sábado, 14 de setembro de 2013

POR QUE É IMPORTANTE DOMINAR A TEORIA

I.
O provérbio que diz que as coisas podem funcionar bem na teoria mas não necessariamente funcionam na prática é bem conhecido. A intenção normalmente é a de menosprezar a importância da teoria, sugerindo que ela pode ser bonita mas pode estar muito distante das exigências práticas, sendo de pouca valia para ajudar a resolver o problema em questão.

O filósofo prussiano Immanuel Kant (1724—1804), em seu ensaio de 1793, "On the Popular Judgment: 'This May Be True in Theory, But It Does Not Apply in Practice" (Sobre o Juízo Popular: 'Isso Pode Ser Verdade Na Teoria, Mas Não Se Aplica à Prática'), respondeu a esta crítica. Com efeito, ele respondeu com este seu ensaio à crítica feita à sua teoria ética pelo filósofo Christian Garve (1742—1798).

Kant argumentou que a teoria fornece "princípios de natureza suficientemente geral", ou seja, ela fornece regras gerais. No entanto, a teoria não diz ao homem como ela deve ser aplicada, diz Kant. Para isso, faz-se necessário o ato do discernimento próprio:

O conceito da compreensão, o qual pertence à regra geral, tem de ser complementado por um ato de discernimento, por meio do qual o adepto distingue exemplos em que a regra se aplica daqueles em que ela não aplica.

O filósofo prussiano, de maneira efetiva, afirma que qualquer indivíduo atuante tem de respeitar o papel exercido pela teoria:

Aquele que finge ser versado em um determinado ramo do conhecimento e ainda assim trata a teoria com escárnio irá inevitavelmente se expor como um ignorante em sua área.

Em sua obra metodológica, Ludwig von Mises (1881—1973) enfatizou, em seu nível mais fundamental, a importância da teoria para o indivíduo que age, observando que a teoria e a ação humana são inseparáveis. Escreveu Mises:

O pensamento precede a ação. Pensar é deliberar sobre a ação antes de agir, e refletir em seguida sobre a ação efetuada. Pensar e agir são inseparáveis. Toda ação está sempre baseada em uma ideia específica sobre relações causais. Quem pensa uma relação causal, pensa um teorema. Ação sem pensamento e prática sem teoria são inimagináveis. O raciocínio pode ser falso e a teoria incorreta; mas o pensamento e a teoria estão presentes em toda ação. Por outro lado, pensar implica sempre imaginar uma futura ação. Mesmo quem pensa sobre uma teoria pura pressupõe que a teoria é correta, isto é, que uma ação efetuada de acordo com o seu conteúdo teria por resultado um efeito compatível com seus ensinamentos. Para a lógica, o fato de esta ação ser factível ou não é irrelevante.

Com a teoria sendo inseparável da ação humana, a questão crucial passa a ser: Qual é a teoria correta? Por motivos óbvios, o indivíduo que age estará interessado na teoria correta: "Não importa como ela seja vista, simplesmente não há como uma teoria falsa ter maior serventia a um indivíduo, a uma classe ou a toda a humanidade do que uma teoria correta."

II.

Na versão da ciência econômica que hoje é a dominante, o real valor de uma teoria é definido por meio de testes que seguem a hipótese do "se-então". Por exemplo, economistas testam se um aumento na oferta monetária leva a um aumento nos preços, ou se um aumento na oferta monetária causa elevação nos preços — ou se o inverso é verdadeiro.

Tal procedimento é típico do positivismo-empiricismo-falsificacionismo — uma abordagem metodológica que, na ciência econômica, não apenas deve ser rejeitada como sendo confusão intelectual, como também tem de ser criticada por ser propensa a abusos demagógicos.

Afinal, se alguém é adepto da ideia de que nada pode ser conhecido (com certeza) sem ser testado, então tal pessoa, por definição, tem de colocar em prática todas as suas ideias. E é aí que jaz o perigo.

Tão logo uma teoria passa a ser vista como boa ou benevolente — tal como a teoria que diz que um aumento na oferta monetária gera prosperidade para todos, ou a teoria que diz que déficits orçamentais criam novos empregos —, as pessoas irão adorar vê-la em prática.

O que é pior, sob o atual reinado do positivismo-empiricismo-falsificacionismo, existem enormes incentivos econômicos para se difundir teorias politicamente eficazes que, obviamente, visam apenas ao bem de políticos — mesmo que tais teorias sejam falsas. Aqueles que fornecem uma convincente legitimação científica para ações perseguidas pelo governo podem previsivelmente esperar altas recompensas dos burocratas.

Fornecendo uma ilustração metafórica: para fazer com que o roubo seja algo socialmente aceitável, o ladrão estará disposto a dividir uma fatia do seu esbulho com aqueles que estão ajudando a fazer com que, do ponto de vista das vítimas, o crime seja aceitável. Em suma, o ladrão tem todo o interesse em premiar o intelectual que justifica "cientificamente" seu roubo.

No que concerne a teorias econômicas aparentemente benevolentes, considere os seguintes exemplos:
O estado é indispensável para a paz e a prosperidade; sem o estado haveria caos social, agressões impiedosas aos mais fracos e miséria dantesca.
A produção e a oferta de dinheiro têm de ser monopolizadas pelo estado, pois simplesmente não há outra maneira de se obter dinheiro de forma confiável.
Foi uma boa ideia substituir o dinheiro metálico (ouro e prata) pelo papel-moeda fiduciário de curso forçado, pois apenas esse tipo de dinheiro permite um contínuo e adequado aumento na oferta monetária — aumento este que, por sua vez, é indispensável para que haja crescimento da economia e do emprego.
O capitalismo explora a classe trabalhadora e gera um aumento exacerbado da pobreza, guerras e imperialismo; já o socialismo irá manter a paz e elevar o padrão de vida de todos.
A democracia (a escolha da maioria) é a única forma de organização política que respeita a liberdade individual e os direitos de propriedade, e que gera cooperação pacífica e prosperidade.

Estes exemplos são suficientes para o meu ponto: tão logo algumas teorias passam a ser consideradas benevolentes, pode-se ter a certeza de que elas serão colocadas em ação. Quanto mais benevolente uma teoria, maior a possibilidade de ocorrer experimentos sociais.

No entanto, praticar experimentos sociais com o suposto propósito de se estar testando verdades é algo que possui um preço muito alto — às vezes, um preço proibitivamente alto, como deixou evidente o experimento socialista em vários países.

III.

No campo da ciência econômica, no entanto, é possível decidir se determinadas teorias são corretas ou incorretas sem que haja a necessidade de se recorrer a experimentos e testes.

Mises reconstruiu a ciência econômica como sendo uma das áreas da 'lógica da ação humana', que ele chamou depraxeologia (práxis = ação; a lógica da ação). Sendo uma teoria apriorística, a praxeologia permite a dedução de verdades irrefutáveis — ou apodícticas — partindo-se do irrefutavelmente verdadeiro axioma da ação humana.

Nas palavras de Mises,

A praxeologia não é uma ciência histórica, mas uma ciência teórica e sistemática. Seu escopo é a ação humana como tal, independentemente de quaisquer circunstâncias ambientais, acidentais ou individuais que possam influir nas ações efetivamente realizadas. Sua percepção é meramente formal e geral, e não se refere ao conteúdo material nem às características particulares de cada ação. Seu objetivo é o conhecimento válido para todas as situações onde as condições correspondam exatamente àquelas indicadas nas suas hipóteses e inferências. Suas afirmativas e proposições não derivam da experiência. São apriorísticas, como a lógica e a matemática. Não estão sujeitas a verificação com base na experiência e nos fatos.

A praxeologia fornece uma metodologia que permite separar teorias econômicas corretas de teorias econômicas falsas, tudo em bases apriorísticas — isto é, sem ter de recorrer a experimentos sociais.

Em vista da ilustração dada acima (e sem se aprofundar extensivamente no argumento), podemos saber com toda a certeza que o estado não é a solução, mas sim a raiz dos mais severos conflitos sociais. (Ver aqui, aqui, aqui).

Utilizando a praxeologia, também podemos saber com certeza que o dinheiro é uma criação do livre mercado; que o dinheiro-commodity — a escolha lógica das ações incorridas no livre mercado — é a moeda forte; e que o monopólio estatal da produção de dinheiro irá gerar uma moeda fraca e continuamente depreciada. (Ver aqui,aqui e aqui).

Também sabemos com certeza que um aumento na oferta monetária não torna uma economia mais rica; tal aumento irá beneficiar exclusivamente aqueles que primeiro receberem este dinheiro recém-criado, pois terão uma maior renda a preços ainda inalterados. Seu poder de compra irá aumentar. Quem perde são todos aqueles que irão receber o dinheiro mais tarde (ou que sequer irão recebê-lo), quando os preços já estarão maiores. O poder de compra destes foi diminuído. (Ver aqui, aqui e aqui).

Também se pode deduzir da praxeologia que o socialismo leva a uma grande miséria, pois se trata de uma forma de organização social que não tem como funcionar. Qualquer experimento genuinamente socialista está fadado ao fracasso, sendo o capitalismo a única forma economicamente viável de organização social. (Ver aqui e aqui).

Finalmente, pode-se mostrar com base na praxeologia que a democracia é incompatível com a preservação das liberdades individuais, dos direitos de propriedade e, consequentemente, da prosperidade e da cooperação pacífica. (Ver aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui)


O poder de se desmascarar e desmistificar falsas teorias econômicas utilizando um raciocínio apriorístico — ou seja, sem ter de recorrer a experimentos sociais — é certamente um dos mais fascinantes aspectos da Escola Austríaca de economia.

Em sua introdução à Crítica da Razão Pura (1787), Kant intitula o capítulo 3 como "A Filosofia Necessita de uma Ciência que Determine a Possibilidade, os Princípios e a Extensão de Todos os Conhecimentos "A Priori"". Para a ciência econômica, Mises fez exatamente isso.


[1] "O termo 'teoria' é normalmente entendido como algo cuja explicação sugerida já foi satisfatoriamente provada, não mais estando aberta a questionamentos." Joyce, G. H. (1908), Principles of Logic, Longmans, Green & Co, London et al., p. 362.

