sábado, 22 de março de 2014

O SOCIALISMO NA PRÁTICA - O LABORATÓRIO DA MORTE


Você sabe qual foi ou qual é o experimento socialista mais longevo da história do mundo? Você sabe qual foi o sucesso deste experimento?

Se alguém lhe pedisse para defender a ideia de que o socialismo fracassou, qual exemplo você forneceria?

Onde o formato moderno de socialismo começou?

Nos Estados Unidos.

É isso mesmo: na "terra da liberdade". Mais especificamente, nas reservas indígenas, sob o comando da Agência de Questões Indígenas, subordinada ao Ministério do Interior.

As reservas indígenas foram inventadas com o intuito de controlar combatentes adultos. Elas tinham como objetivo manter a população nativa pobre e impotente.

O sistema funcionou? Pode ter certeza.

O experimento tem se mostrado um fracasso? Muito pelo contrário, tem sido um sucesso total.

Quando foi a última vez que se ouviu a respeito de alguma insurreição dos índios americanos?

Eles são pobres? Os mais pobres dos EUA.

Eles recebem auxílios do governo americano? É claro que sim.

No ano passado, o Ministério da Agricultura dos EUA destinou US$21 milhões para subsidiar eletricidade para os moradores daquelas reservas indígenas cujas casas são as mais isoladas de empregos e oportunidades de trabalho. Você pode ler mais a respeito aqui. Como toda e qualquer medida assistencialista, esta é apenas mais uma para mantê-los continuamente pobres. Eletricidade tribal significa impotência tribal. 

As tribos são dependentes. Elas permanecerão dependentes. O programa foi criado exatamente para este objetivo.

Por alguma razão, os livros-textos de economia não oferecem sequer uma página relatando a corrupção, a burocratização e a pobreza multigeracional criadas por este socialismo tribal. Temos aqui uma série de exemplos de laboratórios sociais gerenciados pelo governo. Quão exitosos eles têm se mostrado? Onde estão as reservas que de maneira sistemática tiraram pessoas da pobreza?

A próxima será a primeira.

O paraíso dos trabalhadores

A União Soviética foi o paraíso socialista dos trabalhadores de 1917 a 1991. Como resultado direto deste experimento, pelo menos 30 milhões de russos morreram. Os números verdadeiros podem ser o dobro desta cifra. Já o experimento chinês foi mais curto: de 1949 a 1978. Talvez 60 milhões de chineses tenham morrido. Há quem fale em 100 milhões.

O sistema foi incapaz de fornecer os bens prometidos. Não consigo imaginar um tópico mais apropriado para se discutir em uma aula de economia do que o fracasso do socialismo. O mesmo é válido para um curso sobre a história do mundo moderno. Qualquer curso decente de ciência política deveria cobrir este fracasso em detalhes.

Mas isso não ocorre, é claro. Nenhum curso menciona o mais fundamental desafio já proposto à teoria econômica socialista, o ensaio de Ludwig von Mises, escrito em 1920, O cálculo econômico sob o socialismo. E por que não? Porque a maioria dos cientistas sociais, economistas e historiadores nunca ouviu falar desta obra. Entre aqueles com mais de 50 anos de idade, os poucos que já ouviram a respeito ouviram da boca de algum defensor do socialismo ou de algum entusiasta keynesiano, que apenas repetiu o que havia aprendido na sua pós-graduação: que tal ensaio havia sido totalmente refutado por Oskar Lange em 1936.

Mas o que eles nunca dizem é que, quando Lange, um devoto comunista, voltou à sua Polônia natal em 1947 para atuar no alto escalão da burocracia estatal, o governo comunista não pediu para que ele implementasse sua grande teoria do "socialismo de mercado". Com efeito, nenhum país socialista jamais implementou sua teoria.

Durante 50 anos, poucos livros-textos de economia mencionavam Mises. E, quando o faziam, era apenas para dizer que ele havia sido totalmente refutado por Lange. Os acadêmicos do establishment simplesmente jogaram Mises no buraco orwelliano da memória.

No dia 10 de setembro de 1990, o multimilionário escritor, economista e socialista Robert Heilbroner publicou um artigo na revista The New Yorker intitulado "Após o Comunismo". A URSS já estava em avançado processo de colapso. Neste artigo, Heilbroner recontou a história da refutação de Mises. Ele relata que, na pós-graduação, ele e seus pares foram ensinados que Lange havia refutado Mises. Porém, agora, ele anunciava: "Mises estava certo". No entanto, em seu best-seller, The Worldly Philosophers, um livro-texto sobre a história do pensamento econômico, ele em momento algum cita o nome de Mises.

Os fracassos visíveis

O fracasso universal do socialismo do século XX começou já nos primeiros meses após a tomada da Rússia por Lênin. A produção caiu acentuadamente. Ato contínuo, ele foi forçado a implementar um reforma marginalmente capitalista em 1920, a Nova Política Econômica (NEP). Ela salvou o regime do colapso. A NEP foi abolida por Stalin.

Durante as décadas seguintes, Stalin se entregou ao corriqueiro hábito de assassinar pessoas. A estimativa mínima é de 20 milhões de mortos. Tal prática era peremptoriamente negada por quase toda a intelligentsia do Ocidente. Foi somente em 1960 que Robert Conquest publicou seu monumental livro O Grande Terror — Os Expurgos de Stalin. Sua estimativa atual: algo em torno de 30 milhões. O livro foi escarnecido à época. O verbeteda Wikipédia sobre o livro é bem acurado.

Publicado durante a Guerra do Vietnã e durante um surto de marxismo revolucionário nas universidades ocidentais e nos círculos intelectuais, O Grande Terror foi agraciado com uma recepção extremamente hostil.



A hostilidade direcionada a Conquest por causa de seus relatos sobre os expurgos foi intensificada por mais dois fatores. O primeiro foi que ele se recusou a aceitar a versão apresentada pelo líder soviético Nikita Khrushchev, e apoiada por vários esquerdistas do Ocidente, de que Stalin e seus expurgos foram apenas uma "aberração", um desvio dos ideais da Revolução, e totalmente contrários aos princípios do leninismo. Conquest, por sua vez, argumentou que o stalinismo era uma "consequência natural" do sistema político totalitário criado por Lênin, embora reconhecesse que foram os traços característicos da personalidade de Stalin que haviam causado os horrores específicos do final da década de 1930. Sobre isso, Neal Ascherson observou: "Àquela altura, todos nós concordávamos que Stalin era um sujeito muito perverso e extremamente diabólico, mas ainda assim queríamos acreditar em Lênin; e Conquest disse que Lênin era tão mau quanto Stalin, e Stalin estava simplesmente levando adiante o programa de Lênin".



