produção capitalista; trata-se de algo inerente à sua própria natureza. A essência do capitalismo é a produção em larga escala para a satisfação dos desejos das massas. Sua característica distintiva é a produção em massa

Os discípulos de Marx sempre se mostraram muito ávidos para descrever em seus livros os "inenarráveis horrores do capitalismo", os quais, como seu mestre havia prognosticado, resultam "de maneira tão inexorável como uma lei da natureza" no progressivo empobrecimento das "massas". O preconceito anticapitalista deles impedia que percebessem o fato de que o capitalismo tende, com o auxílio da produção em larga escala, a eliminar o notável contraste que há entre o modo de vida de uma elite afortunada e o modo de vida de todo o resto da população de um país. O abismo que separava o homem que podia viajar de carruagem e o homem que ficava em casa porque não tinha o dinheiro para a passagem foi reduzido à diferença entre viajar de avião e viajar de ônibus.

Que jamais nos aconteça

Não permitamos jamais que aquelas pessoas que dizem que tudo neste arranjo é ruim, que a propriedade privada é a origem de todos os malefícios e desigualdades, e que a única ação correta a ser tomada é a busca do "mundo melhor" pela imposição de medidas coercivas e ditatoriais adquiram poder.

Se há uma coisa que a história pode nos ensinar é que nenhuma nação jamais conseguiu criar uma civilização superior sem a propriedade privada dos meios de produção. E a prosperidade só pode ser encontrada onde prevalece a propriedade privada dos meios de produção. 

Se algum dia a nossa civilização desaparecer, não terá sido por uma inevitabilidade; não terá sido porque ela já estava fadada a esse trágico desfecho. Terá sido, isso sim, porque as pessoas se recusaram a aprender com a teoria e com a história. Não é o destino que determina o futuro da sociedade humana, mas sim o próprio homem. O declínio da civilização ocidental não é uma manifestação da vontade divina, algo que não pode ser evitado. Se ocorrer, terá sido o resultado de uma política que nunca deveria ter sido sequer cortejada. 

Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

domingo, 24 de fevereiro de 2013

A FARSA SOBRE ABRAHAM LINCOLN

O filme Lincoln, de Steven Spielberg, vem sendo um grande sucesso de bilheteria e ganhou doze indicações para o Oscar, inclusive de melhor filme, melhor diretor e melhor ator para Daniel Day-Lewis, que fez o papel do 16º presidente americano. Como não vi o filme, este artigo não será sobre ele, mas sim sobre o homem que é até hoje endeusado por muitos.


Meu colega Thomas DiLorenzo, professor de economia da Loyola University de Maryland, já expôs vários mitos a respeito de Lincoln em seu livro de 2006, Lincoln Unmasked. Agora ele acaba de receber o reforço de Joseph Fallon, analista de inteligência cultural e ex-instrutor do Centro de Inteligência do Exército dos EUA, com seu novo e-book, Lincoln Uncensored. O livro de Fallon examina 10 volumes reunidos de discursos e escritas de Lincoln, os quais incluem passagens sobre escravidão, secessão, igualdade para os negros e emancipação. Não é necessário se basear na interpretação de ninguém. Apenas leia as palavras de Lincoln e veja o que você conclui delas.

Em uma carta escrita em 1858, Lincoln diz:

Já declarei mil vezes e volto a repetir que é minha firme opinião que nem o Governo Geral e nem qualquer outro poder externo aos estados escravagistas podem constitucionalmente ou por direito interferir na escravidão onde quer que ela já exista.

Em um discurso proferido em Springfield, Illinois, ele explicou:

Minhas declarações sobre este assunto da escravidão negra podem até ser deturpadas, mas não podem ser mal interpretados. Já disse que não vejo a Declaração (de Independência) como sendo uma afirmação de que todos os homens foram criados iguais sob todos os aspectos.

Debatendo com o senador Stephen Douglas, Lincoln disse:

Digo, portanto, que não sou, nem jamais fui, a favor de criar, de qualquer maneira que seja, a igualdade social e política das raças branca e preta; que não sou, nem nunca fui, a favor de transformar negros em eleitores ou jurados, nem de habilitá-los a exercer cargos públicos, nem de permitir seu casamento com pessoas brancas; e direi, adicionalmente, que há uma diferença física entre as raças branca e preta que, creio eu, irá para sempre proibir as duas de viverem juntas em termos de igualdade social e política. E, visto que elas não podem conviver desta forma, enquanto elas permanecerem em coexistência terá de haver a posição do superior e do inferior, e eu, assim como qualquer outro homem, sou a favor de que a posição superior seja atribuída à raça branca. [....] O que eu mais gostaria de ver seria a separação das raças branca e negra. (Abraham Lincoln, First Lincoln-Douglas Debate, Ottawa, Illinois, Sept. 18, 1858, in The Collected Works of Abraham Lincoln vol.3, pp. 145-146; 521).

E então você dirá, "Mas, professor Williams, a Proclamação de Emancipação publicada por Lincoln libertou os escravos! Isso prova que ele era contra a escravidão!"

Nas palavras do próprio Lincoln:

Vejo a questão [a Proclamação de Emancipação] como uma medida prática para a guerra [de secessão], algo a ser decidido de acordo com as vantagens ou desvantagens que ela possa oferecer à supressão da rebelião. [...] Também irei admitir que a emancipação irá melhorar nossa situação perante a Europa, convencendo aquele continente de que estamos sendo impelidos por algo mais do que a ambição.

Na época em que Lincoln escreveu a proclamação, a guerra de secessão estava indo mal para a União. Londres e Paris já estavam considerando reconhecer os Estados Confederados e estavam também considerando auxiliá-los em seus esforços de guerra.

Thomas DiLorenzo, em um recente artigo, apontou que o historiador de Harvard David Donald, vencedor do Prêmio Pulitzer e um dos mais proeminentes historiadores de Lincoln da atualidade, escreveu em sua biografia sobre Lincoln (página 545) que Abraham na realidade não teve praticamente nada a ver com a aprovação da Décima Terceira Emenda, contrariamente ao que é mostrado no filme de Spielberg. Com efeito, como escreveu Donald, quando perguntado por genuínos abolicionistas no Congresso se ele iria ajudá-los a aprovar a Emenda, Lincoln disse que não. 

Mas ele, no entanto, se empenhou bastante em tentar aprovar, em 1861, uma versão de uma outra décima terceira emenda, conhecida como a Emenda Corwin, a qual visava a consagrar explicitamente a escravidão na Constituição americana. Essa emenda chegou a ser aprovada pelo Congresso.

A Emenda Corwin proibia o governo federal de interferir, sob qualquer circunstância, na escravidão do sul dos EUA. A Emanda Corwin dizia:

Nenhuma emenda será feita à Constituição autorizando ou dando ao Congresso o poder de abolir ou interferir nas instituições domésticas de nenhum estado, inclusive no que tange às pessoas mantidas para trabalho ou serviço pelas leis do referido Estado.

"Pessoas mantidas para trabalho ou serviço" é como a Convenção Constitucional se referia aos escravos, e "instituições domésticas" se referia à escravidão. Em seu discurso de posse, Lincoln anunciou ao mundo que ele apoiava a Emenda Corwin:

Entendo que uma emenda proposta à Constituição — emenda essa que, no entanto, ainda não vi — foi aprovada no Congresso com o propósito de assegurar que o Governo Federal jamais interfira nas instituições domésticas dos Estados, inclusive nas pessoas mantidas para trabalho ou serviço . . . . Considerando que tal provisão resultará em lei constitucional, afirmo que não tenho nenhuma objeção a ela se tornar manifesta e irrevogável. (Ênfase minha).