[2] Kant, I. (1992 ), Über den Gemeinspruch: Das mag in der Theorie richtig sein, taugt aber nicht für die Praxis, Zum ewigen Frieden, H. F. Klemme, ed., Felix Meiner Verlag Hamburg, p. 3 [A 202], tradução própria.

[3] Ibid, p. 4 [276], tradução própria.

[4] Mises, L. v. (1957), Theory & History, p. 124.

[5] Ver, nesse contexto, Hoppe, H. H. (2006), Austrian Rationalism in the Age of the Decline of Positivism, in: The Economics and Ethics of Private Property, Studies in Political Economy and Philosophy, 2nd ed., Ludwig von Mises Institute, Auburn, US Alabama, pp. 347?379.

[6] Murray Rothbard define o estado como sendo

Aquela instituição que possui uma ou ambas (quase sempre ambas) das seguintes características: (1) adquire sua renda por meio da coerção física conhecida como "tributação"; e (2) declara ter — e normalmente tem — um monopólio coercivo da oferta de serviços de defesa (polícia e tribunais) sobre uma dada área territorial.

Rothbard fornece uma definição positiva do estado: ele diz o que o estado realmente é, e não o que ele deve ser (definição normativa).

Por: Thorsten Polleit  professor honorário da Frankfurt School of Finance & Management.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

MARILENA CHAUÍ TRANSFORMA INOCENTES EM UTILITÁRIOS DA REVOLUÇÃO


Oráculo da revista “Cult” e de professores da UFG, a filósofa uspiana finge defender as instituições, mas seu violento discurso contra a classe média é uma pregação quase explícita do terror revolucionário.


O marxismo é uma ideologia política para a maioria das pessoas comuns. Já para a maioria dos intelectuais, ele é uma teoria científica, um instrumento de interpretação da realidade que continua atual, especialmente no campo da história e da sociologia, com ramificações em muitas outras disciplinas. O alemão Karl Marx (1818-1883) divide com o francês Émile Durkheim (1858-1917) e com seu compatriota Max Weber (1864-1920) o título de “Pai Fundador” da sociologia.

Além disso, ele é praticamente o único cientista social que, diretamente ou por intermédio de seus discípulos, influencia as chamadas “ciências duras”, como a biologia e a física. Todavia, o marxismo é mais do que uma teoria filosófica ou científica. Emendando Jean-Paul Sartre (1905-1980), o marxismo não é a filosofia insuperável de nosso tempo — ele se tornou a cultura da nossa época. Mesmo quem nunca abriu um livro de Marx, usa cotidianamente seus conceitos por força da hegemonia das ideias socialistas, começando pela concepção de capitalismo, que é um derivado marxista.

Um exemplo da força do marxismo é sua incrível capacidade de se adaptar ou distorcer a realidade, conforme sua conveniência. Como oficiante de um ritual religioso, o intelectual marxista realiza cotidianamente a transubstanciação da realidade, criando verdadeiros universos paralelos, através dos quais julga vivos e mortos. É o que faz, por exemplo, a filósofa Marilena Chauí, professora titular da Universidade de São Paulo (USP), em uma longa entrevista à “Cult” do mês de agosto. A capa da revista traz a foto da filósofa metida numa blusa “vermelho-dilma” com uma manchete encomiástica: “A lucidez de Marilena Chauí”. E o título da entrevista não é menos laudatório, transformando a fala da entrevistada numa admoestação: “Pela responsabilidade intelectual e política”. Aos 71 anos de idade e 46 de magistério superior, a filósofa — que, desde a crise do mensalão, parou de escrever na “Folha de S. Paulo” e de conceder entrevistas à grande imprensa — tornou-se uma espécie de oráculo da “Cult” e é saudada pela editora da revista, Daysi Bregantini, como “a maior referência intelectual do País”.


Marilena Chauí, filósofa: amaldiçoando os burgueses e a classe média que, além de pagar seu salário, financiam suas palestras, livros e viagens


A afirmação é questionável, mas não deixa de ser verdadeira. Marilena Chauí talvez seja o único intelectual brasileiro que transita, com a mesma desenvoltura, tanto na ciência esotérica da pós-graduação quanto na didática do ensino médio, ajudando a formar gerações desde a década de 70. Ela foi um ícone da “Coleção Primeiros Passos”, da Editora Brasiliense, alcançando mais de 40 edições com o opúsculo “O Que É Ideologia”. Colaborou na Coleção Pensadores, da Editora Abril, e seu livro “Convite à Filosofia”, destinado ao ensino médio e publicado pela Editora Ática, já está na 14ª edição. Na outra ponta, é autora do que talvez seja o mais ambicioso tratado filosófico já escrito no Brasil: o livro “A Nervura do Real”, um estudo sobre Espinosa, com 1.240 páginas, anunciado como primeiro volume de sua reflexão sobre o filósofo holandês, filho de judeus portugueses. Para se ter uma ideia do prestígio da filósofa, “A Nervura do Real” foi publicado pela Companhia das Letras, com ampla divulgação na grande imprensa, quando o destino normal de tratados do gênero é o gueto de uma editora acadêmica, sem circulação comercial.

Filósofa patrocinada pela “mídia burguesa”
A despeito desse invejável currículo, que inclui o título de “doutor honoris causa” na Universidade de Paris (o primeiro conquistado por uma mulher brasileira), Marilena Chauí se mostra cada vez mais caótica em sua vã tentativa de conciliar o saber filosófico com a militância política. A filósofa uspiana parece viver num universo paralelo, ao ponto de atribuir ao fantasma do general Golbery do Couto e Silva os males da política atual, mesmo depois de dez anos de poder do PT. E Marilena só não se saiu pior porque o entrevistador, Juvenal Savian Filho, estudioso da filosofia medieval, foi seu orientando no doutorado de filosofia da USP e não fez nenhuma pergunta crítica para sua mestra, por quem nutre profundo respeito. O mote da entrevista são as manifestações de junho e, a partir delas, a filósofa discorre sobre a política brasileira, fazendo uma apaixonada defesa do Partido dos Trabalhadores. O que fica claro na entrevista é que Marilena Chauí nunca foi levada a sério pela cúpula do partido, que a vê como uma figura excêntrica, incapaz de compreender o pragmatismo da política. Quan­do ela atacou violentamente a classe média, no lançamento de um livro organizado por Emir Sader, Lula estava no encontro e se limitou a sorrir, condescendentemente.

Felizmente para Marilena Chauí, marxistas como ela não precisam do governo do PT — a sociedade capitalista os financia fartamente. Seu “Convite à Filosofia” é publicado por uma das maiores editoras didáticas do País, a Editora Ática, que integra o Grupo Abril, amaldiçoado pela esquerda por publicar a revista “Veja”, e suas palestras são regiamente financiadas pela direita, que gosta de pagar para apanhar. Em 13 de março deste ano, Chauí esteve em Goiânia, no “Café de Ideais” do Centro Cultural Oscar Niemeyer, órgão do governo de Goiás, proferindo a palestra “Democracia e Sociedade Autoritária”. Como sempre, ela atacou a democracia liberal e o capitalismo — e foi paga para isso (provavelmente de modo régio) por um governo capitalista, ainda por cima do PSDB, partido que ela costuma incluir, raivosamente, na “direita”. Pela lista de patrocinadores do evento, percebe-se que ela cuspiu no prato de um dos melhores restaurantes da cidade, onde deve ter comido, e se hospedou no mesmo hotel cinco-estrelas onde o músico Paul McCartney também ficou quando cantou em Goiânia. Além disso, teve o apoio da “mídia burguesa” (e põe burguesa nisso), representada pelo Grupo Jaime Câmara.

A palestra de Marilena Chauí na capital de Goiás ilustra o universo paralelo em que vivem os intelectuais de esquerda. Mesmo sendo financiada pela “burguesia” do Estado e falando para uma plateia de classe média (“desgraça” de seu imaginário), a filósofa não se mostrou capaz de compreender a essência da democracia, que ela reduz a um sistema de criação de “direitos” de mão única, sem se dar conta da contrapartida dos deveres. Bastava Chauí ter atentado para o nome do centro cultural em que pronunciou sua palestra — Oscar Niemeyer, típico representante da “esquerda caviar”, que morreu defendendo o comunismo à revelia de seus mais de 100 milhões de cadáveres. Se até um governo tucano, ao construir seu mais ambicioso centro cultural, rende culto a um comunista impenitente, e nele proliferam palestrantes de esquerda, com as bênçãos de dois intelectuais conceituados (os professores Nars Chaul e Lisandro Nogueira, da UFG), como é que Chauí ousa se encolerizar com o suposto poder hegemônico da direita, desmentido pela aceitação que ela e sua obra desfrutam?

Na entrevista à “Cult”, Marilena Chauí comporta-se da mesma forma. Ela demoniza a grande imprensa, acusando-a de ser porta-voz da “direita”, mas, já na primeira resposta, sem querer, ela reconhece que foi justamente a grande imprensa que deu vida para os manifestantes de junho atacarem os bancos e outros símbolos da elite burguesa. 


“Gatos pingados” da USP fomentam badernas
Senão vejamos. O professor Juvenal Savian lhe pergunta: “Qual foi a sua primeira reação ao ver tanta gente nas ruas durante as manifestações de 2013?” Marilena responde: “Um susto! Acompanhei as tentativas de manifestação do Passe Livre na USP e vi que o movimento não conseguia mais do que três gatos pingados para escutar. Nem digo participar da manifestação, mas escutar. Imaginei que iram para as ruas com cinquenta, cem pessoas. Então, levei um susto, pois não tinha entendido a relação entre o que eles estavam fazendo, ou seja, a fórmula clássica da mobilização, e o uso das redes sociais. Se eu soubesse que eles iriam usar as redes sociais, não teria me assustado, pois associaria com outros eventos que vi no mundo”.

