sexta-feira, 22 de março de 2013

A GUERRA DOS GOVERNOS CONTRA O DINHEIRO VIVO CONTINUA


Utilizando as próprias leis de curso forçado contra o estado?

A implacável guerra contra o uso de dinheiro em espécie que está sendo travada por governos ao redor do mundo chegou ao seu ápice na Escandinávia. O pretenso motivo apresentado por nossos soberanos para suprimir o uso do dinheiro em espécie é o de manter a sociedade a salvo de terroristas, sonegadores, lavadores de dinheiro, cartéis de drogas e todos os diversos tipos de vilões, reais ou imaginários. 

Porém, o real objetivo da recente enxurrada de leis que visam a tornar menos convenientes as transações em dinheiro vivo — chegando a limitar ou até mesmo a proibir o uso do dinheiro em vários casos — é o de forçar o público geral a efetuar seus pagamentos por meio do sistema financeiro. Ao ser obrigado a utilizar o sistema financeiro, o público involuntariamente provê amparo ao instável sistema bancário de reservas fracionárias. E, ainda mais importante, tal medida amplia a capacidade dos governos de espionar as mais particulares atividades financeiras de seus cidadãos e a manter o registro de todas elas. 

Um engenhoso amigo da Noruega brigou para proteger seu básico direito de poder utilizar dinheiro em espécie. Ele invocou contra o governo a lei de curso forçado criada pelo próprio governo. Eis a sua história em suas próprias palavras:

Aproximadamente um mês atrás, tive uma consulta médica na repartição municipal de 'serviços de saúde de emergência' (uma instituição estatal).

Após a consulta, pedi para pagar em dinheiro. Fui informado que o caixa estava fechado, que eu receberia uma fatura e que eles normalmente não aceitam dinheiro. Ato contínuo, disse à enfermeira (?) que estava em serviço de que há uma lei de curso forçado da moeda e que esta lei obriga pessoas e empresas a aceitarem pagamento em dinheiro vivo.

Algum tempo depois, quando recebi a fatura, liguei para a seção de contabilidade daquela repartição. Disse à contadora que gostaria de pagar em dinheiro. Ele me disse que isso não era possível. Perguntei se ela estava a par da lei de curso forçado, e citei a legislação específica. Ela então ficou totalmente na defensiva. Ela chegou até a alegar que as questões legais acerca do atual arranjo — o de não aceitar dinheiro — já haviam sido resolvidas pelo governo. Eu disse que apresentaria uma queixa por escrito.

E foi o que fiz. Alguns dias depois, telefonei para saber se a queixa havia sido recebida. Ela confirmou que sim. Agora a contadora estava aparentemente mais interessada em discutir o assunto.

Ontem, recebi a resposta por escrito. Muito gentilmente, os burocratas falaram que abririam uma exceção e que apenas desta vez eu poderia pagar em dinheiro. Mas eu só poderia pagar em dinheiro se levasse a quantia exata. Adicionalmente, fui expressamente informado de que não haveria uma próxima vez. Hoje, fiz o pagamento em dinheiro.

Por que eles cederam? Minha suspeita é que, além de terem entendido que sua justificativa legal não procedia, eles perceberam estavam lidando com alguém que aparentemente não iria desistir, e que abrir uma exceção pontual evitaria o fardo de ter de lidar com alguém que tinha um interesse jurídico formal em desafiar este sistema anti-dinheiro. As alternativas seriam alterar seu sistema voluntariamente ou arcar com o desgaste de uma queixa-crime administrativa — ou, ainda pior, um processo judicial.

É claro que as coisas seriam muito melhores se não fossemos forçados a utilizar esse dinheiro fiduciário de curso forçado. No entanto, era de ser esperar que as instituições governamentais ao menos aceitassem as leis de curso forçado da moeda criadas pelo próprio governo.

A guerra do governo da Suécia contra o dinheiro enfrenta resistência — e há um banco heróico

A guerra contra o dinheiro na Suécia pode estar arrefecendo. O movimento anti-dinheiro tem sido vigorosamente promovido pelos principais bancos comerciais suecos, com o explícito e entusiasmado apoio do Riksbank, o Banco Central da Suécia. Com efeito, dos quatro principais bancos suecos, três não mais estão aceitando pagamento em dinheiro — mais especificamente, de 780 agências, 530 não aceitam pagamento em dinheiro e nem descontam cheques em dinheiro. 

No caso do Nordea Bank, 200 de suas 300 agências operam hoje totalmente sem dinheiro, e três quartos das agências do Swedbank não mais lidam com dinheiro. Como abertamente admitiu Peter Borsos, porta-voz do Swedbank, seu banco está "atuando ativamente para reduzir a [quantidade] de dinheiro vivo na sociedade". 

Essa escalada rumo a uma sociedade sem dinheiro vivo não tem, imagina!, de maneira alguma o objetivo de aditivar os ganhos dos bancos com tarifas de serviço sobre o uso de cartões ou, ainda mais importante, de aliviar o sistema bancário de reservas fracionárias dos riscos e das limitações impostas por saques em dinheiro ou possíveis corridas bancárias.[1] Não, é claro que não. Segundo Borsos, os motivos são a preocupação com o ambiente e com a segurança dos clientes, além da redução dos custos gerais. "Nós emitimos 700 toneladas de dióxido de carbono ao transportamos dinheiro em carros-fortes. Isso custa à sociedade 11 bilhões por ano. E dinheiro vivo estimula assaltos." Hans Jacobson, presidente do Nordea Bank, apresenta um argumento similar: "Nossa missão a fazer as pessoas entenderem que é melhor e mais seguro para elas utilizar cartões em vez de dinheiro".

Felizmente, parece que o povo sueco não está caindo nesta propaganda anti-dinheiro regurgitada por banqueiros e burocratas do Riksbank, e está resistindo à imposição de uma economia sem dinheiro. Foi noticiado que, no ano passado, o valor das transações em dinheiro vivo na Suécia foi de 99 bilhões de coroas, o que representou uma redução apenas marginal em relação a 10 anos atrás. E entre um terço e metade das transações comerciais envolvendo pequenas lojas ocorrem em dinheiro vivo. Adicionalmente, um estudo mensurando a satisfação de clientes bancários publicado em outubro de 2012 pelo Índice de Qualidade sueco indicou que o índice de satisfação caiu entre os clientes do Swedbank, do Nordea e do SEB em decorrência de suas políticas de eliminar transações em dinheiro em suas agências bancárias. Ainda mais animador é o fato de que o Handelsbanken, o maior banco da Suécia, se comprometeu a atender os clientes que exigirem dinheiro vivo. Como disse Kai Jokitulppo, chefe dos serviços privados do Handelsbanken:

Enquanto nossos clientes estiverem demandando dinheiro vivo, é importante que nós continuemos satisfazendo essa demanda. . . . Há localidades em que outros bancos estão tomando outras decisões. A consequência é que estamos ganhando clientes deles, e a resposta destes novos clientes tem sido positiva.

Menos de 10 das 461 agências do Handelsbanken não estão atualmente lidando com dinheiro vivo, mas o objetivo do banco é ter dinheiro em todas as suas agências já no primeiro trimestre de 2013.

A França intensifica sua guerra ao dinheiro

A agência governamental de auditoria da França, Cour des Comptes, informou ao governo francês que estava "sonhando" em prognosticar que a economia francesa cresceria 0,8% em 2013, o que permitiria ao governo alcançar sua meta de ter um déficit orçamentário de apenas 3% do PIB. No entanto, a agência disse ao primeiro-ministro francês Jean-Marc Ayrault que uma taxa de crescimento de 0,3% era o valor mais provável, o qual não será suficiente para satisfazer a meta de redução do déficit orçamentário.

Isso ocorreria não obstante — ou, o que é mais provável, por causa de — um aumento generalizado de impostos ter sido implementado pelo novo governo socialista, aumento esse que objetivava extrair mais €32 bilhões das já sobrecarregadas empresas e famílias francesas. Sendo assim, será que um desesperado Ayrault iria finalmente passar a enxergar a realidade econômica e reduzir o orçamento do burocrático e intumescido governo francês, um orçamento que é generosamente recheado de subsídios corporativos e pacotes de socorro para grandes empresas? De modo algum. Em vez disso, Ayrault convocou uma reunião do Comitê Nacional Anti-Fraude para tomar medidas severas contra sonegadores. Ele próprio presidiu o comitê — "O primeiro a ser presidido por um chefe de governo", exultou ele.

A evasão de impostos na França foi estimada como sendo da ordem de €60 a €80 bilhões anuais. Escondida nesta proposta de severidade contra os sonegadores e de extração de mais receitas de seus "residentes fiscais" — aqueles nativos e estrangeiros que ainda não recorreram ao exílio parcial para fugir dos impostos franceses — está uma draconiana cláusula que pretende reduzir o valor máximo de pagamento que pode ser feito em dinheiro vivo por transação: de €3.000 para €1.000. Sob este novo limite, um cidadão francês não poderia nem mais comprar um carro usado com dinheiro vivo. Tal cláusula, no entanto, não será aplicada àqueles nativos e estrangeiros ricos que foram espertos o bastante para já terem colocado sua renda fora do alcance das garras do voraz estado francês tornando-se residentes fiscais de outros países. Estes estariam sujeitos a um limite de €10.000 por transação em dinheiro vivo (o atual limite é de €15.000 por transação). Esta exceção feita aos que residem em outros países poderia ser chamada de "exceção Depardieu", em homenagem ao ator francês Gerard Depardieu, que recentemente causou frisson ao obter um passaporte russo com o intuito de tirar proveito da alíquota única de imposto de renda da Rússia, de 13%.

Um comentarista, utilizando de grande discernimento, resumiu bem o inextricável elo entre a guerra contra o dinheiro vivo e a guerra às liberdades pessoais:

Com esta lei, o governo francês poderá novamente apertar o cerco sobre seus cidadãos, restringindo sua liberdade de escolha (a maneira como irão efetuar seus pagamentos), abolindo qualquer privacidade nestas transações, e criando mais um nível de controle governamental. Tão logo as pessoas se acostumem ao novo limite de €1.000 — baseando-se no princípio do incrementalismo com que restrições à liberdade são implementadas nas democracias —, o cerco será apertado novamente e com ainda mais intensidade, até que o governo finalmente seja capaz de documentar todas as compras feitas por "residentes fiscais", pois tudo será feito eletronicamente. 

Sacar dinheiro dos bancos e não depositá-lo novamente é um instrumento poderosíssimo para abalar um sistema bancário de reservas fracionárias. Ver mais detalhes aqui.

Por: Joseph Salerno  vice-presidente acadêmico do Mises Institute, professor de economia da Pace University, e editor do periódico Quarterly Journal of Austrian Economics.

