segunda-feira, 22 de abril de 2013

TOMATES, PEPINOS E JUROS

Há uma síndrome que costu­ma acometer as autorida­des brasileiras quando se trata de inflação: a dificul­dade em perceber que se trata de um esporte coletivo.

A inflação não é fruto de jogadas individuais que encantam ou irritam torcedores e dirigentes, de vilões ou heróis facilmente identificáveis, mas do trabalho de uma equipe muito grande manobrando atabalhoada­mente um transatlântico.

A confusão parece se ampliar em tempos recentes por outra síndrome, esta de natureza pós-moderna, a do "protagonismo". Não há dois parágrafos seguidos de qualquer tex­to sobre a diplomacia brasileira sem ao menos uma incidência de "prota­gonismo". Assim como o Banco Cen­tral se encantou com "resiliência", que usava como uma espécie de autoelogio, e agora, desafortunadamente, pare­ce se aplicar muito mais à inflação que ao PIB.

O fato é que "protagonismo", em opo­sição à delegação e representação, tem sido um dos mantras do novo ativismo social do qual o movimento "Occupy" é um dos maiores exemplos. É a democra­cia direta, a linguagem horizontal, a fala das ruas e das redes sociais. O ativista é o sujeito da ação emancipatória, a histó­ria resumida à sua própria conduta. È a "performance" que se esgota em si mes­ma, visando a mídia e não a ação legislati­va conseqüente. Essa é inspiração dos nossos diplomatas, o protagonismo do Brasil. Já o do tomate, que já foi capa de revista, pode ser efêmero ou não, depen­dendo do que vier a seguir.

Claro que há um erro basilar nesse raciocínio que associa a inflação às hortaliças: sempre vai haver o feijão cario­ca, a batata inglesa e o chuchu crescen­do muito mais que a média dos outros preços, enquanto outras coisas registra­rão variações negativas. O próprio toma­te esteve a 40 centavos o quilo não faz tanto tempo.

Uma vicissitude das médias é a de reunir em torno de si diversas observa­ções formando um gráfico em forma de sino. A designação técnica para os extremos da distribuição de frequência é "cauda", o que serve também para des­crever a origem dos tomates vendidos no Brasil acima de R$ 12: eles vêm de Urumqi, na China, a localidade que os­tenta. o recorde de maior distância de qualquer porto marítimo. É desse lugar que o país dotado de mais área agricultável do mundo importa seus tomates. Algo deve estar errado, não?

Mas não vamos nos perder no detalhe pitoresco. O essencial é que a inflação é um esporte de massa, um processo cole­tivo, que envolve o todo, que em maté­ria econômica, costuma ser amplamen­te maior que as partes. É exatamente nesse sentido que se diz que a inflação é uma doença caracterizada pelo aumen­to generalizado dos preços. A palavra- chave aqui é justamente o "generaliza­do", que expressa a natureza social do processo. Os fenômenos sociais, no di­zer, de um dos protagonistas (oops) da sociologia, Emile Durkheim, são exte­riores às consciências individuais e sua natureza tem a ver com o coletivo, cuja identidade é singular e diversa daquela de suas partes componentes.

Essa é a explicação "sociológica" para o fato de a inflação permanecer imune aos truques como o controle de alguns ou mesmo de todos os preços, e também às manipulações estatísticas: a ten­tativa de encobrir manifestações indivi­duais, ou a evidência amostrai, não in­terfere com o fenômeno social.

As causas da inflação são tão conheci­das que até os apóstolos não aguentam mais repetir. Quem quer ouvir sobre o "rombo"nas contas públicas? Isso sim é um pepino, o principal item da cesta bá­sica de qualquer autoridade, lidar com gastos excessivos. Faz lembrar uma óti­ma frase de Giro Gomes ao deixar o Mi­nistério da Fazenda: "Convencer gover­nadores a reduzir despesa é como expli­car o significado do Natal ao peru."

A heterodoxia está prevalecendo, en­tre outras razões, em face do tédio à controvérsia, ou ao cansaço em rebater a pseudociência. A contabilidade criati­va, o voluntarismo e o "corpo a corpo" reconquistaram o protagonismo (não resisto) de outrora, vejam quem são os interlocutores da presidente, os especialistas consultados. Por isso, talvez se diga que estamos revivendo o governo Geisel, inclusive com alguns persona­gens em comum.

Noutra época, as teses ortodoxas so­bre a inflação eram acusadas de "fundamentalismo", uma designação pejorati­va para o truísmo segundo a qual as febres derivam das infecções. A ideia pode parecer óbvia, e é, mas alguém precisa dizê-lo à presidente. Pergunte- se ao nosso campeão Bernardinho sobre a receita para o sucesso em espor­tes coletivos: domínio dos fundamentos (sic), perícia técnica e trabalho de equipe (grifos meus). Era com ele que a presidente deveria estar con­versando, em vez de flertar com a medicina alternativa e com a expe­riência pregressa em lidar com horta­liças indisciplinadas.

É preciso esclarecer, todavia, que o aumento nos juros não é o exercício do "fundamentalismo". A política monetária é uma espécie de antitérmico, e não funciona como antibióti­co. É o recurso que sobra quando o governo se abstém de tratar das coi­sas fundamentais ou as conduz de forma equivocada, como tem feito com a nossa política fiscal. A ideia que o problema do crescimento se resolve assinando cheques, ou peda­ços de papel pintado, é tão tosca co­mo dizer que o problema social é um problema de polícia.

Diante desse quadro, entretanto, não há alternativa: o Banco Central assumirá o ônus de reduzir a febre causada pela gastança e atrairá para si a zanga do "setor produtivo", quan­do os verdadeiros culpados estão bem escondidos no emaranhado opa­co em que se tornaram as nossas con­tas públicas. Por: Gustavo Franco O Estado de S Paulo

domingo, 21 de abril de 2013

ÚLTIMA DÚVIDA

Por que falam tanto mal da ditadura Hugo Chávez, contrastando-a com a linda democracia brasileira, quando o próprio sr. Luís Inácio Lula da Silva confessou que o Foro de São Paulo, sob o seu comando, foi o criador dessa aberração e o responsável pela sua manutenção no poder?

Desde que o PT começou a despejar no Youtube os vídeos das assembléias do Foro de São Paulo (http://www.youtube.com/watch?v=qgtsizVyKDA e subseqüentes), só resta uma última dúvida essencial quanto a essa sinistra entidade: saber se aqueles que durante dezesseis anos negaram a sua existência ou menosprezaram a sua força política fizeram isso por inépcia pura ou por deliberada cumplicidade com uma operação golpista que, na época, precisava desesperadamente do segredo para poder crescer em paz e dominar todo um continente sem que este se desse conta do que estava acontecendo.

Na primeira hipótese, devem ser excluídos de seus altos cargos nos órgãos de mídia, se não da profissão jornalística em geral.

Na segunda, devem ser processados e punidos pela maior fraude jornalística da história deste país.

Incluo nessa dúvida cruel aqueles que, quando a ocultação foi se tornando cada vez mais inviável, depois do III Congresso do PT em 2007, passaram a falar do Foro como se fosse notícia banal e de domínio público, sem nem mesmo pedir desculpas aos leitores por havê-los mantido por tanto tempo na total ignorância daquilo que, nas sombras, ia decidindo o destino político desta nação e de muitas outras – o destino de centenas de milhões de seres humanos.

Porém o mais asqueroso nessa história não é que esses indivíduos tenham assim procedido. Incompetentes nasceram para errar, mentirosos nasceram para mentir. Como na piada do escorpião e do pato, está na sua natureza. O mais asqueroso é que os leitores, sabendo-se ludibriados, cientes do proveito político e financeiro que tantos obtiveram do engodo, não se mobilizem nem mesmo para exigir uma explicação, quanto mais para punir os que os enganaram. Por que, depois de receber tantas provas de uma desonestidade jornalística completa e pertinaz, continuam comprando, lendo e até acreditando em jornais que não servem nem como papel higiênico, pois sujariam os traseiros em que se esfregam? Por que não enviam ao menos uma queixa, por modesta que seja, à Delegacia do Consumidor? Por que se deixam engabelar tão servilmente, quase alegremente, pelo mais cínico e monumental dos engodos, ao mesmo tempo que se dizem tão inconformados, tão indignados quando um deputado ou vereador lhes impinge uma treta imensuravelmente menor e menos danosa?

Por que reclamam tanto do Mensalão, quando é patente que os lucros totais da trama continental urdida em silêncio ultrapassam milhares de mensalões e que sem ela não teria podido haver Mensalão nenhum?

Por que falam tanto mal da ditadura Hugo Chávez, contrastando-a com a linda democracia brasileira, quando o próprio sr. Luís Inácio Lula da Silva confessou que o Foro de São Paulo, sob o seu comando, foi o criador dessa aberração e o responsável pela sua manutenção no poder?

Quando um povo perde tão completamente o senso das proporções na avaliação dos delitos e traições, é porque já não tem nenhuma capacidade de governar-se a si mesmo, é porque já perdeu a vergonha de entregar-se, inerme, sonso e dócil, nas mãos dos embusteiros e vigaristas que aprendeu primeiro a temer, depois a respeitar, por fim a amar e idolatrar. E, quando chega a esse ponto, já não há mais como defendê-lo. Para ocultar a culpa do crime que comete contra si mesmo, ele se voltará contra quem se erga em sua defesa -- e o devorará.

ARITMÉTICA
O sr. Eduardo Galeano louva como suprema realização de Hugo Chávez a alfabetização de dois milhões de crianças. Realização tão majestosa, diz ele, que despertou contra o ditador venezuelano o ódio dos EUA. Deixemos de lado a hipótese, entre insana e pueril, de que o governo Obama tivesse interesse vital no analfabetismo venezuelano. O pitoresco no episódio é o aspecto quantitativo. O jornalista uruguaio, que escreve como um ginasiano, prova que em aritmética não passou do primário, se é que esteve lá. Dois milhões de crianças, em quinze anos de governo, são rigorosamente nada. O Brasil, que não é nenhum primor em matéria de educação, alfabetiza mais de dez milhões por ano.