Permita-me introduzi-los agora a Lerone Bennet, Jr., que foi editor executivo da revista Ebony por várias décadas (começando em 1958) e autor de vários livros, entre eles uma biografia de Martin Luther King, Jr. (What Manner of Man: A Biography of Martin Luther King) e uma obra monumental sobre Lincoln, Forced into Glory: Abraham Lincoln's White Dream. Bennet é formado pela Morehouse College, em Atlanta, e escreveu vários artigos sobre a cultura e a história afro-americana durante sua carreira na Ebony. Ele passou mais de vinte anos pesquisando e escrevendo Forced into Glory, uma severa e rigorosa crítica a Abraham Lincoln baseada em montanhas de fatos e verdades. Segundo Bennet Jr.,

Quem libertou os escravos? Se é que eles foram de fato 'libertados', isso ocorreu por causa da Décima Terceira Emenda, a qual foi escrita e pressionada para ser aprovada não por Lincoln, mas sim pelos grandes emancipadores que ninguém conhece, os abolicionistas e líderes congressistas que criaram o clima e geraram a pressão política que incitou, empurrou e finalmente forçou Lincoln à glória ao associá-lo a uma política à qual ele resolutamente se opusera por pelo menos cinquenta e quatro de seus cinquenta e seis anos de vida. (Bennett, Jr., Forced into Glory: Abraham Lincoln' s White Dream, p. 19).

Vale dizer que a Proclamação de Emancipação não foi uma declaração universal. Ela especificava onde os escravos estariam livres: somente naqueles estados que estavam "em rebelião contra os Estados Unidos". Os escravos permaneceram escravos naqueles estados que não estavam em rebelião — tais como Kentucky, Maryland e Delaware. A hipocrisia da Proclamação de Emancipação foi alvo de pesadas críticas. O próprio Secretário de Estado de Lincoln, William Seward, ironizou: "Mostramos nossa desaprovação à escravidão emancipando escravos onde nossa jurisdição não é aceita e mantendo escravos onde podemos de fato libertá-los".

Incoerências à parte, houve sim um momento em que Lincoln articulou um ponto de vista sobre secessão que teria sido muito bem-vindo em 1776:

Quaisquer pessoas, em qualquer lugar do mundo, que estejam dispostas e tenham o poder para tal, têm o direito de se insurgirem e se desvencilharem do governo vigente, e de formarem um novo governo que lhes seja mais apropriado. ... Tampouco está este direito restrito apenas a casos em que todos os cidadãos devem escolher exercê-lo. Qualquer fatia de um povo que se sinta capaz pode fazer uma revolução, se seceder e se apossar de toda a área daquele território em que habitam.

Mas isso foi dito por Lincoln em 1848 em um discurso na Câmara dos Deputados dos EUA. Ele se referia à guerra contra o México e à subsequente secessão do Texas em relação àquele país.

O que nos leva à grande pergunta. Por que Lincoln não aplicou aos estados do sul dos EUA essa mesma lógica do direito à secessão? Por que ele decidiu enviar tropas federais para massacrar os confederados? Para chegar à resposta, basta 'seguir o dinheiro'. Ao longo de toda a história dos EUA até o início do século XX, o governo federal possuía apenas duas fontes de receita: impostos cobrados sobre a venda de alguns bens específicos (que geravam uma receita muito baixa) e tarifas de importação. Durante a década de 1850, as tarifas de importação representavam nada menos que 90% de toda a receita do governo federal. E em 1859, os portos dos estados do Sul dos EUA foram responsáveis por nada menos que 75% do total dessas tarifas. Qual político "responsável" aceitaria abrir mão de tamanha receita? 

O preço desta recusa: 750.000 compatriotas assassinados pelo seu próprio governo.

Por: Walter Williams é professor honorário de economia da George Mason University e autor de sete livros. Suas colunas semanais são publicadas em mais de 140 jornais americanos.

Tradução de Leandro Roque

sábado, 23 de fevereiro de 2013

O OUTRO LADO

E se em vez de insistirmos na comparação entre os governos petistas e os do PSDB dos últimos 20 anos fizéssemos uma análise mais abrangente, com as comparações da performance brasileira nos últimos 10 anos com a própria performance dos governos ao longo da nossa história e, além disso, com as demais economias do mundo, inclusive dos países emergentes? O professor titular de Economia Internacional da UFRJ Reinaldo Gonçalves se propôs a se distanciar da polarização PT – PSDB para analisar a economia brasileira e os avanços sociais nos 10 anos de governos petistas, e encontrou um quadro bastante desolador, distante da propaganda oficial, a que deu o título “Brasil Negativado, Brasil Invertebrado: Legado de 2 governos do PT”.


A “negatividade” é informada por inúmeros indicadores de desempenho da economia brasileira que abarcam o país, o governo, as empresas e as famílias. O “invertebramento” envolve a estrutura econômica, o processo social, as relações políticas e os arranjos institucionais. Esta trajetória é marcada, segundo o professor Reinaldo Gonçalves, na dimensão econômica, por fraco desempenho; crescente vulnerabilidade externa estrutural; transformações estruturais que fragilizam e implicam volta ao passado; e ausência de mudanças ou de reformas que sejam eixos estruturantes do desenvolvimento de longo prazo.

Na avaliação do crescimento da renda durante os governos do PT, o professor Reinaldo Gonçalves classifica de “fraco desempenho pelo padrão histórico brasileiro e pelo atual padrão internacional”. A taxa secular de crescimento médio real do PIB brasileiro no período republicano é 4,5% e a taxa mediana é 4,7%. No governo Lula a taxa obtida é 4,0% enquanto as estimativas e projeções do FMI para o governo Dilma informam taxa de 2,8%.

O resultado é claramente negativo: no ranking dos presidentes do país, Lula está na 19ª posição e Dilma tem desempenho ainda pior (24ª posição), em um conjunto de 30 presidentes com mandatos superiores a um ano. Resultados que não são compensados pelo fato de o governo Fernando Henrique estar em 27 posição, com o crescimento médio de 2,3%.

O Brasil Negativado dos governos petistas também é evidente quando se observam os padrões atuais de desempenho da economia mundial, ressalta Gonçalves. Durante os governos petistas a taxa média anual de crescimento do PIB (considerando as estimativas e projeções do FMI para os 2 últimos anos do governo Dilma) é 3,6%. No período 2003-2014 a estimativa é que a economia mundial cresça à taxa média anual de 3,8%; no caso dos países em desenvolvimento esta taxa deverá ser de 6,4%.

Portanto, salienta Gonçalves, o Brasil Negativado é evidente quando se constata não somente estas diferenças como os dois outros fatos: em 6 dos 12 anos do período 2003-14 a taxa de crescimento da economia brasileira é menor do que a taxa média mundial; e, em todos os anos a taxa de crescimento do PIB brasileiro é menor do que a média dos países em desenvolvimento.

O Brasil Negativado também é evidente quando se compara o crescimento do PIB brasileiro durante os governos petistas com a média simples e a mediana das taxas de crescimento dos 186 países que são membros do FMI e que representam um painel muito representativo da economia mundial.

A taxa média durante dos governos Lula e Dilma (3,6%) é menor do que a média simples (4,6%) e a mediana (4,4%) das taxas de crescimento dos 186 países do painel. A taxa de crescimento econômico brasileiro é menor do que a média simples e a mediana da economia mundial em 10 e 7 anos dos 12 anos, respectivamente.

O fraco crescimento da economia brasileira durante os governos petistas está diretamente associado às baixas taxas de investimento, ressalta Gonçalves. A taxa média de investimento do Brasil no período 2003-14 é 18,8% enquanto a média e a mediana mundial (painel do FMI) são 23,9% e 22,5%, respectivamente. Em todos os anos de governo petista a taxa de investimento é menor do que a média e a mediana do mundo. No painel de 170 países o Brasil ocupa a 126ª posição, média para o período 2003-14. (Amanhã, o social) Por: Merval Pereira O Globo

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A DISPUTA SINO-JAPONESA


É possível que estejamos testemunhando uma manobra pela qual estão sendo psicologicamente mapeadas as posições estratégicas do Japão e dos Estados Unidos.

A segunda e a terceira dentre as maiores economias – e também as duas nações mais importantes da Ásia – continuam envolvidas em uma disputa territorial em torno de cinco ilhotas. Quais são as possíveis consequências dessa disputa? Há uma guerra no horizonte? Essa atual contenda não é algo fácil de deslindar. Os chineses não são conhecidos pela franca objetividade estratégica. Sendo assim, quando eles começam a concentrar esforços para uma determinada finalidade, é necessário cogitarmos se não há algo mais em jogo. Talvez seja algo que tenhamos esquecido.