Tradução de Leandro Roque

quinta-feira, 21 de março de 2013

MEC AVALIZA ANALFABETISMO

Redações que receberam nota máxima na avaliação do Enem 2012 (Exame Nacional do Ensino Médio) tinham erros de ortografia, como "rasoavel", "enchergar" e "trousse", informou o jornal carioca O Globo. As "melhores" redações do Enem têm erros de ortografia, concordância verbal, acentuação e pontuação. Estes textos tiveram a nota máxima - 1000 - na avaliação do MEC (Ministério da Educação). Os textos recebidos tinham problemas de acentuação em palavras como indivíduo, saúde, geográfica e necessário, além de algumas frases não terem ponto final. 


Em uma das redações analisadas, o candidato erra duas vezes a concordância. Escreve, por exemplo, "essas providências, no entanto, não deve (sic) ser expulsão". O estudante conjuga ainda o verbo haver, no sentido de existir, no plural: "É fundamental que hajam (sic) debates".

Para o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), uma redação nota máxima pode apresentar alguns desvios nas competências avaliadas. Segundo a nota enviada ao jornal, "um texto pode apresentar eventuais erros de grafia, mas pode ser rico em sua organização sintática, revelando um excelente domínio das estruturas da língua portuguesa".

E ainda há quem se espante. Na Universidade Federal de Santa Catarina, encontrei meninas em final de curso que grafavam “eu poço”. Professor algum as reprovava. Eu as reprovei. A crise surgiu quando reprovei a sobrinha de um deputado. Nossa! Veio o departamento todo em cima de mim, mais o grêmio de alunos e inclusive a reitoria. Havia uma conspiração toda para aprovar uma analfabeta, só porque era sobrinha de um deputado. Mais tarde, só bem mais tarde, fui saber que já haviam sido emitidos trezentos convites para sua festa de formatura. Seria a festa do ano em Florianópolis. Não foi.

Tive não poucas alunas em final de curso cometendo esse tipo de erro. Não tinham condições sequer de entrar na universidade e estavam prestes a dela sair, aptas para o magistério. Que se pode esperar de tal ensino? A universidade quer clientela e escancara generosamente suas portas.

Leitores estão perplexos com os alunos do ENEM. Nos anos 80, quem estava perplexo era eu, com minhas quartanistas. Mas como exigir conhecimento do vernáculo de alunos, quando jornalistas – profissionais que lidam com a palavra – já não conseguem mais distinguir o L do U? Não passa dia em que não encontremos, nos jornais, mal por mau e vice-versa. Isso sem falar no infame “confraternizar-se”, que parece estar virando norma.

Sob a rubrica “Nossa imprensa desvairada”, tenho denunciado as barbaridades que eventualmente me caem em mãos. Outro dia, encontrei no UOL esta beleza: miquitórios. Veja tem sido mais o veículo mais imune ao analfabetismo. Mesmo assim, em uma edição on line de 2010, encontrei artigo em que o redator grafa pelo menos oito vezes “a enfisema”. É o moderno cacoete de achar que palavra que termina em A é sempre do gênero feminino. Ainda na UFSC, encontrei alunas que falavam em “a esperma”.

Não bastasse isso, a peste já está contaminando a pós-grad. Comentei outro dia artigo da CartaCapital, de autoria do Dr. Leonardo Massud, que se assinava como advogado criminal, professor de Direito Penal da PUC-SP, mestre e doutorando pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra, autor do livro “Da Pena e Sua Fixação: Finalidades, circunstâncias e apontamentos para o fim do mínimo legal”. E que no entanto grafava “mal vizinho”, “mal pagador”.

A mais curiosa pérola, no entanto, não foram erros de grafia. E sim o de um aluno que, numa redação sobre imigração no Brasil no século XXI, lá pelas tantas escreveu uma receita de miojo.

Nos dois primeiros parágrafos, o concorrente discorre normalmente sobre o tema em questão. No entanto, entra no próximo período descrevendo um "passo a passo" para cozinhar o alimento. Ele escreve: "Para não ficar muito cansativo, vou agora ensinar a fazer um belo miojo, ferva trezentos ml’s de água em uma panela, quando estiver fervendo, coloque o miojo, espere cozinhar por três minutos, retire o miojo do fogão, misture bem e sirva".

Após o trecho, ele retoma os movimentos imigratórios e encerra o texto de forma adequada. Teve 560 pontos. A meu ver, os examinadores foram mesquinhos. Minha nota seria a máxima, 1000. O aluno demonstrou senso de humor. Ou talvez tenha pretendido encher lingüiça para completar o número de linhas exigido. Sem falar que o Vladimir Safatle ou o Tarso Genro em muito tornariam seus artigos mais inteligíveis se, cá e lá, intercalassem uma receita não digo de miojo, mas talvez de churrasco ou tutu.

Outro aluno, de São José do Rio Preto, no interior paulista, escreveu o hino do Palmeiras inteiro. E tirou 500 – quase metade (48,4%) dos inscritos não conseguiram esse desempenho em 2012. O texto, postado em sua página no Facebook, ainda tem palavras grafadas de maneira errada – como “hostenta”. Nesta altura, o problema não é mais dos alunos, mas dos corretores. Devem estar lendo as provas em diagonal, ou nem mesmo lendo.

Fiz brincadeira semelhante em meus dias de faculdade. Em meu vestibular, na prova de francês, sei lá a propósito de quê, escrevi: “Où est la vraie beauté? Dans le mugir d’un boeuf ou dans le sourire d’un enfant?” Passou. Mais tarde, na disciplina de História da Filosofia, dissertando sobre a enteléquia aristotélica, acrescentei sem mais nem menos ao final de um período: “azar, azeite, azia”. Eu desconfiava que o professor não lia os trabalhos e queria testá-lo. Não deu outra. O professor não tugiu nem mugiu.

A propósito, quem conhece hoje esta expressão. Nem os lexicógrafos, ao que parece. No portal eletrônico “Nossa Língua Portuguesa”, encontro: “No momento não dispomos de definição para a palavra sem tugir nem mugir. Ou a grafia está incorreta ou essa palavra ainda não consta em nossos bancos de dados”. 

Quando o dicionário Houaiss aceita a forma “adéqua” na conjugação de adequar, que se pode esperar de um aluno que faz o ENEM? Se o latim corrompido gerou a última flor do Lácio, qualquer dia o brasileiro ainda gera uma nova língua. Por: Janer Cristaldo

A FEMINIZAÇÃO DA SOCIEDADE NAS CAMADAS MAIS BAIXAS DO MERCADO DE TRABALHO

Crianças pequenas tendem a se comportar de maneiras distintas de acordo com seu sexo. Meninos pequenos são irrequietos e se aborrecem com mais facilidade. Meninas pequenas são mais dóceis e conseguem ficar muito tempo sentadas de forma quieta. Ficar quieto quando se está há muito tempo sentado não é uma característica masculina. É algo que requer disciplina e que deve ser infundido em uma criança.


Homens não tendem a se afiliar a igrejas tanto quanto mulheres. Creio que isso tem a ver com o requerimento de ter de ficar sentado durante um culto. Um culto religioso baseia-se em pregações e em ficar sentado durante um bom tempo. E, dado que homens devem ficar sentados em uma igreja, o sermão tem de ser bom para fazer com que homens fiquem sentados quietos durante muito tempo.

E fora das igrejas?

Há algumas áreas da vida em que as mulheres têm claras vantagens sobre os homens. Obviamente, a maior delas é na criação de filhos.

O surgimento de ferramentas e máquinas altamente especializadas possibilitou às mulheres efetuarem certos tipos de trabalho que elas não eram aptas a realizar antes do desenvolvimento destas tecnologias. Mulheres não possuem vantagem em relação a homens no que diz respeito a cortar lenha. Mas elas certamente são tão bem capacitadas quanto os homens para apertar um interruptor. Homens não têm vantagem nesta área. Sendo assim, naqueles trabalhos em que apertar botões substituiu o corte de lenha, seria ingenuidade imaginar que as mulheres ficariam de fora desta área por muito tempo.

Capitalização e urbanização

Com a ascensão da economia de mercado, e especialmente com o aumento dos investimentos em máquinas e bens de capital, o mundo deixou de ser uma economia majoritariamente rural e se transformou em uma economia baseada em grandes conglomerados urbanos. Isso começou ainda em 1820 na Grã-Bretanha e nos EUA. Esta mudança marcou o advento de uma era totalmente nova na história humana, uma era em que o crescimento econômico passou a se dar a uma taxa de aproximadamente 2% ao ano. Isso nunca havia acontecido até então.

Quando os homens saíram do meio rural para trabalhar nas fábricas, a educação das crianças — mais especificamente, dos meninos — passou a ser tarefa das esposas. Antes, os homens levavam seus filhos para os campos para ensinar a eles o básico sobre a vida, bem como os detalhes da agricultura. A divisão do trabalho dentro da família era clara. As mães ensinavam as filhas a serem esposas e mães; os homens ensinavam os filhos a serem maridos e pais. Esta divisão do trabalho foi a base de todas as sociedades desde o início da história escrita.

E então, em um período de apenas 50 anos, tudo isso mudou para milhões de pessoas. A ordem social não se ajustou de forma rápida o bastante — ou da forma sistemática como deveria — para permitir que os novos papeis dentro da família fossem distribuídos de uma forma que ao menos se assemelhasse àquele padrão familiar vigente há milênios. Tradições são resilientes, não morrem facilmente. Uma mudança cultural e comportamental leva tempo para se impor.

No século XIX, a educação não apenas deixou de ser um sistema dominado por homens e voltado para os meninos, como passou a ser dominado por mulheres. Esse arranjo prepondera até os dias de hoje no ensino básico e no ensino fundamental.

Como isso ocorreu? Uma resposta: salários baixos.

Mulheres jovens e solteiras — e, em alguns casos, casadas — se mostraram dispostas a lecionar nas escolas locais em troca de baixos salários. De meados do século XIX até os dias atuais, as mulheres se tornaram dominantes no sistema de ensino escolar, desde a educação básica até a oitava série. Consequentemente, os padrões do que se entende por 'bom ensino' e 'bom aprendizado' foram feminizados. O sistema educacional básico passou a ser mais voltado para meninas. Essa pedagogia se tornou o padrão dominante em todo o Ocidente. Houve uma feminização do ensino no Ocidente. Meninos se contorcem; meninas ficam quietas. Aí jaz a diferença básica na educação formal. As mulheres determinam as regras.

Na realidade, essa mudança de padrões começou a ocorrer ainda antes de ser adotada nas escolas. Ela ocorreu primeiro na família. Só depois ela se difundiu para o sistema escolar. Todo o processo tem a ver com a oferta competitiva de mão-de-obra. As fábricas costumavam utilizar a mão-de-obra de homens ou de mulheres solteiras. Em alguns casos, costumava-se incluir crianças. Mas não se utilizava mulheres com filhos pequenos. Estas tinham de ficar fora do sistema fabril, o que significava que elas agora estariam no comando da educação dos filhos homens. Os pais desapareciam do lar durante pelo menos 12 horas por dia. Isso representou uma fratura radical na história da humanidade. 