Marilena Chauí é decana da USP e, como se sabe, a universidade pública é um dos ambientes mais informatizados do País. Ela própria se mantém em dia com a Internet, pois seu currículo Lattes foi atualizado em 12 de junho último. E, ao dizer que acompanhou as “tentativas” de manifestação do Passe Livre na USP, ela confessa que não soube do movimento por acaso, através de terceiros, depois que ele eclodiu; não, Chauí era uma observadora (simpatizante? orientadora?) do Movimento Passe Livre, pois sabia de sua existência ainda embrionária e já o acompanhava quando ele ainda não passava de uma “tentativa” de manifestação de gatos pingados dentro da USP e dificilmente seria “acompanhado” por pessoas que não estivessem diretamente envolvidas com ele, ainda mais uma decana septuagenária. Ora, se Marilena Chauí tinha esse envolvimento com os gatos pingados do Passe Livre ao ponto de acompanhar até mesmo suas “tentativas” de manifestação, como é que nunca imaginou que eles iriam usar as redes sociais para tentar mobilizar a sociedade?

É óbvio que Marilena Chauí tenta enganar seu leitor. Para não saber que os manifestantes iriam usar as redes sociais só se ela fosse uma pessoa autista (sem querer ofender os autistas). Seu fingido espanto é de conveniência. Ela não quer admitir que os gatos pingados do Passe Livre, insignificantes até dentro da USP, só foram ouvidos pelo País afora e pela presidente da República porque contaram com total apoio da imprensa, que, de forma ingênua, irresponsável e suicida, deu vida cívica aos devaneios virtuais de seus integrantes. O próprio fato de se ter a elitista USP servindo de criadouro para esse tipo de movimento radical é uma prova de que Marilena Chauí vive num universo paralelo, povoado pelas figuras fantasmagóricas de ricos burgueses pançudos e fumarentos, cujo esporte predileto é violentar os pobres e censurar seus críticos. Nem era necessário que vivêssemos sob a opressão da elite burguesa que Chauí enxerga (repetindo Lula) para que esses grupos radicais não existissem na USP. Bastava um regime verdadeiramente democrático, não refém da chantagem das minorias, para vermos os membros do Passe Livre e seus congêneres sumariamente expulsos da USP e das universidades públicas que, criminosamente, os homiziam.

Chauí, a tia-avó de Pablo Capilé 
A exemplo de todo intelectual de esquerda, como o legendário Sartre, Marilena Chauí não enxerga o mundo real, mas o mundo de seus desejos: se está num país comunista, vê tudo cor de rosa; se está num país capitalista, nada presta. Na entrevista, ele teve a coragem de afirmar textualmente, afrontando os fatos: “Na USP, quando há manifestações, a primeira atitude do reitor é chamar a polícia”. Ora, o que se costuma ver na USP, bem como nas demais universidades públicas do País, é a covardia de reitores e professores, para não dizer cumplicidade, diante dos profissionais de passeata travestidos de alunos. Esses militantes de partidos de esquerda buscam a reprovação voluntária para continuarem infernizando a vida da universidade, mesmo não passando de meia dúzia de “gatos pingados”, para usar a expressão da própria Chauí. Dinheiro público não é capim e se um aluno não retribui o investimento da sociedade em sua formação, preferindo dedicar-se a depredações do patrimônio público, deve é ser expulso não só da escola onde estuda, mas de toda a rede pública, até o ano letivo seguinte. É isso ou a educação no Brasil vai continuar de mal a pior, obstruída pela violência cotidiana e impune dos próprios alunos.

Mas a filósofa Marilena Chauí pensa justamente o contrário. Como integrante do Conselho da Cidade de São Paulo, convocado por Fernando Haddad (PT) depois das primeiras manifestações de junho, ela aconselhou o prefeito a transformar os “gatos pingados” do Movimento Passe Livre — que não foram eleitos por ninguém — em verdadeiros gestores da maior metrópole do País. Após defender Haddad, dizendo ele não foi ambíguo ao não revogar o aumento da passagem de imediato, Chauí faz a seguinte ressalva: “Faltou intuição política, pois Haddad poderia ter dito: ‘Vou revogar, mas convido o Movimento Passe Livre para uma reunião comigo e com o secretariado para fazermos um estudo de onde vamos tirar o subsídio’. Com isso, ele incorporaria o movimento à discussão de outros problemas da cidade e teria sido mais politizador. Haddad deu uma resposta técnica em um momento que pedia uma resposta política”. Reparem que Chauí tem 71 anos de idade e uma livre-docência, mas em vez de ralhar com a molecada do Movimento Passe Livre candidata-se a tia-avó de Pablo Capilé, deixando-se guiar por jovens incautos, que ela quer ver comandando a cidade ao lado do prefeito.

A concepção de democracia de Marilena Chauí é a mesma do “fora-do-eixo” Pablo Capilé — por sinal, seu colega no Conselho da Cidade de São Paulo, instituído pelo petista Fernando Haddad. Chauí vive criticando duramente a democracia representativa (a única possível) e, como fez em sua palestra em Goiânia, chega a demonizar o consenso (que constitui a essência do regime democrático), preferindo enaltecer o conflito permanente, fomentado pelas facções de esquerda, que julgam falar em nome do povo. Contradito­riamente, na mesma entrevista à revista “Cult”, logo depois de afirmar que Haddad deveria convocar o Movimento Passe Livre para ajudá-lo a administrar a cidade, Chauí — obviamente pensando no PT, expulso de algumas manifestações — lamenta que os manifestantes tenham se voltado contra a política institucional, formada pelos partidos, e diz temer que isso favoreça a manipulação dos movimentos pela direita, como se houvesse alguma direita organizada no País. Ocorre que, na cabeça de Marilena, até a “Folha”, o “Estadão” e a Globo, com novelas que mais parecem manifestos estudantis de esquerda, não passam de ferozes esbirros da direita.


Crítica aos manifestantes que antes ela apoiava
O sonho de Marilena Chauí era ver o Estado de São Paulo pegando fogo para que caísse por terra o único bastião de resistência (por sinal, muito frouxo) ao poder totalitário petista. Como as manifestações se generalizaram e acabaram chamuscando o PT, especialmente depois da atabalhoada reação da presidente Dilma Rousseff, Chauí acabou criticando os manifestantes que inicialmente apoiara. E só pelo fato de seu partido estar no poder é que a filósofa ainda finge respeitar as instituições democráticas e critica os grupos radicais que recusam a mediação dos partidos políticos. Na “Cult”, ela chamou de “pueril” a conduta dos manifestantes que arrebentam com a institucionalidade, o que levou o entrevistador a reconhecer que “há uma espécie de incitação à violência por parte de alguns líderes de movimentos sociais e intelectuais de esquerda”, com a palavra “esquerda” devidamente colocada entre aspas. Coitado de Juvenal Savian! Sua mestra quase o repreendeu por esta pergunta: “Olha, existe a violência revolucionária” — disse Chauí, e quase vemos seu olhar de reprovação.

Depois de fazer essa ressalva taxativa, Marilena Chauí passa a defender — com entusiasmo — o terrorismo, mascarando-o com a suposta nobreza da revolução. Vale a pena ler sua fala: “Olha, existe a violência revolucionária. Ela se dá no instante em que, pelo conjunto de condições objetivas e subjetivas que se realizam pela própria ação revolucionária, se entra num processo revolucionário. E, durante um processo revolucionário, a forma mesma da realização é a violência”. Notem que ela própria admite que “as condições objetivas e subjetivas da revolução” não estão dadas pela própria realidade — são provocadas pela ação dos revolucionários, que, feito bactérias morais, destroem o tecido social do qual se alimentam. É o que tem feito a esquerda no Brasil, sobretudo após a abertura política. As absurdas regalias legais para criminosos violentos, travestidas de direitos humanos, são um exemplo dessa ação revolucionária da esquerda, que visa criar um ambiente de anomia, propício a desesperar o cidadão e fortalecer o poder do Estado.

Pregando a violência revolucionária 
Mas Chauí vai mais longe. Sem explicar como é possível impedir que justamente os mais pobres sejam os principais ovos do omelete revolucionário (pois todas as promessas redentoras do gênero resultaram em milhões de cadáveres anônimos), ela deixa claro que o papel do movimento revolucionário é destruir a sociedade vigente para criar outra sociedade. “E isso se faz com violência, não é por meio da conversa e do diálogo”, enfatiza. E, sem querer, revela toda a ética amoral da esquerda, a ética da morte, a ética do mal travestido de bem, que levou o pensador francês Alain Besançon a considerar o comunista até mais perverso do que o nazista. Marilena Chauí prova isso ao discorrer sobre o que entende ser as formas de violência: “Porque a forma fascista é a da eliminação do outro. A violência revolucionária não é isso. Ela leva à guerra civil, à destruição física do outro, mas ela não está lá para fazer isso. Ela está lá para produzir a destruição das formas existentes da propriedade e do poder e criar uma sociedade nova. É isso que ela vai fazer. A violência fascista não é isso. Ela é aquela que promove a exterminação do outro porque ele é o outro”.

Notem o valor instrumental que a filósofa da USP confere à vida humana: para ela, a vida humana só tem valor até o momento em que terá de ser sacrificada em prol da revolução. É a mesma ética destruidora do pedagogo Paulo Freire, afirmada no best-seller “A Pedagogia do Oprimido”, manual de autoajuda marxista: “A revolução é biófila, é criadora de vida, ainda que, para criá-la, seja obrigada a deter vidas que proíbem a vida”. Como já expliquei em outros artigos, essa frase de Paulo Freire é sua justificativa para os fuzilamentos sumários praticados pelos carniceiros da Revolução Cubana. Mas como o PT está no poder, não é hora de matar em nome da revolução, como explica sua colega de petismo Marilena Chauí: “Não estamos num processo revolucionário e por isso corremos o risco da violência fascista contra a esquerda (mesmo quando vinda de grupos que se consideram de ‘esquerda)”. Ou seja, se a violência dos manifestantes de junho se limitasse aos Estados governados pela oposição, sua violência seria revolucionária. Como ela atingiu até o cerne do poder federal em Brasília, então passou a ser fascista, na concepção da filósofa.

