sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A DISPUTA SINO-JAPONESA


É possível que estejamos testemunhando uma manobra pela qual estão sendo psicologicamente mapeadas as posições estratégicas do Japão e dos Estados Unidos.

A segunda e a terceira dentre as maiores economias – e também as duas nações mais importantes da Ásia – continuam envolvidas em uma disputa territorial em torno de cinco ilhotas. Quais são as possíveis consequências dessa disputa? Há uma guerra no horizonte? Essa atual contenda não é algo fácil de deslindar. Os chineses não são conhecidos pela franca objetividade estratégica. Sendo assim, quando eles começam a concentrar esforços para uma determinada finalidade, é necessário cogitarmos se não há algo mais em jogo. Talvez seja algo que tenhamos esquecido.

As disputadas Ilhas Senkaku estão atualmente desabitadas. Na China, essas ilhotas são conhecidas pelo nome de Ilhas Diaoyu e estão a 330 quilômetros da China continental e 410 das ilhas japonesas Ryukyu. Especificamente dizendo, o arquipélago consiste em cinco ilhotas (uma delas foi local de uma usina de processamento de peixes de 1910 até 1940). Segundo um relatório das Nações Unidas, é possível que no solo submarino ao redor das ilhotas haja grandes reservas de petróleo e gás.

Embora a administração de Obama não tenha declarado apoio oficial à reivindicação japonesa pelas ilhas Senkaku, o Tratado de Cooperação Mútua e Segurança entre os Estados Unidos e o Japão pode obrigar os EUA a defenderem militarmente o Japão num eventual conflito. Com efeito, é curioso que o artigo 9º da constituição japonesa proíba Tóquio de usar a força para resolver disputas internacionais. Estritamente falando, não era para o Japão ter forças armadas. O 9º artigo diz: 

“Aspirando sinceramente a uma paz internacional baseada na ordem e na justiça, o povo japonês renúncia definitivamente à guerra como direito soberano da nação e a ameaça ou uso de força como meios de resolver disputas internacionais”. 

O parágrafo dois diz:

“Para cumprir o objetivo do parágrafo anterior, as forças terrestres, marinhas e aéreas, assim como quaisquer outros potenciais bélicos jamais serão sustentados. O direito de beligerância do estado não será reconhecido.”

Essa é uma daquelas piadas irônicas da história; encontrarmos um país com uma constituição pacifista que possui força aérea, marinha e exército terrestre. Evidentemente essas forças não são grandes ou ameaçadoras, porém elas podem ser capazes de repelir uma invasão nas ilhas Senkaku. Entretanto, isso não é tão extraordinário quando ficamos sabendo que a China foi o principal motivo por trás do armamento parcial do Japão.

Com a invasão comunista – apoiada pela China – à Coreia do Sul em 1950, os EUA foram forçados a tirar tropas do Japão para defender a Coreia do Sul. Deste modo, tornou-se necessário que o Japão cobrisse essa ausência para que pudesse proteger sua própria costa. Como a constituição japonesa de 1947 foi escrita majoritariamente pela equipe de apoio do General MacArthur, a subsequente negação do artigo 9 foi efetivamente posta em prática quando o próprio MacArthur ordenou que os japoneses criassem uma força de reserva nacional com 75 mil homens, algo que, na prática, foi a criação de uma força que pudesse repelir a invasão comunista.

Nas décadas seguintes, as forças de defesa do Japão desenvolveram uma força naval e aérea. No começo, o papel militar era fortemente restringido. Eram chamados de “policiais” e seus tanques eram “veículos especiais”. Apesar dos desafios legais, a Suprema Corte do Japão ressaltou a constitucionalidade da defesa nacional. Em 1954, a Agência Nacional de Segurança foi renomeada para Agência Japonesa de Defesa e a Polícia reservista foi, consequentemente, chamada de Forças de Defesa do Japão. Nos dias de hoje, grosso modo as forças militares têm 250 mil integrantes. Isso é pouco se comparado ao Exército de Libertação Popular da China, que responde pela maior infantaria do mundo, com cerca de 2.25 milhões de membros ativos. Adicione a isso o fato da China ser uma força nuclear e então você verá o tamanho da desvantagem do Japão.