Os homens começaram a ganhar proeminência no sistema educacional apenas no ensino médio. E, não fosse a imposição de leis e a criação de programas federais nos EUA (como a agência Equal Opportunities Employment Commission), que viriam a ser copiados pelo resto do mundo, os homens ainda estariam dominando o ensino universitário. Nas ciências naturais, eles ainda dominam. Esta é uma área em que as mulheres ainda estão excluídas pelas forças do mercado. Elas não vão para as ciências naturais, e nem todas as lamúrias e reclamações dos progressistas podem mudar esse fato.

David Rothkopf, presidente da Garten Rothkopf, empresa internacional especializada em estudar tendências globais, afirmou que, dentre as aproximadamente 6.000 pessoas que constituem a superclasse internacional, apenas 6% são mulheres. Ele diz que este é o mais importante processo discriminatório do mundo. Quanto ao porquê de ele existir, eu não sei. Sei apenas o seguinte: ele de fato existe. Pode ter algo a ver com capacidade inata. Pode ter algo a ver com o fato de que mulheres geralmente não gostam de trabalhar para outras mulheres. Pode ter algo a ver com a incompatibilidade entre criar filhos e ter um desempenho de alto nível em termos de gerar grandes volumes de receita ou de fazer grandes contribuições para a mídia, para a filosofia, e na academia em geral.

Há algumas coisas que realmente sabemos. Há certas áreas em que as mulheres não competem bem. Uma delas é no xadrez. Outra é em matemática de nível complexo. Mas talvez a mais óbvia da história ocidental seja teologia. Não há uma única teóloga digna de nota na história da Igreja. Isso não tem nada a ver com discriminação. Qualquer mulher pode escrever um livro sobre teologia. Beth Moore [evangelista americana] parece escrever um livro por mês voltado para mulheres religiosas. Mas ela não é teóloga.

A feminização da educação ocorreu nos países protestantes. Mas mesmo no caso dos países católicos, as freiras dominam o sistema educacional até pelo menos o ensino fundamental, e possivelmente até o final do ensino médio.

Tudo está relacionado à propensão de se trabalhar em troca de salários extremamente baixos. Em regra, as famílias não estão dispostas a pagar muito caro pela educação de seus filhos. Isso significa que as mulheres, por normalmente estarem mais dispostas a trabalhar em troca de salários menores, serão a mão-de-obra predominante nas escolas que não cobram mensalidades caras. Por estarem dispostas a ofertar serviços educacionais a preços menores, as mulheres contínua e universalmente ganharam a batalha neste setor. É somente para aqueles pais que estão dispostos a pagar muito caro pelo ensino de seus filhos, que os homens se tornam dominantes na educação. É somente em escolas e universidades extremamente caras que os homens são maioria entre os professores.

Conclusão

Com a exceção daquelas ilhas de excelência de sempre, o sistema educacional convencional da maioria dos países ocidentais irá ruir e perder importância. Dado que as escolas e universidades ocidentais atuais nada mais são do que usinas de doutrinação e estupidificação, e dado que os testes confirmam que o preparo básico das pessoas recém-formadas está em queda livre, a retirada dos filhos do sistema educacional convencional é uma tendência que veio para ficar. Aqueles que resistirem a essa tendência e mantiverem seus filhos no sistema educacional convencional estarão criando filhos que futuramente sofrerão sérias desvantagens comparativas.

A tendência é que a educação convencional seja substituída por aulas via internet. Já há uma grande movimentação no desenvolvimento de materiais de ensino online. Estes materiais didáticos são escritos majoritariamente por homens. Mas normalmente quem os ensina a seus filhos são as mães. Ainda assim, a tendência é que haja uma desfeminização da educação. Dado que tais materiais estão livres do jugo politicamente correto que vem oprimindo o Ocidente, eles tendem a se especializar mais de acordo com os gêneros a partir da quinta séria. Isso também irá favorecer a desfeminização da educação voltada para os meninos. É um palpite.

Quanto mais os materiais forem baseados no autodidatismo, menos feminizados eles serão. As mães irão especificar os cursos para seus filhos, e o lado digital da educação provavelmente será mais masculino do que feminino, embora talvez isso não ocorra em nível do ensino básico. No ensino básico, as mulheres provavelmente ainda dominarão. No entanto, tão logo a criança chegue ao ensino fundamental, a educação online será mais masculina do que feminina.

A feminização das camadas mais baixas do mercado de trabalho não acabará tão cedo. A masculinização das posições mais prestigiadas também não acabará tão cedo. O seu objetivo, seja como pai, seja como profissional, é fazer seus planos de acordo com esta realidade.

Por: Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. 

quarta-feira, 20 de março de 2013

ALGUNS DETALHES POUCO CONHECIDOS DA CRISE FINANCEIRA DE 2008


Não demorou muito para que os detratores do mercado descarregassem seus ataques histéricos ao capitalismo logo após os eventos de 2008. A crise financeira que resultou na quebra de vários bancos foi interpretada como sendo a prova cabal do quão destrutivo o "capitalismo desregulado" pode ser e do quão perigosos seus defensores são — afinal, os defensores do livre mercado se opuseram a todos os pacotes de socorro concedidos aos bancos, pacotes esses que supostamente salvaram os EUA de outra Grande Depressão.

Em seu livro The Great Deformation, David Stockman — ex-congressista e diretor da Secretaria de Administração e Orçamento do governo Reagan de 1981-85 — conta toda a história da recente crise, e ataca impiedosamente o senso comum que credita às políticas do governo e a Ben Bernanke o mérito de ter salvado os americanos de outra Grande Depressão. Neste campo, a contribuição de Stockman é sem precedentes. 

O livro aborda todos aqueles argumentos que foram apresentados em defesa dos pacotes de socorro em 2008, os quais até hoje ainda representam o senso comum da mídia e da academia. Tanto naquela época quanto hoje, o principal argumento sempre foi o de que, caso o governo não interviesse, um "efeito contágio" iria fazer a crise financeira se propagar para todos os setores da economia americana, indo para muito além de alguns poucos bancos e corretoras de Wall Street. Sem os pacotes de socorro, as folhas de pagamentos de todas as empresas americanas não mais poderiam ser cumpridas. Os caixas eletrônicos parariam de soltar dinheiro e ficariam paralisados. Mas as sábias decisões políticas tomadas pelo Tesouro e pelo Federal Reserve impediram estes e outros cenários tenebrosos, e impediram a segunda Grande Depressão.

Peguemos o exemplo do socorro à gigante AIG [American International Group, corporação americana provedora de serviços financeiros e seguros nos EUA e em outros países]. A AIG era uma empresa que fornecia seguros contra calotes de hipotecas. Os bancos concediam empréstimos para a aquisição de imóveis, e essas carteiras de empréstimos eram seguradas pela AIG. Para fazer tal seguro, a AIG vendia para os bancos um instrumento chamado CDS [credit default swap], e os bancos faziam uma série de pagamentos periódicos para a AIG em troca destes CDS. Caso os devedores dessem o calote nos empréstimos bancários, a AIG pagaria aos bancos. 

Porém, como os calotes foram vários, a AIG ficou completamente insolvente e foi socorrida pelo governo americano. O socorro ocorreu sob um ambiente de total histeria. Disseram ao público que a AIG tinha de ser socorrida pelo governo porque, caso contrário, todo o sistema bancário americano, cujas perdas estavam seguradas pela AIG, quebraria. O problema é que praticamente nenhum dos CDS vendidos pela AIG estava em posse dos bancos convencionais, aqueles fora de Wall Street. E mesmo em Wall Street os efeitos seriam confinados a apenas uma dúzia de bancos e corretoras, sendo que absolutamente todos eles possuíam um amplo colchão para absorver tais prejuízos.

No entanto, graças aos pacotes de socorro do governo, os barões não tiveram um dólar de prejuízo em suas hipotecas caloteadas. No final, todo o socorro orquestrado pelo governo se resumiu a proteger os ganhos de curto prazo e os bônus dos executivos a serem pagos no final daquele ano.

Essa proteção do estado aos grandes não foi de modo algum uma medida inédita. Dez anos antes, o Fed já havia emitido um sinal bastante claro de qual seria sua política futura: ele socorreu um hedge fund chamado Long Term Capital Management (LTCM). Se aquela empresa foi socorrida, concluiu Wall Street, então não mais há limites para os tipos de loucura que o Fed socorreria com sua criação de dinheiro.

Desde o início, o LTCM, diz Stockman, era "um flagrante desastre financeiro que havia acumulado taxas de alavancagem de 100 para 1 com o objetivo de financiar gigantescas apostas especulativas em moedas, ações, títulos e derivativos ao redor do globo. A acentuada temeridade e a vultosa escala das especulações do LTCM não possuíam paralelo na história financeira americana . . . . O LTCM era algo explicitamente insolvente, e não tinha absolutamente nenhum direito de recorrer ao governo para utilizar recursos públicos para se safar."

Quando o índice S&P 500 disparou 50% ao longo dos quinze meses seguintes, isso não era um sinal de que as empresas americanas estavam vendo suas perspectivas de lucros aumentarem 50%. Ao contrário, tal aumento indicava a confiança de Wall Street de que o Fed iria impedir que futuros investimentos errados recebessem as tradicionais punições impostas pelo livre mercado. Sob este 'capitalismo de estado', o índice do mercado de ações passou a refletir "o estímulo monetário que era esperado do Banco Central, e não a expectativa de aumento dos lucros de empresas operando no livre mercado."

Não foram apenas algumas empresas específicas que usufruíram das benesses do Fed de Alan Greenspan e Ben Bernanke; todo o mercado de ações foi beneficiado. As políticas do Fed passaram a se concentrar no "efeito riqueza" gerado pelo aumento dos preços das ações. A ideia era que, se o Fed estimulasse os preços das ações, os americanos donos destas ações se sentiriam mais ricos e consequentemente estariam mais propensos a gastar mais e a se endividar mais para continuar consumindo, desta forma estimulando a atividade econômica. E foi isso o que aconteceu.

Esta abordagem política, por sua vez, praticamente compeliu a implementação dos pacotes de socorro que inevitavelmente viriam. Qualquer evento que pudesse derrubar os preços das ações iria frustrar esse efeito riqueza. E isso não era tolerável. Logo, o sistema teria de ser estimulados por todos os meios necessários.

Quais os resultados desta política? Ela tem algo do que se gabar? Stockman fornece a resposta:

Se os planejadores centrais do sistema monetário estavam tentando criar empregos por meio do sinuoso método do "efeito riqueza", então eles têm de estar profundamente constrangidos pela sua incompetência. A única coisa que ocorreu no front da criação de empregos ao longo da última década foi uma maciça expansão das 'brigadas do urinol e do diploma' — isto é, os empregos foram criados apenas em hospitais, clínicas de repouso, agências de saúde domiciliar e faculdades. Com efeito, o complexo educacional-hospitalar responde pela totalidade dos empregos criados desde o final da década de 1990 nos EUA.