MACHISTAS
A ânsia perversa de criminalizar quem não podem vencer num confronto de idéias é, como já assinalei, uma das marcas mais características das mentes esquerdistas. Numa revistinha muito chinfrim, chamada Fórum, uma repórter de QI 12 me apresenta como mentor influentíssimo de um grupo de machistas psicóticos que adoram tratar mulheres a tapas e pontapés – o mesmo grupo que há anos expulsei da minha comunidade no Orkut precisamente porque insistia em invadir aquele espaço para ali ensinar essa mimosa prática.

Em comentário, uma feminista enragée informa até que estou sendo investigado pela Polícia Federal pela minha participação – telepática, suponho -- nessa quadrilha de patetas furiosos. Se fosse verdade, seria boa notícia: antes a polícia vir me procurar do que eu ter o trabalho de ir até lá para prestar queixa contra as duas vagabundas.

FEMINISTAS
Uma coisa notável nas feministas mais brabas é sua crença cega de que quem quer que critique o seu movimento é um machista, virtual agressor de mulheres, no mínimo um adorador do próprio pênis. Nenhuma delas parece ter a menor noção de que, do ponto de vista cristão – o mais conservador, e portanto a seus olhos o mais abominável -- tanto o feminismo quanto o machismo são pecados abjetos, de vez que não passam do bom e velho “orgulho da carne” apresentado em duas versões aparentemente antagônicas. Mutatis mutandis, o mesmo aplica-se a “orgulho gay” e “orgulho hetero”. Tudo isso são marcas de uma doença moral horrível, sintoma de uma época que cultiva a baixeza como um título de glória. Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.




"ESSA COISA DE SOCIEDADE NÃO EXISTE"

“We built it” (nós construímos isso) – a frase, estampada nas telas e entoada pelos delegados, foi o tema central da convenção republicana do ano passado. Os republicanos estavam dizendo que os empresários criam seus negócios pelos próprios esforços e nada devem a ninguém. Mitt Romney, o candidato escolhido, extraiu um corolário negativo da mensagem, sintetizando-o no célebre parágrafo sobre os “47%”, registrado por uma câmera clandestina num jantar fechado de coleta de fundos: 47% dos americanos votariam em Barack Obama em qualquer circunstância, pois são “dependentes do governo” e “acreditam-se vítimas”. Como um maestro oculto na coxia, o vulto de Margaret Thatcher regia a orquestra republicana – e, por oposição, também a democrata.

No 10, Downing Street, sede do governo britânico, em setembro de 1987, a primeira-ministra concedeu uma entrevista à revista feminina Woman’s Own. Confrontada com uma pergunta confusa sobre a ganância e os yuppies da City, ela disse que nada havia de errado com o desejo de ganhar sempre mais dinheiro e, na sequência, delineou seu credo filosófico: “Acho que atravessamos um período no qual muitas crianças e pessoas foram levadas a acreditar que, se tenho um problema, é a missão do governo resolvê-lo ou que conseguirei uma subvenção para lidar com ele ou que, se sou um sem-teto, o governo deve dar-me moradia – de tal modo que essas pessoas estão arremessando seu problemas sobre a sociedade. Mas o que é a sociedade? Não existe essa coisa. O que existe são homens e mulheres, indivíduos, e famílias (…)”.

Thatcher não inventou essa crença, mas inscreveu-a com letras de fogo na cena política do pós-guerra. Ronald Reagan, eleito presidente dos EUA um ano depois da ascensão da “revolucionária conservadora” britânica, certamente subscreveria sua passagem sobre a “sociedade”. A polêmica que marcou as últimas eleições americanas não foi deflagrada por Romney, mas por Obama, semanas antes da convenção republicana, num discurso de improviso na Virginia. No fundo, o presidente respondia a Thatcher e a Reagan: “Se você foi bem-sucedido, não chegou lá por conta própria. Se você triunfou, alguém no caminho lhe deu alguma ajuda. Houve um grande professor em algum ponto de sua vida. Alguém ajudou a criar esse inacreditável sistema americano que permite que você prospere. Alguém investiu em estradas e pontes. A internet não nasceu espontaneamente. A pesquisa financiada pelo governo criou a internet, de modo que todas as empresas pudessem lucrar com ela. Quando alcançamos sucesso, triunfamos por nossa iniciativa individual, mas também porque fizemos coisas juntos”.

Thatcher não era rica nem defendia os privilégios de casta numa Grã-Bretanha que por tanto tempo acreditara nas distinções de berço e de sangue. Seu primeiro triunfo eleitoral decorreu do esgotamento do modelo de “República sindical” esculpido por sucessivos governos trabalhistas. Os britânicos não aguentavam mais a combinação de estagnação e inflação oferecida por social-democratas presos nas teias dos compromissos sindicais. Thatcher erguia o estandarte do “capitalismo popular”, uma ideia que renovou o Partido Conservador e década e meia depois, com o advento de Tony Blair, acabou provocando uma reinvenção vital do Partido Trabalhista.Obama tinha razão – e poderia acrescentar que a nova revolução energética em curso nos EUA deriva de pesquisa básica pública nos campos do fraturamento hidráulico e da perfuração horizontal. Mas, de certo modo, Thatcher também estava com a razão ao traçar círculos de giz em torno do indivíduo e da responsabilidade individual. A fé cega na “sociedade” fabricou corpos sociais fragmentados em fortalezas corporativas, vincados pelas linhas férreas das regulamentações e dos privilégios, entorpecidos sob uma pesada manta de garantias intocáveis. A Itália e a Grécia, entre tantos outros casos, evidenciam a virulência dessa enfermidade que arruína a capacidade de inventar e inovar das nações.

Segundo uma lenda persistente, Thatcher e Reagan inauguraram o “neoliberalismo”. Em 1964 os gastos públicos britânicos representavam 38% do PIB. Durante a “era Thatcher”, entre 1979 e 1990, retrocederam de 45% para 39% do PIB. Em 2009, no ponto de partida da crise atual, estavam de volta à marca dos 48%, perto do recorde histórico, atingido em 1975. Hoje giram em torno de 43%, ainda acima do patamar thatcherista. Nenhuma utopia sobre o Estado mínimo tem o poder de fazer a História retroagir aos anos 1920, suprimindo o Estado de bem-estar erguido paulatinamente desde a Grande Depressão. Essa “coisa de sociedade” certamente existe, mas essa coisa de “neoliberalismo” não passa de uma fraude intelectual primitiva.

A dinâmica política das sociedades abertas articula-se como um debate incessante sobre os argumentos de Thatcher e de Obama. O capitalismo contemporâneo diferencia-se, no espaço e no tempo, ao sabor das oscilações eleitorais entre o “partido do indivíduo” e o “partido da sociedade”. Dois anos depois da entrevista de Thatcher à Woman’s Own, a queda do Muro de Berlim assinalou o colapso do “socialismo real”. O sistema soviético não tinha lugar nem para o indivíduo nem para a sociedade – mas unicamente para um Estado totalitário que sufocava tanto a criatividade individual quanto os direitos sociais.

Dominic Phillips, um jornalista de esquerda que pedia a cabeça de Thatcher durante a greve dos mineiros de 1984, escreveu o seguinte, um quarto de século mais tarde: “Ainda odiamos Margaret Thatcher. Mas ela me legou ambição e oportunidade. E não só a mim. Aprendemos que nossa carreira profissional era nossa responsabilidade mesmo. E, por isso, também a agradecemos”. Desconfio que ela emolduraria esse elogio de alguém que acredita nessa “coisa de sociedade”, preferindo-o às homenagens convencionais dos estadistas. Por: Demétrio Magnoli Fonte: O Estado de S. Paulo, 11/04/2013

EU TIVE UM SONHO

Adormeci e comecei a sonhar. Sonhei que o espírito de Thatcher havia reencarnado na presidente brasileira. Imediatamente, ela fez uma coletiva de imprensa para anunciar, sem rodeios, que era uma liberal convicta, defensora das liberdades individuais e do livre mercado.


O grande inimigo era o coletivismo, a ideia de que a “sociedade”, esse ente abstrato, é mais importante do que indivíduos de carne e osso, transformados, em todo regime socialista, em meios sacrificáveis para o “bem geral”. Seu foco seria, a partir de agora, preservar a liberdade no âmbito individual, com sua concomitante responsabilidade.

O “Estado Babá” seria coisa do passado. O paternalismo daria lugar a um modelo com ampla liberdade, onde cada um assume as rédeas da própria vida e arca com os riscos de suas escolhas. A Anvisa, por exemplo, teria seu poder arbitrário drasticamente reduzido. O poder seria transferido para cada um de nós.

Uma guerra foi declarada contra as máfias sindicais, que mantinham o povo refém de suas ameaças e greves. Em vez de recuar na primeira tentativa tímida de reformar os portos, ela enfrentava os sindicatos e abria as fronteiras para a concorrência, beneficiando milhões de consumidores.

A inflação seria outro alvo prioritário. Ameaçando sair de controle, ela seria combatida com uma forte redução dos gastos públicos, assim como da farra creditícia dos bancos estatais. O espírito de Thatcher focava nas próximas gerações, não nas próximas eleições.

A presidente sabia que o setor privado é infinitamente mais produtivo e eficiente. Os mecanismos de incentivo fazem toda a diferença. A busca pelo lucro é uma força propulsora sem igual para a inovação e excelência. Foi anunciada a retomada de um amplo programa de privatizações, começando pela Petrobras, cujas ações seriam pulverizadas, e cada brasileiro receberia a sua parcela de fato.