O segundo fator foi a ácida crítica de Conquest aos intelectuais ocidentais, os quais ele dizia sofrerem de cegueira ideológica quanto às realidades da União Soviética tanto durante a década de 1930 quanto, em alguns casos, até mesmo ainda durante a década de 1960. Personalidades da intelectualidade e da cultura da esquerda, como Sidney e Beatrice Webb, George Bernard Shaw, Jean-Paul Sartre, Walter Duranty, Sir Bernard Pares, Harold Laski, D.N. Pritt, Theodore Dreiser e Romain Rolland foram acusados de estúpidos a serviço de Stalin e apologistas de seu regime totalitário devido a vários comentários que fizeram negando, desculpando ou justificando vários aspectos dos expurgos.

A esquerda ainda odeia o livro, e continua até hoje tentando dizer que ele exagerou nos números e nos relatos.

E então veio o Livro Negro do Comunismo (1999), que coloca em 85 milhões a estimativa mínima de cidadãos executados pelos comunistas, deixando claro que cifras como 100 milhões ou mais são as mais prováveis. O livro foi escrito por esquerdistas franceses e publicado pela Harvard University Press, de modo que ele não pôde simplesmente ser repudiado como sendo apenas mais um panfleto direitista.

A esquerda até hoje tenta ignorá-lo.

O blefe dos cegos

A resposta da academia tem sido, até hoje, a de considerar todo o experimento soviético como algo que foi meramente mal orientado, algo que se desencaminhou, e não como algo inerentemente diabólico. O custo em termos de vidas humanas raramente é mencionado. Antes de 1991, era algo ainda mais raramente mencionado. Antes de Arquipélago Gulag (1973), de Solzhenitsyn, era considerado uma imperdoável falta de etiqueta um acadêmico fazer mais do que apenas mencionar muito discretamente e só de passagem toda a carnificina, devendo limitar qualquer crítica apenas aos expurgos do Partido Comunista comandados por Stalin no final da década de 1930, e praticamente quase nunca mencionar que a fome em massa havia sido adotada como uma política pública. "Ucrânia? Nunca ouvi falar." "Kulaks? O que são kulaks?"

A situação decrépita de todas as economias socialistas, do início ao fim, não é mencionada. Acima de tudo, não há nenhuma referência aos críticos do Ocidente que alertaram que estas economias eram vilarejos Potemkins em grande escala — cidades falsas criadas pelo governo para ludibriar os leais e românticos esquerdistas que iam à URSS ver o futuro. E eles voltavam para seus países com relatos entusiásticos e incandescentes.

Há um livro sobre estas ingênuas e crédulas almas, que foram totalmente trapaceadas: Political Pilgrims: Travels of Western Intellectuals to the Soviet Union, China, and Cuba, 1928-1978 de Paul Hollander. Foi publicado pela Oxford University Press em 1981. Foi ignorado pela intelligentsia por uma década.

A melhor descrição que já li sobre estas pessoas foi fornecida por Malcolm Muggeridge, que trabalhou no início da década de 1930 como repórter do The Guardian em Moscou. Tudo o que ele escrevia era censurado antes de ser enviado para a Inglaterra. E ele sabia disso. Ele não podia relatar a verdade, e o The Guardian não publicaria caso ele relatasse. Eis um trecho do volume 1 de sua autobiografia, Chronicles of Wasted Time.



Para os jornalistas estrangeiros que residiam em Moscou, a chegada de ilustres visitantes era também uma ocasião de gala, mas por uma razão diferente. Eles nos propiciavam nosso melhor — praticamente nosso único — momento de alívio cômico. Por exemplo, ouvir [George Bernard] Shaw, acompanhado de Lady Astor (que havia sido fotografada cortando o cabelo de Shaw), declarar que estava encantado por descobrir, em meio a um banquete fornecido pelo Partido Comunista, que não havia escassez de comida na URSS, era algo de imbatível efeito humorístico. Ou ouvir [Harold] Laski cantar glórias à nova Constituição Soviética de Stalin.

Jamais me esquecerei destes visitantes, e jamais deixarei de me assombrar com eles; de como eles discursavam pomposamente sobre as maravilhas do regime, de como eles iluminavam continuamente nossa escuridão, guiando, aconselhando e nos instruindo; em algumas ocasiões, momentaneamente confusos e envergonhados; mas sempre prontos para se reerguer, colocar seus capacetes de papelão, montar em seusRocinantes, e sair galopando mundo afora em novas incursões em nome dos pobres e oprimidos.

Eles são inquestionavelmente uma das maravilhas de nossa época, e irei guardar para sempre na memória, com grande estima, o espetáculo que era vê-los viajando com radiante otimismo até as regiões famintas do país, vagueando em bandos alegres por cidades esquálidas e sobrepovoadas, ouvindo com inabalável fé as insensatezes balbuciadas por guias cuidadosamente treinados e doutrinados, repetindo, assim como crianças de colégio repetem a tabuada, as falsas estatísticas e os estúpidos slogans que eram incessantemente entoados para eles.

Eis ali, pensava eu ao ver estas celebridades, um ardoroso burocrata de alguma repartição local da Liga das Nações, eis ali um devoto Quaker que já havia tomado chá com Gandhi, eis ali um feroz crítico das exigências de comprovação de renda para se tornar apto a receber programas assistenciais do governo, eis ali um ferrenho defensor da liberdade de expressão e dos direitos humanos, eis ali um indômito combatente da crueldade contra animais; eis ali meritórios e cicatrizados veteranos de centenas de batalhas em prol da verdade, da liberdade e da justiça — todos, todos eles cantando glórias a Stalin e à sua Ditadura do Proletariado. Era como se uma sociedade vegetariana se manifestasse apaixonadamente em defesa do canibalismo, ou como se Hitler houvesse sido indicado postumamente para o Prêmio Nobel da Paz.