As disputadas Ilhas Senkaku estão atualmente desabitadas. Na China, essas ilhotas são conhecidas pelo nome de Ilhas Diaoyu e estão a 330 quilômetros da China continental e 410 das ilhas japonesas Ryukyu. Especificamente dizendo, o arquipélago consiste em cinco ilhotas (uma delas foi local de uma usina de processamento de peixes de 1910 até 1940). Segundo um relatório das Nações Unidas, é possível que no solo submarino ao redor das ilhotas haja grandes reservas de petróleo e gás.

Embora a administração de Obama não tenha declarado apoio oficial à reivindicação japonesa pelas ilhas Senkaku, o Tratado de Cooperação Mútua e Segurança entre os Estados Unidos e o Japão pode obrigar os EUA a defenderem militarmente o Japão num eventual conflito. Com efeito, é curioso que o artigo 9º da constituição japonesa proíba Tóquio de usar a força para resolver disputas internacionais. Estritamente falando, não era para o Japão ter forças armadas. O 9º artigo diz: 

“Aspirando sinceramente a uma paz internacional baseada na ordem e na justiça, o povo japonês renúncia definitivamente à guerra como direito soberano da nação e a ameaça ou uso de força como meios de resolver disputas internacionais”. 

O parágrafo dois diz:

“Para cumprir o objetivo do parágrafo anterior, as forças terrestres, marinhas e aéreas, assim como quaisquer outros potenciais bélicos jamais serão sustentados. O direito de beligerância do estado não será reconhecido.”

Essa é uma daquelas piadas irônicas da história; encontrarmos um país com uma constituição pacifista que possui força aérea, marinha e exército terrestre. Evidentemente essas forças não são grandes ou ameaçadoras, porém elas podem ser capazes de repelir uma invasão nas ilhas Senkaku. Entretanto, isso não é tão extraordinário quando ficamos sabendo que a China foi o principal motivo por trás do armamento parcial do Japão.

Com a invasão comunista – apoiada pela China – à Coreia do Sul em 1950, os EUA foram forçados a tirar tropas do Japão para defender a Coreia do Sul. Deste modo, tornou-se necessário que o Japão cobrisse essa ausência para que pudesse proteger sua própria costa. Como a constituição japonesa de 1947 foi escrita majoritariamente pela equipe de apoio do General MacArthur, a subsequente negação do artigo 9 foi efetivamente posta em prática quando o próprio MacArthur ordenou que os japoneses criassem uma força de reserva nacional com 75 mil homens, algo que, na prática, foi a criação de uma força que pudesse repelir a invasão comunista.

Nas décadas seguintes, as forças de defesa do Japão desenvolveram uma força naval e aérea. No começo, o papel militar era fortemente restringido. Eram chamados de “policiais” e seus tanques eram “veículos especiais”. Apesar dos desafios legais, a Suprema Corte do Japão ressaltou a constitucionalidade da defesa nacional. Em 1954, a Agência Nacional de Segurança foi renomeada para Agência Japonesa de Defesa e a Polícia reservista foi, consequentemente, chamada de Forças de Defesa do Japão. Nos dias de hoje, grosso modo as forças militares têm 250 mil integrantes. Isso é pouco se comparado ao Exército de Libertação Popular da China, que responde pela maior infantaria do mundo, com cerca de 2.25 milhões de membros ativos. Adicione a isso o fato da China ser uma força nuclear e então você verá o tamanho da desvantagem do Japão.

Mas guerras não são mais ganhas pelo lado que possui a mera superioridade numérica. Um conflito pelas Ilhas Senkaku seria um conflito naval, onde as preponderantes forças terrestres chinesas não poderiam entrar em ação e, assim, a maestria tecnológica japonesa, que é superior, poderia ser decisiva. Uma batalha marinha seria decidida por aeronaves, forças náuticas e mísseis. A Força Marítima de Defesa do Japão é especializada em remoção de minas e em operações bélicas antissubmarinas; para isso conta com 110 navios de guerra, sendo que quatro são porta-helicópteros e 16 são submarinos. Contudo, a marinha chinesa tem 515 navios de guerra, sendo que 63 são submarinos, 75 navios de combate de superfície e um porta-aviões.

Uma guerra naval sob as atuais circunstâncias envolve uma série de fatores incógnitos, de modo que é impossível dizer qual lado ganharia uma guerra marinha. Com o cenário nivelado, a China tem a vantagem e poderia facilmente ocupar as ilhas com paraquedistas antes que o Japão pudesse reagir. Mas então teríamos o vasto poderio naval dos Estados Unidos, que tem um tratado de segurança com o Japão. Mais do que qualquer outra coisa, a disputa das Ilhas Senkaku revela – ou falha em revelar – a prontidão do Presidente Obama para dar suporte ao Japão. Essa prontidão não está aparente em lugar algum. Oficialmente, o Departamento de Estado dos EUA diz que a América não tomou posição na disputa das Ilhas Senkaku.

Este último fato é decisivo e muito pode se aprender com ele. Enquanto os líderes militares chineses fizeram uma enxurrada de afirmações belicosas para a mídia estatal chinesa, os líderes civis chineses mostraram uma face mais conciliadora e política. Isso é mais bem colocado no conselho dado pelo antigo filósofo militar chinês Sun Tzu: “A vitória está em saber quando se deve lutar”. Neste caso, a batalha não é o objetivo imediato, embora um objetivo de longo prazo certamente seja mantido como opção.

Há sempre um significado político implícito na retórica militar chinesa. Não devemos descartar a possibilidade de que a China usará das suas reivindicações sobre as ilhas para obter algo do Japão que ninguém está esperando. Em outras palavras, é possível que estejamos testemunhando uma manobra pela qual estão sendo psicologicamente mapeadas as posições estratégicas do Japão e dos Estados Unidos. Isto é dizer que aqui os objetivos são analisar se haverá a prontidão dos EUA em ajudar o Japão ou se haverá uma aquiescência para com a China. Afinal de contas, o que é mais importante? Algumas pequenas ilhas insignificantes ou a relação entre Japão e EUA?

O antigo estrategista chinês Sun Tzu escreveu: “Conhece o inimigo e conhece a ti mesmo. Assim não terá de temer o resultado de 100 batalhas”. Parece ocorrer aos observadores chineses que essa disputa se dará ao longo dos limites da exploração da psicologia japonesa e americana quando se trata de política asiática. O valor dessas ilhas não pode ser maior do que saber o caráter da liderança japonesa ou da americana. Saber isso pode ser o verdadeiro prêmio nessa disputa.

Há de se considerar também o jogo econômico. A disputa das ilhas está afetando as exportações japonesas para a China – houve uma diminuição de 12% no último mês de novembro – e coincidiu com o segundo trimestre consecutivo de contração do PIB japonês. Porque os líderes chineses não dão um sinal de conciliação? Os políticos japoneses sem dúvida se mostrariam receptivos se fossem tratados respeitosamente e lhes fosse oferecido uma “parceria” mais próxima com Beijing. Isso é especialmente verdadeiro se eles se sentirem abandonados por seus aliados americanos.

Ninguém sabe o que acontecerá nos próximos meses, mas não podemos esperar que a disputa acerca das Ilhas Senkaku seja um assunto simples. Devemos considerar a possibilidade de que as tensões foram criadas pela China com o propósito de aliviá-las de uma maneira lucrativa e, por assim dizer, estrategicamente vantajosa. POR JEFFREY NYQUIST Publicado no Financial Sense. Tradução: Leonildo Trombela Júnior

A TURQUIA ESTÁ DEIXANDO O OCIDENTE?

As recentes medidas tomadas pelo governo turco indicam sua disposição em livrar-se do clube das democracias da OTAN em favor da gangue de estados autoritários russo e chinês.

Eis porque:

Começando em 2007, Ancara solicitou três vezes, sem sucesso, participar como Membro Visitante da Organização para a Cooperação de Xangai (ou SCO, informalmente conhecida como Xangai Cinco). Fundada em 1996 pelos governos russo e chinês, juntamente com três países da Ásia Central Soviética (com a afiliação de mais um em 2001), a SCO recebeu pouquíssima atenção no Ocidente, embora tenha espetaculares ambições sobre segurança entre outras, incluindo a possível criação de um cartel de gás. Além disso, oferece uma alternativa ao modelo Ocidental, desde a OTAN, passando pela democracia, indo até a substituição do dólar americano como moeda de reserva. Após as três rejeições, Ancara solicitou o status de "Parceiro de Diálogo" em 2011. Em junho de 2012, obteve a aprovação.