Poucos anos após essa medida, a Petrobras não precisava mais importar gasolina, o país era autossuficiente e tinha combustível mais barato. Os cofres públicos ficaram abarrotados com tantos impostos pagos pela maior lucratividade, e sobravam recursos para segurança e infraestrutura. A empresa deixara de ser cabide de empregos para aliados políticos.

A presidente repetia que o país precisava de mais milionários e mais bancarrotas. O mercado deve funcionar sem tanta intervenção estatal. O governo não usaria mais o BNDES como hospital de empresas, nem para selecionar os “campeões nacionais”. Quem planejou mal e investiu errado tinha que ir à falência mesmo. Faz parte do capitalismo. Mesmo se tiver X no nome da empresa!

A postura geopolítica mudara radicalmente também. Era chegada a hora de não ser mais negligente com governos vizinhos que burlavam acordos e contratos. Os interesses partidários e ideológicos dariam lugar aos verdadeiros interesses do povo brasileiro.

Os “bolivarianos” não teriam mais no governo brasileiro um cúmplice de seus projetos socialistas fracassados. Afinal, a presidente, graças ao espírito de Thatcher, havia aprendido que o problema do socialismo é que você eventualmente acaba com o dinheiro dos outros. Como ele não é capaz de criar riqueza, as punições impostas a quem efetivamente produz acabam afugentando os responsáveis pelo progresso da nação.

Quando os jornalistas a chamaram de “presidenta” e tentaram associar sua coragem ao fato de ela ser uma mulher, a presidente interrompeu, rejeitando o uso da cartada sexual. O que importa é o mérito, não o gênero ou a cor da pele. Ela estava cansada da “marcha das minorias oprimidas”, sedentas por poder. Até porque seu novo espírito era o de uma filha de quitandeiro humilde, que nunca precisou usar isso para chegar ao poder.

Eu já tinha um largo sorriso estampado no rosto durante esse sonho, quando uma voz começou a invadi-lo. No começo, era um som baixo e incompreensível, mas aos poucos ele foi aumentando e se tornando mais nítido. Por fim, percebi do que se tratava: um discurso na TV da presidente Dilma.

Ela estava justificando o baixo crescimento, a alta inflação, a desistência da reforma dos portos, a falta de eficiência da Petrobras, a ampliação das cotas raciais, o aumento do programa de esmolas estatais para os mais pobres, o resgate de grandes empresas quase falidas. O sorriso logo de desfez, e uma lágrima escorreu pelos meus olhos.

Aquilo era apenas um sonho. Thatcher estava morta, e seu espírito nunca nos deu o ar de sua graça. Como eu desejei regressar àquele sonho! Restava-me lutar para transformá-lo em realidade. Algum dia...  Por: Rodrigo Constantino  O Globo


sábado, 20 de abril de 2013

ESPÍRITO DE ÉPOCA

Meus colegas libertários podem perguntar porque nascimentos fora do casamento estão relacionados com a destruição do capitalismo. A resposta é simples. O Estado de bem-estar social alimentou essa catástrofe social da orfandade paterna.

Por que o livre mercado está recuando e por que o Estado está sempre avançando? Em tempos passados era óbvio a todos que a única garantia da prosperidade era a liberdade. Hoje as pessoas acreditam que o governo pode resgatar todos da pobreza. Só que agora o governo está secando a economia até a última gota, pois ele se tornou o grande monstro consumidor que pisoteia o mercado e desmoraliza o investimento. Uma pergunta tem de ser feita: Por que o mercado não conseguiu se defender satisfatoriamente? Acredito que a resposta está no espírito da épica e nas condições que possibilitaram a ascensão desse espírito.

Na parte final do livro The Strange Death of Marxism, de Paul Gottfried, há uma breve explicação sobre o declínio da sociedade de mercado, que logo recai para uma "democracia administrada". Gottfried escreve que "A consolidação de um estado administrativo que apela à ideia de oferecer serviço ao povo por meio de uma gestão 'científica', selou o destino da sociedade a qual ele tomou conta. O novo regime se apropriou das funções da família vitoriana e passou a mediar as relações entre pais e filhos e de casais em disputa; eventualmente ele passou a presidir uma sociedade de consumidores descuidados e desenraizados."

Deve-se admitir que Gottfried está na pista certa quando ele escreve sobre o "novo regime" que se apropria das funções da família vitoriana. Eis a chave para se entender tudo que está acontecendo nos dias de hoje. Além disso, o novo regime "administrado" teve como seu maior e mais decisivo feito a aniquilação do pai de família. Se alguém duvida do impacto dessa revelação, considere a estatística de 2010 do CDC dizendo que 40.8% de todos os nascimentos provém de mulheres solteiras.

Meus colegas libertários podem perguntar porque nascimentos fora do casamento estão relacionados com a destruição do capitalismo. A resposta é simples. O Estado de bem-estar social alimentou essa catástrofe social da orfandade paterna. Por conta de o pai não ser mais necessário e o novo regime prometer dar apoio a todos que passarem por necessidades, a sociedade se transformou e o espírito da época já não é mais capitalista. Ele é agora estadista. E agora, ao invés de milhões de pais tomando conta dos seus filhos e esposas, temos o governo no lugar. Isso é verdade pelo menos em princípio, pois em última análise pode se dizer que todas mulheres têm um verdadeiro e firme esposo. Esse esposo é o Estado.

O capitalismo é um sistema de propriedades, e a paternidade é a fonte permanente da propriedade. Isso está melhor exposto na sábia obra de Stephen Baskerville, cujo artigo recente, "Porquê estamos perdendo a batalha pelo casamento" explica que "o casamento existe para ligar o pai à família". O casamento, segundo ele, não é uma instituição de gênero neutro. É a propriedade do pai que estabelece a família como unidade econômica e que possibilita a regeneração da função materna. Sem essa propriedade não pode haver capitalismo, propriedade efetiva ou uma firme base para sustentar a economia nacional.

Como mostra Baskerville, onde quer que a paternidade seja descartada ou diminuída, vemos "matriarcados empobrecidos e dominados pela criminalidade e pelas drogas". Ao fazer o papel de proprietário, o estado se torna pai desses "matriarcados". De acordo com Baskerville, "sem a autoridade paterna, adolescentes viram selvagens e a sociedade descende ao caos". Naturalmente, o estado tem um número cada vez maior de razões para intervir na sociedade e, por conseguinte, na economia. O que muitos defensores do capitalismo não conseguiram entender é que a conexão existente entre a autoridade paterna e o livre mercado. Eles não conseguiram entender que a erosão do patriarcado significa o surgimento de um estado leviatã (isto é, um governo cujo controle sobre a economia é cada vez maior — o socialismo).

A erosão do patriarcado não é acidente. Ela foi levada a cabo pelas cortes, que por meio de sentenças violaram os direitos de propriedade. Conforme explicado por Baskerville, o divórcio é o primeiro passo na destruição da liberdade: "Assim como o casamento cria a paternidade, o divórcio deliberadamente a destrói. As cortes de divórcio são, em grande parte, um método para saquear e criminalizar os pais — homens que não são acusados de crime nenhum, porém criminalizados pelos procedimentos que literalmente e legalmente não atribuem culpa alguma a eles." Baskerville acrescenta que "Com os atuais métodos formulados contra o homem, nenhum em sã consciência irá casar e formar uma família. Nenhuma pressão de um moralista de poltrona [...] será suficiente para persuadir o homem a entrar em um casamento que é sinônimo de [...] expropriação e encarceramento".

Portanto, se voltarmos às colocações de Gottfried as quais ele descreve o atual regime como um estado se apropriando das "funções da família vitoriana", podemos encontrar uma ligação perigosa entre o colapso do livre mercado e o colapso dos lares biparentais. Dos destroços da instituição familiar, surge agora uma nova ideologia multicultural. Com a família burguesa destruída e a propriedade paterna descartada, não há nada além da administração burocrática dos destroços humanos — das crianças sem pai e das mães necessitadas de apoio estatal. Uma vez dentro desse regime, diz Gottfried, não há volta. "Os pré-requisitos sociais para um retorno ao passado, mesmo que num sentido limitado, como a volta dos papéis de gênero e um estado de bem-estar social constitucionalmente limitado como era em meados do século XX deixam de existir". O establishment midiático e educacional "alteraram a moralidade social".

Esse último assunto deve ser profundamente entendido antes de entendermos o próximo —e mais devastador — assunto colocado em pauta por Gottfried; nomeadamente, que o novo regime se estabeleceu como moralmente superior ao sistema que ele destruiu, e que essa superioridade moral é baseada na ideia de que a mídia e os educadores estão "libertando" indivíduos oprimidos da intolerância, da ignorância, da desigualdade e das injustiças do patriarcado. Segundo Gottfried, a Europa está mais susceptível a esse regime do que os Estados Unidos. E se olharmos para a falência da Europa e considerarmos a iminente falência da América, há apenas uma diferença de meses — ou poucos anos — entre o colapso daquele continente e deste país.

Por que o livre mercado está recuando e por que o Estado está sempre avançando? Nós mudamos a sociedade desde as suas fundações. Fizemos isso sem olharmos para o todo. Eis o espírito da época. O que se segue e ó cataclismo da época. POR JEFFREY NYQUIST Publicado no Financial Sense.
Tradução: Leonildo Trombela Júnior

A HISTÓRIA INVERTIDA

Os soviéticos foram sempre os campeões absolutos no recrutamento de jornalistas. Nos EUA, hoje conhecem-se um por um os nomes daqueles que, na mídia americana, serviram à KGB e ao GRU (serviço secreto militar).

No Brasil, esse capítulo da história do nosso jornalismo é ainda um tabu.