Este fenômeno não acabou junto com a década de 1930. Ele perdurou até o último suspiro da farsa econômica criada pelos soviéticos. A falência intelectual e moral dos líderes intelectuais do Ocidente, algo que vinha sendo encoberto pela própria durabilidade do regime soviético, foi finalmente exposta em 1991, quando houve o reconhecimento mundial de que os regimes marxistas não apenas haviam falido economicamente, como também eram tiranias que o Ocidente havia aceitado como sendo uma alternativa válida para o capitalismo.

Não há exemplo melhor deste auto-engano intelectual do que o de Paul Samuelson, professor de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o primeiro americano a ganhar o Prêmio Nobel de economia (1970), ex-colunista da revista Newsweek, e autor daquele que é, de longe, o mais influente livro-texto de economia do mundo pós-guerra (1948 — presente): pelo menos 3 milhões de cópias vendidas em 31 idiomas distintos. Ele escreveu na edição de 1989 de seu livro-texto: "A economia soviética é a prova cabal de que, contrariamente àquilo em que muitos céticos haviam prematuramente acreditado, uma economia planificada socialista pode não apenas funcionar, como também prosperar."

Foi o economista Mark Skousen quem encontrou esta pérola. E ele também descobriu esta outra, ainda mais condenatória.

O experimento soviético

Em sua autobiografia, Felix Somary recorda uma discussão que ele havia tido com o economista Joseph Schumpeter e com o sociólogo Max Weber em 1918. Schumpeter foi um economista nascido na Áustria mas que não era da Escola Austríaca de economia. Mais tarde, ele viria a escrever a mais influente monografia sobre a história do pensamento econômico. Já Weber foi o mais prestigioso cientista social acadêmico do mundo até morrer em 1920.

Naquela ocasião, Schumpeter havia expressado alegria em relação à Revolução Russa. A URSS seria o primeiro exemplo prático de socialismo. Weber, por sua vez, alertou que o experimento geraria uma miséria incalculável. Schumpeter retrucou dizendo que "Pode ser que sim, mas seria um bom laboratório." E Weber respondeu: "Um laboratório entulhado de cadáveres humanos!". E Schumpeter retrucou: "Exatamente igual a qualquer sala de aula de anatomia".[1]

Schumpeter era um monstro em termos morais. Não vamos medir as palavras. Ele foi um homem altamente sofisticado, mas, no fundo, um monstro moral. Qualquer pessoa que menospreze a morte de milhões de pessoas desta forma é um monstro moral. Weber saiu extremamente irritado da sala. Não o culpo.

Weber morreu em 1920. Foi neste ano que Mises lançou seu ensaio, O cálculo econômico sob o socialismo. Weber o mencionou em uma nota de rodapé em sua obra-prima, publicada postumamente como Economia e Sociedade(página 107 na versão original). Weber compreendeu sua importância tão logo leu este ensaio. Já os economistas acadêmicos, não. Até hoje, há poucas referências a esta obra de Mises.

Mises explicou analiticamente por que o sistema socialista é irracional: não há um mercado para os bens de capital. Sendo assim, é impossível saber quanto cada coisa deveria custar. Ele disse que um sistema socialista inevitavelmente se degeneraria em uma dessas duas alternativas: ou ele iria abandonar seu compromisso com um planejamento total ou ele fracassaria por completo. Mises nunca foi perdoado por esta falta de etiqueta. Ele estava certo, e os intelectuais, errados. As sociedades socialistas entraram em colapso, com a exceção da Coréia do Norte e de Cuba. Pior ainda, ele se mostrou correto em termos de simples teoria de mercado, algo que qualquer pessoa inteligente podia entender. Exceto, aparentemente, os intelectuais do Ocidente. E este seu ensaio é um testemunho para os intelectuais do Ocidente: "Não há pessoas mais cegas do que aquelas que se recusam a enxergar."

A prova do pudim

Mises acreditava que a real prova do pudim está em sua fórmula. Se a pessoa que faz o pudim acrescentar sal em vez de açúcar, ele não será doce. Você nem precisa experimentá-lo para saber disso. Mas os acadêmicos estão oficialmente comprometidos a aceitar apenas coisas empíricas. Eles creem que uma teoria tem de ser confirmada por testes estatísticos. Mas os testes ocorreram durante décadas. As economias socialistas fracassavam seguidamente, mas divulgavam estatísticas falsificadas. E todos sabiam disso. Mas, mesmo assim, os intelectuais do Ocidente insistiam na crença de que o ideal socialista era moralmente sólido. Eles insistiam que os resultados iriam, no final, provar que a teoria estava certa.

Nikita Kruschev ficou famoso por haver dito isso a Nixon no famoso "debate da cozinha", em 1959. Ele era um burocrata que havia sobrevivido aos expurgos de Stalin por ter supervisionado o massacre de dezenas de milhares de pessoas na Ucrânia. Ele disse a Nixon: "Vamos enterrar vocês." Ele estava errado.

Estudantes universitários não são ensinados nem sobre a teoria do socialismo nem sobre a magnitude de seus fracassos. Nem economicamente nem demograficamente. Na era pré-1991, tal postura era mais fácil de ser mantida do que hoje. A intelligentsia hoje já admite que o capitalismo é mais produtivo que o socialismo. Sendo assim, a tática agora é dizer que o capitalismo é moralmente deficiente. Pior, que ele ignora a ecologia. Foi exatamente esta a estratégia recomendada por Heilbroner em seu artigo de 1990. Ele disse que os socialistas teriam de mudar de tática, parando de acusar o capitalismo de ineficiência e desperdício, e passar a acusá-lo de destruição ambiental.

Conclusão

A natureza abrangente do fracasso do socialismo não é ensinada nos livros-textos universitários. O tópico é atenuado e minimizado sempre que possível. Era mais fácil impor sanções contra qualquer um que se atrevesse a escrever em jornais acadêmicos ou na imprensa antes de 1991.

Deng Xiaoping anunciou sua versão da Nova Política Econômica de Lênin em 1978. Mas isso, na época, não ganhou muita publicidade.