Passado um mês, o primeiro ministro turco Recep Tayyip Erdoğan referiu-se a respeito da sua conversa com o Presidente da Russia Vladimir Putin da seguinte maneira, "Vamos, aceite-nos no Xangai Cinco [como membro pleno] e nós iremos reconsiderar a União Européia". Erdoğan reiterou a intenção em 25 de janeiro, realçando o impasse nos esforços turcos em se filiar à União Européia (UE): "na qualidade de primeiro ministro de 75 milhões de pessoas", explicou, "começa-se a procurar alternativas. Por esta razão eu disse ao Sr. Putin um dia desses, "Aceite-nos no Xangai Cinco, vamos lá, e diremos adeus a UE". Por que protelar"? Adiante acrescentou que a SCO "é muito melhor, muito mais poderosa [que a UE] e compartilhamos os mesmos valores dos demais membros".

Presidentes dos seis países da SCO em uma reunião em Pequim em junho de 2012. 

Em 31 de janeiro, o ministério das relações exteriores anunciou planos para a promoção para "Estado Observador" na SCO. Em 3 de fevereiro Erdoğan reiterou a sua afirmação anterior, dizendo "Iremos procurar alternativas", tecendo elogios ao "processo de democratização" do grupo de Xangai, ao mesmo tempo menosprezando a "islamofobia" européia. Em 4 de fevereiro, o Presidente Abdullah Gül contra-atacou, declarando que "a SCO não é uma alternativa à UE. ... A Turquia deseja adotar e implementar os critérios da UE".

Como interpretar tudo isso?

O faz de conta da SCO enfrenta obstáculos significativos: Se por um lado Ancara lidera os esforços para derrubar Bashar al-Assad, a SCO apóia com firmeza o líder sitiado da Síria. As tropas da OTAN acabaram de chegar à Turquia a fim de operarem as baterias de mísseis Patriot com o objetivo de proteger o país dos mísseis sírios fabricados na Rússia. Mais importante ainda, todos os seis membros da SCO opõem-se veementemente ao islamismo abraçado por Erdoğan. Quem sabe, por isso mesmo, Erdoğan tenha mencionado a filiação à SCO somente com o intuito de pressionar a UE ou para mostrar uma retórica simbólica aos seus partidários.
Putin da Rússia e Erdoğan da Turquia: farinha do mesmo saco? 

Ambas as possibilidades são válidas. Mas eu considero os seis meses de flerte com seriedade por três razões. Primeira, Erdoğan já comprovou que é direto, levando o respeitado colunista, Sedat Ergin, a chamar a declaração de 25 de janeiro sua "mais importante" proclamação de política externa até hoje.

Segunda, conforme destaca o colunista turco Kadri Gürsel, "Os critérios da UE exigem democracia, direitos humanos, direitos sindicais, direitos das minorias, igualdade entre os sexos, distribuição equitativa de renda, participação e pluralismo da Turquia. A SCO como uma união de países governados por ditadores e autocratas não poderá exigir nenhum dos critérios acima para a afiliação". Diferentemente da União Européia, os membros da Xangai não irão pressionar Erdoğan a liberalizar seu país e sim incentivar suas tendências ditatoriais que já amedrontam tantos turcos.

Terceiro, a SCO se encaixa no impulso islamista de desafiar o Ocidente e sonhar com uma alternativa. A SCO, tendo como idiomas oficiais o russo e o chinês, abriga o DNA anti-ocidental e em suas reuniões transbordam sentimentos anti-ocidentais. Por exemplo, quando o Presidente do Irã Mahmoud Ahmedinejad proferiu um discurso ao grupo em 2011, ninguém repeliu sua teoria conspiratória em relação ao 11 de setembro ter sido uma trama interna do governo dos EUA usada "como justificativa para invadir o Afeganistão e o Iraque ferindo mais de um milhão de pessoas". Vários defensores ecoam o analista egípcio Galal Nassar na esperança que em última instância a SCO "terá a oportunidade de resolver a disputa internacional a seu favor". Por outro lado, conforme observou uma autoridade japonesa, "A SCO está se tornando um bloco rival da aliança dos EUA. Ela não compartilha nossos valores".

As medidas turcas a favor da filiação ao grupo de Xangai, realça a já ambivalente filiação de Ancara à Organização do Tratado do Atlântico Norte, incisivamente simbolizada pelas inéditas manobras conjuntas turco-chinesas de 2010. Dada esta realidade, a Turquia de Erdoğan não é mais um parceiro confiável do Ocidente e sim informante em seu refúgio sagrado. Senão expulso, deveria ao menos ser suspenso da OTAN.

Por: DANIEL PIPES
Publicado no The Washington Times.
Original em inglês: Is Turkey Leaving the West?
Tradução: Joseph Skilnik

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A AMEAÇA FASCISTA

Os liberais defensores do livre mercado são comumente chamados de “reacionários” ou de “fascistas” pela esquerda. O que nem todos sabem é que o fascismo sempre foi um casamento entre nacionalistas, sindicatos e grandes empresários, em uma simbiose totalmente antiliberal.

Para Robert Paxton, em “A anatomia do fascismo”, o programa fascista era “uma curiosa mistura de patriotismo de veteranos e de experimento social radical, uma espécie de “nacional-socialismo’”.

Donald Sassoon, em “Mussolini e a ascensão do fascismo”, mostra como o clientelismo, a mentalidade antiparlamentar presente na tradição socialista italiana, e um dos mais altos índices de sindicalização da Europa ajudaram a levar os fascistas ao poder.

O próprio Mussolini foi socialista, gostava de se identificar como “homem do povo” e se dizia um defensor da classe operária. Sua visão era extremamente coletivista, bem sintetizada na máxima: "Tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado." Não existe nada menos liberal que isso!

Se há um “liberalismo” que realmente se assemelha ao fascismo, este é o dos “progressistas” modernos que usurparam o termo para pregar bandeiras estatizantes e coletivistas, como demonstra Johah Goldberg em “Fascismo de esquerda”. Mas este não guarda nenhuma relação com o liberalismo clássico, defensor do livre mercado e do indivíduo como um fim em si mesmo.

O capitalismo liberal defende a propriedade privada, a liberdade individual e a livre concorrência, inclusive universal (globalização). Se, por um lado, esse modelo é o melhor para a grande maioria dispersa, por outro ele gera desconforto em certos grupos organizados. Ninguém gosta de concorrência, ainda que ela seja essencial para o progresso.

É assim que algumas categorias se unem e, apesar de minoritárias, conseguem fazer um forte lobby para obter privilégios estatais. Suas vantagens são concentradas, e os custos são espalhados por toda a sociedade. Grandes empresários e sindicatos se juntam em busca de medidas que obstruem a livre concorrência, e tudo isso em nome dos “interesses nacionais”.

Tivemos recentemente um claro exemplo disso na questão dos portos. Qualquer um sabe que nossa infraestrutura é caótica, e impõe um pesado custo ao país em termos de competitividade. Mas, quando reformas tímidas para modernizar um pouco os portos foram propostas, a reação foi imediata. Modernizar os portos implica mais concorrência, e isso os sindicatos e os capitães da indústria nacional não aceitam.

Toda a retórica nacionalista serve somente para ocultar essa agenda de interesses que, no fundo, prejudica a população brasileira. Nossos portos, assim como estradas e aeroportos, estão em estado precário porque faltam investimentos e porque a gestão estatal é sempre terrível. Mas mexer nisso é comprar briga com as forças reacionárias.

O ideal, do ponto de vista liberal, seria privatizar de uma vez portos, estradas, ferrovias, bancos públicos, a Infraero e a Petrobras. A Companhia Docas do RJ, por exemplo, dá prejuízo acima de R$ 100 milhões por ano! Os escândalos de corrupção são frequentes. A reserva de mercado garante privilégios absurdos aos sindicatos. Os produtos chegam aos consumidores a preços maiores. A quem interessa isso tudo?