O confronto entre militares e terroristas na América Latina dos anos 60-70 foi um episódio da Guerra Fria, onde os atores locais, sem prejuízo de suas convicções e decisões próprias, ecoavam, em última instância, as estratégias respectivas das duas grandes potências em disputa: os EUA e a URSS.

Nada do que então se passou no continente pode ser compreendido sem ter isso em conta.

Se perguntarmos qual dos dois protagonistas estrangeiros interferiu mais profundamente no cenário latino-americano, a única resposta honesta é: a URSS.

Do ponto de vista militar, isso é de uma obviedade gritante. Os EUA jamais chegaram a ter, na época, quarenta mil soldados, quinze mil técnicos em armamentos, setecentas baterias anti-aéreas, 350 tanques e cento e tantos mísseis balísticos intercontinentais instalados em nenhum dos seus países aliados na América Latina, como a URSS teve em Cuba já a partir de 1962 na chamada “Operação Anadyr”. (v. Gus Russo and Stephen Molton, Brothers in Arms. The Kennedys, the Castros and the Politics of Murder, New York, Bloomsbury, 2008, p. 158, e http://www.russianspaceweb.com/cuban_missile_crisis.html).

No que diz respeito à espionagem propriamente dita, a superioridade soviética surge ainda mais nítida no caso do Brasil em especial. Nada do que a CIA ou qualquer outro serviço secreto norte-americano possa ter feito aqui se compara às proezas da KGB, que chegou a instalar um grampo no gabinete do presidente João Figueiredo (v. George Schpatoff, KGB. História Secreta, Curitiba, Juruá, 2000, pp. 381 ss.), interceptar 21 mil mensagens sigilosas do nosso Ministério das Relações Exteriores e ter a seu serviço, como agente pago, nada menos que um embaixador brasileiro em Moscou (v. Christopher Andrew and Vasili Mitrokhin, The World Was Going Our Way. The KGB and the Battle for the Third World, New York, Basic Books, 2005, p. 105).

Se daí passamos ao campo das chamadas “medidas ativas” (desinformação, infiltração, guerra psicológica, agentes de influência etc.), a supremacia soviética no Brasil daqueles anos assume as proporções de um poder absoluto e incontrastável. Em 1964, a KGB tinha várias dezenas de jornalistas brasileiros na sua folha de pagamentos (confissão do próprio chefe da agência soviética no Brasil, Stanislav Bittman, em The KGB and Soviet Disinformation: An Insider’s View). Que o número deles se multiplicou nos anos seguintes não é algo de que se possa duvidar. Muitos jornalistas brasileiros, naquele período, fizeram estágios na URSS, na China, na Tchecoslováquia, na Alemanha Oriental, na Polônia e em Cuba. Uns poucos gabam-se disso até hoje, seguros de que o público amestrado já não verá aí o menor motivo de suspeita. Mas naqueles países, onde todos os órgãos de mídia nada mais eram do que extensões da polícia secreta, é quase impensável que algum jornalista estrangeiro fosse admitido sem ser em seguida recrutado como agente de influência. Como assinalam John Earl Haynes, Harvey Klehr e Alexander Vasiliev em Spies: The Rise and Fall of the KGB in America (Yale University Press, 2009), os soviéticos foram sempre os campeões absolutos no recrutamento de jornalistas. Nos EUA, hoje conhecem-se um por um os nomes daqueles que, na mídia americana, serviram à KGB e ao GRU (serviço secreto militar). No Brasil, esse capítulo da história do nosso jornalismo é ainda um tabu, mas é evidente que sem ele nada se compreende do período, principalmente porque em plena ditadura militar os comunistas chegaram a controlar praticamente toda a grande mídia no país (v.http://www.olavodecarvalho.org/semana/111124dc.html, http://www.olavodecarvalho.org/semana/111125dc.htmle http://www.olavodecarvalho.org/semana/111130dc.html) e a dominar também o mercado livreiro através das suas grandes casas editoras (Civilização Brasileira, Brasiliense, Vitória etc.). Nem falo, é claro, dos agentes de influência que vindo do bloco soviético se espalharam pelos EUA e pelas democracias européias, forjando aí a imagem demoníaca do governo brasileiro que acabou por se consagrar como dogma internacional inabalável. 

O conjunto forma uma orquestra formidável, ao lado da qual a voz do imperialismo ianque mal soava como o miado de um gatinho doente. Ao longo de toda aquela época, e depois mais ainda, tanto os EUA quanto o governo brasileiro se abstiveram de fazer qualquer esforço sério para ganhar os “corações e mentes” dos formadores de opinião neste país. Em plena ditadura, os jornalistas “de direita” nas redações contavam-se nos dedos das mãos e eram abertamente hostilizados por seus colegas.

Por fim, até hoje não se fez uma avaliação razoável da quantidade de recursos mobilizados pelas ditaduras de Cuba, da China, da URSS e seus países satélites para treinar, equipar e financiar não só os terroristas brasileiros mas os militantes encarregados de lhes dar apoio político sem participar dos combates. Foi uma operação de proporções gigantescas, que na imagem pública hoje em dia só aparece sob a forma de menções esporádicas a “exilados”, como se os comunistas só fossem para aqueles países quando obrigados a isso pelo governo militar.

Em comparação com a profundidade e amplitude da intervenção cubano-soviética no continente, e especialmente no Brasil, a ação dos EUA naqueles anos caracterizou-se pela raridade, timidez e omissão, limitando-se no mais das vezes a acordos entre governos. Se a imagem que se consagrou na mídia e no ensino foi exatamente a inversa, isso é mais uma prova do sucesso de uma operação que prossegue ainda hoje, tendo a seu serviço tanto os megafones quanto as mordaças. Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O BRASILEIRO É UM POVO FÚTIL?

O paradoxal é que quanto menos se tem acesso ao capitalismo, maior o valor de status dos bens capitalistas.


No relatório de consumo de países emergentes da Credit Suisse, o Brasil é o país com um consumo “discricionário mais prevalente”, o que é uma forma educada de dizer que gastamos mais dinheiro com futilidades do que outros países emergentes. Entre os brasileiros com uma renda de até U$1.000 (PPP), 62% dos participantes disseram que pretendem comprar roupa ou tênis 'de marca' nos próximos 12 meses. A proporção sobre para 74% entre os que ganham mais de U$2.000, mais do que nos demais países emergentes do relatório. Lembrando que, mesmo em paridade de poder de compra, 'roupa de marca' é mais cara aqui que em outros países emergentes.

Não sei dizer se somos mais fúteis. Se somos, não saberia explicar como ficamos assim, mas, a la Rousseau, vou propor uma hipótese de economia política para justificar parte da suposta futilidade nacional.

Todo consumo humano tem um significado que vai além da sua prometida utilidade prática. Quando compramos um sapato, estamos comprando um calçado mas também um símbolo de distinção para com outras pessoas. Thorstein Veblen fala sobre esse consumo distintivo em The Theory of the Leisure Class: “O elemento da distinção e o elemento da eficiência bruta não são separáveis na apreciação de mercadorias feitas pelo consumidor”. Em termos secos e econômicos, pagamos o preço da sinalização do nosso status social. Parte do que uma logomarca faz é comunicar tacitamente o status social do dono.

Mesmo antes de haver Farragamo e Prada, a incrementação supérflua sempre serviu de sinalização do produto. Quanto mais essa incrementação ultrapassa o necessário para que o produto possa ser funcional, maior seu status. Vá em qualquer museu histórico e repare como que de utensílios a estruturas, qualquer objeto tem formas e detalhes que vão além da sua função primária. Ou pense nos relógios que são fabricados com mais técnica e detalhes do que um indivíduo precisa para saber as horas a qualquer momento. Antes da revolução industrial, a incrementação de um produto exigia alto grau de tempo e esforço.

Tudo mudou com o progresso capitalista dos últimos 200 anos. Desde a revolução industrial, são as máquinas, não os seres humanos, que conseguem realizar maior incrementação e precisão técnica. Nos países em que os pobres têm amplo acesso ao capitalismo, a produção em massa populariza a incrementação industrial, desmanchando sua propriedade sinalizadora.

Na margem, essa popularização da produção industrial separa do preço a incrementação e a precisão técnica. A produção de um relógio incrementado e tecnicamente preciso fica mais barata que um relógio produzido de modo mais artesanal. Ter um smartphone ou um tênis Nike não serve para sinalizar status nas ruas de Londres ou nos cafés de Paris.

Nesses cenários, produtos menos industriais e mais artesanais ganham em valor de sinalização. Dedicar tempo de trabalho pessoal para a criação de um bem que pode ser produzido industrialmente parece um desperdício. Mas é um desperdício de trabalho que substitui o desperdício da incrementação. De maneira que, diz Veblen, até as “imperfeições e irregularidades nas linhas do artigo artesanal” ganham valor de status.

O Brasil não está dentro do mesmo capitalismo global. Nossos produtos industrializados continuam sendo bastante caros. Por um lado, porque tributamos a industrialização – você é penalizado se quiser aumentar sua produtividade empregando máquinas. Por outro lado, sufocamos a importação com barreiras de exclusão comercial e com uma burocracia indecifrável.

Enquanto a diminuição dos custos da incrementação industrial diminui radicalmente seu valor sinalizador lá fora, aqui dentro ela continua sendo custosa. O que não é sinal de distinção em outros países passa a ser sinal de distinção dentro do Brasil.

Acabamos sendo um país que gasta mais com futilidades não porque os brasileiros são necessariamente tão mais fúteis, mas em parte porque nosso consumo de status se dá por meio de futilidades industrializadas, principalmente pela juventude.