Em 1991, a fortaleza soviética desmoronou. Gorbachev presidiu o último suspiro do regime em 1991. Ele recebeu da revista Time o título de "Personalidade da Década" em 1990. Em 1991, ele se tornou um ex-ditador desempregado. O socialismo fracassou — totalmente. Mas a intelligentsia ainda se recusa a aceitar a filosofia social de livre mercado de Mises, o homem que previu todas as falhas do socialismo e que forneceu todos os argumentos em prol de sua condenação universal.

É exatamente por isso que é uma boa ideia sempre prever o fracasso de políticas econômicas ruins em qualquer análise que se faça sobre elas. Poder dizer "Eu avisei que isso iria ocorrer, e também expliquei por quê" é uma postura superior e mais respeitável do que apenas dizer "Eu avisei".



[1] Felix Somary, The Raven of Zurich (New York: St. Martin's, 1986), p. 121.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seuwebsite

sexta-feira, 21 de março de 2014

EU SOU O DO POSTE

Agora que a poeira baixou, posso voltar ao assunto. Se visse aquele rapaz amarrado no poste com uma tranca de bicicleta, provavelmente eu o ajudaria. Daria a ele um pouco de água e ficaríamos conversando em voz baixa até a chegada da polícia. Qual o seu nome, rapaz? Quantos anos tem? Por que estava assaltando? Acredita em Deus? Ouviu falar em Jesus Cristo? Já olhou para o mar? Talvez rezássemos.


E não faria nada disso porque sou bonzinho. Sei que não passo de um pecador miserável. Conversaria com o rapaz só porque não consigo agir de outra maneira; porque meu pai me ensinou assim. Não posso ver ninguém sofrendo sem me lembrar de algo que aconteceu há muito tempo.

O Cristianismo existe para defendermos as vítimas, os fracos, os pobres, os solitários, os perdidos, os injustiçados. Por isso mesmo, foi igualmente vergonhoso o linchamento moral que se seguiu ao episódio do rapaz amarrado com a tranca da bicicleta. Para vingar o acontecimento, a militância eletrônica decidiu amarrar uma jornalista ao poste ideológico e violentá-la sem dó. A nenhum desses supostos indignados ocorreu que as pessoas podem ter amarrado o adolescente ao poste porque estavam com medo dele; porque não aguentavam mais ser assaltadas; porque ele é perigoso com as mãos livres.

Cristianismo não é coitadismo. Não se trata de criar uma legião de inimputáveis, isentos de qualquer responsabilidade e livres para reincidir no mal. Cristo diz: “Ame seus inimigos”. Mas nunca disse: “Não tenha inimigos”. Quem ama o bem deve odiar o mal com todas as forças.

Engana-se quem acha que a atitude cristã se encerra com o perdão; o perdão é só o começo. Ao pecador, não cabe apenas arrepender-se, mas também realizar uma completa mudança de vida, renegando e expiando todo o mal antes cometido. “Vai e não peques mais.”

Hoje em dia o filho pródigo volta a dilapidar os bens do pai; a mulher adúltera insiste em pecar de novo na primeira esquina; e os mensaleiros presos querem continuar mandando na gente. É dever de todo cristão perdoar aquele que erra não duas, mas 490 vezes. O problema é que os pecadores modernos apreciam a parte do perdão, mas rejeitam a parte da expiação.

O rapaz preso no poste voltou a cometer assaltos uma semana depois do episódio. Quando vieram prendê-lo, ele disse: “Eu sou o do poste! Eu sou o do poste!” Lembrei-me do mensaleiro que, ao ser preso na Itália, evocou o nome do irmão e de um companheiro petista mortos: “Eu sou o Celso! Eu sou o Celso!” No Brasil, hoje estamos todos amarrados àquele poste. E o nome do poste é mentira.
Por: Paulo Briguet é jornalista e edita o blog Com o Perdão da Palavra. 
Do site: http://www.midiasemmascara.org/

quinta-feira, 20 de março de 2014

A MOBILIZAÇÃO PARA A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL

Os russos acreditam que o balanço do poder mudou a seu favor, e portanto podem agir impunemente.


“O intolerante e ciumento olho do Kremlin no final das contas pode apenas distinguir entre vassalos e inimigos. Se um país não desejar ser este, deve se reconciliar e tornar-se aquele”.
George F. Kennan
Comecei esta série de comentários dia 20 de janeiro com o artigo “Previsões para a Terceira Guerra Mundial”. Naquele primeiro texto, eu relatei como um conhecido grupo de astrólogos, xamãs e parapsicólogos russos previram o início da Terceira Guerra Mundial para março de 2014. E aqui estamos próximos ao início de uma séria crise que pode facilmente escalar para uma guerra mundial. Um leitor do meu blog recentemente observou: “Ou essa coisa escapou do controle de Moscou ou Moscou tem planos muito maiores no horizonte”.

Sim, as coisas escaparam do controle russo e planos maiores estão no horizonte. Isso é óbvio na invasão militar russa na Criméia. A esta altura, por que o Kremlin deveria se preocupar com uma demonstração aberta de violência contra os povos inocentes? O balanço militar já pendeu a favor da Rússia, porquanto a China está se preparando para a guerra contra o Japão no extremo oriente. Além disso, nossa prontidão militar [N.T.: dos EUA, país do autor] não está como deveria. (v. O fim do domínio militar americano: Hagel anuncia profundos cortes orçamentários para a defesa, incluindo aeronaves, navios, tropas e armas)
A América tem lutado uma guerra contra o terrorismo nos últimos doze anos. Ficamos distraídos e sem rumo. Nossa política militar passou longe de se preparar contra um grande adversário e, sendo assim, não estamos prontos. Além disso, que país europeu está preparado para enfrentar a Rússia? Apenas a Ucrânia está se preparando para lutar, e ela está em um patamar militar desesperadamente inferior.

O famoso desertor da KGB, Anatoliy Golitsyn, alertou para a estratégia de longo prazo de Moscou em 1984: “A dialética dessa ofensiva consiste em uma mudança calculada da velha e desacreditada prática soviética para um novo e ‘liberalizado’ modelo, com uma fachada social-democrata, com o objetivo de realizar a estratégia dos planejadores comunistas de estabelecer uma ‘Europa Unida’. No início, eles apresentariam uma variação da “democratização” checoslovaca de 1968. Numa fase posterior, mudarão para uma variação da encampação da Checoslováquia em 1948.” [in New Lies for Old. Em português Novas Mentiras no Lugar das Velhas: A Estratégia Comunista de Dissimulação e Desinformação].