Enquanto isso, o número de empregos realmente capazes de sustentar uma família de classe média não aumentou absolutamente nada entre janeiro de 2000 e janeiro de 2007, permanecendo em 71,8 milhões. Toda a forte expansão ocorrida no mercado imobiliário, no mercado de ações e no consumo das famílias conseguiu, no final, produzir apenas esta amarga estatística. E quando se considera todo o período de 12 anos desde 2000, houve uma criação líquida de 18.000 empregos por mês — um oitavo da taxa de crescimento da força de trabalho.

Abaixo, a evolução da taxa de emprego em relação ao total da população.



Após o estouro da crise financeira, o Fed continuou criando dinheiro para irrigar o mercado de ações. Em setembro de 2012, o S&P já havia subido 115% desde suas mínimas atingidas no pós-crise. Dos 5,6 milhões de empregos capazes de sustentar uma família de classe média perdidos durante a recessão, somente 200.000 haviam sido restaurados até aquele mês. E durante esta tão badalada "recuperação", o fato é que as famílias americanas gastaram, no terceiro trimestre de 2012, US$30 bilhões a menos em alimentos do que gastaram durante o mesmo período de 2007.

O repentino surgimento de enormes déficits orçamentários nos últimos anos, na casa de US$ 1 trilhão, simplesmente explicitou aquilo que a bolha dos anos Bush havia escondido. A falsa riqueza gerada pela expansão do mercado imobiliário e do consumismo no período 2000-2008 conseguiu reduzir temporariamente a quantidade de dinheiro gasta em programas assistencialistas, e temporariamente aumentou a quantidade de receita tributária auferida pelo governo. Porém, tão logo essa falsa prosperidade se arrefeceu, o verdadeiro déficit, o qual havia apenas sido suprimido por estes fatos temporários, começou a aparecer.

Durante todo este período de bonança artificial, o Fed havia garantido aos americanos que os EUA estavam vivenciando uma genuína prosperidade. Ao inundar Wall Street com dinheiro criado do nada, o Fed viu o valor das ações e dos imóveis disparar e anunciou que estava contente com o "efeito riqueza" assim gerado. As pessoas passaram a utilizar a contínua valorização de seus imóveis como colateral para refinanciar suas dívidas e conseguir mais empréstimos junto aos bancos, aumentando continuamente seu consumo e seu endividamento. Ao testemunhar esta farra consumista, o Fed maravilhou-se com o fato de que os dados macroeconômicos eram ainda melhores do que o esperado. 

Que estas deformações tenham sido confundidas com prosperidade e crescimento econômico sustentável é uma boa prova da insensatez sem fim das doutrinas monetárias hoje em voga no meio monetário.

Stockman também discute em seu livro as condições fiscais do governo americano. Parte dessa história nos remete aos gastos militares dos anos Reagan. A história narrada por Stockman, que foi membro daquele governo, não é a mesma que se ouve da boca dos políticos. A verdadeira história é exatamente aquela da qual todo mundo suspeitava: um frenesi de programas irrelevantes e arbitrários, os quais, uma vez iniciados, não mais eram interrompidos, dado que vários empregos passaram a depender deles.

Mas pelo menos esta escalada dos gastos militares gerou o colapso da União Soviética, certo? Stockman não acredita nisso. "Os US$3,5 trilhões (em dólares de 2005) gastos em defesa durante os anos Reagan não fizeram com que o Kremlin erguesse a bandeira branca da rendição. Praticamente nenhum dólar foi gasto em programas que de fato ameaçassem a segurança soviética ou debilitassem sua estratégia de intimidação nuclear."

No cerne do programa de gastos militares do governo Reagan . . . havia um paradoxo. Os tambores da guerra rufavam uma estratégica ameaça nuclear que virtualmente ameaçou a civilização americana. No entanto, o dinheiro estava sendo realmente gasto em tanques, barcaças de desembarque anfíbio, helicópteros de apoio aéreo aproximado, e uma vasta armada convencional de navios e aviões.

Estas armas seriam de pouco valor na eventualidade de um embate nuclear, mas eram muito adequadas a missões imperialistas de invasão e ocupação de outros países. Ironicamente, portanto, a corrida armamentista do governo Reagan foi justificada por um Império do Mal (como ele se referia à URSS) que estava rapidamente desaparecendo, mas, no final, foi utilizada para iniciar guerras eletivas contra um Eixo do Mal que nem sequer existia.

O que realmente viria a derrubar a União Soviética era a sua própria economia centralizada — um ponto que, observa Stockman, os economistas libertários já vinham anunciando havia algum tempo. Os neoconservadores, por outro lado, faziam ridículas alegações sobre as capacidades soviéticas e sobre sua 'portentosa' economia exatamente em uma época em que sua decrepitude já deveria estar óbvia para todos. Estas asserções inflamadas sobre os inimigos do regime continuaram a ser o procedimento padrão dos neoconservadores até muito tempo depois do fim dos anos Reagan.

No final, o objetivo do livro de Stockman é mostrar como todos os intelectuais da mídia e do meio político enganaram e manipularam os americanos. Acima de tudo, seu objetivo é mostrar que as tentativas de culpar os atuais problemas econômicos dos EUA no "capitalismo" são ilógicas e absurdas, e revelam uma completa falta de entendimento sobre como a economia tem sido deformada ao longo das últimas décadas.

Stockman bate com gosto nos formadores de opinião progressistas — defensores do cidadão comum, como gostam de se autointitular — que defenderam os pacotes de socorro aos bancos e naqueles pretensos "livre-mercadistas" que defenderam o TARP (Troubled Asset Relief Program — Programa de Alívio para Ativos Problemáticos), como praticamente todos os candidatos republicanos de 2012, com a exceção de Ron Paul. Ambos os lados, em uníssono com a mídia convencional, repetiram continuamente estórias assustadoras sobre o quão grande seria a tragédia caso o governo não tomasse dinheiro dos pequenos para dar para os grandes. E ambos os lados só tinha coisas boas a dizer sobre como o Fed gerenciou a economia americana nos últimos 25 anos.

O livro de Stockman mostra com dados, argumentos e uma sólida teoria por que o livre mercado tem de ser exonerado das acusações violentamente proferidas por burocratas, políticos e seus aliados, todos ávidos para encontrar um bode expiatório que os livrasse das consequências trágicas de suas próprias políticas.

Por: Lew Rockwell  presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State. 

Tradução de Leandro Roque

A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA CATÓLICA E O CAPITALISMO

Um dos traços mais característicos do pensamento católico ao longo dos séculos sempre foi a ênfase na razão. A mente do homem, de acordo com esta tradição, é capaz de apreender e compreender toda a ordem que existe no mundo, ordem essa que está fora de sua mente. O homem é capaz de abstrair "pressupostos universais" de uma miríade de objetos e dar um sentido aos vários fenômenos que lhe rodeiam. Com isso, ele é capaz de encontrar ordem no caos dos dados dispersos ao seu redor. Neste aspecto, o ser humano se difere dos animais, que não têm essa capacidade racional.

Para um católico, Deus e a Bíblia são teleológicos, o que significa dizer que, segundo ambos, as coisas têm propósitos. Por exemplo, não cabe ao homem definir, de acordo com suas vontades arbitrárias, os propósitos do casamento e da sexualidade. Deus pune aqueles homens que ignoram, em nome de seus próprios caprichos, a ordem e o propósito que Ele construiu em Sua criação. Católicos, em geral, nunca foram nominalistas: eles não consideravam a vontade de Deus como sendo algo absolutamente impenetrável, e nem Suas leis morais como sendo essencialmente arbitrárias. Determinadas ações não se tornavam boas só porque Deus havia dito que eram boas; Deus havia dito que eram boas porque elas eram boas. Assim, desde o mundo físico até o mundo dos preceitos morais, Deus se mostrava perfeitamente racional e metódico.

O mercado e a mão de Deus

Ao longo da história da Igreja, vários pensadores escolásticos viam as mãos da divina providência na bela ordem e harmonia criada pelo livre mercado e pela divisão do trabalho — um acréscimo, devo dizer, àquela ordem existente no âmbito físico que São Paulo e a teologia católica como um todo sempre apontaram como evidência da existência de Deus e de sua bondade. 

O cardeal jesuíta Juan de Lugo, perguntando-se qual seria o preço de equilíbrio, já no ano 1643 chegou à conclusão de que o equilíbrio dependia de um número tão grande de circunstâncias específicas que apenas Deus seria capaz de sabê-lo ("Pretium iustum mathematicum licet soli Deo notum"). Outro jesuíta, Juan de Salas, referindo-se às possibilidades de saber informações específicas do mercado, chegou à conclusão de que todo o mercado era tão complexo que "quas exacte comprehendere et ponderare Dei est non hominum" (somente Deus, e não o homem, pode entendê-lo exatamente).

Os pensadores iluministas viam a regularidade dos fenômenos naturais como sendo uma emanação dos decretos da Providência, e quando esses mesmos pensadores descobriram uma regularidade semelhante na ação humana e na esfera econômica, eles interpretaram essa realidade como sendo mais uma evidência do zelo paternal do Criador do universo. Os liberais diziam que o funcionamento do mercado livre, no qual o consumidor — isto é, qualquer cidadão — é o soberano, produz melhores resultados do que os decretos de governantes sagrados. Observem o funcionamento do sistema de mercado, diziam eles, e lá descobrirão a mão de Deus.

O grande economista liberal clássico (e católico) do século XIX Frédéric Bastiat descreveu as consequências desta constatação em sua obra publicada postumamente Economic Harmonies:

Se existem leis gerais que agem de maneira independente das leis escritas, e se o único poder das leis escritas é decretar se elas são legais ou não, então é imperativo estudarmos estas leis gerais. Se elas podem ser objeto de investigação científica, então existe algo que pode ser chamado de ciência econômica. 

Por outro lado, se a sociedade é uma invenção humana, se os homens são meras matérias inertes, e se um grande gênio — como disse Rousseau — tem de transmitir sentimento e vontade, movimento e vida a estes homens, então não pode haver algo chamado ciência econômica: existe apenas um indefinido número de arranjos possíveis e casuais, e o destino das nações dependerá exclusivamente do pai fundador a quem a população, por puro acaso, incumbir seu destino.

O problema com a Doutrina Social da Igreja

A principal dificuldade com boa parte daquilo que passou a ser chamado de 'Doutrina Social da Igreja' desde a publicação da encíclica Rerum Novarum (1891), do Papa Leão XIII, é que tal conjunto de ensinamentos pressupõe que a vontade humana é o suficiente para resolver questões econômicas, e que os ensinamentos e as conclusões das leis econômicas podem ser tranquilamente ignorados. 