O adolescente gringo sinaliza status andando de tênis de lona; o adolescente brasileiro sinaliza status andando de tênis cheio de amortecedores. O gringo sinaliza status bebendo um café artesanal; o brasileiro, comendo um sanduíche industrial. O gringo usa uma camisa de tricot; o brasileiro usa uma polo de marca. O gringo sinaliza status andando de bicicleta; o brasileiro, andando de carro com adesivos e aerofólios. O gringo sinaliza status saindo à noite para ver uma apresentação musical independente; o brasileiro, saindo para ouvir música industrial com um DJ. O gringo planeja passar as férias em Costa Rica ou na Indonésia; o brasileiro planeja pasar férias em Las Vegas ou na Disney.

Um alemão hipster continua sinalizando tanto status quanto um brasileiro playboy. Nos dois casos, o desperdício funcional continua a ser sinal de status, mas em Berlim se desperdiça menos na incrementação industrial, e mais na mão de obra: consumo ambientalista, localista, zen, fair trade etc são todas formas de sinalizar status com desperdício funcional.

O paradoxal é que quanto menos se tem acesso ao capitalismo, maior o valor de status dos bens capitalistas. No Brasil, esse encarecimento político afeta de modo desproporcional pobres e ricos, porque os pobres são excluídos do capitalismo a que o rico tem acesso. Quando o capital é escasso, futilidade é desperdiçar capital. Quando a mão de obra é escassa, futilidade é desperdiçar mão de obra.

A vantagem é que o hipster vai rir da sua própria hipsterice com mais facilidade que o playboy brasileiro consegue rir de si mesmo. Vide Portlandia:

Publicado primeiramente no blog do autor, Capitalismo para os pobres e no site do Instituto Ordem Livre. Diogo Costa é presidente do Instituto Ordem Livre.

COLO DE MÃE É MELHOR

O sistema escolar brasileiro está falido. É uma máquina de produção de analfabetos funcionais, onde é mais frequente deseducar-se que aprender.

Uma boa definição de loucura é repetir a mesma ação esperando resultados diferentes. Esta é, todavia, a especialidade de nossos governantes.

O ensino brasileiro estava muito ruim. Aumentaram o ano letivo, passando de 180 para 200 dias. Ficou péssimo. A nova solução, como sempre, é mais do mesmo! As crianças agora serão arrancadas por lei dos braços da mãe na tenra idade de 4 aninhos, para serem jogadas nos depósitos de crianças que hoje passam por escolas, onde aprenderão a escrever errado, inserir receita de miojo na prova e mesmo assim passar de ano até se ver em uma faculdade, ainda analfabetas funcionais.

Diz-se que o Estado finge que paga, o professor finge que leciona e os alunos fingem que aprendem. Já é péssimo que isso seja, em grande medida, verdade. Há professores heroicos, que fazem do magistério um sacerdócio. Mas não são nem poderiam ser a maioria, e raros são os que mantêm o entusiasmo, ano após ano, perdendo a saúde, sem remuneração condigna, sujeitos a alunos cada vez menos educados, logo menos capazes de aprender... ou de se comportar em sala.

E a solução proposta para os alunos que não passam de ano é que sejam passados – pois outra coisa não é a tal “progressão continuada” senão uma obrigação de aprovar o analfabeto e empurrá-lo para a série seguinte, em que evidentemente aprenderá ainda menos por não ter aprendido o que deveria ter vindo antes, a base para a próxima matéria.

O sistema escolar brasileiro está falido. É uma máquina de produção de analfabetos funcionais, onde é mais frequente deseducar-se que aprender – aliás, o Bonde das Maravilhas, último horror do funk carioca, surgiu numa escola...

E essa triste palhaçada agora há de começar aos 4 anos de idade!

Quando meus filhos eram pequenos, algumas vezes perguntaram à mulher da minha vida em que creche eles estariam. A resposta era sempre a mesma: “Creche?! Eles têm Mãe!” Dava até para ouvir o “M” maiúsculo. A indignação dela é compreensível: a educação da criança compete primordialmente à mãe e ao pai. Em alguns casos – como quando a mãe se vê forçada a trabalhar fora ainda na primeira infância dos filhos –, é necessário que uma criança seja posta em uma “escolinha” antes de aprender a ler, mas é sempre um sacrifício. Melhor seria se estivesse com a mãe, e o ideal seria que estivesse com a mãe e o pai.

Mais valeria fechar o MEC e oferecer bolsas para os mais pobres em escolas particulares. Em vez disso, vão é arrancar as criancinhas de 4 anos do colo da mãe. Loucura. Por: Carlos Ramalhete é professor. Publicado no jornal Gazeta do Povo.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

JOVENS DELINQUENTES

Na noite de terça-feira passada (dia 9), em São Paulo, Victor Hugo Deppman, estudante de 19 anos, foi assassinado. As câmeras mostram que ele entregou seu celular, e o assaltante o matou sem razão, com um tiro na cabeça.

O criminoso se entregou à polícia declarando que faltavam dois dias para ele completar 18 anos. Com isso, pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), aos 20 anos e 11 meses no máximo, ele voltará a circular. A gente não pode nem deixar anotado o nome do assassino, para mantê-lo afastado de nossas vidas futuras: por ele ser menor, seu anonimato é preservado.

É assim que protegemos o futuro do criminoso, para que, uma vez regenerado pela mágica de três anos de internação (alguém acredita?), ele possa facilmente reintegrar a sociedade e ser um cidadão exemplar, nosso vizinho.

Obviamente, nos últimos dias, multiplicaram-se os pedidos de revisão do próprio ECA. Marcos Augusto Gonçalves (na Folha de segunda) observou que, na boca dos políticos, esses pedidos escondem décadas de descaso em matéria de segurança pública. Concordo. Mas, como não sou político, não vou deixar de discutir, mais uma vez, o estatuto do menor.

Por exemplo, sou a favor de baixar a maioridade penal, drasticamente, como acontece no Reino Unido, no Canadá, na Austrália, na Índia, nos Estados Unidos etc. --sendo que, na maioria desses lugares, o juiz tem a autonomia para decidir por qual crime um menor de 12 ou dez anos será, eventualmente, julgado como adulto.

Hélio Schwartsman (na página 2 da Folha de sexta passada) aconselhou prudência: seria melhor não "legislar sob forte impacto emocional" e, sobretudo agora, confiar apenas nas "considerações racionais". Ele quase me convenceu, mas...

1) Penso isso há muito tempo.

2) Se deixássemos de agir sob impacto emocional, nunca nada mudaria. Por exemplo, o conselho de esperar para que as emoções esfriem é o argumento dos fabricantes de armas a cada vez que, nos EUA, um exterminador invade uma escola e o Congresso propõe leis de controle das armas. Os fabricantes de armas querem que esperemos para quê? Pois é, para que a gente se esqueça e se desmobilize.

3) Conheço só uma consideração racional a favor da maioridade penal aos 18 anos, e ela não é boa: o córtex pré-frontal (zona do cérebro que controla os impulsos) não está totalmente desenvolvido na infância e na adolescência.

Tudo bem, se aceitarmos essa consideração, deveríamos aumentar seriamente a maioridade penal, pois o córtex pré-frontal se desenvolve até os 25 anos ou além. Além disso, deveríamos julgar como menores todos os adultos impulsivos, que nunca desenvolveram um córtex pré-frontal "satisfatório".

4) As outras "considerações racionais" (que deveriam prevalecer sobre o impacto das emoções) são apenas disfarces de emoções especificamente modernas que, à força de serem compartilhadas, se tornaram chavões ideológicos.

Três deles são corolários de nossa "infantolatria", ou seja, da paixão narcisista que nos faz venerar crianças e jovens porque, graças a eles, esperamos continuar presentes no mundo depois de nossa morte.

Primeiro, queremos que as crianças nos apareçam como querubins felizes como nós nunca fomos e nunca seremos. Por isso, preferimos imaginar que os jovens sejam naturalmente bons. Quando eles forem maus, atribuímos a culpa à sociedade e a nós mesmos. Portanto, não podemos puni-los, mas devemos, isso sim, nos punir.

Tendo a pensar o contrário: as crianças podem ser simpáticas, mas são más (briguentas, possessivas, invejosas, mentirosas, ingratas etc.); às vezes, elas melhoram crescendo, ou seja, a cultura pode civilizá-las (ou piorá-las, claro).

Segundo, adoramos acreditar que sempre podemos mudar (para melhor, claro): apostamos que a liberdade do indivíduo permita qualquer reviravolta --até a salvação eterna pelo arrependimento na hora da morte. A possibilidade de os criminosos (ainda mais jovens) se redimirem confirma nossa crença querida.

Terceiro, acreditamos também na fábula da reciprocidade amorosa: quem ama será amado. Se forem bem tratados e se sentirem amados e respeitados, os jovens se emendarão. É só confiar neles, deixá-los impunes e lhes oferecer castiçais de prata, como o padre que presenteia Jean Valjean.

Meus amigos, "Les Misérables" é lindo e comovedor, mas é um romance, ok? Na outra noite, no bairro do Belém, teria sido melhor que aparecesse Javert. Por: Contardo Calligaris Folha de SP


LEGISLAÇÃO E DIREITO EM UMA SOCIEDADE LIVRE


Libertários e liberais clássicos há muito vêm tentando explicar quais tipos de leis deveriam existir em uma sociedade livre. O problema é que temos frequentemente negligenciado o estudo sobre qual tipo de sistema jurídico é o mais apropriado para o desenvolvimento de um ordenamento jurídico apropriado.

Historicamente, no direito consuetudinário inglês, no direito romano e na Lex mercatoria, as leis eram formadas majoritariamente por milhares de decisões judiciais descentralizadas. Nestes sistemas descentralizados, as leis evoluíam à medida que juízes, arbitradores ou outros juristas iam descobrindo princípios jurídicos — baseando-se em princípios previamente descobertos — aplicáveis a situações factuais específicas. A lei escrita, também chamada de lei centralizada, desempenhava um papel relativamente pequeno. Hoje, no entanto, leis aprovadas pelo legislativo estão se tornando as fontes primárias do direito, e todo o arcabouço jurídico tende a ser considerado como sendo sinônimo de legislação. Porém, não se pode esperar que sistemas baseados em leis escritas desenvolvam um sistema jurídico compatível com uma sociedade livre.