Mas Chauí quer se mostrar sensível e, fingindo não saber que o líder da Revolução Bolchevique foi o criador do terror e dos campos de concentração que inspirariam Hitler, afirma: “Eu me lembro de uma frase lindíssima do Lênin em que ele dizia assim: ‘Há uma coisa que a burguesia deixou e que nós não vamos destruir: o bom gosto e as boas maneiras’”. Ou seja, justamente Chauí, que revira os olhos e espuma a boca ao xingar a classe média de “desgraça”, aprendeu com Lênin que o único valor da burguesia que não pode ser destruído é justamente sua casca. Como bem sabe Lula, bom mesmo é terno de grife e uísque importado. Por isso, o filósofo Alain Besançon, no livro “A Infelicidade do Século”, definiu, de forma lapidar, a essência de esquerdistas como Marilena Chauí: “O comunismo é mais perverso que o nazismo porque ele não pede ao homem que atue conscientemente como um criminoso, mas, ao contrário, se serve do espírito de justiça e de bondade que se estendeu por toda a terra para difundir em toda a terra o mal. Cada experiência comunista é recomeçada na inocência”. E Marilena Chauí, com seu inegável talento, é quem melhor transforma os inocentes em meros utilitários da revolução. Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista. Do Jornal Opção.


CHARUTOS CUBANOS

O intelectual romeno Andrei Plesu descobriu que o regime comunista havia acabado em seu país quando uma vizinha saiu no quintal e gritou: “No armazém da esquina há azeitonas! E não há fila!” Para quem vivia na Romênia de Ceausescu, era um autêntico grito revolucionário. As menores comodidades da economia de mercado – como, por exemplo, comprar azeitonas sem ter de enfrentar filas – tornam-se alegrias raras sob o comunismo. Bem o sabem os cubanos que, na falta de papel higiênico, são obrigados a utilizar as páginas do jornal Granma.


A vizinha de Plesu soltou aquele grito em 1989. No ano seguinte, líderes esquerdistas se reuniram em São Paulo com o objetivo de recuperar na América Latina aquilo que haviam perdido no Leste Europeu: o poder político. Vinte e três anos depois, a maioria dos países latino-americanos é governada pelo Foro de São Paulo.

A ineficiência econômica e a baixa produtividade são características inseparáveis do socialismo; Lenin sabia disso já em 1921. Os governantes do Foro de São Paulo, conhecedores do fato, realizam uma espécie de “acordo” com a iniciativa privada, da mesma forma que Lenin fez com a Nova Política Econômica (NEP) na União Soviética.

No socialismo do Foro de São Paulo, os empresários continuam sendo controlados por meio da carga tributária, da burocracia, da perseguição. Podem produzir azeitonas, mas precisam pagar a parte do leão. A verdadeira “luta de classes” se dá entre os que produzem riquezas e os que expropriam a sociedade com impostos, taxas, multas e sabe-se mais o quê. Pensando bem, eis uma boa definição do socialismo: a guerra do Estado contra as pessoas comuns.

Que os empresários não se iludam: entre uma facada nas costas e um prejuízo ao Partido, os companheiros governantes sempre vão optar pela facada nas costas. Era assim no Leste Europeu, está sendo assim na América Latina. E tende a piorar – como demonstram os recentes episódios dos médicos cubanos, da multa do FGTS e da crise após o resgate do senador boliviano.

Tenho um amigo que começou a deixar a esquerda ao presenciar uma cena simbólica. Ele trabalhava em um instituto vinculado ao PT e chegou bem cedo para escrever um relatório. Na noite anterior, havia acontecido uma festa de políticos e sindicalistas. O imenso salão do instituto parecia um campo de batalha com restos de charutos cubanos espalhados pelo chão. Antes de ligar o computador, meu amigo contemplou aquela imagem devastadora – e fechou os olhos.

Abram os olhos: o Brasil está se tornando aquele salão.

Por: Paulo Briguet é jornalista e edita o blog Com o Perdão da Palavra, no qual o presente artigo foi publicado originalmente.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

BARATINHA TONTA

Nunca sigas o teu primeiro instinto porque ele será sempre generoso. O conselho é de Talleyrand, diplomata e premiê francês do século 19. É um bom conselho. Pena que Barack Obama nunca o tenha seguido.


A vaidade do presidente americano, apaixonado pelas suas palavras grandiloquentes e pela sua suposta retidão moral, é incompatível com o realismo cínico, porém salvífico, do político francês.

E, no entanto, se Obama tivesse lido Talleyrand, talvez ele não tivesse mergulhado os Estados Unidos no desastre do dossiê sírio. Que promete continuar e gangrenar.

Tudo começou há um ano, quando Obama, do alto do seu púlpito, seguiu o seu instinto generoso e afirmou que o governo da Síria não poderia cruzar certas "linhas vermelhas".

Que bonito! O carniceiro de Damasco poderia matar o seu povo de todas as formas possíveis e imaginárias. Como, de fato, o tem feito com apreciável sucesso.

Mas, cuidado!, ele não poderia usar armamento químico. Isso é feio. Isso fere a sensibilidade do mundo. E Obama, humildemente, existe para representar o mundo.

Como é evidente, o moralismo vácuo do personagem é aberrante. Não apenas porque armamento convencional tem uma capacidade destrutiva que pode ser incomparavelmente superior a qualquer arma química. Mas sobretudo porque, com armas químicas ou sem elas, é a brutalidade de Bashar al-Assad que deveria ter comovido Obama desde o início.

Se o presidente americano considerava intoleráveis as matanças de Assad, só restava a Obama ter agido em conformidade: punindo o regime, promovendo a sua queda e apoiando os rebeldes que, nesses tempos primitivos, ainda lutavam sem a Al-Qaeda a acompanhá-los.

Mas a triste história das "linhas vermelhas" revela duas cegueiras suplementares. Para começar, estabelecer "linhas vermelhas" em política internacional é sempre uma tentação para que alguém se atreva a cruzá-las.

E esse alguém pode ser Assad; ou a oposição a Assad; ou os grupos jihadistas que operam no interior da Síria (e que já representam 20% dos rebeldes) --as hipóteses são múltiplas. As hipóteses são tentadoras.

E, cedo ou tarde, elas acabariam por ser experimentadas: por Assad, para testar a seriedade do ultimato de Washington; pela oposição a Assad, para arrastar Washington para o conflito sírio; ou até por ambos, como parece ser o caso nesta luta entre selvagens.

Por fim, e talvez mais importante, ninguém estabelece "linhas vermelhas" se não sabe antecipadamente o que irá fazer se elas forem violadas. Obama, manifestamente, não sabe.

Às segundas, quartas e sextas, o presidente americano quer punir Assad com bombardeamentos aéreos. Às terças e quintas, Obama exige mais: criar as condições para mudar o regime.
Aos sábados e domingos, dias de descanso, talvez Obama deseje secretamente não fazer nada e esquecer o assunto de uma vez por todas.

Hoje, cada um desses caminhos já se tornou pior que o anterior. Se decidir punir Assad --pelo ar, jamais por terra-- isso deixará o ditador intacto e, aos olhos dos sírios, o verdadeiro resistente contra mais uma agressão imperialista.

Se, pelo contrário, Obama optar pela mudança de regime, isso pode significar entregar o poder de Damasco aos exatos jihadistas que os Estados Unidos passaram a primeira metade do século 21 a combater.

Por último, não fazer nada, depois da belíssima retórica das "linhas vermelhas", será sempre uma revelação de medo e fraqueza que o terrorismo islamita não esquecerá.

Não admira que, perdido no seu labirinto, Obama já admita tudo: consultar o Congresso; pedir autorização às Nações Unidas; talvez fazer uma peregrinação à Senhora da Aparecida. Os Estados Unidos não têm um presidente; têm uma baratinha tonta que fala demais e depois espera por um milagre.

Faça o que fizer no conflito da Síria, Barack Obama já perdeu. E perdeu porque acreditou que as suas palavras sentimentais, que costumam conquistar os corações moles do Ocidente, teriam o mesmo efeito hipnótico entre a pior vizinhança do Oriente Médio.

Se calhar, foi por isso que lhe atribuíram o Prêmio Nobel da Paz. Guerra, definitivamente, nunca foi com ele.
Por: João Pereira Coutinho  Folha de SP

DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS

Os cubanos exilados alertaram os venezuelanos de que depois dos médicos viriam os educadores, depois os desportistas e quando eles abrissem os olhos Cuba já teria invadido e dominado o país.

Os venezuelanos debocharam e afirmaram ser exagero.

Esse assunto já está desgastado antes mesmo de os médicos estrangeiros começarem a exercer as funções para as quais foram contratados, mas a histeria da mídia e dos esquerdistas circulantes pelas redes sociais, blogs e sites é tão grande, que não dá para deixar passar em branco certas afetações que revelam os dois pesos e duas medidas tão comuns na praxis comunista.

Não tenho qualquer intenção de defender quem quer que seja, muito menos os médicos cubanos, pois as denúncias feitas por aqueles que conseguiram escapar da Venezuela, Bolívia e aqui mesmo do Brasil (ver meu artigo “Contratação dos médicos cubanos: o que há por trás disso?”) são demasiadamente claras para quem analisa os fatos sem paixão, sobretudo para aqueles que têm algum respeito pela vida, liberdade e dignidade da pessoa humana.

A mídia inteira tem se esmerado em acusar os médicos brasileiros de “racistas”, ardilosamente usando como argumento a foto de um cubano negro, cujo fisionomia denota tristeza e constrangimento diante de uma sonora vaia em Fortaleza, como se esse gesto tivesse sido dirigido apenas a ele, por ser negro, e não a todos os demais integrantes do grupo. Não sou dada a agressões desse tipo, preferindo sempre o embate verbal com argumentos e provas, mas não posso fazer de conta que desconheço não somente as vaias como as tentativas de agressão física que estes mesmos defensores dos cubanos castristas fizeram com a “blogueira cubana branca” Yoani Sánchez, quando esteve no Brasil no início deste ano.