A Petrobras está em evidência também, pois o governo está destruindo a olhos nus a maior empresa brasileira. Seu uso político para fins partidários já fez com que dezenas de bilhões de reais evaporassem em seu valor de mercado. O país ainda precisa importar gasolina, e faltam recursos para os investimentos necessários. Quem ganha com isso?

Mas quando um liberal aponta esses fatos e apresenta seus argumentos em defesa das privatizações, ele é logo tachado de “reacionário” ou “fascista” pelos esquerdistas. Quem é reacionário: aquele que deseja modernizar a economia com mais concorrência ou aquele que luta pelo passado mercantilista? Quem é fascista: aquele que combate a nefasta aliança entre sindicatos e grandes empresários ou aquele que pede mais privilégios em nome do nacionalismo?

Um dos aspectos que facilitaram a ascensão fascista na Itália foi a total descrença na democracia, no Parlamento corrupto, envolto em escândalos de compra de votos dos deputados. Outro fator foi a inexistência de uma oposição organizada. Soa familiar?

Todo cuidado é pouco. O fascismo é uma ameaça real, como podemos ver na Venezuela e na Argentina. Antídotos contra ele são justamente a privatização e a concomitante redução do intervencionismo estatal na economia.Por: Rodrigo Constantino, O GLOBO

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A FALÁCIA DA REFORMA AGRÁRIA

O tema da reforma agrária dividiu o país durante décadas. Desde os anos 1940 foi um dos assuntos dominantes do debate político e considerada indispensável para o desenvolvimento nacional. Diziam que a divisão das grandes propriedades era essencial para a industrialização, pois ampliaria, com base nas pequenas propriedades, o fornecimento de gêneros alimentícios para as cidades, diminuindo o custo de reprodução da força de trabalho e acabando com a carestia.


Por outro lado, o campo se transformaria em mercado consumidor das mercadorias industrializadas. Ou seja, o abastecimento dos centros urbanos, que estavam crescendo rapidamente, e o pleno desenvolvimento da indústria dependiam da reforma agrária. Sem ela não teríamos um forte setor industrial e a carestia seria permanente nos centros urbanos, além da manutenção da miséria nas áreas agrícolas. E, desenhando um retrato ainda mais apocalíptico, havia uma vertente política da tese: sem a efetivação da reforma agrária, o país nunca alcançaria a plena democracia, pois os grandes proprietários de terra dominavam a vida política nacional e impediam a surgimento de uma sociedade livre. Era repetido como um mantra: o Brasil estava fadado ao fracasso e não teria futuro, caso não houvesse uma reforma agrária.

Os anos se passaram e o caminho do país foi absolutamente distinto. A reforma agrária não ocorreu. O que houve foram distribuições homeopáticas de terra segundo o interesse político dos governos desde 1985, quando foi, inclusive, criado um ministério com este fim. Enquanto os olhos do país estavam voltados para a necessidade de partilhar as grandes propriedades – marca anticapitalista de um país que não admira o lucro e muito menos o sucesso – o Centro-Oeste foi sendo ocupado (e parte da Amazônia), além da revolução tecnológica ocorrida nas áreas já cultivadas do Sul-Sudeste.

O deslocamento de agricultores, capitais e experiência produtiva especialmente para o Centro-Oeste ocorreu sem ter o Estado como elemento propulsor. Foram agricultores com seus próprios recursos que migraram principalmente do Sul para a região. Como é sabido, falava-se desde os anos 30 em marcha para o Oeste, mas nada de prático foi feito. E, quando o Estado resolveu fazer algo, sempre acabou em desastre, como a batalha da borracha, nos anos 1940, ou, trinta anos depois, com as agrovilas, na Amazônia.

O épico deslocamento de agricultores do Sul para o Centro-Oeste até hoje não mereceu dos historiadores um estudo detalhado. De um lado, devido aos preconceitos ideológicos; de outro, pela escassez ou desconhecimento das fontes históricas. Como todo processo de desbravamento não ficou imune às contradições – e isto não ocorreu apenas no Brasil. Foram registrados sérios problemas em relação ao meio ambiente e aos direitos humanos, em grande parte devido à precariedade da presença das instituições estatais na região.

Com a falência do modelo econômico da ditadura, em 1979, e a falta de perspectiva segura para a economia, o que só ocorrerá uma década e meia depois, com o Plano Real, as atenções do debate político ficaram concentradas no tema da reforma agrária, mas de forma abstrata. O centro das discussões era o futuro dos setores secundário e terciário da economia. O campo só fazia parte do debate como o polo atrasado e que necessitava urgentemente de reformas. Contudo, a realidade era muito distinta: estava ocorrendo uma revolução, um fabuloso crescimento da produção, que iria mudar a realidade do país na década seguinte.

Entretanto, no Parlamento, os agricultores não tinham uma representação à altura da sua importância econômica. Alguns que falavam em seu nome ficaram notabilizados pela truculência, reforçando os estereótipos construídos pelos seus adversários. É o que Karl Marx chamou de classe em si e não para si. Os agricultores, na esfera política, não conseguiam (e isto se mantém até os dias atuais) ter uma presença de classe, com uma representação moderna, que defendesse seus interesses e estabelecendo alianças com outros setores da sociedade. Pelo contrário, sempre estiveram, politicamente falando, correndo atrás do prejuízo e buscando alguma solução menos ruim, quando de algum projeto governamental prejudicial à sua atividade.

Hoje, o Brasil é uma potência agrícola, boa parte do saldo positivo da balança comercial é devido à agricultura, a maior parte da população vive no meio urbano, a carestia é coisa do passado, a industrialização acabou (mesmo com percalços) sendo um sucesso, o país alcançou a plena democracia e não foi necessária a reforma agrária. A tese que engessou o debate político brasileiro durante décadas não passou de uma falácia.
Por: Marco Antonio Villa


domingo, 17 de fevereiro de 2013

A LUTA DO PAPA

Paulo VI chegou a afirmar que a Igreja parecia estar em processo de autodemolição. No Brasil, a Teologia da Libertação esvaziou as igrejas e levou à fundação do PT.

A surpreendente renúncia anunciada de Bento XVI, como se poderia prever, suscitou toda sorte de comentário absurdo. De especulações sobre o motivo – que o próprio Papa declarou ser sua saúde – a delírios que só fazem expor a ignorância de quem os profere, vimos de tudo. Cabe, assim, apontar as circunstâncias da guerra interna da Igreja, para que se possa perceber com mais clareza a dureza do múnus pontifical.

Nos anos 60, imediatamente antes da revolução de costumes que varreu o Ocidente, os bispos da Igreja se reuniram em um concílio, dito Concílio Vaticano II. Um grupo de bispos oriundos do Norte europeu (especialmente Alemanha, Holanda, Bélgica e Áustria), soberbamente organizados, virou de pernas para o ar a organização do concílio, desprezando os documentos preparatórios e conseguindo aprovar – contra a oposição liderada, entre outros, pelo arcebispo de Diamantina (MG), dom Geraldo Sigaud – documentos finais um pouco confusos, que poderiam propiciar a pessoas mal-intencionadas uma leitura heterodoxa.

E foi o que aconteceu. Durante o pontificado de Paulo VI (1963-1978), o “espírito do Concílio” foi usado como desculpa para negar, dos púlpitos, não só o que a Igreja sempre pregara, mas até mesmo os próprios textos conciliares. Paulo VI chegou a afirmar que a Igreja parecia estar em processo de autodemolição. No Brasil, a Teologia da Libertação esvaziou as igrejas e levou à fundação do PT.

Conferências episcopais inteiras estão em cisma material, desobedecendo abertamente às ordens papais. Nesses territórios, mesmo os bons clérigos se veem forçados a ceder à heterodoxia e desobedecer ao Papa, sob pena de ostracismo. Em algumas, como a austríaca, a situação é gravíssima. Em outras, como a CNBB brasileira, é apenas grave. Para que se tenha uma noção do nível da desobediência daqui, basta mostrar que, pela legislação canônica, é proibido aos padres usar roupas comuns (como as dos leigos) em vez da batina, e leigos não podem distribuir a Eucaristia nas missas dominicais.