Com efeito, assim como a Escola Historicista Alemã à qual Ludwig von Mises se opôs, os proponentes da doutrina social efetivamente negam a própria existência de leis econômicas. Por conseguinte, as pessoas que seguem tal corpo de pensamento rejeitam por completo o papel da razão em avaliar as consequências de políticas econômicas "progressistas" e em compreender a ordem e a harmonia que podem existir em fenômenos complexos (neste caso, nos fenômenos de mercado).

Esta atitude é contraditória porque vai diretamente contra toda a tradição intelectual católica, segundo a qual o homem deve adequar suas ações à realidade, e não embarcar na impossível e tola tarefa de forçar o mundo a se adequar aos seus desejos. Os seguidores deste corpo de pensamento desejam obrigar a realidade a apresentar resultados que não podem ser efetivados apenas pela vontade.

Consequentemente, um seguidor da doutrina social da Igreja irá fornecer declarações do tipo: "É bom que as famílias prosperem. Consequentemente, a adoção de tal política [aumento da tributação sobre os mais ricos, aumento do salário mínimo, legislação antitruste, mais regulamentações etc.] é moralmente obrigatória." Em outras palavras, queremos X, portanto devemos fazer Y. (A conexão entre X e Y muitas vezes é apenas implícita, mas está lá). Mas e se 1) Y afastar você de X; 2) houver melhores maneiras de se chegar a X sem usar Y; ou ambos? 

O corpo da doutrina social católica é repleto de tais declarações, de tal forma que não é fácil fazer uma distinção entre princípios básicos e recomendações. O problema, naturalmente, é que todas estas recomendações são contestáveis, muito embora um grande número de proponentes da doutrina social passe a lamentável impressão de que todas elas já foram decididas, e que apenas alguns teimosos, por algum motivo egoísta, obstinadamente se recusam a assentir.

Assim, por exemplo, a ideia de que todo homem deve ganhar um salário alto o bastante que lhe permita sustentar sua família e dar a ela um razoável conforto representa um objetivo social desejável. Já a sugestão de que tal resultado pode ser criado por decreto — isto é, a sugestão de que a vontade do homem pode estabelecer tal situação simplesmente porque ele quer que isso aconteça, e que as leis econômicas não são válidas para ajudar a prever o provável resultado de tais medidas — é totalmente ilógica. Tal postura é tão intelectualmente defensável quanto a sugestão de que o desejo humano de voar torna supérflua qualquer necessidade de levar em consideração a lei da gravidade.

Defender a estipulação de um valor salarial mínimo que permita o consumo de vários bens tido como essenciais para uma família é uma das bandeiras da doutrina social da Igreja. A alegação é que isso irá ajudar as famílias mais pobres e que, de quebra, o aumento do consumo delas irá "estimular o crescimento econômico" — como se simplesmente sair consumindo coisas pudesse tornar a sociedade mais próspera, ou como se mais gastos em consumo fosse exatamente o que o estado devesse estimular.

É claro que tal política salarial é recomendada com a genuína intenção de melhorar a vida das pessoas. Porém, se sabemos que tal política sugerida tenderá a piorar a situação geral, pois ela irá (entre outras coisas) aumentar o desemprego, então não apenas é lícito, como também é moralmente obrigatório do ponto de vista da obediência católica, se opor a ela. 

Adicionalmente, se sabemos que o funcionamento normal de uma economia de livre mercado baseada na propriedade privada já possui uma inerente tendência natural a gerar contínuos aumentos salariais (ver aqui, aqui e aqui), então certamente este é mais um argumento em favor de se rejeitar a ideia de imposição de um determinado valor salarial mínimo e de se defender um arranjo de livre mercado baseado na propriedade privada (arranjo este em que ninguém tem a permissão de roubar ou de agredir inocentes).

E há ainda outras situações paradoxais. Sempre que você defende a economia de livre mercado dizendo que tal arranjo é o mais condizente a gerar prosperidade, os adeptos da doutrina social são rápidos em dizer criticamente que a prosperidade material não é tudo. No entanto, quando alguns bispos progressistas divulgam aqueles seus pavorosos manifestos contendo "sugestões" de políticas econômicas, eles deixam perfeitamente claro que estão advogando políticas que visam a melhorar a situação material das pessoas. Eles acreditam que a intervenção estatal irá deixar as pessoas em uma situação materialmente melhor. Sendo assim, se somos "materialistas", então todo defensor da doutrina social também o é. Nada contra. O debate, portanto, deve se concentrar na abordagem econômica dos bispos. Se ela irá ou não gerar a prosperidade prometida.

A encíclica Populorum Progressio (1967) do Papa Paulo VI, por exemplo, foi além das observações morais que se pode fazer sobre o desenvolvimento do Terceiro Mundo e passou a de fato sugerir recomendações políticas, colocando dessa forma os católicos na injusta posição de aparentar "dissidência" em relação ao Papa ao proporem alternativas. Peter Bauer, o profético economista que alertou durante décadas sobre os efeitos perniciosos que os programas de ajuda internacional teriam sobre as nações do Terceiro Mundo, observou que não havia nada de particularmente católico, ou mesmo cristão, na encíclica, e que ela estava meramente repetindo, com algumas nuanças religiosas, o pensamento convencional.

Hoje sabemos o quão desastrosas foram as recomendações da Populorum: as ajudas internacionais fortificaram os piores regimes políticos , atrasaram indefinidamente as reformas necessárias e destroçaram dezenas de países, com vários grupos étnicos e raciais recorrendo à violência para tentar se apropriar de parte do dinheiro das ajudas internacionais. A própria ideia da ajuda internacional introduziu incentivos perversos a essas sociedades; tornou-se insensato criar coisas que satisfizessem os desejos de seus conterrâneos, pois era mais racional dedicar esforços improdutivos para fazer campanhas que lhe garantissem mais dinheiro externo. Por outro lado, Hong Kong, Chile e Coréia do Sul só se tornaram prósperos depois que a ajuda internacional foi interrompida e eles foram forçados a adotar políticas econômicas racionais e sensatas.

Paulo VI também adotou a badalada tese de Raul Prebisch e Hans Singer, que dizia que uma deterioração secular dos termos de troca entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento — sempre em detrimento deste último — era uma inevitabilidade, pois havia a suposta tendência de os preços dos bens manufaturados (especialidade dos países desenvolvidos) subirem e, ao mesmo tempo, os preços das commodities (especialidade dos países em desenvolvimento) caírem. Entretanto, essa suposta deterioração dos termos de troca nunca ocorreu, como o economista Gottfried Haberler já vinha argumentando dez anos antes da Populorum Progressio, se alguém se deu ao trabalho de escutar. Mas foi baseando-se nessa tese errônea que Paulo VI condenou o livre comércio, negando que este fosse um caminho para a prosperidade do mundo em desenvolvimento. (Curiosamente, hoje são os países desenvolvidos que condenam o livre comércio, argumentando que ele é prejudicial para os países ricos e benéfico para os países pobres). Os países que seguiram a tese Prebisch/Singer ficaram muito atrás daqueles que se integraram à divisão internacional do trabalho. Não há como negar isso.

Teria sido uma "dissidência" dizer que o erro factual do Papa acerca dos termos de troca era realmente um erro factual? Seria "dissidência" ter apontado que essas recomendações não lograriam o efeito a que se propunham? Deveríamos acreditar que a autoridade papal sobre assuntos de fé e moral se estende também a análises de causa e efeito aplicadas a programas de ajuda internacional? Essas perguntas se respondem a si próprias.

É um dever moral apontar os erros e corrigi-los

A infalibilidade papal é válida para questões de moral e fé, e não para questões econômicas. Um católico não deve negar a autoridade moral do Papa, mas ele também não tem de levar a ferro e fogo toda e qualquer recomendação econômica da Santa Sé. Por um bom tempo, vários católicos sofreram com a ideia de que não concordar com algumas sugestões de política econômica emitidas pela Santa Sé ou por prelados ao redor do mundo seria uma espécie de desobediência aos ensinamentos da Igreja. 

Nenhum católico deve apoiar uma política que seja intrinsecamente má. A ideia é simplesmente que, quando existem várias alternativas moralmente lícitas, escolher uma delas é uma questão de inteligência, de bom juízo e de exercício adequado da razão. Se eu posso recomendar um método de se alcançar um determinado fim, e se este método não for inerentemente imoral e for muito mais efetivo do que qualquer alternativa sugerida por alguns líderes católicos (sendo que cada uma delas iria piorar a situação), então não há nada de especialmente subversivo em se oferecer esta sugestão. 

O próprio Papa Leão XIII reconheceu isto quando disse que,

Se eu tivesse de me pronunciar sobre qualquer aspecto de um problema econômico vigente, estaria interferindo na liberdade de os homens lidarem com seus próprios afazeres. Determinados casos devem ser resolvidos no campo dos fatos, caso por caso, na medida em que vão ocorrendo.... [O]s homens precisam realizar tais afazeres por meio de suas próprias obras, e este princípio está além de qualquer questionamento.... [E]ssas coisas devem ser solucionadas ao longo do tempo e da experiência. 

Deixe-me ser bem claro: aqueles católicos que são seguidores das teorias da Escola Austríaca de economia, como eu, não estão exigindo que os papas façam pregações sobre economia austríaca desde a Cátedra de Pedro. Ninguém que conheça a evolução do pensamento econômico dos membros da igreja ao longo dos séculos ousaria afirmar que há apenas uma visão que constitui a "visão católica da economia". Contra aqueles que sugerem que um católico deve abordar assuntos econômicos de apenas uma maneira, o professor Daniel Villey nos lembra que "a teologia católica não exclui o pluralismo de opiniões a respeito de assuntos profanos". Católicos austríacos não dizem que "a nossa ciência econômica é a única católica"; apenas dizemos que aquilo que defendemos e ensinamos não apenas não vai contra o catolicismo tradicional, como na verdade é profundamente compatível com ele.

Existe uma profunda semelhança filosófica entre o catolicismo e o brilhante edifício de verdades encontrado na Escola Austríaca de economia. O método austríaco da praxeologia deveria ser especialmente atraente para o católico. Carl Menger e principalmente Mises e seus seguidores procuraram fundamentar princípios econômicos baseando-se em verdades absolutas, verdades perceptíveis por meio de uma reflexão sobre a natureza da realidade. O que, dentre tudo o que existe nas ciências sociais, poderia ser mais compatível à mente católica do que isto?