Todo mundo sabe que fui talvez a primeira pessoa no Brasil a denunciar a falsa oposição desta blogueira mas, mesmo assim, jamais me passaria a vaiá-la ou agredi-la da forma covarde - afinal, ela era uma só! - como ela foi por parte de uma turba ensandecida que a julgava “vendida ao império”, “agente da CIA” e outras sandices mais. Cubanos são todos os que nascem em Cuba, evidentemente, mas os que vêm através de um acordo espúrio entre os ditadores Castro e o governo petista são os únicos que merecem respeito. Qualquer outro cubano que não faça parte do esquema é “gusano”, e não só merece como deve ser apedrejado, cuspido e vaiado.

Os “médicos” cubanos que estão dando declarações vieram com um discurso pronto e ensaiado, com frases de efeito bem ao gosto do socialismo, como“vamos aos lugares onde ninguém quer ir” ou “nós não trabalhamos por dinheiro, trabalhamos por amor”. Essa última frase, então, comoveu os corações humanistas dos defensores dos Castro, esquecendo, convenientemente, que se isso fosse verdade a ditadura cubana não receberia nenhum centavo por este “gesto humanitário”. 

Há exatos dois anos o governador do Ceará, Cid Gomes, causou justa indignação e foi duramente criticado por professores ao declarar, por ocasião de uma greve desta categoria profissional, que “Professor deve trabalhar por amor, não por dinheiro”. Ninguém trabalha “só por amor” e deve ser remunerado por seus serviços, a menos que escolha o voluntariado - que não é o caso dos cubanos -, assim como esses médicos não vão tratar uma apendicite aguda ou um infarto com “amor”, mas com procedimentos e medicamentos que inexistem nesses lugares inóspitos que os médicos brasileiros se recusam a ir. E merecem ser remunerados como qualquer outro trabalhador, assim como os médicos de outros países que chegaram aqui através do mesmo programa. 

É espantoso, portanto, que os comunistas falem tanto em “respeito aos direitos humanos” e “igualdade” e não percebam a discrepância abissal entre a forma de pagamento e valor do salário entre os médicos cubanos e os demais, e que ainda defendam o absurdo de que os cubanos não tenham um contrato individual mas terceirizado, através da OPAS, que repassa o dinheiro para Cuba, que lhes paga o que bem entende. É absurdo que esses “humanistas” aceitem a desculpa de que, como Cuba age assim em mais de 50 países isso, por si só, é correto. É ultrajante que pessoas que reclamam de seus baixos salários, como professores, e façam greve por melhorias, aceitem como normal e legal que outros profissionais, só porque são regidos por uma ditadura comunista possam vir ao seu país como escravos, pois não têm direito a um contrato de trabalho individual, não têm direito a uma remuneração direta com o empregador - o Governo brasileiro -, não tenham liberdade de locomoção, não possam trazer suas famílias como os demais, e que a AGU tenha dito de antemão que a Justiça negará asilo político caso eles venham a solicitá-lo. 

Segundo o advogado geral da União, Luís Inácio Adams, “Esses médicos vêm como profissionais, eles vêm em cima de um compromisso, de um acordo, de um programa, de uma relação de trabalho. Não me parece que sejam detentores dessa condição de permanência. Os boxeadores vieram aqui ao Brasil participar de evento, é diferente a situação”. Sim, a situação é diferente de fato. A única coisa em comum é que eles não são donos das próprias vidas, sãopropriedades do Estado cubano, tanto é assim que dentro do grupo há alguns “capitães-do-mato” que retêm os passaportes para que não haja possibilidade de fuga. Nem todos são médicos, daí a pantomima de descer do avião de jaleco como se o aeroporto já fosse um hospital cheio de pacientes necessitados de socorro urgente. Com todos vestidos iguais, ninguém sabe quem é médico e quem é agente do G2.

Quer dizer, se já foi anunciado que a Justiça brasileira irá negar o asilo político, é porque tanto o Brasil como Cuba SABEM que muitos desses médicos “aceitam” trabalhar nessas missões pela oportunidade de sair da ilha e tentar escapar para algum país livre. E isso não chama a atenção de nenhum dos que criticam os que estão condenando a vinda desses “médicos” ao Brasil, e sua raiva vem exatamente porque querem camuflar que Cuba é uma ditadura miserável e que ninguém foge “para lá” mas “de lá”!

Nos primeiros anos da ditadura chavista os cubanos exilados, que conhecem sobejamente a prática castrista de ir entrando sorrateiramente nos países com a desculpa dessas “missões humanitárias”, alertaram os venezuelanos de que depois dos médicos viriam os educadores, depois os desportistas e quando eles abrissem os olhos Cuba já teria invadido e dominado o país. Os venezuelanos debocharam e afirmaram ser exagero. Hoje, só de “médicos” (e escrevo com aspas porque muitos deles têm competência para ser, no máximo, auxiliares de enfermagem e NUNCA apresentaram diploma a ninguém) há em torno de 30.000. A infiltração nas Forças Armadas é algo alarmante, ao ponto de ocuparem até cargos de comando, além de notarias, ministérios e controle total dos registros civis e de comunicação (internet, telefonia fixa e móvel, imprensa) totalmente em mãos dos cubanos.

Caminhamos para o mesmo, pois o governo já advertiu sobre um programa semelhante na área de educação. Enquanto o problema está atingindo a classe médica as esquerdas estão rotulando essa categoria de xenófoba, racista, elitistas desalmados e mercenários que têm nojo de pobre. Quero ver quando a invasão cubana for se estendendo a outras categorias, como a dos professores, se eles vão ser tão solidários e humanistas como estão sendo agora.

Quando o Papa Francisco esteve no Brasil, fez uma declaração em um de seus discursos públicos alertando para o uso do povo pelos políticos. Alertava, sabiamente, o amado pontífice, que para os políticos o “povo” era apenas um chavão para manipular votos. Apesar do programa “Mais Médicos” ter sido acordado desde o ano passado, o “povo” nem as casas legislativas que supostamente são seus representantes foram ouvidas, nem antes nem agora. Foi criado um decreto especial para receber esses profissionais sem ter que passar pelo Revalida e eles estão sendo impostos aos brasileiros na marra. Os que questionam ou rechaçam são tratados como desumanos e elitistas O dinheiro que está sendo gasto com esses contratos daria perfeitamente bem para abrir postos de saúde, ambulatórios e hospitais equipados com o mínimo necessário para atender a população, além de ambulâncias para atendimento de urgência. Mas isso não abasteceria os cofres dos ditadores cubanos. 

Outra aberração imposta de cima para baixo sem direito a recusa, é o alojamento desse pessoal nos quartéis das Forças Armadas. Seria a forma mais prática de manter um controle sobre este pessoal, uma vez que há regras a serem cumpridas que não existem nos hotéis? Se esses médicos cubanos são pessoas livres como os demais, por que foi necessário a ministra da Saúde cubana acompanhar a frota e fazer discurso em Brasília?

Ano que vem haverá eleições presidenciais e prevejo que nas campanhas não faltarão imagens dos pobres do fim do mundo abraçados aos “doutores cubanos”, agradecendo ao governo por ter-lhes dado assistência médica, mesmo que continuem padecendo o flagelo da seca, da fome, da miséria e da falta de perspectiva. Quando o povo brasileiro abrir os olhos já será tarde demais. Que o diga a Venezuela que não quis dar ouvidos a quem sabe quem são os ditadores Castro e hoje já é um país miserável, onde falta até papel higiênico. Como em Cuba. Por: Graça Salgueiro Do site http://notalatina.blogspot.com

terça-feira, 10 de setembro de 2013

O FASCISMO DO PT CONTRA OS MÉDICOS

O PT está usando uma tática de difamação contra os médicos brasileiros igual à usada pelos nazistas contra os judeus: colando neles a imagem de interesseiros e insensíveis ao sofrimento do povo e, com isso, fazendo com que as pessoas acreditem que a reação dos médicos brasileiros é fruto de reserva de mercado. Os médicos brasileiros viraram os "judeus do PT".


Uma pergunta que não quer calar é por que justamente agora o governo "descobriu" que existem áreas do Brasil que precisam de médicos? Seria porque o governo quer aproveitar a instabilidade das manifestações para criar um bode expiatório? Pura retórica fascista e comunista.

E por que os médicos brasileiros "não querem ir"?

A resposta é outra pergunta: por que o governo do PT não investiu numa medicina no interior do país com sustentação técnica e de pessoal necessária, à semelhança do investimento no poder jurídico (mais barato)?

O PT não está nem aí para quem morre de dor de barriga, só quer ganhar eleição. E, para isso, quer "contrapor" os bons cidadãos médicos comunistas (como a gente do PT) que não querem dinheiro (risadas?) aos médicos brasileiros playboys. Difamação descarada de uma classe inteira.

A população já é desinformada sobre a vida dos médicos, achando que são todos uns milionários, quando a maioria esmagadora trabalha sob forte pressão e desvalorização salarial. A ideia de que médicos ganham muito é uma mentira. A formação é cara, longa, competitiva, incerta, violenta, difícil, estressante, e a oferta de emprego decente está aquém do investimento na formação.

Ganha-se menos do que a profissão exige em termos de responsabilidade prática e do desgaste que a formação implica, para não falar do desgaste do cotidiano. Os médicos são obrigados a ter vários empregos e a trabalhar correndo para poder pagar suas contas e as das suas famílias.

Trabalha-se muito, sob o olhar duro da população. As pessoas pensam que os médicos são os culpados de a saúde ser um lixo.

Assim como os judeus foram o bode expiatório dos nazistas, os médicos brasileiros estão sendo oferecidos como causa do sofrimento da população. Um escândalo.

É um erro achar que "um médico só faz o verão", como se uma "andorinha só fizesse o verão". Um médico não pode curar dor de barriga quando faltam gaze, equipamento, pessoal capacitado da área médica, como enfermeiras, assistentes de enfermagem, assistentes sociais, ambulâncias, estradas, leitos, remédios.

Só o senso comum que nada entende do cotidiano médico pode pensar que a presença de um médico no meio do nada "salva vidas". Isso é coisa de cinema barato.