Essa situação começou a se reverter graças ao imbatível carisma de João Paulo II, auxiliado pelo sempre fiel cardeal Ratzinger. Quando aquele faleceu, este subiu ao papado para continuar a obra da restauração da Igreja contra os inimigos internos, ainda extremamente poderosos.

O que João Paulo II e Bento XVI vieram pregando é o óbvio: a doutrina da Igreja não mudou nem poderia mudar. A luta contra os inimigos nela infiltrados, portanto, continua. Que Deus ajude o próximo Papa a libertar a Igreja de seus inimigos! Por: POR CARLOS RAMALHETE Publicado no jornal Gazeta do Povo.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

COMO FUNCIONA A BUROCRACIA ESTATAL


Uma das mais importantes leis sociológicas existentes é a "Lei de Ferro da Oligarquia": toda e qualquer área do empreendimento humano, todo e qualquer tipo de organização, sempre será liderada por uma relativamente pequena elite. Essa condição prevalece em todos os campos, seja em uma empresa, em um sindicato, no governo, em uma organização de caridade ou em um clube de xadrez. Em cada área, as pessoas mais interessadas e capazes, aquelas mais adaptáveis ou mais bem ajustadas para a atividade, irão constituir a elite destacada.

Recorrentemente, tentativas utópicas de se formar instituições ou sociedades isentas da Lei de Ferro sempre acabaram sendo vitimadas por essa mesma lei: as comunidades utópicas, os kibbutz em Israel, a "democracia participativa" durante a era da Nova Esquerda no final dos anos 1960, ou aquele vasto "experimento laboratorial" (como costumava ser chamado) que constituiu a União Soviética. O que deveria ser almejado não é o absurdo e antinatural objetivo de erradicar tais elites, mas sim, para utilizar a expressão de Pareto, fazê-las "circular". Essas elites circulam ou se tornam arraigadas e fortificadas?

O mercado versus o governo

A economia de livre mercado fornece um exemplo sem paralelos dessa contínua e saudável circulação das elites. Em uma economia de mercado dinâmica, as elites que não conseguirem acompanhar seus concorrentes, que não conseguirem satisfazer as demandas dos consumidores da melhor maneira possível, serão rapidamente derrubadas, dando lugar a novas elites que se estabelecerão e farão um melhor trabalho. Ludwig von Mises escrevia seguidamente sobre o quão inapropriado era os esquerdistas se referirem a determinados magnatas como "o Rei do Aço" ou "o Rei dos Automóveis", pois os consumidores frequentemente destronavam esses supostos monarcas. Há inúmeros exemplos ao longo da história de várias grandes empresas que não foram capazes de compreender a importância de um novo produto ou de recentes transformações na economia, o que as fez perder mercado para pequenas empresas recém-criadas. Apenas para citar um exemplo mundialmente famoso, a incapacidade da antiga "monopolista" do setor de fotografias, a Eastman-Kodak, em captar a enorme significância, após a Segunda Guerra Mundial, tanto da fotografia instantânea quanto da xerografia, o que abriu espaço para concorrentes novos e mais alertas às mudanças.

Por sua natureza, o governo não está sujeito aos mecanismos de lucros e prejuízos do livre mercado, isto é, à soberania dos consumidores. Mesmo uma organização sem fins lucrativos, embora não esteja buscando maximizar seus lucros, ao menos tem de ser eficiente o bastante para evitar prejuízos severos e uma consequente falência. Ademais, embora tais organizações voluntárias não tenham necessariamente de satisfazer os usuários dos seus bens ou serviços, como ocorreria em um mercado lucrativo, elas ao menos têm de satisfazer os princípios e demandas de seus doadores. Por outro lado, o governo é a única organização dentre todas as organizações que obtém suas receitas por meio da coerção dos cidadãos. Consequentemente, o governo não tem de se preocupar com prejuízos ou risco de falência; ele não precisa servir a ninguém senão a ele próprio. O único limite que restringe um governo é o risco — bastante amplo, é verdade — de os cidadãos se revoltarem e se recusarem a obedecer às suas ordens (inclusive o pagamento de impostos). Fora essa revolução, no entanto, há pouco ou nada que possa ser feito para se limitar um governo ou para restringir o encastelamento ou o crescimento de sua elite. (Os extraordinários eventos ocorridos em Moscou e em outros países da União Soviética entre 1989 e 1991 foram um glorioso exemplo desse limite à tirania sendo alcançado).

O governo, em suma, está particularmente sujeito aos bem conhecidos malefícios gerados por uma arrogante,mesquinha, tacanha, ineficiente, morosa e sempre crescente "burocracia". Os socialistas, mesmo durante o aparente apogeu da União Soviética, frequentemente se preocupavam com o problema da burocracia, e tentaram em vão separar o governo do seu aspecto burocrático. Mas Mises, de maneira vigorosa e direta, já havia demonstrado em sua clássica obra Burocracia que tais esperanças eram inúteis. A burocracia, com todos os seus evidentes malefícios, anda de mãos dadas com um governo. 

Uma empresa lucrativa poupa e investe seu dinheiro, sempre buscando obter lucros e evitar prejuízos; a maneira como ela irá utilizar esses fundos poupados é flexível, dependendo sempre de como serão suas decisões, as quais estarão sempre visando ao lucro. Já as agências burocráticas recebem seus fundos diretamente do orçamento do governo. É o governo quem aloca o dinheiro para cada setor da burocracia. Sendo assim, uma estrita, precisa e minuciosa obediência às regras estipuladas pela burocracia se torna vital para que cada burocrata e sub-burocrata possam demonstrar que eles utilizaram os fundos exatamente da maneira designada pelo Congresso ou pelo Executivo, e que não os embolsaram ou desviou para gastos em outras áreas não autorizadas. Não há autonomia; não há como fazer alocações mais eficientes. Não há um sistema de preços e um mecanismo de lucros e prejuízos guiando as decisões da burocracia.

Mises aponta uma diferença crucial entre o gerenciamento burocrático e o gerenciamento que visa ao lucro. Os gastos e os produtos empreendedoriais são calibrados de acordo com as valorações dos consumidores, cujos julgamentos, nas palavras de Mises, "são transmitidos e solidificados por um fenômeno impessoal: os preços de mercado". Ademais, os julgamentos dos consumidores incidem sobre bens e serviços, e não sobre os produtores em si. "O vínculo vendedor-comprador, bem como a relação empregador-empregado, em uma relação empreendedorial que visa ao lucro", declarou Mises, "é um arranjo do qual ambos os lados se beneficiam". Por outro lado, no governo, uma organização burocrática, o que a nação "obtém em decorrência das despesas, dos serviços prestados, não pode ser avaliado em termos monetários, por mais importante e valoroso que tal 'produto' seja." Em vez disso, afirma Mises, "a avaliação depende dos critérios do governo" — ou seja, das decisões pessoais e arbitrárias. Mises acrescenta que "o vínculo entre superior e subordinado é pessoal. O subordinado depende do julgamento que o superior fará de sua personalidade, e não do seu trabalho." Em suma, na burocracia estatal, não há apreço pela realidade.

Segundo a análise de Mises para a diferença entre sucursais estatais e privadas, em uma sucursal estatal,

Não é por causa da meticulosidade que as regulamentações administrativas determinam quanto pode ser gasto por cada agência ou aparato estatal em coisas como limpeza, reparo de móveis e equipamentos, iluminação e sistema de ar condicionado. Em uma grande empresa privada, tais coisas podem ser deixadas, sem hesitação, aos critérios do administrador local. Ele não irá gastar mais do que o necessário porque ele está utilizando, de certo modo, seu próprio dinheiro. Se ele desperdiçar o dinheiro da empresa, ele colocará em risco os lucros daquela sucursal e estará assim indiretamente prejudicando seus próprios interesses. Por outro lado, a situação é diferente para o chefe local de uma agência estatal. Ao gastar mais dinheiro, ele poderá aprimorar os resultados de seu departamento. A parcimônia terá de ser imposta a ele por controle governamental. E isso quase nunca funciona.