A certeza, o que inclui a clareza e a estabilidade do arcabouço jurídico, é necessária para que possa haver um planejamento voltado para o futuro. É comum imaginar que a certeza aumentará se o arcabouço jurídico for escrito e enunciado por uma legislatura, como ocorre, por exemplo, nos códigos civis dos modernos sistemas de direito civil.

Como o falecido justeórico italiano Bruno Leoni demonstrou, há mais certeza em um sistema jurídico descentralizado do que em um sistema centralizado e baseado em leis escritas. Quando o poder legiferante tem o poder de alterar as leis diariamente, é impossível ter alguma certeza sobre quais regras serão aplicáveis amanhã. Por outro lado, decisões judiciais são muito menos capazes de reduzir a segurança jurídica do que a legislação.

Isto porque o arranjo do direito consuetudinário — ou juízes descentralizados — é fundamentalmente diferente de um arranjo formado legisladores em três aspectos. Primeiro, juízes podem tomar decisões apenas quando instados pelas partes interessadas. Segundo, a decisão jurídica é menos abrangente do que a legislação porque ela afeta primariamente as partes em litígio, e apenas ocasionalmente afeta terceiros ou outros sem ligação com as partes litigantes. Terceiro, a arbitrariedade de um juiz é limitada pela necessidade de se referir a precedentes similares. 

A segurança jurídica é, portanto, mais alcançável em um sistema descentralizado de decisões judiciais — como o direito consuetudinário, o direito romano, ou direito consuetudinário — do que em sistemas centralizados de criação de leis, nos quais a legislação é a fonte primária da imposição do ordenamento jurídico.

Efeitos negativos da incerteza

Legislações tendem a interferir em acordos que os tribunais normalmente teriam impingido por conta própria. Desse modo, fazem com que as partes contratantes tenham menos certeza de que o contrato será integralmente cumprido. Assim, indivíduos tendem a confiar cada vez menos nos contratos, o que os leva a desenvolver alternativas mais custosas. Eles irão estruturar empresas, transacionar e incorrer em processos produtivos de maneira diferente daquela que originalmente fariam.

Outro efeito pernicioso da crescente incerteza criada por um sistema baseado em leis criadas por um legislativo é o aumento da preferência temporal das pessoas. Quando os indivíduos estão mais voltados para o presente do que para o futuro, diz-se que sua preferência temporal é alta. Quando eles estão mais voltados para o futuro, sua preferência temporal é baixa. Indivíduos invariavelmente demonstram uma preferência maior por ter um bem hoje a ter este mesmo bem apenas no futuro, tudo o mais constante. Quando as preferências temporais são baixas, os indivíduos estão mais dispostos a abrir mão de benefícios imediatos, como o consumo, e investir seu tempo e capital em processos produtivos mais longos, mais demorados e mais indiretos, os quais produzem mais e melhores produtos para consumo ou para possibilitar novas produções. Qualquer aumento artificial na taxa de preferência temporal tende a empobrecer a sociedade, pois estimula o consumismo presente e desestimula a produção e os investimentos de longo prazo. E é exatamente isso o que um sistema baseado em leis criadas por um legislativo faz. Tal sistema gera uma crescente incerteza, o que causa um aumento nas taxas de preferência temporal. Afinal, se o futuro é menos certo, então ele é relativamente menos valioso comparado ao presente.

Além de empobrecer materialmente a sociedade, taxas altas de preferência temporal também levam ao aumento da criminalidade. À medida que uma pessoa se torna mais imediatista, mais voltada para o presente, gratificações instantâneas (como aquelas decorrentes de medidas criminosas) se tornam relativamente mais atrativas, e a punição futura — e incerta — se torna um fator menos impeditivo.

Planejamento central e cálculo econômico

Ludwig von Mises demonstrou que, sem um sistema descentralizado baseado na propriedade privada, é impossível haver preços de livre mercado, os quais são essenciais para o cálculo econômico. Como Leoni explicou, a crítica de Mises ao socialismo também se aplica a um poder legiferante tentando "planejar centralizadamente" as leis de uma sociedade. A impossibilidade do socialismo é apenas um caso especial da incapacidade geral de planejadores centrais de coletar e assimilar todas as informações que estão amplamente dispersas pela sociedade. O caráter disperso e descentralizado do conhecimento e da informação em uma sociedade simplesmente faz com que seja praticamente impossível para estes legisladores centralizados planejar racionalmente as leis de toda uma sociedade.

A inevitável ignorância dos legisladores também os torna menos capazes de realmente representar a vontade geral da população, e os deixa mais propensos a ser influenciados por grupos de interesse e lobistas. Por causa deste estado de ignorância, eles não têm uma maneira confiável de se nortear para saber quais leis aprovar, o que os torna uma presa fácil para estes grupos de interesses. Isso propicia a criação de leis que beneficiam alguns poucos à custa de vários outros. No longo prazo, poucos se beneficiarão à custa de absolutamente todo o resto da sociedade.

Por outro lado, sistemas de decisões judiciais descentralizadas, como o direito consuetudinário, são análogos a um livre mercado, pois há neles uma ordem natural, não planejada por decretos governamentais. Ademais, como enfatizou Richard Epstein, dado que, para os lobistas, alterar uma legislação ou uma regulação é mais fácil do que convencer um juiz a alterar todo o corpo de regras produzido pelo direito consuetudinário, juízes são também menos propensos a serem alvos dos grupos de interesse do que legisladores.

A proliferação de leis

Devido à sistemática ignorância que os legisladores enfrentam, a legislação muitas vezes desorganiza toda a delicada ordem econômica, social e jurídica de uma sociedade, levando a consequências indesejadas e inesperadas. Ato contínuo, e invariavelmente, por causa de uma propaganda governamental bem feita, combinada com a apatia e ignorância pública, essas inevitáveis falhas da legislação são imputadas não ao intervencionismo governamental, mas à liberdade e à desregulada conduta humana, levando a legislações ainda mais intrusivas.

Essa contínua efusão de leis artificiais gera vários efeitos insidiosos. À medida que determinados grupos de interesse têm êxito, outros grupos rivais são criados para defender seus próprios interesses. Rapidamente, uma guerra jurídica de todos contra todos começa a surgir. Assim, em vez da cooperação, a sociedade é levada ao conflito.

Além disso, quando há muitas leis expressas em uma linguagem arcaica, vaga e complexa, como é comum hoje em dia, é impossível um cidadão não violar a lei em determinado momento, mesmo sem saber que a está violando — situação essa tornada ainda mais perversa em decorrência da regra de que "o desconhecimento da lei não é desculpa para infringi-la". ["Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece", art. 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro].

Praticamente todo mundo já violou uma norma tributária, uma regulação empreendedorial, uma lei extorsiva, o estatuto do desarmamento, a lei seca, a alfândega, as portarias da Receita federal ou pelo menos o Código de Trânsito. Quando somos todos transgressores da lei, a lei se torna desacreditada e, o que é pior, o governo pode seletiva e arbitrariamente impor qualquer lei que lhe seja conveniente contra qualquer "encrenqueiro".

Adicionalmente, como outro teórico italiano, Giovanni Sartori, apontou, quando a legislação é vista como sendo a fonte primária do direito e das leis, os cidadãos se tornam cada vez mais acostumados a seguir ordens, e consequentemente se tornam mais dóceis, mais servis e menos independentes. Quando as pessoas perdem o seu espírito rebelde, fica mais fácil e mais irresistível para o governo se tornar tirânico.

Por causa dos perigos de uma legislação, várias garantias constitucionais deveriam acompanhar sua aplicação. Os requisitos de maioria absoluta e de um referendo são uma forma de limitar o poder legiferante. Outra forma seria fazer com todas as legislações fossem constitucionalmente limitadas a apenas substituir o parecer de um determinado tribunal por um novo parecer. Sendo assim, se houvesse um determinado caso cujo parecer emitido apresentasse um raciocínio ou resultado escandaloso, a legislatura poderia reescrever a lamentável opinião de uma forma melhor e aprovar isso em lei, como se fosse a corte quem houvesse emitido aquele parecer reescrito. O parecer reescrito assumiria então o status de precedente judicial, ao menos para aquela corte.

Essa limitação à capacidade legiferante impediria a promulgação de enormes e fraudulentos esquemas legislativos. Caso o "parecer substituto" se afastasse dos fatos de um caso particular, este seria apenas uma opinião, sem força vinculante.

Provisões que automaticamente revogam uma lei que não tenha sido reescrita depois de alguns anos também são úteis. Outra medida preventiva seria o direito absoluto de julgamento por júri em todos os casos, cível ou criminal. Desta forma, o governo não poderia escapar da obrigatoriedade de um júri ao simplesmente rotular sanções genuinamente criminais de "cíveis". Esta medida deveria ser combinada com a exigência de que o júri seja informado de seu direito de julgar tanto a validade da lei quanto a responsabilidade ou culpa do réu.

O papel dos códigos e dos comentaristas

Os Códigos (codificação jurídica) são essenciais para o desenvolvimento, sistematização e promulgação do sistema jurídico. Os códigos civis modernos dos sistemas de direito civil são um exemplo de codificações impressionantes e úteis que se desenvolveram sob o sistema descentralizado do direito romano. No entanto, os perigos da legislação também aconselham que a codificação não seja legislada. Não há razão para que os códigos não sejam escritos por particulares. Com efeito, o tratado Commentaries on the Laws of England, de Sir William Blackstone, era privado e foi extremamente bem sucedido na codificação do direito; e há hoje nos EUA tratados privados bem sucedidos, como os Restatments of the Law. Os códigos seriam muito mais racionais e sistemáticos (e menores) se eles não tivessem que levar em conta um enorme e interveniente corpo de lei — se pudessem se concentrar primordialmente nos desenvolvimentos do direito consuetudinário.