Parece que estamos próximos dessa fase posterior. Os estrategistas em Moscou sabem que a revolta na Ucrânia deve ser colocada abaixo, independentemente do que venha a pensar o mundo. Os russos acreditam que o balanço do poder mudou a seu favor, e portanto podem agir impunemente. Evidentemente eles estão temerosos de que haja um “grande deslindar” da estratégia deles se eles não pegarem pesado com Kiev. Além da propaganda russa, aqueles que dizem que o Ocidente está por trás da liberdade ucraniana não conhecem o Ocidente e não conhecem a Ucrânia. O pior nessa incompreensão é que ela traz consigo um menosprezo à coragem e à articulação política dos patriotas ucranianos. Os melhores dentre eles sabem que não pode haver plena liberdade na Ucrânia sem haver liberdade na Rússia.

A verdadeira luta então é política. A verdadeira luta é pelo coração da Rússia. Os criminosos que governam a Rússia sobreviveram cometendo assassinatos. Eles perderão o poder apenas quando o povo russo estiver totalmente acordado. Aleksandr Solzhenitsyn disse uma vez que o caminho do assassinato é o caminho da mentira. Agora, então, estamos vendo os assassinos trabalhando e estamos a observar um desfile de mentiras. Veja com atenção se a mídia ocidental irá associar a causa patriótica ucraniana ao antissemitismo. Essa também é a retórica de um país que está se preparando para esmagar a Ucrânia.

E sim, o perigo de guerra é crescente. De acordo com oficiais ucranianos, as tropas russas já ocuparam a Crimeia. A manchete da Fox News diz: Ucrânia acusa Rússia de ‘invasão militar’ após homens armados tomarem aeroportos. Embora oficiais russos neguem ou mesmo se recusem a comentar quando questionados sobre a invasão, o Ministro do Interior ucraniano Arsen Avakov declarou publicamente: “Só posso descrever isso como uma invasão militar de ocupação”. De acordo com a CNN, a Ucrânia mobiliza tropas após a ‘declaração de guerra’ da Rússia: “Kiev mobilizou tropas e convocou os militares da reserva em uma rápida escalada da crise que suscitou o temor de um conflito”.

Enquanto isso, a 20ª e a 48ª divisões do exército russo se preparam para invadir o leste ucraniano. Ao mesmo tempo, o Secretário de Estado John Kerry viajou para Kiev e afirmou que potências estrangeiras estão considerando sanções econômicas à Rússia. “Todas elas”, disse Kerry. “Cada uma delas está preparada para tomar medidas extremas para isolar a Rússia no que diz respeito a essa invasão. Elas estão preparadas para levar as sanções a cabo e estão preparadas para isolar a Rússia economicamente”, completou.

Não nos apressemos, contudo. Há de se considerar as muitas cartas a serem jogadas pela Rússia: as tropas americanas dependem da Rússia para manter sua linha de suprimentos no Afeganistão. A Alemanha depende do gás natural russo para aquecimento no inverno. Sanções podem não ser uma solução prática. E também há a China no front. Em janeiro, o vice-Ministro da Defesa russo Pavel Popov alertou que uma guerra no Pacífico envolvendo EUA, Japão e China estava “a algumas semanas de distância”.

Não se pode descartar uma ofensiva maciça e coordenada pela Rússia e pela China, ou uma escalada de ‘terrorismo cinza’[1] com um ataque nuclear em Nova York. Qualquer movimento nesse aspecto é digno de mencionar. É difícil dizer exatamente qual será a jogada.

Terminarei com uma citação de Golitsyn: “Daqui a não muito tempo, os estrategistas comunistas podem ficar persuadidos de que a balança pendeu irreversivelmente a seu favor. Nesse caso, eles podem decidir pela ‘reconciliação’ sino-soviética. A estratégia da tesoura daria lugar à estratégia ‘de um só punho fechado’. Nesse ponto, a mudança na balança político-militar seria evidente para todos.”

 N.T.: O ‘terrorismo cinza’, conforme apontado pelo próprio Nyquist em outra ocasião, é uma tática descrita pelo desertor do serviço de inteligência militar soviético russo (GRU), Viktor Suvorov, no 15º capítulo do livroSpetsnaz: A história secreta por trás da força especial russa. Nessa tática, leva-se a cabo “uma série de operações terroristas de pequeno e grande porte com o propósito de, antes de a ação militar começar, enfraquecer a moral inimiga criando uma atmosfera de suspeita, medo e incerteza, além de desviar a atenção do exército e da polícia inimiga para um vasto e variado número de alvos”. De acordo com Suvorov: “O principal método aplicado nesse estágio é o ‘terrorismo cinza’”. Trata-se de um tipo de terrorismo que é levado a cabo “em nome de grupos extremistas já existentes e não necessariamente conectados à União Soviética ou em nome de organizações fictícias”. POR JEFFREY NYQUIST http://www.jrnyquist.com/

Tradução: Leonildo Trombela Junior Do Site: http://www.midiasemmascara.org/


COMO A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA CAUSA DESEMPREGO


Para os brasileiros, ainda não "caiu a ficha" de que o mundo está em uma corrida desenvolvimentista no qual o trabalho é visto como um fator de produção estratégico.


O que trago na figura acima é um aviso postado por um dos maiores supermercados de Belém, que avisa não ser mais possível deslocar funcionários do estabelecimento para carregarem as compras de seus clientes até suas residências, devido a quê? À legislação trabalhista!

Stálin foi um entusiasmado promotor dos direitos trabalhistas. Claro, não na União Soviética, mas fora dela, à maneira como hoje os direitos dos trabalhadores são inexistentes em Cuba, Coréia do Norte, Vietnã, Camboja e China. 

O atroz ditador soviético jamais pensou no bem-estar dos trabalhadores dos países democráticos, especialmente dos Estados Unidos e Europa, mas via nisso uma estratégia para desestabilizar a economia de seus rivais.

Estamos agora em 2014, e temos visto o quanto sua mente voltada para o mal era eficaz! A Europa vive em crise permanente, os Estados Unidos transformaram-se no maior exportador de empregos do planeta, e o Brasil, solo fértil para tudo quanto é doutrina que não preste, é uma galinha enlouquecida pela gripe aviária que corre pelo galinheiro batendo as asas e cacarejando anunciando ser um falcão. 