Em uma empresa privada que opera concorrencialmente no mercado, os desejos e objetivos dos administradores estão atados aos objetivos lucrativos dos proprietários. Como explica Mises, o administrador de uma sucursal tem de garantir que sua divisão irá contribuir para os lucros da empresa. Por outro lado, uma vez abolido esse regimento dos lucros e prejuízos — isto é, movendo-se para o âmbito estatal —, os desejos e objetivos dos administradores, limitados somente pelas ordens e pelo orçamento da legislatura central ou do comitê de planejamento, passarão a falar mais alto. E esses desejos e objetivos, guiados somente pela ambígua rubrica do "interesse público", significam na verdade aumentar a renda e o prestígio do burocrata-chefe daquela divisão. Em uma burocracia restringida por regulamentos, essa renda e status inevitavelmente vão depender de quantos sub-burocratas estão subordinados ao burocrata principal. Quanto mais sub-burocratas estiverem sob o comando de um alto burocrata, maior será a renda e o prestígio desse burocrata.

Como consequência, todos os departamentos e agências estatais irão se engalfinhar em seguidas contendas, cada um tentando aumentar suas funções e seu número de empregados, além de tentar se apossar das funções de outras agências. Portanto, ao passo que a tendência natural de empresas e instituições que operam no livre mercado é ser a mais eficiente possível em atender às demandas dos consumidores, a tendência natural da burocracia estatal é crescer, crescer e crescer, e tudo à custa dos espoliados, extorquidos e ignorantes pagadores de impostos.

Se o lema da economia de mercado é o lucro, o lema da burocracia é o crescimento. Como esses respectivos objetivos devem ser alcançados? A maneira de se obter lucro em uma economia de mercado é superando seus concorrentes no dinâmico e continuamente volátil processo de satisfazer as demandas dos consumidores da melhor forma possível: criar restaurantes self-service em vez de restaurantes à la carte, notebooks em vez de computadores, ou mesmo inventar fotocopiadoras e máquinas fotográficas digitais. Em outras palavras, produzir bens ou serviços concretos, pelos quais os consumidores estarão dispostos a pagar. Por outro lado, para conseguir seu crescimento, o chefe da burocracia estatal terá de convencer a legislatura ou o comitê de planejamento de que seus serviços serão, de alguma maneira indefinida, benéficos ao "interesse público" ou ao "bem-estar da população como um todo".

Dado que o cidadão é obrigado a pagar impostos, não somente não há nenhum incentivo ou motivo para que o burocrata seja eficiente, como também não há como um burocrata possa, mesmo que ele fosse dotado das melhores intenções do mundo, descobrir o que os consumidores querem e como ele pode satisfazer suas demandas. No geral, investidores não têm a permissão de se aventurar em uma concorrência contra um serviço estatal. Consequentemente, os consumidores terão simplesmente de permitir que os burocratas lhes ofertem seus serviços, queiram eles ou não.

Ao construir e operar uma barragem, por exemplo, o governo está fadado a ser ineficiente, a subsidiar alguns cidadãos à custa de outros, a alocar recursos inadequadamente e, no geral, a comportar-se como um navio à deriva no mar, sem uma bússola e sem um leme, tentando fornecer serviços sem estar sendo guiado pelo mecanismo de lucros e prejuízos. Ademais, para alguns cidadãos, a represa pode não representar benefício algum; no jargão dos economistas, para algumas pessoas, a represa, em vez de ser um "bem" será um "mal". Assim, para ambientalistas que são filosoficamente contra represas, ou para agricultores e populações ribeirinhas cujas propriedades serão confiscadas e inundadas pelo governo, este "serviço" é claramente negativo. O que dizer de seus direitos e propriedades? Logo, a ação governamental não somente está fadada a ser ineficiente e coerciva contra os pagadores de impostos, como também não passa de um mero esquema de redistribuição de renda para alguns grupos à custa de outros.

O principal grupo beneficiado pelos burocratas, obviamente, são os próprios burocratas. Toda a sua renda é extraída coercivamente dos pagadores de impostos. Burocratas não pagam impostos; suas supostas "contribuições" tributárias são uma mera ficção contábil. Se uma quadrilha rouba dinheiro de um indivíduo e fica com 10% para si e repassa os 90% restantes para terceiros, não se pode dizer que estes estão pagando 10% de imposto. Eles não ganharam seu dinheiro voluntariamente no mercado, ofertando serviços desejados pelos consumidores; apenas receberam uma fatia do dinheiro alheio que foi espoliado pela quadrilha, a qual determinou autonomamente como o butim seria dividido. 

Consequentemente, a existência de uma burocracia estatal cria na sociedade duas grandes classes conflitantes: os pagadores líquidos de impostos e os consumidores líquidos de impostos. Quanto maior a dimensão dos impostos e do governo, maior será o inevitável conflito de classes criado na sociedade. Como explicou o brilhante John C. Calhoun em seu livro Disquisition on Government:

Portanto, o inevitável resultado desta iníqua ação fiscal do governo será a divisão da sociedade em duas grandes classes: uma formada por aqueles que, na realidade, pagam os impostos — e, obviamente, arcam exclusivamente com o fardo de sustentar o governo —, e a outra formada por aqueles que recebem sua renda por meio do confisco da renda alheia, e que são, com efeito, sustentados pelo governo. Em poucas palavras, o resultado será a divisão da sociedade em pagadores de impostos e consumidores de impostos.

Porém, o efeito disso será que ambas as classes terão relações antagonistas no que diz respeito à ação fiscal do governo e a todas as políticas por ele criadas. Pois quanto maiores forem os impostos e os gastos governamentais, maiores serão os ganhos de um e maiores serão as perdas de outro, e vice versa. E, por conseguinte, quanto mais o governo se empenhar em uma política de aumentar impostos e gastos, mais ele será apoiado por um grupo e resistido pelo outro.

O efeito, portanto, de qualquer aumento de impostos será o de enriquecer e fortalecer um grupo [os consumidores líquidos de impostos] e empobrecer e enfraquecer o outro [os pagadores líquidos de impostos].

Sendo assim, resta a pergunta: como os burocratas conseguem alcançar seu objetivo prioritário, qual seja, aumentar o número de funcionários públicos subalternos e com isso aumentarem suas próprias rendas? Apenas se persuadirem a legislatura ou a opinião pública de que sua agência estatal em específico é digna de um aumento em seu orçamento. Porém, como seria possível fazerem isso, uma vez que tal agência não vende seus serviços no mercado e, mais ainda, suas atividades são necessariamente redistributivas e prejudicam, em vez de beneficiar, a maioria dos consumidores? A resposta é que os burocratas têm de "criar um consentimento", isto é, eles têm de falsamente persuadir o público ou a legislatura de que suas atividades representam um luminoso benefício, e não um enorme prejuízo, para os pagadores de impostos. E, pra criar esse consentimento, é necessário utilizar ou empregar intelectuais — a classe formadora de opinião da sociedade — para persuadir o público ou a legislatura de que a burocracia é uma bênção universal. E se estes intelectuais, ou propagandistas, forem eles próprios empregados do estado, então isso será duplamente insultuoso para os pagadores de impostos: pois agora eles serão forçados a pagar por sua própria e deliberada enganação.

É intrigante que os esquerdistas invariavelmente vituperem os anúncios publicitários feitos pelo mercado, dizendo que são enganosos, estridentes e que "incentivam" artificialmente o consumo, sendo que a publicidade é justamente o método indispensável por meio do qual informações vitais são transmitidas para os consumidores — sobre a natureza e a qualidade do produto, e sobre seu preço e local de oferta. Incrivelmente, os esquerdistas nunca direcionam essa sua crítica para justamente aquela área onde ela mais se aplica: as propagandas de exaltação do estado, as relações públicas e as tolices baratas e vulgares difundidas pelo governo. A diferença é que, no mercado, todas as propagandas são rapidamente submetidas a um teste prático: será que essa televisão funciona? Será que esse aparelho elétrico é realmente bom? Por outro lado, para o governo, não existe esse teste direto junto ao consumidor: não há maneira de o cidadão ou o eleitor descobrirem rapidamente como uma determinada política realmente funcionou. Além disso, em eleições, ao eleitor não são apresentados programas específicos para ele escolher: ele tem necessariamente de escolher um pacote inteiro criado por um burocrata, o qual irá durar X número de anos e fará com que o eleitor fique preso a este pacote por aquele período de tempo. E dado que não há como testar diretamente as políticas propostas, torna-se possível entender por que o moderno processo democrático é incapaz de discutir questões políticas, preferindo concentrar-se meramente na demagogia televisiva, a qual é de mais fácil digestão e surte muito mais efeito.