E tem mais. Além do fato de os médicos cubanos serem mal formados, aliás, como tudo que é cubano, com exceção dos charutos, esses coitados vão pagar o pato pelo vazio técnico e procedimental em que serão jogados. Sem falar no fato de que não vão ganhar salário e estarão fora dos direitos trabalhistas. Tudo isso porque nosso governo é comunista como o de Cuba. Negócios entre "camaradas". Trabalho escravo a céu aberto e na cara de todo mundo.

Quando um paciente morre numa cadeira porque o médico não tem o que fazer com ele (falta tudo a sua volta para realizar o atendimento prático), a família, a mídia e o poder jurídico não vão cobrar do Ministério da Saúde a morte daquele infeliz.

É o médico (Dr. Fulano, Dra. Sicrana) quem paga o pato. Muitas vezes a solidão do médico é enorme, e o governo nunca esteve nem aí para isso. Agora, "arregaça as mangas" e resolve "salvar o povo".

A difamação vai piorar quando a culpa for jogada nos órgãos profissionais da categoria, dizendo que os médicos brasileiros não querem ir para locais difíceis, mas tampouco aceitam que o governo "salvador da pátria" importe seus escravos cubanos para salvar o povo. Mais uma vez, vemos uma medida retórica tomar o lugar de um problema de infraestrutura nunca enfrentado.

Ninguém é contra médicos estrangeiros, mas por que esses cubanos não devem passar pelas provas de validação dos diplomas como quaisquer outros? Porque vivemos sob um governo autoritário e populista.
Por: Luiz Felipe Pondé  Folha de SP

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

QUANTO CUSTA MANTER UM AUTOMÓVEL

Gastos com carro nos 3 primeiros anos de uso equivalem ao preço de outro novo

Ao comprar um carro, o brasileiro está mais preocupado com a atuação do vendedor, o prazo de entrega e a facilidade de pagamento. Os dados vêm de um estudo feito pelo instituto J.D. Power do Brasil, que mede a satisfação dos consumidores.

Entretanto, o custo de manutenção não foi citado como fator de compra, embora seja relevante. De acordo com um estudo realizado em parceria pela Folha com a ProTeste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor) manter um veículo considerado popular pode custar mais de R$ 800 ao mês.

A pesquisa considerou os gastos nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Foram avaliados fatores como depreciação, seguro e impostosao longo de três anos. No fim desse período, o gasto equivale ao preço de um carro novo de categoria similar.

Os dez carros mais vendidos no primeiro semestre foram incluídos na lista. A conta considerou que os modelos rodam, em média, 15 mil quilômetros por ano.
Se o carro for financiado, o consumidor deverá acrescentar os gastos com o parcelamento. Assim será possível ter uma noção do impacto dessas despesas no orçamento.
Editoria de Arte/Folhapress 


FATORES RACIONAIS

De acordo com o levantamento, o valor gasto em três anos para se manter um Hyundai HB20 1.0 é de R$ 32 mil. Hoje, um modelo zero-quilômetro do mesmo carro é vendido por R$ 34,8 mil. Os valores não assustaram o designer Lucas Astolfi Luz, 26.

"O custo foi extremamente importante na minha decisão. Considero-me um comprador passional, porém, na minha atual situação, os fatores racionais têm mais peso. O valor gasto mensalmente com o HB20 é alto, mas acredito que ele também varie de acordo com a quilometragem e o tipo de uso do carro", diz o designer.

Antes de comprar o carro, Lucas pesquisou diversos fatores. "Comparei vários modelos e, após diversas pesquisas sobre consumo e valor do seguro, por exemplo, considerei que o Hyundai me atenderia melhor em itens como conforto e estética", conclui.

RACIONAL
Zé Carlos Barretta/Folhapress 
O designer Lucas Astolfi Luz, que se considera um comprador emocional, escolheu o HB20 1.0

Para Jon Sederstrom, diretor da J.D. Power brasileira, o perfil passional do consumidor local está mudando.

"Quando vai para a concessionária, o brasileiro é prático. E muito se diz sobre a compra do carro ser emocional, mas o que vimos em nossa pesquisa é que o cliente está cada vez mais racional", diz o executivo.

Ele também afirma que, mesmo quando o consumidor não pondera o custo para se manter o carro, essa variável é fundamental após a compra. "Nosso estudo mostrou que 42% da satisfação do cliente está justamente ligada ao valor gasto durante seu período com o veículo".

Ex-dono de um Chevrolet Onix (o carro foi roubado recentemente), o analista de projetos Rodrigo Duarte, 30, diz que faz parte do grupo dos consumidores passionais: "Acho que é muito mais importante eu sentar no carro, gostar de dirigi-lo e me sentir feliz do que simplesmente pensar nos gastos".

Porém, Duarte afirma considerar alguns custos fixos. "Os valores de seguro podem atingir níveis estratosféricos, como os mais de R$ 4 mil pedidos para um Peugeot 307 que eu tinha. O valor das revisões também conta".

MUDANÇA

A consultora de projetos Daniela Cruz, 34, tem perfil racional. Ela usava seu Ford Fiesta 2011 para ir ao trabalho diariamente. Entretanto, a rotina com o carro foi alterada desde que se mudou da zona leste para a zona sul de São Paulo.

"Eu rodava cerca de 700 quilômetros por mês e, com isso, gastava quase R$ 500 mensais, descontando estacionamento", diz a consultora, que hoje pode dispensar o carro.

"Ando cerca de 20 minutos até o meu trabalho. Quando está chovendo ou muito frio, meu marido e eu pegamos um táxi e gastamos por volta de R$ 8,50", afirma Daniela.
Por: RODRIGO LARA DE SÃO PAULO  Do site UOL


SUSPEITA DE BOLHA NO BRASIL?

Economista que previu crise nos EUA suspeita de bolha no Brasil
31/08/2013 18:44
'Uma bolha não é algo que estoure de repente', diz Shiller.  O economista e professor da Universidade Yale, Robert Shiller, ficou conhecido por ter previsto a crise no setor imobiliário dos EUA. Em entrevista ao site de VEJA, ele comenta que há indícios de formação artificial de preços também no Brasil

Talita Fernandes - Veja
Robert Shiller, economista e professor da Universidade de Yale
Robert Shiller, economista e professor da Universidade de Yale (Moritz Hager/World Economic Forum)

Cerca de três anos antes de o banco de investimentos Lehman Brothers anunciar a falência, em setembro de 2008, o renomado economista Robert Shiller, professor da Universidade Yale, já previa que a economia dos Estados Unidos poderia entrar em colapso. A crise prevista por Shiller, no entanto, não se referia à quebra do banco em si, mas à formação de uma "bolha" no mercado imobiliário dos EUA. Mas a queda do Lehman foi a agulha que estourou a crise financeira americana, que deixou consequências até os dias de hoje.

O termo "bolha" tem sido usado amplamente para designar uma situação em que os preços de determinado setor inflam fortemente sem qualquer sustentação. Esse valor artificial só é percebido quando os preços caem. É, literalmente, como uma bolha de sabão, sensível a qualquer movimento mais forte.

Em entrevista ao site de VEJA, Shiller explica que o termo "bolha" é uma metáfora infeliz por parecer algo que se rompe repentinamente. Para ele, uma "bolha" é, na verdade, algo cíclico que pode inflar e desinflar ao longo do tempo - algo mais parecido com uma bexiga.

reconhecimento ao trabalho de Shiller está no índice Standard and Poor's Case/Shiller, que serve de referência para os preços do mercado imobiliário dos EUA. Sobre a situação brasileira, o economista explica que "há indícios" da formação de uma "bolha" no mercado de imóveis. Ele diz que o Banco Central poderia atuar, ainda que tardiamente, para evitar consequências mais graves de uma forte alta dos preços dos imóveis. Neste sábado, Shiller estará no Brasil, onde participa do 6º Congresso Internacional de Mercado Financeiro e de Capitais, organizado pela BM&FBovespa, em Campos do Jordão. Confira trechos da entrevista:


Desde a crise imobiliária dos EUA, o termo “bolha” tem sido usado para designar inúmeros males econômicos. Como o senhor define esse conceito? 
Eu acho que a metáfora “bolha” vem de 1720, do mercado europeu, de um episódio que ficou conhecido como a “bolha de Mississipi”. A metáfora sugere que se trata de uma explosão repentina. As bolhas de sabão vão crescendo até estourarem de forma catastrófica. É uma metáfora infeliz porque, na economia, as bolhas geralmente não estouram de repente. Na verdade, elas podem encolher durante um longo período de tempo. A bolha dos preços dos imóveis no Japão, que se formou nos anos 1980 e que teve seu pico no começo de 1999 está desinflando até hoje, por exemplo. Ela está perdendo tamanho há vinte anos. Eu acredito que as bolhas sejam formadas por fenômenos sociológicos, elas são criadas pelos pensamentos das pessoas. E o pensamento não muda da noite do para o dia. Os movimentos repentinos no mercado financeiro acontecem tanto para cima quanto para baixo. Por exemplo, o mercado financeiro dos Estados Unidos teve uma tendência de queda entre 1929 e 1932, foram quase três anos de queda. Mas isso não quer dizer que de repente ele estourou.


É possível prever o momento da contração da bolha?
Nos Estados Unidos, por exemplo, isso aconteceu em 2005, ou seja, três anos antes da crise do Lehman Brothers. A crise do Lehman Brothers foi um efeito colateral da crise imobiliária. Eu tentei voltar para 2005 para analisar o que mudou de lá para cá. O que eu vejo que mudou é que as pessoas aprenderam a palavra “bolha”. Elas nem sabiam o que significava até então. Eu sei disso porque eu fiz pesquisas com perguntas diretas às pessoas. Por volta de 2003, por exemplo, ninguém havia mencionado a palavra “bolha”. O que todos diziam é que “imóvel era o melhor investimento”. Depois da crise dos anos 2000 ficou a impressão de que os imóveis não são bons investimentos, mas eles são, porque as pessoas sempre vão querer moradia. O que as pessoas não percebem é que se os preços sobem um dia eles caem.