Por que é proibido? Vá lá saber. O fato é que perdem o supermercado, pois entregar as compras nas casas dos clientes funcionava como uma eficiente medida para conquistar fidelidade; perdem os clientes, especialmente os idosos e os que não possuem automóvel; perdem os funcionários que efetuavam as compras, pelas gorjetas que vão minguar; e perdem os desempregados, porque o supermercado, tendo seus funcionários mantidos no estabelecimento, não necessitará de outros para substituí-los enquanto estavam fora, realizando as entregas. 

Oportunamente, vocês sabem por quê os shopping centers abrem às 10h00min e não às 08h0min? Porque são dois os turnos de trabalho: de 10h00min às16h00min, e de 16h00min às 22h00min. Então, algo que poderia render mais vendas, mais salários e maior bem estar à população - abrir duas horas mais cedo - o que poderia ser resolvido meramente com o acerto de mútuo acordo entre empregadores e empregados - é impossibilitado pela CLT, um verdadeiro e intransponível muro das proibições.

Para os brasileiros, ainda não "caiu a ficha" de que o mundo está em uma corrida desenvolvimentista no qual o trabalho é visto como um fator de produção estratégico. Em visitas que fiz a outros países, como Coréia do Sul e Taiwan, pude contemplar os cidadãos intensamente envolvidos com o trabalho e o estudo pra valer (e não ficar aprendendo luta de classes e viadagem, como acontece aqui...). 

A legislação trabalhista brasileira causa desemprego, castra as oportunidades de negócios e provoca uma diminuição da qualidade de vida dos cidadãos. Todo mundo sai perdendo. 

Por:  KLAUBER CRISTOFEN PIRES  Do site: ://libertatum.blogspot.com.br/


quarta-feira, 19 de março de 2014

A ECONOMIA DA HIENA

De que se ri o animalzinho? - pergunta o cidadão, na velha piada, ao saber da parcimônia sexual e das preferências gastronômicas da hiena. A mesma perplexidade é inevitável diante da aparente alegria de tantos analistas ao conhecer os números da economia nacional em 2013. O miserável aumento de 2,3% do produto interno bruto (PIB) foi descrito como surpreendente. O crescimento de 0,7% no trimestre final quase foi celebrado como o início de uma era de expansão chinesa. Dois argumentos foram usados para justificar a comemoração. Projetado para um ano, aquele resultado trimestral equivale a 2,8%, lembrou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O outro argumento, um pouco mais complicado, aponta o esperado efeito de carry over, ou carregamento. Se a expansão econômica for nula nos primeiros três meses deste ano, será pelo menos mantido o patamar alcançado no trimestre anterior. Daí a necessidade, segundo os mais entusiasmados, de uma revisão das projeções para 2014. Na semana passada, a mediana das projeções coletadas para o boletim Focus, do Banco Central (BC), havia ficado em 1,87%.


Essa alegria é mais preocupante que os números ainda muito ruins das contas nacionais. Com um pouco de juízo e medidas certas pode-se fazer a produção crescer muito mais que nos últimos três anos, quando a média ficou em vergonhosos 2%. Mas o problema se complica sensivelmente quando as pessoas começam a encarar como normal um desempenho pífio, muito abaixo das possibilidades do País, e a festejar pequenas melhoras.

Quem aceita esse padrão de normalidade passa a raciocinar dentro dos limites da política econômica em vigor nos últimos anos. Passa a falar a linguagem do ministro da Fazenda e a aceitar como razoáveis seus critérios de avaliação. Uma coisa é destacar, por seu efeito estatístico, a expansão de 6,3% do investimento em capital fixo. Outra, muito diferente, é apontar esse número como algo extraordinário. Só se entusiasma quem esquece dois fatos bem conhecidos e, de toda forma, indicados com clareza nas contas publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nem um estrangeiro se enganaria ao ver esses números.

Em primeiro lugar, o investimento 6,3% maior que o de 2012 ocorreu depois de uma queda de 4%, detalhe aparentemente esquecido ou negligenciado por muita gente. Em termos de volume, ficou pouco acima, portanto, do registrado em 2011. Em outras palavras, a formação bruta de capital fixo ficou praticamente estagnada ao longo de dois anos.

Em segundo lugar, a taxa de investimento passou de 18,2% do PIB em 2012 para 18,4% em 2013, muito inferior aos padrões dos emergentes e ainda abaixo do pico de 19,5%, registrado em 2010. O nível de 24%, já alcançado por alguns sul-americanos, será atingido até 2020, prometeu o animado ministro da Fazenda.

A estagnação da indústria está refletida tanto no crescimento do setor, 1,3%, quanto nas contas externas. As exportações de bens e serviços aumentaram 2,5%, em termos reais, enquanto as importações cresceram 8,4%. A piora das contas externas já era conhecida. O déficit em conta corrente passou de US$ 54,25 bilhões em 2012 (2,41% do PIB) para US$ 81,37 bilhões em 2013 (3,66% do PIB). A deterioração do balanço de pagamentos é explicável principalmente pela erosão da conta de mercadorias. Essa conta continua em mau estado.

Entre o começo do ano e a terceira semana de fevereiro o País acumulou um déficit comercial de US$ 6,75 bilhões. As vendas ao exterior, US$ 26,91 bilhões, foram 3,7% menores que as de um ano antes, pela média diária, e as importações, US$ 33,65 bilhões, 0,6% maiores, pelo mesmo critério.

Mais uma vez, em 2014 o saldo comercial dependerá do amplo superávit obtido com as commodities, principalmente do agronegócio. A julgar pelos dados até agora conhecidos, dificilmente a indústria será muito mais competitiva, nos próximos meses, do que tem sido nos últimos cinco ou seis anos. As importações começaram a crescer mais velozmente que as exportações antes da crise de 2008. O problema, na época, já era o enfraquecimento da indústria diante dos concorrentes estrangeiros. Afinal, o famigerado custo Brasil já estava na pauta desde muitos anos e nada se havia feito para torná-lo mais suportável. Enquanto a discussão se prolongava sem resultado, o problema se tornava mais grave e a economia nacional ficava menos eficiente e menos capaz de produzir de forma competitiva.