A estrutura e os objetivos da burocracia

A burocracia é necessariamente hierárquica — primeiro por causa da Lei de Ferro da Oligarquia, e segundo porque a burocracia se expande ao multiplicar camadas subalternas. Uma vez que, sem um mercado, não há como testar genuinamente os "méritos" dos serviços prestados pelo governo aos consumidores, em uma burocracia amarrada por regulamentos, o tempo de serviço passa a ser adotado, com grande júbilo, como um substituto para o mérito. Aumentar o tempo de serviço, portanto, leva a promoções a cargos superiores, ao passo que a expansão do orçamento do governo leva a uma multiplicação dos cargos abaixo de você, o que gera um aumento do seu salário e do seu poder. O crescimento da burocracia ocorre, portanto, pela multiplicação dos níveis da burocracia.

A teoria da burocracia estatal hierárquica é que a informação é coletada nos postos mais baixos da organização e, a cada posto sucessivamente superior, o chefe escolhe as informações mais importantes coletadas por seus subordinados, separa o joio do trigo, e passa a informação selecionada para seus superiores. O problema é que favores burocráticos, especialmente nos mais altos escalões, só geram novas gentilezas caso o subordinado saiba agradar aos seus superiores.

Todas as atividades humanas, bem como todas as instituições, tendem a recompensar aqueles que se mostram mais proficientes em adotar o melhor caminho para o sucesso naquela atividade. No mercado, empreendedores bem sucedidos serão aqueles que souberem antecipar e atender mais corretamente as demandas dos consumidores. Já o sucesso na burocracia, ao contrário, depende de o indivíduo se mostrar competente em (a) fazer uma eficaz propaganda pessoal de si próprio para persuadir seus superiores de que possui grandes méritos; e, portanto, em (b) entender que a maneira de ascender na carreira é dizendo aos seus superiores exatamente aquilo que eles querem ouvir. Logo, quanto maior o posto hierárquico da burocracia, maior o número de pessoas subservientes e dispostas a fazer tarefas para você. Consequentemente, cada superior frequentemente será menos informado do que os burocratas dos escalões mais baixos.

A explicação padrão quanto ao porquê de o governo crescer é que, à medida que o tempo passo, há mais trabalho para o governo realizar; por conseguinte, a "demanda" do povo por mais governo cresce. Muito mais correta, no entanto, é a explicação de que no mundo da burocracia funciona uma espécie de Lei de Say invertida, na qual a oferta — ou melhor, os ofertantes de "serviços" estatais, a burocracia — constitui ela própria a "demanda" por seus serviços, e que ela consegue manipular perfeitamente seus superiores, ou a legislatura, fazendo com que eles lhe forneçam cada vez mais recursos oriundos de impostos. 

Daí surgiu a hilariantemente satírica, porém extremamente perceptiva, descrição da "Lei de Parkinson" da burocracia. O professor Parkinson afirmou que, em uma burocracia estatal, "não é necessário haver nenhuma relação entre o trabalho a ser feito e o tamanho da equipe para a qual ele deve ser designado." O contínuo aumento no total dos funcionários públicos "seria praticamente o mesmo caso o volume de trabalho aumentasse, diminuísse ou até mesmo desaparecesse." Parkinson identificou duas fundamentais forças "axiomáticas" responsáveis por esse crescimento: (1) "Um burocrata quer multiplicar seus subordinados, e não seus rivais"; e (2) "Burocratas criam serviços uns para os outros."

Parkinson começa seu "modelo" descrevendo um burocrata que se sente estafado por estar trabalhando demais. O burocrata poderia perfeitamente pedir demissão, mas isso seria impensável, pois ele perderia seu direito a uma magnânima pensão. Pedir para um novo colega recém-promovido dividir com ele sua carga de trabalho é igualmente impensável, pois assim seu prestígio ficaria reduzido; pior ainda, ele estaria promovendo um perigoso rival, o qual passaria a disputar com ele o cargo de seu chefe quando este se aposentasse. Ele poderia pedir a contratação de um assistente, mas isso seria perigoso, pois o novato poderia se revelar competente e conquistar o mesmo status que o seu. Logo, sua escolha mais sensata será pedir a contratação de dois assistentes, os quais iriam então competir entre si por seu favor e atenção; em pouco tempo, ambos os assistentes irão reclamar de carga de trabalho excessiva, e cada um deles irá pedir a contratação de dois novos assistentes. O burocrata original agora terá a satisfação de ter seis homens subordinados diretamente a ele, o que significa que ele já está pronto para uma promoção e um consequente aumento substancial no seu salário.

Mas e quanto ao trabalho a ser feito? A quantidade original de trabalho não foi agora dividida entre sete pessoas? Sendo assim, não seria correto dizer que cada homem estará agora absurda e manifestamente ocioso, com pouco trabalho para fazer? Não — e eis aqui um dos cintilantes vislumbres de Parkinson quanto à teoria da burocracia —, pois um aspecto da Lei de Parkinson é que "o trabalho se expande de modo a preencher todo o tempo disponível para sua realização". Ou, como Parkinson também coloca, "A tarefa a ser feita aumenta em importância e complexidade em uma proporção direta ao tempo a ser gasto para realizá-la."

E aqui entra o segundo aspecto da Lei de Parkinson do crescimento da burocracia: "todo funcionário público cria trabalhos improdutivos para todos os outros". Prossegue Parkinson: "Estes sete burocratas criam tanto trabalho uns para os outros, que no final todos estão completamente ocupados," e o burocrata original, o superior, "estará na realidade trabalhando mais do que nunca." Documentos e papeladas têm de ser enviados e lidos por todos os burocrata, cada qual em sua vez. E cada um deles tem de comentar os documentos e enviar seus comentários para todos os outros. Todos têm de conferir cada documento, bem como as várias emendas propostas. E o burocrata original, o superior, agora estará envolto nos inevitáveis problemas de relacionamento interpessoal entre ele e sua equipe, e entre os próprios membros de sua equipe, coisa que sempre surge nestes ambientes. 

Finalmente, após um longo processo de interação, escreve Parkinson, o burocrata original dá ao documento a mesma resposta que teria escrito caso todos os seus subordinados "jamais tivessem nascido". "Um número muito maior de pessoas", conclui Parkinson, "levou muito mais tempo para produzir o mesmo resultado. Nenhum ficou ocioso. Todos fizeram o seu melhor."

Conclusão

Por que afinal há uma tendência constante de agigantamento do estado, tanto em tamanho quanto em autoritarismo? Porque, do ponto de vista dos burocratas, a vantagem de um estado grande e poderoso é clara, direta e inquestionável, ao passo que para os cidadãos comuns, meros pagadores de impostos cuja atenção dificilmente está voltada para o governo, o custo desse estado, não apenas em termos de dinheiro mas também de liberdade, a qual é perdida quando se concede autoridade a burocratas, é muito vago e nebuloso. São poucos aqueles que realmente têm ideia do quão alto é esse custo.

Consequentemente, dado que os burocratas sabem exatamente o que eles querem, dado que eles trabalham para seu imediato e exclusivo interesse, e dado que os outros cidadãos não têm ideia do quanto estão sendo espoliados — com efeito, sequer prestam atenção a isso —, resta óbvio qual grupo irá prevalecer e dominar o outro.


À medida que as empresas foram sendo submetidas a regulamentações e cargas tributárias cada vez mais altas, sua administração foi se tornando cada vez mais burocrática. Como explicou Mises, "nenhuma empresa que visa ao lucro, por maior que seja, possui a tendência de se tornar burocrática. Isso só irá acontecer caso sua administração se torne mais restringida por interferências governamentais. A tendência a uma rigidez burocrática não é algo inerente à evolução das empresas. Tal rigidez será resultado, isto sim, da interferência governamental sobre o ambiente empreendedorial." Ibid., p.12

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.