É claro que tanto as codificações das jurisprudências privadas quanto das oficiais podem cometer erros. No entanto, se o código é privado, os juízes podem ignorar os lapsos de raciocínio do codificador. Isto possui o benefício extra de dar um incentivo aos codificadores privados a não incorrerem em raciocínios desonestos ou em algum tipo planejamento social. Se um codificador quer que seu trabalho seja utilizado e reconhecido, quando ele for organizar e apresentar o ordenamento jurídico, ele irá tentar descrevê-lo com precisão e provavelmente será explícito ao recomendar que os juízes adotem certas mudanças em suas decisões futuras.

Tanto o direito romano quanto o direito consuetudinário foram corrompidos pelo sistema de leis atual, que é imensamente inferior. A primazia da legislação deve ser abandonada, e devemos retornar ao sistema descentralizado em que as leis são descobertas e construídas. Estudiosos que codificam leis que evoluíram naturalmente têm uma função vital a exercer, mas eles não devem pedir o aval governamental para seus esforços acadêmicos.

Naturalmente, o formato de um sistema jurídico não garante que apenas leis justas serão adotadas. Devemos estar sempre vigilantes, exortando que a liberdade individual seja sempre respeitada, pelo legislador ou pelo juiz.

Stephan Kinsella advogado especialista na área de patentes, é autor/editor de vários livros e artigos sobre leis de propriedade intelectual, direito internacional e outros tópicos jurídicos.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

UM GRITO DE SOCORRO

Faz um mês, pouco mais, escrevi artigo cujo título diz quase tudo: "O endividamento das Santas Casas"; pelos dados conhecidos essas entidades, da mais alta benemerência, caminhavam para o cemitério e a causa desse desastre humano e social era simples e sabida: o SUS _ Serviço Único de Saúde pagava 65% dos custos dos serviços médicos ou farmacêuticos prestados pelas Santas Casas e hospitais filantrópicos, de modo que, dia a dia, mês a mês, ano a ano, aquelas instituições acumulavam prejuízos; e não era preciso ser gênio para antever o desfecho inelutável.


Passaram-se 40 dias e dois dos maiores jornais do país estamparam em suas colunas notícia original: no dia seguinte, com exceção do Pronto Socorro, as Santas Casas e os hospitais filantrópicos suspenderiam, por 24 horas, todos os seus serviços para divulgar a todos os segmentos sociais sua real situação, morrendo dia a dia, até que ocorresse o inevitável. Um dos maiores jornais de São Paulo, onde se localiza grande parte dos leitos destinados à faixa humana, 46 mil em um universo de 154 mil, noticiou singelamente, "as mais de 2 mil Santas Casas e hospitais filantrópicos do país deram ontem um prazo de 60 dias para o governo federal reajustar os valores de tabela de procedimentos do SUS, sob o risco de reduzirem o atendimento ou até mesmo fecharem postos". Como se vê, não foi uma ameaça, mas um patético grito de socorro!

Mas há um dado que é dramático, 56% das Santas Casas e dos hospitais filantrópicos se localizam em cidades com até 30 mil habitantes, o que importa em dizer que as populações destas áreas ficarão ao desamparo na medida em que se consuma a calamidade iminente. Outros dados são altamente ilustrativos, como os preços que o SUS paga em relação aos pagos pelos planos de saúde, mas quero fugir dessas comparações e em lugar delas e por todas, repetirei uma só frase: "as Santas Casas e os hospitais filantrópicos acumulam um déficit de R$ 5 bilhões por ano". Não há necessidade de dizer mais.

Ainda a propósito do endividamento, o provedor da Santa Casa de São Paulo, a maior do país, com 100% de atendimento pelo SUS, declarou que há cerca de dois anos já havia sinais de colapso com a ameaça de fechar o seu Pronto Socorro; a dívida acumulada então era de R$ 120 milhões; hoje, "a dívida já está na casa dos R$ 250 milhões. Não temos mais fôlego!".

Não tenho mais nada a dizer, a não ser que escrevi o artigo com tristeza. Corrijo, ou melhor, tenho um adendo. A senhora presidente criou mais um ministério e poderá criar mais outro, e estando empenhada em aumentar o número de "partidos" que a apoiam, e já possuía dezessete em trinta e tantos, para ganhar mais uns minutos no rádio e na televisão, ela que, vezes por dia, usa esse incomparável meio de comunicação falando sobre tudo, mas, obviamente, a serviço de sua reeleição. Pois tudo isso pode virar em água de barrela, se não for dado um basta, de verdade, no que vem acontecendo no setor da saúde pública, sob uma regência macabra.
Por: Paulo Brossard Zero Hora

A REVOLUÇÃO DA EMPREGADA

O conto de fadas do oprimido continua. Agora, as empregadas domésticas foram libertadas da escravidão. Mas esse capítulo ainda promete fortes emoções. Uma legião de advogados espertos já está de prontidão para o primeiro bote trabalhista num desses “senhores feudais” de Ipanema ou Leblon. Aí a burguesia vai ver o que é bom. Patrões perderão as calças para cozinheiras demitidas sem justa causa. E o Brasil progressista irá ao delírio. Babás levarão uma baba ao provar — com seus advogados — que naquela sexta-feira chuvosa estouraram o período da jornada sem ganhar hora extra. Com a PEC das domésticas, cada lar brasileiro assistirá à revanche do povo contra as elites.

A apoteose cívica em torno da empregada lembra o clima da Constituinte em 1987. A Carta promulgada por Ulisses Guimarães com “ódio e nojo à ditadura” removia o entulho autoritário, e trazia o entulho progressista. Até limite de taxa de juros enfiaram na Constituição — entre outras bondades autoritárias e/ou lunáticas. A partir dali, deu-se no Brasil o milagre da multiplicação de municípios, com a interminável criação de prefeituras e câmaras de vereadores sangrando os cofres públicos. Tudo em nome da descentralização democrática.

Agora o país comemora a Lei Áurea das domésticas, com ódio e nojo aos patrões. Eles tiveram sorte, porque não apareceu nenhum revolucionário propondo guilhotina em caso de atraso do 13º. Os escravocratas do século 21 — como os patrões foram chamados pelos libertadores das empregadas — garantiram nos últimos anos à classe das domésticas aumentos salariais bem acima da inflação (e de todas as outras categorias). Mas não interessa. Os progressistas querem direitos civis, querem que os patrões paguem encargos. A consequência será simples: para pagar os encargos, os patrões não darão mais reajustes acima da inflação. Através do FGTS, por exemplo, o dinheiro se desviará das mãos da empregada para as mãos do governo — onde será corrigido abaixo da inflação, a julgar pelas médias recentes.

O fim da escravidão aboliu o bom senso, e conseguirá trazer perdas para patrões e empregados, democraticamente. Mas os populistas serão felizes para sempre.

Já se pode antever a excitação no Primeiro de Maio, com a “presidenta” mulher e faxineira indo às lágrimas em cadeia obrigatória de rádio e TV. Mais uma pantomima social que a nação engolirá sorridente e orgulhosa. Na vida real, evidentemente, a nova Lei Áurea vai dar um tranco no mercado, com patrões temerosos de contratar mensalistas — não só pelos custos inflados, como pelos altos riscos de indenizações pesadas (as casuais e as tramadas). Muitos recorrerão a diaristas e outros improvisos para fazer frente aos serviços da casa. E o enorme contingente das empregadas domésticas que só sabem ser empregadas domésticas, diante da crescente dificuldade de se fixar no emprego “seguro” que a Constituição progressista lhe trouxe, terá que perguntar a Dilma e aos humanistas como ganhar a vida.

O governo popular não está preocupado com isso. Se o contingente das alforriadas sem-teto crescer muito rápido, isso se resolve com uma injeçãozinha a mais no Bolsa Família (o Bolsa Casa de Família). País rico é país que dá dinheiro de graça. Enquanto a Europa acorda dolorosamente desse sonho dourado, com saudades de Margaret Thatcher, o Brasil fabrica um pleno emprego pendurando parte da população numa mesada estatal. São os filhos profissionais do Brasil, que não precisam se emancipar nem procurar trabalho. É claro que isso vai explodir um dia, mas a próxima eleição (pelo menos) está garantida.

A festa da propaganda populista não tem hora para acabar. O Ministério da Educação, por exemplo, está bancando uma grande campanha nas principais mídias nacionais sobre o sistema de cotas para negros no ensino público. A peça traz a encenação de um jovem humilde, que conta ter conseguido vaga na universidade por ser afro-descendente. É o governo popular torrando o dinheiro do contribuinte para apregoar a sua própria bondade. Só um país apoplético pode consumir numa boa essa propaganda política travestida de utilidade pública.

É esse país que baba de orgulho diante da PEC das domésticas, jurando que está assistindo a uma revolução trabalhista. É típico das sociedades culturalmente débeis acharem que legislar sobre tudo é passaporte civilizatório. É um país que não acredita nos seus acordos, no que é instituído a partir da responsabilidade individual, do bom senso e dos bons costumes. É preciso cutucar Getúlio Vargas no túmulo, para empreender uma formidável marcha à ré progressista — que servirá para entulhar de vez a Justiça, porque as crianças só confiam no que está nos livros guardados por mamãe Dilma. Pobres órfãos. 

Se o prezado leitor escravocrata enjoou da comida de sua empregada, melhor consultar seu advogado. O socialismo chegou à cozinha — e o tempero agora é assunto de Estado. 