Igualmente, a economia austríaca nos revela um universo de ordem, cuja estrutura podemos compreender por meio de nossa razão. Como explicou o professor Jeffrey Herbener, "Uma abordagem causal-realista da economia surgiu no meio cristão porque era somente naquele meio que os estudiosos concebiam a natureza como uma ordem interconectada, uma ordem criada no fluxo do tempo por Deus, uma ordem criada do nada e governada por leis naturais determinadas pelo próprio Deus, leis estas que o intelecto humano seria capaz de descobrir e utilizar para entender a natureza com o objetivo de dominá-la para a glória de Deus." A alternativa seria aquele mundo de John Stuart Mill, que postulou ser perfeitamente possível encontrar algum lugar no universo onde dois mais dois não fossem quatro — uma visão que, nas palavras de Herbener, "está fundamentada na ideia metafísica de que o universo não é uma criação sistemática e ordeira." Qual destas duas visões é a mais compatível com o catolicismo não é difícil de ser discernido.

Conclusão

Grande parte dos conselhos econômicos apresentados como sendo parte integrante da doutrina social da Igreja ao longo do último século sofre de sérios defeitos de lógica e possui assertivas factualmente errôneas. Tal posição, independente de seus proponentes perceberem ou não, representa o triunfo da vontade sobre o intelecto, a substituição da análise racional das leis da interação social pela vontade arbitrária, além de ignorar as inevitáveis consequências da violenta interferência sobre esta interação social. Tal postura, além dos danos que ela causa à riqueza vigente na economia, é completamente estranha à Igreja Católica, uma instituição que sempre enfatizou a capacidade da mente de perceber a (e se deleitar com a) regularidade e a sistematicidade do mundo criado por Deus e de saber se adequar a esta criação divina.

A verdade, dizem os catecismos católicos, consiste na adequação da mente à realidade. A "doutrina social" católica, por outro lado, demanda com grande frequência que o homem permita que seus meros desejos e sentimentos formem seu juízo a respeito de questões econômicas. Avaliar as consequências de medidas econômicas com o auxílio das leis econômicas, e olhar para o âmbito econômico reconhecendo nele a ordem e a regularidade que a própria Igreja diz serem reflexos da perfeição do próprio Deus — esta é a postura católica.

Santo Agostinho certa vez disse: "In fide, unitas; in dubiis, libertas; in omnibus, caritas" (na fé, unidade; em questões incertas, liberdade; em todas as coisas, caridade). A demanda por caridade e o desejo de ajudar ao próximo tornam imperativo que não defendamos políticas econômicas insensatas que só irão prejudicar justamente aqueles a quem queremos ajudar.

Por: Thomas Woods  membro sênior do Mises Institute, especialista em história americana. É o autor de nove livros, incluindo os bestsellers da lista do New York Times The Politically Incorrect Guide to American History e, mais recentemente, Meltdown: A Free-Market Look at Why the Stock Market Collapsed, the Economy Tanked, and Government Bailouts Will Make Things Worse. Dentre seus outros livros de sucesso, destacam-se Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental (leia um capítulo aqui), 33 Questions About American History You're Not Supposed to Ask e The Church and the Market: A Catholic Defense of the Free Economy (primeiro lugar no 2006 Templeton Enterprise Awards).

terça-feira, 19 de março de 2013

"HABEMUS CURSUM"! "HABEMUS PALESTRAUM"!


Sim, já temos o primeiro curso e a primeira palestra! Como responsável pela área acadêmica do IMB compartilho com vocês, em meu nome, no do Presidente Helio Beltrão e no de toda a valorosa equipe do Instituto, a grande satisfação, motivação e esperança de anunciar — sem fumaça branca, mas com a pompa e a circunstância que somente o latim possui — o início de nosso programa de cursos e palestras on line, nos moldes do Mises norte-americano.

Se dissermos apenas que essa auspiciosa notícia vem "preencher uma lacuna" em termos do ensino de economia e ciências sociais, estaremos caindo em um lugar comum, por isso preferimos afirmar que nosso programa, além de encher esse vazio, pretende revolucionar o estudo da ciência econômica e de todos os que se interessam pelas ciências sociais em nosso país, em uma perspectiva de longo prazo, entendido como uma geração.

Como se sabe, as faculdades brasileiras, particularmente as de economia, estão tomadas por keynesianos,neokeynesianos, schumpeterianos, marxistas, desenvolvimentistas e — embora em número menor —monetaristas; muitas instituições de ensino exigem que as dissertações de mestrado e doutorado de seus alunos empreguem métodos econométricos e algumas chegam a impor essa exigência até na graduação, em seus TCCs (trabalhos de conclusão de curso).

Assim sendo, os jovens saem desses anos de estudos acreditando piamente que o estado deve ser o indutor do crescimento, ou que os gastos públicos e a política monetária devem ser usados como instrumentos contra os ciclos econômicos, ou que a tributação deve ser um instrumento de "redistribuição" de renda, ou que "João é pobre porque Pedro é rico", ou que a crise mundial que já perdura há seis anos pode ser atribuída a ausências de regulamentações dos governos, ou que "um pouquinho de inflação é bom para estimular o crescimento", ou que incentivos à demanda também são bons para o crescimento, ou que os lucros se constituem em um grande mal, ou que os empresários são todos malvados, ou que os bancos centrais são essenciais e devem ter atuações ativas sobre a economia, ou que o monopólio da moeda é muito bom e indispensável, ou — o que não é incomum — crendo sinceramente em todas essas falácias (e muitas outras) ao mesmo tempo.

É muito triste constatar que gerações sucessivas de economistas vêm tendo esses logros inoculados em suas mentes e depois passam o resto de suas vidas — na academia ou fora dela — os repetindo como papagaios bem treinados. Recebo incontáveis mensagens de estudantes de praticamente todos os recantos do Brasil queixando-se do ensino de viés marxista e estatista que recebem.

Pois bem, chegou a hora de acabarmos com essa hegemonia! A proposta do Instituto Mises Brasil é quebrar sem pressa — mas sempre com o olhar voltado para o futuro e, consequentemente, para as novas gerações — essa corrente perversa e mostrar ao maior número possível de pessoas a importância das liberdades individuais, da economia de mercado e da propriedade privada, conceitos que o IMB considera essenciais, multiplicando-os tal como as estrelas do mar o fazem.

Os cursos serão entremeados com palestras e serão todos ministrados dentro da perspectiva da Escola Austríaca de Economia, que acreditamos seja o caminho correto para quebrar esse paradigma intervencionista e prestador de cultos, odes e adorações ao estado, que contamina há bastante tempo não apenas a formação de economistas, mas também a de todos os que se dedicam às ciências sociais e que também, como se sabe, se propaga por todos os meios midiáticos.

"Habemus palestram"!

A primeira de uma grande série de palestras já está marcada para o dia 4 de abril: "Como paradigmas são quebrados: o exemplo da Escola Austríaca", com o Professor e empresário Erick Skrabe, criador e editor do Instituto Mises Chile e Instituto Mises Itália, que possui uma trajetória acadêmica e profissional extremamente rica e interessante: aos 17 anos ingressou no ITA, onde cursou os três anos do curso de matemática; colaborou na criação do Museu da Matemática Aguinaldo Ricieri; graduou-se em Administração de Empresas; fez seu MBA no Chile, na Universidade Adolfo Ibañez; estudou em seguida na escola de negócios francesa INSEAD e na escola de economia da Universidade Bocconi, na Itália.

Em 1995, Erick abriu sua empresa na área de automação industrial e abriu escritórios no Brasil, Chile e Estados Unidos. Além disso, é também professor de Inovação, Consultoria e Logística na Universidade Anhembi Morumbi (São Paulo).

"Habemus cursum"!

O primeiro curso, no próximo mês de abril — "Patologias macroeconômicas: como governos e bancos centrais provocam inflação, desemprego e crises econômicas" — será ministrado em quatro aulas pelo Prof. Antony P. Mueller, um dos mais respeitados economistas da Escola Austríaca no Brasil e no exterior, Doutor em Economia pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Professor da Universidade de Sergipe, fundador e presidente do Continental Economics Institute, acadêmico adjunto do Ludwig von Mises Institute nos EUA e membro ativo do corpo acadêmico de nosso Instituto.

Convidamos você a participar desses eventos, únicos em nosso país, e a divulgá-los para o maior número de pessoas que vocês puderem. Para conhecer nossa programação basta acessar aqui, onde você poderá também encontrar pormenores e programas dos eventos e fazer a sua inscrição.

Podemos garantir que isto é apenas o começo. Acompanhe nossa página na Internet e você verá que nos próximos dias já poderemos proclamar no plural: "habemus cursos" e "habemus palestras"!

Os ventos da liberdade vão soprar com força, porque está surgindo a "Vniversitatis Mises Brazilis"!

Ubiratan Jorge Iorio é economista, Diretor Acadêmico do IMB e Professor Associado de Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

segunda-feira, 18 de março de 2013

DESIGUALDADE POLÍTICA E ECONÔMICA

É cada vez mais preocupante a mística ética da desigualdade supostamente causada pelo capitalismo. Essa mística constitui-se no fator por antonomásia da demagogia que leva o socialismo ao poder. Afastar-se dela aparece como o pecado capital do egoísmo frente à virtude do altruísmo. Essa parece a disjuntiva presente no denominado mundo Ocidental que virtualmente se considera como democracia capitalista. Tanto assim que mesmo a crise européia, indubitavelmente o resultado do estado de bem-estar, baseado em um gasto público insustentável que desse lugar a uma dívida impagável, se considera como a crise do capitalismo.


Em um artigo recente de Foreign Affairs (Revista do Council on Foreign Relations), “Desigualdade e Capitalismo”, Jerry Muller estabelece que “O debate político nos Estados Unidos e outras democracias capitalistas esteve dominado por duas determinações: o crescimento da desigualdade e a escalada da intervenção do governo para enfrentá-la”. Já começamos mal, pois não sei quais são as democracias capitalistas às quais se refere o autor. Penso que já caiu no erro de considerar a União Européia capitalista, e me pergunto o que pensaria a Srª Merkel desta definição do seu governo. Porém, seguindo com o estabelecido inicial, Mr. Muller começa por reconhecer que o capitalismo cria riqueza, mas que ao mesmo tempo gera desigualdade.

Devo começar por dizer que a desigualdade foi criada pela natureza, e só foi a partir do que considero mal chamado capitalismo, que começou a criação de riqueza no mundo. Como bem disse Ayn Rand, “o capitalismo não criou a pobreza senão que a herdou”. Muller assinala, a meu ver corretamente, que “a desigualdade que existe hoje não depende da falta de oportunidades, senão das distintas habilidades para explorar a oportunidade”. Não obstante que reconhecesse a verdadeira causa da desigualdade, insiste na possibilidade de corrigí-la. Continua o ataque ao capitalismo e sustenta que a desigualdade e a insegurança são o caráter perene do capitalismo. Portanto, promove a necessidade da repartição, que ele considera que já se faz nos Estados Unidos através do Medicare e outros meios, e na União Européia via o estado de bem-estar. Nesse projeto ele ignora a verdadeira causa da crise econômica atual. Crise que nos Estados Unidos foi causada pela violação de princípios fundamentais do sistema, enquanto que na Europa é causada pelo sistema.