O mau uso do dinheiro público, o desajuste fiscal e a inflação elevada são componentes desse quadro de baixa produtividade, mas há pouco estímulo para o governo cuidar seriamente de qualquer desses problemas. Há oposição à alta dos juros, apesar da inflação resistente e ainda muito elevada. Até a meta fiscal anunciada há poucos dias foi criticada, como se o governo estivesse empenhado, com sua modesta exibição de austeridade, em matar o crescimento.

Há alguns anos o economista Mohamed El-Erian, então um dos chefões do Pimco, um dos maiores fundos de investimento, criou, juntamente com seu colega Bill Gross, a expressão "novo normal", para descrever o padrão observado desde o começo da crise: crescimento baixo, desemprego alto e juros próximos de zero no mundo rico. No Brasil, a reação de muitos analistas aos números pífios de 2013 parece indicar a consolidação de uma nova normalidade econômica. Mas, neste caso, o crescimento baixo é combinado com inflação alta e resistente e contas públicas precárias. Junta-se a isso uma baixíssima disposição para cuidar de problemas bem conhecidos, mas nunca atacados para valer. Nesse quadro, incentivos parciais e de pouco efeito para o crescimento acabam valendo mais que mudanças de grande alcance. Reformas para tornar a economia mais eficiente são complicadas e tomam tempo. Para que esperar? Nesse novo normal, menos e menos pessoas, a cada dia, acharão estranha a satisfação da hiena.
Por: ROLF KUNTZ - Plublicado em O Estado de S.Paulo





FORA DO ARMÁRIO

Como num conto de Machado de Assis, "O Cônego ou Metafísica do Estilo" (leiam), substantivo e adjetivo –que Machado batiza de "Sílvio" e "Sílvia"– já haviam se enlaçado na minha cachola e deveriam estar agora na tela e no papel. Classificavam Gilberto Carvalho de agente sabotador do governo Dilma a serviço de Lula. Sílvio e Sílvia sabem que a presidente detesta Carvalho, no que é correspondida. Terão de esperar. Algo mais urgente se alevantou: Luís Roberto Barroso, a esfinge sem segredos do STF.


Não me lembro de nada tão grotesco no tribunal. O ministro decidiu ser o Catão da política, exacerbando a retórica moralista para cobrar uma reforma que barateie as campanhas eleitorais, lamentar a inércia dos políticos, afirmar que o idealismo se converteu em argentarismo, fustigar o "abominável espetáculo de hipocrisia" em que "todos apontam o dedo contra todos, mas mantêm "seus cadáveres no armário"... Pego carona na metáfora. Barroso saiu do armário e disse o que pensa sobre o mensalão: apenas "recursos não contabilizados" de campanha, como disse Delúbio Soares. Apesar do complexo de Schopenhauer, ele é só um Delúbio com toga, glacê e fricotes retóricos.

A fala ignora a essência golpista do mensalão. O que o foragido Henrique Pizzolato, por exemplo, tem a ver com custo de campanha? Parte do dinheiro que comprava partidos e políticos era público. Como numa peça de Gil Vicente, o ministro acusou Todo Mundo para não punir Ninguém. Nome do espetáculo: "A Farsa de Barroso". E a peroração assombrosa foi condizente com a sordidez do prólogo.

Um das coisas exóticas que já fiz na vida foi ter lido o livro "O Novo Direito Constitucional Brasileiro", de Barroso. Ele nos conta, entre ligeirezas, que era tal a sua ignorância da ritualística do processo penal que teve de indagar a um repórter desta Folha o que deveria fazer com o alvará de soltura do terrorista Cesare Battisti. Eu teria respondido.

Apelando a um procedimento descabido no julgamento de embargos infringentes –a Preliminar de Mérito–, o ministro resolveu pegar carona numa conta extravagante de Teori Zavascki –fruto de uma disciplina em voga chamada "direito criativo"–, e refazer a dosimetria, o que lhe era vedado nesta fase do processo, para declarar a prescrição da pena por quadrilha. A escolha era tão esdrúxula que, para que triunfasse, os ministros que antes absolveram teriam de condenar, mas com mansidão, para que, então, se declarasse a prescrição. Impossível, como sabe qualquer estudante no nível "massinha 1" de direito.

Com qual propósito? Barroso queria livrar a cara da turma, mas sem ficar com a pecha de salva-mensaleiro. Deve ter sido uma das maiores batatadas da história da corte. Flagrado, teve de refazer o seu voto e admitir, desenxabido, que estava inocentando todo mundo do crime de quadrilha.

Ainda que a ignorância fosse culposa, a argumentação foi tecnicamente dolosa. Segundo disse, na primeira votação, seus pares usaram a dosimetria para evitar a prescrição e agravar o regime inicial de cumprimento das penas. Essa é a posição oficial do PT, expressa em vários documentos. Joaquim Barbosa indagou se seu voto já estava pronto antes de se tornar ministro. Barroso havia ofendido o tribunal primeiro. Nota: Natan Donadon foi condenado por crime de quadrilha no desvio de R$ 8,4 milhões da Assembleia de Rondônia. Um bando que atua em escala nacional e que desviou R$ 73,8 milhões só do Fundo Visanet foi absolvido. Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli condenaram Donadon, mas absolveram os mensaleiros. Padre Vieira escreveu que o roubar pouco faz os piratas; o roubar muito, os Alexandres Magnos.

Ao ler o livro de Barroso, a gente entende que, para ele, a pressão de minorias organizadas, desde que "progressistas" –isto é, de esquerda–, tem mais valor do que a letra da lei. Os nossos bolivarianos estão saindo do armário.

Ficam para outra coluna os apelos de Sílvia e Sílvio.
Por: Reinaldo Azevedo Publicado na Folha de SP

terça-feira, 18 de março de 2014

SOCIOLOGIA DO ATEÍSMO

Semanas atrás, escrevi nesta coluna ("Quem Herdará a Terra?") sobre uma disciplina chamada demografia das religiões. A tese do autor em questão, Eric Kaufmann, é que os seculares têm muitas ideias, mas têm poucos filhos, e por isso em breve o Ocidente perderá em muito seu perfil secular.