No Brasil, o senhor acredita que exista uma bolha no mercado imobiliário causada pelos estímulos ao crédito?
Analisando os indicadores de preços de imóveis do Brasil pode-se perceber que os preços vêm dobrando. Eu suspeito que haja a formação de uma bolha. Uma boa evidência é comparar sempre os preços do imóvel com o do aluguel. Nos Estados Unidos, por exemplo, os imóveis tiveram alta a um ritmo mais avançado do que o dos aluguéis. Eu não pude ver os preços dos aluguéis no Brasil, mas acredito que isso esteja acontecendo também. Isso é crítico porque não é que de repente as pessoas queiram consumir mais casas, mas esse apetite pelas compras é motivado pelo investimento. Isso é um problema. Meu temor é porque as pessoas agora estão tomando empréstimos para comprar imóveis. Se os preços entrarem em colapso, vai incorrer no mesmo tipo de problema que tivemos nos Estados Unidos. Isso pode ser convertido em uma recessão.


O que pode ser feito para evitar esse cenário? O governo tem poder para impedir?
O governo deveria se manifestar contra a formação de bolha, eles precisam acreditar que trata-se de uma bolha. E ele deveria fazer um aperto na oferta de crédito. Também pode-se fazer uma legislação que puna a oferta irresponsável de crédito. Uma outra medida interessante é contratar mais reguladores. A regulação é custosa, você não pode fazê-la de uma forma crua. É preciso saber quem é o emprestador responsável e quem não é. Isso se descobre com investigação e isso é custoso.


Esta semana o Fundo Monetário Internacional emitiu um relatório que recomenda que os bancos públicos brasileiros diminuam o ritmo de concessão de crédito. Qual sua opinião sobre isso, pensando no impacto no mercado imobiliário?
O banco de Israel fez isso. Eles estavam criando uma bolha imobiliária. Na China, as autoridades criaram barreiras para evitar a compra do segundo imóvel, por exemplo.
O que acontece para que se forme uma bolha é o fato de as pessoas se apressarem para comprar até cinco casas, elas querem comprar quanto for possível. Foi isso o que aconteceu nos Estados Unidos, a compra do segundo imóvel cresceu substancialmente. Isso é um problema, se muitos compram mais de um imóvel, os preços sobem.


Nossa situação é também um pouco diferente, há um déficit de moradias...
É difícil explicar isso porque eu teria que analisar a situação do Brasil.


Uma regulação mais rígida pode evitar que uma bolha seja criada?
É difícil evitar isso completamente. O problema é que sempre tem alguém que nega a existência de uma bolha. Eu estava muito atento a isso na formação da bolha norte-americana. Eu tentei debater com as pessoas a existência de uma bolha em 2005 e 2006. Algumas dessas discussões foram televisionadas em um programa da CNBC. Isso foi em 2005. Eu discuti com economistas que escreveram longos artigos que tinham tabelas e estatísticas, ridicularizando a existência de bolhas. Eu tive dificuldade para vencer os argumentos deles. Isso porque é difícil provar uma bolha.


Como se prova que há uma bolha?
É difícil, mas se você conseguir prová-la é possível também colocar fim. As pessoas têm a impressão de que a alta dos preços é um avanço da economia, e que isso vai tornar as pessoas mais ricas, mas elas não têm noção das estatísticas. Isso não é a verdade. Pode-se observar, por exemplo, a evolução dos preços dos imóveis em comparação com a evolução dos preços dos aluguéis, que deveriam aumentar na mesma proporção. Uma diferença é um indicativo de bolha. Se for feita a correção com a inflação, os preços deveriam ficar quase que estáveis. Eu peguei dados no intervalo de 100 anos nos Estados Unidos dos preços dos aluguéis e os preços caíram em vez de aumentar. Além disso, nossa economia tornou-se mais eficiente, nossa forma de construção também, isso barateia o custo de construção e os preços deveriam ser menores.


O Brasil vive uma situação de “bolha” do consumo?
O Brasil teve um “turning point” na década de 1990 com o controle inflacionário. Mesmo hoje, a inflação no país é moderada. Sobre o crescimento, o que aconteceu com o Brasil foi o mesmo que aconteceu com a China e com todos os Brics. Houve um sentimento de “milagre”. Eu acho que essa ideia de milagre desses países como China, Brasil, Rússia e Índia se espalhou pelo mundo. Mas esse tipo de milagre não dura para sempre, ele acaba mais cedo do que se espera. No meu livro “Espírito Animal”, eu digo que a confiança não é um fator exógeno. Mas que ela é conduzida, substancialmente, por histórias da mente humana, a capacidade do cérebro humano de armazenar as boas histórias. Eu não sei como analisar o Brasil, não faz parte da minha realidade. O que eu me lembro é da vitória do presidente Lula, cuja eleição trouxe medo para muitos, mas ele acabou se tornando pragmático na economia e isso trouxe confiança às pessoas.

domingo, 8 de setembro de 2013

INIMIGOS MÉDICOS

Quando viu o povo na rua, cobrando atenção à Saúde Pública, Dilma adotou prática tão antiga quanto namorar no portão. Escolheu um inimigo e o apontou à sociedade: os médicos brasileiros. A partir daí, jogou contra eles os raios e trovões que conseguiu recolher em seu repertório.

A saúde pública tem problemas. Falta atendimento, dinheiro, leitos. São longas as filas. Espera-se meses por um exame e anos por uma cirurgia. De quem é a culpa? Segundo a presidente, a culpa é dos médicos. Sua Excelência cuidou de passar à sociedade a impressão de que eles preferem viver nos grandes centros não porque ali estejam os melhores hospitais, laboratórios e equipamentos, mas porque ali estão os melhores restaurantes, clubes e cinemas. Foi para a tevê tecer ironias com o fato de que os primeiros a fazerem opções no "Programa Mais Médicos" preferiram localidades litorâneas. A compreensão dessa mensagem pelos sem discernimento (estamos falando de dezenas de milhões) fica assim: os doutores gostam, mesmo, é de praia.

Através dessas paquidérmicas sutilezas, o governo tenta convencer a sociedade de que os médicos não vão para as pequenas comunidades porque se lixam para as carências com que ele, governo, se preocupa. Opa! Preocupa-se agora, preocupa-se depois das vaias, preocupa-se depois das passeatas. E esquece que, pelos mesmos motivos, milhões de outros profissionais também preferem trabalhar em centros urbanos mais dinâmicos. Identificado o inimigo, a presidente partiu para o ataque. Criou um 2º ciclo de formação médica, obrigatório, a serviço do SUS, com duração de dois anos, a ser prestado onde houver necessidade. Fez com que os médicos perdessem a exclusividade de diversas atribuições relativas a diagnósticos e prescrição de tratamentos. Jogou na lixeira a insistente e lúcida recomendação no sentido de que seja criada na área médica uma carreira de Estado, semelhante à que existe para as carreiras jurídicas. Explico isso melhor: espontaneamente, nenhum juiz ou promotor vai solicitar lotação em Paranguatiba do Morro Alto. No entanto, como etapa de uma carreira atraente e segundo regras bem definidas, sim. É desse modo que se resolvem as coisas numa sociedade de homens livres.

Nada revela melhor a vocação totalitária do partido que nos governa do que este episódio. É uma vocação que dispensa palavras, que atropela leis e se expressa nas grandes afeições. Cubanas, por exemplo. A vinda dos médicos arrematados em Castro & Castro Cia. Ltda. permite compor um catálogo de transgressões aos princípios da liberdade individual, da dignidade da pessoa humana, da justiça, da equidade, da proporcionalidade, do valor do trabalho. Repugna toda consciência bem formada a ideia de que um país possa alugar seus cidadãos a outro, enviá-los aos magotes como cachos de banana, beneficiar-se financeiramente dessa operação em proporções escandalosas e ainda fazer reféns as respectivas famílias por garantia da plena execução do mandado. E há quem afirme que toda oposição a uma monstruosidade dessas é "preconceito ideológico"! Pois eu digo diferente: acolher como louvável semelhante anomalia política é coisa que só se explica por desvio do juízo moral.

Dilma e os seus gostariam de dispor dos brasileiros como coisas suas, assim como os Castro dispõem dos cubanos. Sendo impossível, buscam-nos lá, do mesmo modo como, antigamente, eram trazidos escravos das feitorias portuguesas no litoral africano. 

Por: Percival Puggina. Zero Hora

E ELE NÃO DISSE "ÁFRICA"


Meio século atrás, à sombra do Memorial de Lincoln, em Washington, Martin Luther King pronunciou 1.667 palavras. Nenhuma delas era “África” — ou “africanos”, ou mesmo “afro-americanos”. Nessa ausência encontra-se a prova da atualidade do discurso mais célebre do século XX. Deveríamos ouvi-lo novamente, prestando atenção no contraste entre aquela linguagem e a utilizada hoje pelos arautos das políticas de raça.

King aludiu à Proclamação de Emancipação, de Abraham Lincoln, “um grande farol de esperança para milhões de negros escravos”, mencionou as “algemas da segregação” e as “correntes da discriminação” que, cem anos depois, ainda aleijavam “a vida dos negros”, e falou sobre a “solitária ilha de pobreza, em meio a um vasto oceano de prosperidade material” na qual viviam os negros. No discurso de agosto de 1963, os negros eram definidos por referências situacionais (escravidão, segregação, pobreza), não por uma essência identitária (raça, etnia, cultura ou origem).

Americanos, não “afro-americanos” — isso são os negros, na linguagem de King. Os negros, que experimentam “o exílio em sua própria terra”, marcharam à “capital de nossa nação” para cobrar uma promessa de igualdade escrita “pelos arquitetos de nossa república” na Declaração de Independência e na Constituição. A luta para resgatar aquela “nota promissória” ergueria “nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a sólida rocha da fraternidade”. Ela não deveria “conduzir-nos a desconfiar de todas as pessoas brancas”, pois “muitos de nossos irmãos brancos (…) compreenderam que o destino deles está preso ao nosso” e que “a liberdade deles está inextricavelmente ligada à nossa”.