Dado que Habemus Papam, creio procedente lembrar as palavras de Leão XIII em sua Encíclica Rerum Novarum, publicada em 1891, e mais tarde aparentemente esquecida ou mesmo negada: “Na sociedade civil não podem ser todos iguais, os altos e os baixos. Afanam-se em verdade por ela os socialistas, porém esse afã é vão e contra toda a natureza mesma das coisas, porque a natureza mesma pôs nos homens grandíssimas e muitíssimas desigualdades. Os talentos não são todos iguais, nem igual o engenho, nem a saúde nem as forças, e à necessária desigualdade destas coisas segue espontaneamente a desigualdade na fortuna. A qual é por certo conveniente à utilidade dos particulares como da comunidade”.

Perdão pelo alongado da citação mas a mesma me parece transcendental ao momento em que vivemos. Leão XIII não só aceita o realismo da origem da desigualdade, senão que ao mesmo tempo aceitou o rol da mão invisível tal como a descrevera Adam Smith: “O indivíduo perseguindo seu próprio interesse freqüentemente promove o da sociedade mais efetivamente do que quando ele realmente tenta promovê-lo”. Já deveríamos ter aprendido que atualmente a desigualdade econômica converteu-se na maior desculpa moral para conseguir a desigualdade política. Quer dizer, o poder político absoluto para violar o direito do homem à busca de sua própria felicidade. Esse princípio fundamental da liberdade tal como a expôs John Locke. Conseqüentemente, viola o direito de propriedade e cria a riqueza da nova classe - Chávez, os Castro etc. - e maior pobreza na sociedade.

Alberdi já havia se dado conta desta realidade e escreveu a respeito: “O egoísmo bem entendido dos cidadãos, é só um vício para o egoísmo dos governos que formam os estados”. Atrevo-me a dizer que foi em função desse critério que o princípio do direito do homem à busca de sua felicidade fosse reconhecido subliminarmente no artigo 19 da Constituição nacional que diz:

Art. 19. As ações privadas dos homens que de nenhum modo ofendam a ordem e a moral pública, nem prejudiquem a terceiro, estão só reservadas a Deus, e isentas da autoridade dos magistrados. Nenhum habitante da Nação está obrigado a fazer o que não manda a lei, nem privado do que ela não proíbe”. Assim surge a importância do poder judiciário para determinar o que é a lei, e não se violem os direitos que a Constituição garante. A respeito, Alberdi diz igualmente: “A constituição deve dar garantias de que suas leis orgânicas não serão exceções derrogatórias dos grandes princípios consagrados por ela”. Nos tempos em que não se violava a Constituição, a Argentina competia pelos primeiros lugares do mundo. Me atreveria a considerar que se o referendum das Malvinas tivesse sido feito durante a presidência de Roca Pellegrini et al, os kelpers teriam preferido ser argentinos. Porém, chegou Perón na busca da igualdade, desconhecendo o direito à busca da felicidade e me remeto aos fatos.

Me pergunto então, até quando vamos continuar acreditando que o capitalismo é um sistema econômico, produto do mercado, e ignorar que a economia é o resultado de um sistema político baseado em uma concepção antropológica e ética, e implementada via um sistema jurídico baseado na constituição. Quer dizer, o Rule of Law. Os pressupostos são a imutabilidade da natureza humana, o direito à busca da felicidade, a mão invisível e a necessidade de limitar o poder político através da separação dos poderes. E em última instância, o rol fundamental do poder judiciário para determinar o que é a lei e que não se violem os direitos individuais que a Constituição garante. Por: Armando Ribas
Tradução: Graça Salgueiro

'PASSADO IMAGINÁRIO'


PUBLICADO NA EDIÇÃO IMPRESSA DE VEJA

Uma das últimas modas no PT, no governo e na procissão de devotos que acompanha o ex-presidente Lula é lembrar a figura de outro ex-presidente, Getúlio Vargas, para defender-se do desabamento moral em que todos estão metidos hoje. A intenção desse novo plano mestre, mencionado em documentos do partido e tema dos discursos a serem feitos nas “caravanas” que o ex-presidente planejou para este ano, é vender ao público a seguinte história: Lula e seu “projeto para o Brasil” estão sendo agredidos, em 2013, pelo mesmo tipo de ofensiva que causou a liquidação do governo de Getúlio em 1954. A primeira reação é fazer uma sequência de perguntas: “O quê? Quem? Do que é mesmo que estão falando?”. A segunda reação é constatar que, sim, o estado-maior do PT está dizendo isso mesmo: um personagem de outro mundo, de uma época morta e de um Brasil que não existe mais está de volta entre nós. Ele foi tirado do túmulo numa tentativa de convencer o público de que episódios de corrupção, sejam lá quais forem os fatos que comprovam a sua existência, são apenas uma invenção das forças antipovo para armar “golpes de estado” contra governos democráticos e dedicados à causa popular, como teria sido o de Getúlio ─ e como seriam hoje os de Lula e sua sucessora, Dilma Rousseff.

A última causa popular que empolgou o PT foi a campanha em favor da eleição do deputado Henrique Alves para a presidência da Câmara e do senador Renan Calheiros para a presidência do Senado. Naturalmente, como acontece em quase tudo o que o partido faz hoje em dia, é uma clara opção para enterrar-se mais ainda na vala comum da baixa política brasileira; Alves e Renan, sozinhos, valem por um samba-enredo completo sobre praticamente todos os vícios que fazem a vida pública nacional ser a miséria que ela é. Mas, para o PT de 2013, ambos são aliados preciosos das massas trabalhadoras, junto com Fernando Collor, Paulo Maluf, empreiteiros de obras, fugitivos do Código Penal, bilionários experientes em lidar com os guichês de pagamento do Tesouro Nacional, e por aí afora. Para o governo é tudo gente finíssima, empenhada em ajudar Lula no seu projeto de salvar o Brasil. O erro, na visão petista, é apontar o que está errado ─ aí já se trata de uma campanha que a direita reacionária, golpista e totalitária estaria fazendo contra Lula, como fez no passado contra Getúlio, com o apoio da “grande imprensa” e de “setores do Judiciário”. Sua arma de hoje, igual à de ontem, é o “moralismo” ─ delito atribuído automaticamente a quem aponta qualquer ato de imoralidade na vida pública. Getúlio, de acordo com esse sermão, foi um “mártir do moralismo”. Lula, os condenados do mensalão e toda a companheirada que frequenta o noticiário policial são as vítimas da direita moralista no momento.

Vítimas da direita? É curioso, porque aquilo que se vê parece ser justamente o contrário. Para ficarmos apenas no caso mais recente da série: que tipo de vítima poderia ser, por exemplo, a senhora Rosemary Noronha, a ex-chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo e amiga pessoal de Lula, denunciada há três meses pelo Ministério Público por crimes de corrupção passiva, formação de quadrilha, falsidade ideológica e tráfico de influência, junto com 23 outros suspeitos? Da trinca de irmãos Paulo, Rubens e Marcelo Vieira, os sócios mais visíveis de “Rose”, o primeiro era tratado pelo interessante apelido de “Paulo Grana”, conforme se constatou com a gravação de mais de 25 000 telefonemas trocados entre os membros da quadrilha. Fizeram de tudo. Conseguiram até mesmo ressuscitar o ex-senador Gilberto Miranda, dono de um espetacular prontuário aberto ainda nos tempos do governo José Sarney; imaginava-se que estivesse aposentado, mas constatou-se agora que continua na vida de sempre, metido com a privatização de ilhas e áreas públicas em volta do Porto de Santos. Ao longo desses três meses, Lula não foi capaz de dizer uma única palavra sobre o caso; não se sabe, na verdade, o que poderia ter dito. Mas toda a conversa ao seu redor apresenta as Roses, os Paulos e os Gilbertos como réplicas atuais dos alvos utilizados há sessenta anos pela campanha contra Getúlio. Moral da história: sem nenhuma explicação que possa justificar o que fazem no presente, Lula e seus aliados tentam pescar desculpas em histórias do passado. Como praticamente ninguém sabe nada sobre elas, podem contá-las do jeito que quiserem.

O normal é imaginar o futuro. O PT de hoje imagina o passado. Tudo bem, mas há dificuldades claras com esse conto ─ os fatos, teimosamente, não combinam com a lição que Lula e o PT querem tirar dele. A primeira dessas dificuldades está na simples passagem do tempo. Getúlio Vargas morreu quase sessenta anos atrás, em agosto de 1954. Só os brasileiros que hoje têm mais de 59 anos estavam vivos quando isso aconteceu; e quem, a esta altura, pode estar interessado no assunto? A imensa maioria da população não tem a menor ideia de quem foi Getúlio, e boa parte dos que sabem alguma coisa a respeito é indiferente ao personagem e à sua obra; despertam tanto interesse, hoje em dia, quanto a batalha de Tuiuti ou as realizações do regente Feijó. Mais difícil ainda, nessa tentativa de redecorar Getúlio Vargas como um santo para as massas brasileiras de 2013, é vender o homem como um político “democrático” ou “de esquerda”. É o contrário, justamente, do que mostram a razão e os fatos.

Getúlio chegou ao poder em 1930 por meio de um golpe apoiado pelos militares; derrubou o presidente Washington Luís e impediu a posse de seu sucessor legal, Júlio Prestes, de quem havia acabado de perder as eleições presidenciais. Dos dezenove anos que passou no governo, quinze foram como ditador. Seu Estado Novo criou uma censura oficial, legislava por decreto e permitia prisões sem processo. Perseguiu o movimento comunista brasileiro, que tentara derrubá-lo num levante armado em 1935, com uma selvageria que nada fica a dever aos piores momentos da repressão no Brasil. Aprovou a utilização maciça e sistemática da tortura contra presos políticos; permanece célebre, até hoje, o pedido do advogado Sobral Pinto para que fosse aplicado o artigo 14 da Lei de Proteção aos Animais em favor de seu cliente Harry Berger, militante comunista que, na condição de ser humano, foi torturado até entrar em colapso mental. A filosofia de Getúlio sobre esse tipo de problema, obedecida pela Justiça que o seu governo controlava, era bem curta. “O Estado Novo não reconhece direitos de indivíduos contra a coletividade”, resumiu ele em 1938. “Os indivíduos não têm direitos. Têm deveres.” Foi, enquanto pôde, um aliado virtual da Itália de Mussolini, de quem copiou as leis trabalhistas, e da Alemanha de Hitler, a quem apoiava negando vistos a judeus que tentavam refugiar-se no Brasil. Seu chefe de polícia e homem de confiança Filinto Müller era um aberto simpatizante do nazismo. Em 1936, ambos entregaram à Gestapo, que a mandou para a morte no campo de extermínio de Bernburg, a alemã Olga Benario, esposa do dirigente comunista Luís Carlos Prestes e presa como ele no Brasil; Olga estava grávida no momento em que foi deportada. Nenhum presidente na história do Brasil esteve tão diretamente ligado a um crime de morte, de forma tão comprovada, como Getúlio Vargas no caso de Olga Benario. E este é o homem que Lula apresenta hoje como seu herói.