Por: Guilherme Fiúza O Globo – 13/04/2013

terça-feira, 16 de abril de 2013

PRISÃO DE MENSALEIROS REFUNDA A REPÚBLICA

O epílogo do processo do mensalão é o começo do fim dos 'homens-pulhas' e a abertura da política para quem quer servir ao Brasil

O julgamento do mensalão está chegando à sua etapa decisiva. O processo, na verdade, começou quando da instalação da CPMI dos Correios, em maio de 2005. A brilhante produção do relator Osmar Serraglio e das sub-relatorias permitiu, depois de muitos meses de trabalho e inúmeras pressões vindas do Executivo, aprovar, numa sessão muito conturbada, devido à ação dos petistas, seu relatório em abril de 2006. Foi, sem sombra de dúvidas, a mais importante e eficiente CPMI da história do Congresso.

Juntamente com o trabalho dos congressistas, foi aberta em Minas Gerais investigação pelo Ministério Público Federal para apurar as denúncias, pois dois braços do mensalão, o publicitário e o financeiro, tinham lá sua base inicial. A somatória dos dois excelentes trabalhos permitiu que, em agosto de 2007, o inquérito 2.245 fosse aceito pelo STF e se transformasse na Ação Penal 470. Deve ser recordado que não foi nada fácil o recebimento do inquérito. Foram 4 sessões de muito debate, porém o STF não se curvou. Registre-se o triste papel do ministro Ricardo Lewandowski, que, em um restaurante de Brasília, após a última sessão, foi visto falando ao celular, muito nervoso, que não tinha sido possível amaciar (a expressão é dele) as acusações contra José Dirceu. Falava com quem? Por que tinha de dar justificativa?

A terceira — e mais longa — batalha do processo foi o trabalho desenvolvido entre agosto de 2007 até julho de 2012 para a confecção da Ação Penal 470. Foram dezenas e dezenas de depoimentos, documentos, laudos, registrados em milhares de páginas organizadas em mais de duas centenas de volumes. Deve ser destacado o importante papel do Ministério Público Federal, que permitiu apresentar o conjunto das provas e a acusação efetuada com ponderação e argúcia pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Mas, é óbvio, nunca é demais ressaltar o papel central em todo este processo do relator, o ministro Joaquim Barbosa. Não é exagero afirmar que, se não fosse a sua determinação — apesar de tantas dificuldades —, os trabalhos não teriam chegado a bom termo. Deve ser lembrada ainda a lamentável (e fracassada) tentativa de chantagem contra o ministro Gilmar Mendes efetuada pelo ex-presidente Lula.

Em 2 de agosto de 2012, finalmente, teve início a quarta batalha, o julgamento propriamente dito. Foram 53 sessões. Centenas de horas de debates. Com toda transparência, o Brasil assistiu a um julgamento único na nossa história. Não foi fácil chegar ao final dos trabalhos com a condenação de 25 réus. Algumas sessões foram memoráveis, especialmente no momento da condenação do núcleo político liderado por José Dirceu, sentenciado por formação de quadrilha — considerado o chefe — e nove vezes por corrupção ativa, além de mais três membros da liderança petista.

A quinta — e última — batalha é a que estamos assistindo. Depois da publicação do acordão e com os recursos apresentados pelos advogados, inócuos, pois não foram apresentadas novas provas que pudessem justificar alguma mudança nos votos dos ministros, teremos finalmente o cumprimento das sentenças. Mas, até lá, serão semanas tensas. Já vimos várias tentativas de desmoralização do STF. A entrevista do quadrilheiro e corrupto José Dirceu, condenado a dez anos e dez meses de prisão, acusando o ministro Luiz Fux de traidor, foi apenas uma delas. Os advogados de defesa, pagos a peso de ouro, vão tentar várias manobras, mas dificilmente obterão algum êxito. Outra tentativa de desmoralização foi a designação dos condenados José Genoíno e João Paulo Cunha para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. É neste momento que cresce a importância dos dois ministros mais antigos do STF: Celso de Mello e Marco Aurélio. Devem servir de escudo contra a tentativa golpista do petismo de pressionar os ministros mais jovens da Corte para conseguir, através de algum subterfúgio, a revisão das penas.

A sociedade não pode silenciar. Muito menos perder o foco. É no STF que está sendo jogada a sorte do estado democrático de direito. Os mensaleiros golpistas sabem que perderam, mas os democratas ainda não perceberam que ganharam. No momento que os condenados ao regime fechado estiveram adentrando o presídio, a democracia brasileira vai estar obtendo umas das suas maiores vitórias. Era muito difícil, quase impossível, encontrar alguém que, no início do processo, imaginasse a condenação dos mensaleiros. E mais, que eles fossem (como irão) cumprir suas penas. A satisfação não advém de nenhum desejo de vingança. Longe disso. É sentimento de justiça. Quando José Dirceu estiver cruzando o portão de entrada do presídio — certamente com um batalhão de jornalistas aguardando sua chegada — isto deverá servir de exemplo para todos aqueles que continuam desrespeitando a legalidade, como se estivessem acima das leis, cometendo atos que violam o interesse público, a ética e a cidadania.

Estamos há mais de cem anos procurando homens públicos republicanos. Não é tarefa fácil. Euclides da Cunha, em 1909, numa carta ao seu cunhado, escreveu que "a atmosfera moral é magnífica para batráquios". E continuou: "Não imaginas como andam propícios os tempos a todas as mediocridades. Estamos no período hilariante dos grandes homens-pulhas, dos Pachecos empavesados e dos Acácios triunfantes". A confirmação das sentenças e o cumprimento das penas podem ser o começo do fim dos "homens-pulhas" e a abertura da política para aqueles que desejam servir ao Brasil. Iniciaremos a refundação da República. Por: Marco Antonio Villa O Globo

O DESFECHO DA ELEIÇÃO FRAUDADA TORNOU IRREVERSÍVEL A AGONIA DO CHAVISMO

O candidato Nicolás Maduro resolveu transformar o chefe em múmia tarde demais: o processo de decomposição já começara. O motorista de ônibus que virou piloto de país vai descobrir em pouco tempo que também a tentativa de mumificação do regime tropeçou no péssimo estado de conservação do cadáver. O resultado da eleição deste domingo avisa que o chavismo poderá até continuar wuechavismo vagando no poder mais algum tempo. Mas a revolução bolivariana, como constatou nosso Reynaldo-BH no post publicado na seção Feira Livre, já apodrece numa urna de vidro.


Hugo Chávez vivia anunciando a chegada iminente do socialismo do século 21. Foi por ter recorrido a métodos do século 19 que o sucessor trapalhão ganhou a eleição. A oposição só perdeu para a fraude, para a coação ostensiva e para a boca-de-urna criminosa. Ainda que a apuração traduzisse a verdade, os 49,07 % do total de votos atribuídos a Henrique Capriles bastariam para informar que Maduro precipitou a agonia da ditadura envergonhada instituída a partir de 1999. Raríssimas vezes os vencedores oficiais de uma eleição tiveram de engolir, com sorrisos de aeromoça, tantas e tão contundentes derrotas.

A avassaladora máquina de propaganda, a transformação do leviatã estatal num onipresente e onipotente pai-patrão, a ampliação obscena da fábrica federal de insultos e calúnias, a compra de gratidão com dinheiro do petróleo ─ nada disso impediu que metade do eleitorado dissesse não ao enviado do espírito santo que no momento se disfarça de passarinho. Não é pouca coisa. E não é tudo. Os estragos provocados pela votação do candidato oposicionista vão muito além da implosão da arrogância dos sacerdotes da seita.

A performance de Capriles também abalou a fé dos devotos do chefe insepulto (até o repertório de milagres estocados por Chávez tem limites), confirmou que os institutos de pesquisa viraram comerciantes de porcentagens, baixou a crista de marqueteiros grávidos de autossuficiência e comprovou que as análises assinadas por jornalistas brasileiros são tão confiáveis quanto as previsões de Guido Mantega. Fora o resto. Vai ser divertido acompanhar as acrobacias da turma no esforço para justificar o fiasco. O que tem a dizer João Santana, por exemplo?

O ministro de Venda de Nuvens encurtou o expediente em Brasília para conferir dimensões amazônicas a um triunfo já decretado pelos institutos de pesquisa. Entrou na campanha com mais de 70% dos votos. Saiu com 20 pontos a menos. Se é que existiram, no mundo real, milhões de votos sumiram em duas semanas no buraco escavado por ideias de jerico. Foi o alquimista que enxerga uma rainha em Dilma Rousseff quem aconselhou Maduro a confundir-se com Chávez, empoleirar-se na urna de vidro e entrar para a história como inventor do velório-comício. Deu no que deu.

O desfecho do confronto reiterou que a oposição venezuelana aprendeu com os erros do passado e avança pelo caminho certo. Pela segunda vez em poucos meses, evitou disputas internas mesquinhas para unir-se em torno de um político capaz de expressar a essência do pensamento dos antichavistas. Um em cada dois venezuelanos entendeu que Capriles falava por ele. No Brasil, 45 milhões de eleitores procuram há anos um candidato que se oponha ao lulopetismo sem medo e sem mesuras. Mas a oposição oficial só interrompe as férias que já duram dez anos para trocar sopapos e desaforos no quintal ou a sala de jantar.

Um ano e meio antes da eleição presidencial, pesquisas espertas já garantiram a Dilma Rousseff um segundo mandato. Em vez de mirar-se no exemplo da Venezuela, mandar às favas os especialistas em engorda de popularidade e partir para a luta, os pajés do PSDB, do PPS e do DEM perdem com ciumeiras de colegial o tempo que deveriam ocupar com a desmontagem das fantasias forjadas pelo governo mais bisonho do Brasil republicano.

Antes de exibir a combatividade que sempre lhe faltou, a oposição oficial terá de reencontrar a vergonha perdida há mais de 10 anos. E descobrir o que é altivez. Por: Augusto Nunes