Mas guerras não são mais ganhas pelo lado que possui a mera superioridade numérica. Um conflito pelas Ilhas Senkaku seria um conflito naval, onde as preponderantes forças terrestres chinesas não poderiam entrar em ação e, assim, a maestria tecnológica japonesa, que é superior, poderia ser decisiva. Uma batalha marinha seria decidida por aeronaves, forças náuticas e mísseis. A Força Marítima de Defesa do Japão é especializada em remoção de minas e em operações bélicas antissubmarinas; para isso conta com 110 navios de guerra, sendo que quatro são porta-helicópteros e 16 são submarinos. Contudo, a marinha chinesa tem 515 navios de guerra, sendo que 63 são submarinos, 75 navios de combate de superfície e um porta-aviões.

Uma guerra naval sob as atuais circunstâncias envolve uma série de fatores incógnitos, de modo que é impossível dizer qual lado ganharia uma guerra marinha. Com o cenário nivelado, a China tem a vantagem e poderia facilmente ocupar as ilhas com paraquedistas antes que o Japão pudesse reagir. Mas então teríamos o vasto poderio naval dos Estados Unidos, que tem um tratado de segurança com o Japão. Mais do que qualquer outra coisa, a disputa das Ilhas Senkaku revela – ou falha em revelar – a prontidão do Presidente Obama para dar suporte ao Japão. Essa prontidão não está aparente em lugar algum. Oficialmente, o Departamento de Estado dos EUA diz que a América não tomou posição na disputa das Ilhas Senkaku.

Este último fato é decisivo e muito pode se aprender com ele. Enquanto os líderes militares chineses fizeram uma enxurrada de afirmações belicosas para a mídia estatal chinesa, os líderes civis chineses mostraram uma face mais conciliadora e política. Isso é mais bem colocado no conselho dado pelo antigo filósofo militar chinês Sun Tzu: “A vitória está em saber quando se deve lutar”. Neste caso, a batalha não é o objetivo imediato, embora um objetivo de longo prazo certamente seja mantido como opção.

Há sempre um significado político implícito na retórica militar chinesa. Não devemos descartar a possibilidade de que a China usará das suas reivindicações sobre as ilhas para obter algo do Japão que ninguém está esperando. Em outras palavras, é possível que estejamos testemunhando uma manobra pela qual estão sendo psicologicamente mapeadas as posições estratégicas do Japão e dos Estados Unidos. Isto é dizer que aqui os objetivos são analisar se haverá a prontidão dos EUA em ajudar o Japão ou se haverá uma aquiescência para com a China. Afinal de contas, o que é mais importante? Algumas pequenas ilhas insignificantes ou a relação entre Japão e EUA?

O antigo estrategista chinês Sun Tzu escreveu: “Conhece o inimigo e conhece a ti mesmo. Assim não terá de temer o resultado de 100 batalhas”. Parece ocorrer aos observadores chineses que essa disputa se dará ao longo dos limites da exploração da psicologia japonesa e americana quando se trata de política asiática. O valor dessas ilhas não pode ser maior do que saber o caráter da liderança japonesa ou da americana. Saber isso pode ser o verdadeiro prêmio nessa disputa.

Há de se considerar também o jogo econômico. A disputa das ilhas está afetando as exportações japonesas para a China – houve uma diminuição de 12% no último mês de novembro – e coincidiu com o segundo trimestre consecutivo de contração do PIB japonês. Porque os líderes chineses não dão um sinal de conciliação? Os políticos japoneses sem dúvida se mostrariam receptivos se fossem tratados respeitosamente e lhes fosse oferecido uma “parceria” mais próxima com Beijing. Isso é especialmente verdadeiro se eles se sentirem abandonados por seus aliados americanos.

Ninguém sabe o que acontecerá nos próximos meses, mas não podemos esperar que a disputa acerca das Ilhas Senkaku seja um assunto simples. Devemos considerar a possibilidade de que as tensões foram criadas pela China com o propósito de aliviá-las de uma maneira lucrativa e, por assim dizer, estrategicamente vantajosa. POR JEFFREY NYQUIST Publicado no Financial Sense. Tradução: Leonildo Trombela Júnior

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