A linguagem de King não desafiava apenas as leis de segregação, seu alvo imediato, mas uma narrativa sobre a origem dos Estados Unidos, seu alvo distante. Tal narrativa, uma versão da ideia do melting pot, coagulara-se no fim do século XIX como reação à libertação dos escravos e como chave lógica para a segregação racial oficial. Ela descrevia os Estados Unidos como uma nação de colonos brancos rodeada por minorias raciais (indígenas, asiáticos e negros africanos). No discurso que completa 50 anos, King contestava todo esse cortejo de noções identitárias emanadas do pensamento racial. Não, dizia, a nação é outra coisa — é aquilo que está escrito nos textos fundadores!

Du Bois, revisitado pelo multiculturalismo, não o universalismo de King, é a fonte das políticas oficiais de raça no Brasil. Um documento de “orientações curriculares” para a “educação étnico-racial” da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, datado de 2008, sintetiza as diretrizes que, a partir do MEC, disseminam entre os jovens estudantes a noção de divisão da humanidade em raças. O texto deplora a vasta diversidade de cores utilizada pelos indivíduos em declarações censitárias, que contribuiria “para diminuir o potencial político da população afro-brasileira”.A contestação de King separava-o de uma longa tradição da política negra nos Estados Unidos. W. E. B. Du Bois entalhara o mito da raça na fachada da venerável NAACP, principal organização negra americana. Ele não acreditava no valor explicativo de “grosseiras diferenças físicas de cor, cabelos e ossos”, mas invocava “forças sutis” que “dividiram os seres humanos em raças claramente definidas aos olhos do historiador e do sociólogo”. “Nós”, dizia Du Bois, “somos americanos por nascimento e cidadania” e “em virtude de nossos ideais políticos, nossa linguagem, nossa religião”. Contudo, acrescentava, “nosso americanismo não vai além disso” pois, “a partir desse ponto, somos negros, membros de uma raça histórica que se encontra adormecida desde a aurora da criação, mas começa a acordar nas florestas escuras de sua pátria africana”. Afro-americanos: o termo, cunhado muito depois, na bigorna do multiculturalismo, foi concebido no início do século XX como um fruto do pensamento racial. A atualidade do discurso de King encontra-se precisamente na sua ruptura com a visão de Du Bois, que era um reflexo da narrativa racista sobre a nação branca.

“A pluralidade de cores no país diz quem é o povo brasileiro, mas não sua identidade étnico-racial”, segundo os sábios da Secretaria Municipal de Educação. A solução para a carência identitária residiria numa especial reinterpretação das palavras dos declarantes. Operando como “um agente social de reconhecimento eficaz do outro”, transformando-se “em alguém mais ativo no processo de identificação”, o recenseador produziria em tabelas e gráficos a “população afro-brasileira” que não emerge das autodeclarações. Em termos diretos, trata-se de manufaturar uma fraude censitária com a finalidade de gerar as tais “raças claramente definidas aos olhos do historiador e do sociólogo” de que falava Du Bois. Destinado a professores, o texto veiculava a mensagem inequívoca de que, na sala de aula, a linguagem da raça é um imperativo absoluto, em nome do qual deve-se ignorar a informação censitária factual.

“Eu tenho o sonho de que meus quatro pequenos filhos viverão, um dia, numa nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pelo teor de seu caráter”. A sentença nuclear do discurso de King não solicitava do reconhecimento de identidades étnicas ou de direitos raciais. Ela exigia que os Estados Unidos aplicassem o princípio, contido nos seus documentos fundadores, segundo o qual “todos os seres humanos são criados iguais”. A igualdade entre indivíduos livres de todas as cores, não um acordo político entre coletividades raciais distintas, era a reivindicação do 28 de agosto de 1963. Eis por que aquele dia permanece tão atual, lá e aqui.

Eu também tenho um sonho. Sonho com o dia em que milhões de exemplares do discurso de King sejam distribuídos, clandestinamente, como material subversivo nas escolas brasileiras.
Por: Demétrio Magnóli  Fonte: O Globo, 29/08/2013

sábado, 7 de setembro de 2013

JUROS DA DÍVIDA CONSOMEM TANTO DINHEIRO PÚBLICO QUANTO A EDUCAÇÃO

Juntos, o governo federal, os Estados e os municípios gastam com juros de suas dívidas tanto dinheiro quanto o destinado à educação no país.


A evidente distorção de prioridades pode ser observada no infográfico abaixo, que relaciona as principais fontes de receita e as diferentes finalidades das despesas públicas.

Analisar escolhas _ou fatalidades_ como essa será um dos objetivos deste blog que estreia hoje, assim como os efeitos da tributação e do gasto dos governos no cotidiano das famílias e das empresas.


Tanto a educação, primazia orçamentária mais consensual no país, como os juros da dívida pública, muito mais um encargo do que uma opção, consomem cada um algo como 5% de toda a renda do país.

A educação vem elevando gradualmente sua parcela nos últimos anos; a conta financeira caiu no governo Dilma, mas está novamente em tendência de alta.

A alocação de recursos para o ensino público no país é compatível com a prática no resto do mundo; já o custo da dívida pública brasileira é anormalmente elevado.

Países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), na maioria ricos, gastam, em média, 5,6% do Produto Interno Bruto com educação e 2,6% com juros.

O peso excessivo da dívida encoraja, especialmente na esquerda do mundo político, propostas de interromper total ou parcialmente o pagamento de juros, o que liberaria mais recursos para áreas mais nobres.

Mesmo sem levar em conta as consequências econômicas de tal medida, é possível demonstrar que seu potencial de geração de verbas é menor do que parece.

Os governos brasileiros já gastam mais do que arrecadam _ou, em outras palavras, estão sempre fazendo novas dívidas. A parcela da receita de impostos destinada aos juros não chega a pagar metade da conta.

Um hipotético calote da dívida, portanto, acabaria por reduzir as possibilidades de expansão futura dos demais gastos, porque os credores deixariam de financiar o deficit das contas públicas.

A escolha menos radical das administrações de Lula e Dilma foi reduzir as taxas de juros para viabilizar o aumento dos gastos sociais e dos investimentos.

Mas a estratégia também chegou a um limite quando a consequente alta da inflação fez com que o Banco Central fosse obrigado a elevar novamente os juros.
POR DINHEIRO PÚBLICO & CIA  Folha de SP

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

UM JUSTO ENTRE DUAS NAÇÕES

Saboia, na Bolívia, ousou contrariar o Itamaraty assim como foi feito com a emissão de vistos a judeus

Impossível não admirar a conduta de Eduardo Saboia, encarregado de negócios na Bolívia, de trazer para o Brasil o senador Roger Pinto Molina, asilado há 15 meses em nossa embaixada em La Paz. Tomou atitude nobre e corajosa.

No passado, outros diplomatas brasileiros ousaram contrariar a cúpula do Itamaraty. Na França, o embaixador Luís Martins de Souza Dantas emitiu centenas de vistos para o Brasil a perseguidos pelos nazistas.

Mesmo depois de ser repreendido e formalmente proibido de conceder vistos, seguiu assinando documentos de próprio punho, com datas anteriores à da proibição. Enquanto isso, em Hamburgo, o vice-cônsul brasileiro e escritor João Guimarães Rosa também agiu assim, concedendo vistos de entrada no Brasil a judeus.

Décadas depois da façanha, Souza Dantas virou personagem do Museu do Holocausto, em Israel. Foi proclamado "Justo entre as nações", título atribuído a pessoas que arriscaram suas vidas para ajudar judeus perseguidos pelo regimes nazista e fascista.

Mas não se trata aqui, como não o foi no passado, de defender quebra de hierarquia nem de comparar o terror do Holocausto a um fato que pode não ir além de um incidente diplomático. Quero apenas mostrar que, em situações extremas, o diplomata deve recorrer a si mesmo.

Ressalte-se que o embaixador anterior, Marcel Biato, já havia concedido o asilo a Molina, fazendo valer esse direito internacional.

E o senador teve de pedir asilo por ter denunciado a corrupção no governo de seu país. Ousou fazer o que muitos não tiveram coragem de fazê-lo.

Em resposta, ganhou um processo "judicial", típico de "socialistas bolivarianos" que tratam os opositores como se criminosos fossem. É a criminalização da política, levada a cabo por governantes que não nutrem respeito à democracia e aos direitos civis.

Há que lembrar, também, que a lista de incidentes diplomáticos na relação do Brasil com a Bolívia é extensa. Basta citar dois episódios: a ocupação militar de uma refinaria da Petrobras e a vistoria de três aviões da Força Aérea Brasileira, que deveriam ser invioláveis, inclusive um que levava nosso ministro da Defesa.

E é bom que se diga que o senador Molina não está foragido no Brasil. Foi retirado da Bolívia em uma operação conduzida pelo consulado brasileiro. O que se espera, agora, é que não tenha destino diferente do que teve Cesare Battisti, que conseguiu permissão para ficar no Brasil, mesmo com pedido de extradição aprovado pelo Supremo Tribunal Federal.

Quando foi trazido ao país, Molina vinha de um confinamento de quase 500 dias num cubículo da embaixada brasileira, sem direito a banho de sol, em uma condição de deterioração física e psíquica. Bem diferente do tratamento principesco que o ex-presidente de Honduras Manuel Zelaya recebeu ao longo dos quatro meses em que se manteve exilado na nossa embaixada em Tegucigalpa.

Alguns aguentam mais, outros menos. Se Molina ameaçou suicídio, é porque estava no limite de suas forças. Basta nos colo- carmos na posição do outro para percebermos melhor sua condição dramática.

O encarregado de negócios Eduardo Saboia vivenciou o drama do senador. Ninguém melhor do que ele para decidir o que fazer, dada a sua proximidade e diante da falta de comando hierárquico.

Se tomou uma decisão humanitária, ele o fez em respeito aos direitos humanos defendidos por nosso governo. Se a cúpula do Itamaraty não estava observando esses direitos, um de seus diplomatas optou por fazê-lo, mesmo colocando vidas em risco.

Seguiu valores maiores, com determinação. Não se conformou com a rotina burocrática basea- da na omissão, embora essa omissão possa ter sido, ela própria, uma decisão. Cumpriu todo um péri- plo até chegar, enfim, a territó- rio brasileiro.

KÁTIA ABREU, 51, senadora (PSD/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve aos sábados nesta coluna.