Outro problema sério, que sempre aparece quando se tenta demonstrar que Getúlio Vargas foi vítima de um golpe aplicado pela direita brasileira, é encontrar o golpe. Getúlio não perdeu a Presidência da República por ter sido deposto num golpe da oposição extremista e conservadora, e sim porque se suicidou. Políticos veteranos, acostumados a enfrentar conflitos durante a vida toda, não se matam por causa de discursos da oposição, manchetes agressivas na imprensa e atos de indisciplina militar; vão à luta contra quem os ameaça. Não há dúvida de que Getúlio, em agosto de 1954 e já a caminho do fim de seu mandato, dessa vez obtido pelo voto, estava numa situação extremamente complicada. Agentes de seu governo eram acusados de crimes graves, incluindo o homicídio. Os adversários exigiam sua renúncia; cartazes com a letra “R” eram colados na fachada das residências. O principal porta-voz da oposição radical, o deputado e jornalista Carlos Lacerda, comandava no Congresso, na imprensa e na rua uma campanha incendiária por sua deposição. Havia aberta insubordinação militar; oficiais da Aeronáutica interrogavam na base aérea do Galeão, de forma francamente ilegal, funcionários de seu governo, e generais assinavam manifestos contra ele. Getúlio tinha a seu favor a lei, a popularidade e a opção de usar a força do estado para enfrentar a desordem criada por seus inimigos. Preferiu se suicidar com um tiro no peito no Palácio do Catete — aos 71 anos de idade, foi vencido por uma combinação fatal de amargura, desilusões, cansaço e depressão em estágio avançado.

O desfecho da história é bem conhecido. Getúlio foi substituído por seu vice-presidente, Café Filho, exatamente como previsto na Constituição. Um ano depois, na data marcada pelo calendário eleitoral, houve eleições livres e Juscelino Kubitschek, que não tivera a mínima participação na ofensiva contra Getúlio, foi eleito presidente da República, posto que ocupou até o fim do seu mandato. Nenhum dos inimigos políticos do presidente morto, a começar por Lacerda, jamais veio a ocupar cargo algum nos governos que se seguiram. Que raio de golpe teria sido esse, em que o presidente não é derrubado e os golpistas não põem o pé dentro do palácio? Mais difícil ainda é achar semelhanças entre agosto de 1954 e março de 2013. Não existe hoje o mínimo sinal de indisciplina militar. O governo tem maioria disparada no Congresso Nacional, onde acaba de eleger os presidentes das duas casas. Ninguém pede, nem de brincadeira, a renúncia de Dilma. A principal figura da oposição, caso se consiga encontrar uma oposição no Brasil, não é um barril de pólvora como Carlos Lacerda ─ ao contrário, é um político que poderia concorrer ao título de oposicionista mais camarada do mundo. Uma parte da imprensa, com certeza, não dá sossego ao governo. Mas não há um único jornalista ou dono de empresa de comunicação brigando para ser presidente da República.

Os lulistas condenados no mensalão tiveram sete anos inteiros para preparar suas defesas, e todos os seus direitos foram respeitados no processo. Ruídos falando em virar a mesa, até agora, só saíram do próprio PT e de gente como o malfadado Paulo Vieira, da trinca de “Rose”; foi pego numa gravação dizendo que os juízes do mensalão “não vão sair de lá ilesos”, que era preciso “parar o Brasil” e que “o negócio agora é tumultuar o processo”. Manifestações de rua, só em favor do próprio governo, com ônibus fretados, lanches grátis e camisetas que o cofre público, de um jeito ou de outro, acaba pagando. As forças conservadoras, enfim, parecem perfeitamente felizes com o governo, entretidas em comprar helicópteros, touros de raça e peruas Cayenne blindadas. Estão dentro do ministério e da base aliada. Segundo o próprio Lula, nunca ganharam tanto dinheiro como em seus dois mandatos de presidente. Golpe de direita? Getúlio? Lacerda? Não dá para ver nada disso.

Lula, com o PT atrás, fala em salvar a sua biografia, seu projeto nacional e a reputação do partido. Teriam mesmo de fazer essas coisas todas, pois áreas inteiras do governo federal viraram, nos últimos dez anos, uma espécie de cracolândia para viciados no consumo ilegal de verbas, favores e empregos públicos. Para isso, porém, precisam se defender com base nos fatos do presente. Getúlio Vargas não pode ajudá-los. Por: J. R. Guzzo Revista Veja

domingo, 17 de março de 2013

RENOVAÇÃO SOCIALISTA

A derrubada do Muro de Berlim, em 1989, acelerou um debate interno de décadas entre os partidos socialistas europeus, com diferentes níveis de abrangência e profundidade em diversos países, visando reavaliar seu posicionamento e as consequências da falência do regime de controle estatal da economia no bloco soviético.


Depois do intenso debate, a conclusão majoritária, porém não consensual, foi a de que o modelo mais eficiente, racional e capaz de gerar empregos, crescimento e riqueza aos cidadãos é o de livre competição, circulação de mercadorias e capital, no qual o correto funcionamento do sistema de preços é fundamental para direcionar a aplicação de recursos e o consumo, sem sujeitá-los a decisões arbitrárias e enviesadas.

Dentro dessa visão, os recursos obtidos com a arrecadação maior de tributos resultante do progresso e do crescimento econômico podem, além de atender às necessidades de investimentos e custeio do Estado, ser usados para finalidades sociais, como aumentos de benefícios à população e distribuição de renda, com a questão distributiva sendo completada pela tributação progressiva.

Já a visão liberal entende que uma menor tributação deixa mais recursos disponíveis para investimentos do setor privado, gerando maior retorno social pela criação de mais empregos e mais arrecadação de impostos resultante do maior crescimento.

A evolução do debate socioeconômico nas últimas décadas trouxe grande avanço na capacidade de geração de riqueza em diversas regiões do mundo, inclusive em governos socialistas, com distribuição de renda e aumento de benefícios em diversos níveis de intensidade, dependendo da inclinação política de cada governo e país.

Na América Latina, essa transformação tem tido evolução menos progressista e homogênea. Em muitas partes da nossa região, ainda não está consolidado o entendimento de que o sistema de economia de mercado é o melhor para gerar riqueza e empregos. E muitos ainda creem que os regimes socialistas são aqueles que aumentam a participação estatal na economia, promovendo estatização de empresas em alguns casos.

Nesse quadro, a América Latina, hoje, destoa da maior parte do mundo. Em vários países da nossa região ainda prevalece a visão de que o Estado é mais eficiente quando intervém na economia, especialmente nos mecanismos de fixação de preços e de alocação de recursos.

Essa é uma visão superada, mais um episódio de retrovisor quebrado na América Latina. Por: Henrique Meirelles Folha de SP

TRISTE PAÍS

Tem horas que nem sei o que dizer. Será que esse país não vai ter jeito nunca?

Lembro bem; era um domingo de sol em outubro ou novembro de 1955, e acordei com o rádio noticiando que o hotel Vogue estava pegando fogo.

O Vogue era na Princesa Isabel, no Rio, e no andar térreo funcionava a boate mais famosa da cidade.

Era lá que se encontravam os políticos (a capital da República ainda era aqui), as beldades e o high society em geral. Não havia jantar, coquetel, festa, que não terminasse no Vogue, onde as crooners eram Linda Batista e Araci de Almeida, olha que luxo; às vezes aparecia Dolores Duran para dar uma canja.

Só saiamos de lá com o sol raiando, e vivíamos intensamente os anos dourados, onde se nem todos eram felizes, todos pareciam ser. Foi a melhor boate que o Rio já teve.

No dia do incêndio a cidade inteira foi para a porta do hotel. Ou pelo menos todos os amigos dos que lá moravam. A agonia foi lenta, durou horas. As escadas do hotel eram forradas de madeira, o que ajudou o fogo a rapidamente chegar ao último andar (eram 12).

Como num incêndio não se pode usar o elevador, e pelas escadas em chamas ninguém podia descer, ficaram todos em seus quartos esperando por um milagre, o que não aconteceu. Chegaram os bombeiros, mas suas escadas iam só até o 4º andar; um boêmio muito conhecido na época, o Dantinhas, teve sangue frio para conseguir se salvar.

Ele pegou os lençóis, amarrou um no outro, molhou, para que os nós não se desfizessem, se vestiu inteiro -conta a lenda que não se esqueceu nem de botar a pérola na gravata- e desceu pelos lençóis até encontrar, mais abaixo, a escada dos bombeiros.

Foi o único que se salvou (e quando chegou na rua não falou com ninguém; foi para um bar ali perto, onde tomou uma garrafa de uísque inteira).

Os recém casados Glorinha e Waldemar Schiller foram encontrados abraçados, mortos, dentro da banheira, e duas pessoas se jogaram da janela, entre elas um cantor americano que fazia o show do Vogue naquele momento. Foi uma tragédia que abalou o Rio de Janeiro; quem viu nunca esqueceu.

Promessas foram feitas pelo chefe do Corpo de Bombeiros, pelas autoridades; aquilo havia sido uma lição, nunca mais nada de parecido aconteceria. Pois esta semana, 57 anos depois, a história se repetiu.

Um prédio no Leblon pegou fogo -e a tragédia só não foi maior porque o prédio tinha apenas quatro andares. Mas um casal não resistiu às chamas, se atirou e morreu- ela com 33 anos, ele com 57; eles pareciam muito felizes.

A assessoria do Corpo de Bombeiros declarou que no Rio existem apenas três unidades que têm plataformas e escadas; escadas tão curtas que nem chegam ao quarto andar. E o hidrante não tinha água, claro.

Dizer o quê? Que o Brasil continua o mesmo de 57 anos atrás, que ninguém faz nada para melhorar os serviço mais elementares, que os bueiros explodem, as escadas dos bombeiros são pequenas, mas que, segundo nossos dirigentes, o Brasil -o Rio, sobretudo- está bombando?

O governador declarou que o socorro foi de padrão internacional, que tal? Claro, ele deve estar comparando com Paris, onde passa a maior parte do tempo; já o nosso prefeito só pensa em carnaval, em samba, em alegria. Eu preferia ter um prefeito e um governador mais sérios, que cuidassem mais da nossa cidade e de seus habitantes.

Aliás, não me consta que o prefeito esteja estudando uma solução para os blocos, que este ano passaram de todos os limites; ele acha que é legal uma cidade animada.

Tem horas que nem sei o que dizer. Será que esse país não vai ter jeito nunca? As escadas dos bombeiros eram e continuam sendo pequenas? Então, feche-se o Corpo de Bombeiros, por sua inutilidade.

E aproveitando o embalo, fecha-se Brasília. Por: Danuza Leão Folha de SP