Mesmo aqueles seculares que adotam a teoria da seleção natural de Darwin como visão de mundo, adotam-na apenas na teoria, porque na prática não o fazem: seleção natural, no limite, é reprodução; quem não reproduz desaparece. E as mulheres seculares são inférteis por conta dos valores individualistas que carregam.

Recebi muitos e-mails (não imaginei que esse assunto seria um blockbuster) e alguns me chamaram a atenção para um fato interessante: os ateus (que não são a mesma coisa que os seculares, porque posso crer numa inteligência organizadora do universo e não crer que ela seja Jesus ou similar, e viver sem referência a qualquer código religioso) creem firmemente que dominarão o mundo por meio da educação, das ciências e da tecnologia. Podem estar bem errados.

O ateísmo vem muitas vezes acompanhado de uma crença num processo histórico inexorável em direção ao ateísmo universal, uma vez dadas "educação e cultura" para todos. Esquece, esta querida tribo, que as pessoas, sim, fazem escolhas baseadas em modos distintos de valorar a vida e seus sucessos, e que, sim, muitas comunidades religiosas usam ciência e tecnologias da informação ao seu favor e com grande habilidade.

Antes de tudo, é importante reconhecer que a sociologia do ateísmo, sim, pode nos fazer crer, em alguma medida, que há uma relação entre alta formação cultural, boa educação universitária e "ateísmo orgânico", aquele tipo de ateísmo a que você chega por meio da escolha livre -e não porque algum regime totalitário (como o de Cuba) ou pais autoritários proíbem você de crer em Deus ou similar.

Mas o tema transcende essa teoria e é por demais importante para ser pego nas redes de "pregações" disso ou daquilo, pelo menos para quem acredita que a sociedade secular deve ser cuidada, mas não iludida com seus próprios fantasmas de sucesso no futuro.

Vejamos alguns dados dos pesquisadores Norris, Inglehart, Davie, Greeley, Bondenson e Peterson. Peguemos países estatisticamente apontados como possuidores de alta percentagem de ateus orgânicos da Europa ocidental:

Suécia: em 1999, 85% se diziam ateus; em 2001, 69%; em 2003, 74%; em 2004, 64%. De 1999 até 2004 há uma variação para baixo dos ateus assumidos.

Dinamarca: em 2000, 80% se diziam ateus; em 2003, 43%, e em 2004, 48%. Ainda que tenha havido um pequeno crescimento entre 2003 e 2004, a queda entre 2000 e 2004 é evidente.

Noruega: em 2000, 72% se diziam ateus; em 2003, entre 54% e 41%; em 2004, 31%. Também queda.

Finlândia: em 2000, 60% se diziam ateus; em 2001, 41%; em 2004, 28%. Também vemos uma redução dos ateus assumidos.

Entretanto, sabemos que pesquisas nem sempre são precisas e que seus métodos variam e, portanto, seus resultados podem não ser tão autoevidentes.

Esses países têm visto um número crescente de grupos cristãos fundamentalistas, mas o importante é entender que esse crescimento se dá, diferentemente do caso dos EUA, ainda sob grande discrição. Sem ruídos, mas com determinação.

O caso dos luteranos laestadianos finlandeses (comunidade luterana fundamentalista na vila de Larsmö) é de chamar a atenção.

A relação entre a fertilidade de suas mulheres e a das finlandesas seculares é a seguinte, respectivamente: 1940, dois bebês contra um; 1960, três bebês contra um; 1980, quatro bebês contra um. Em 1985, a taxa de fertilidade de cada grupo era 5,47 para as fundamentalistas e 1,45 para as seculares.

A maioria das instâncias de razão pública (tribunais, universidades, escolas, mídia) é, ainda, tomada por seculares. Isso nos faz pensar que o mundo é "nossa bolha".

Veja que, no Brasil, nem o poderoso movimento gay conseguiu derrubar o pastor Feliciano. O "lifestyle" individualista secular é autocentrado e dado a "causas do Face", e por isso não tem defesa contra mulheres férteis e homens determinados.
Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

segunda-feira, 17 de março de 2014

SOCIALISMO É BARBÁRIE

Se eu pregar que todos que discordam de mim devem morrer ou ficarem trancados em casa com medo, eu sou um genocida que usa o nome da política como desculpa para genocídio. No século 20, a maioria dos assassinos em massa fez isso.


O Brasil, sim, precisa de política. Não se resolve o drama que estamos vivendo com polícia apenas. Mas me desespera ver que estamos na pré-história discutindo ideias do "século passado". Tem gente que ainda relaciona "socialismo e liberdade", como se a experiência histórica não provasse o contrário. Parece papo das assembleias da PUC do passado, manipuladoras e autoritárias, como sempre.

O ditador socialista Maduro está espancando gente contra o socialismo nas ruas da Venezuela. Ele pode? Alguns setores do pensamento político brasileiro são mesmo atrasados, e querem que pensemos que a esquerda representa a liberdade. Mentira.

A maioria de nós, pelo menos quem é responsável pelo seu sustento e da sua família, não concorda com o socialismo autoritário que a "nova" esquerda atual quer impor ao país. A esquerda é totalitária. Quer nos convencer que não, mas mente. Basta ver como reage ao encontrar gente inteligente que não tem medo dela.

Ninguém precisa da esquerda para fazer uma sociedade ser menos terrível, basta que os políticos sejam menos corruptos (os da esquerda quase todos foram e são), que técnicos competentes cuidem da gestão pública e que a economia seja deixada em paz, porque nós somos a economia, cada vez que saímos de casa para gerar nosso sustento.

Ela, a esquerda, constrói para si a imagem de "humanista", de superioridade moral, e de que quem discorda dela o faz porque é mau. Ela está em pânico porque estava acostumada a dominar o debate público tido como "inteligente" e agora está sendo obrigada a conviver com gente tão preparada quanto ela (ou mais), que leu tanto quanto ela, que escreve tanto quanto ela, que conhece seus cacoetes intelectuais, e sua história assassina e autoritária.

Professores pautados por esta mentira filosófica chamada socialismo mentem para os alunos sobre história e perseguem colegas, fechando o mercado de trabalho, se definindo como os arautos da justiça, do bem e do belo.

A esquerda nunca entendeu de gente real, mas facilmente ganha os mais fragilizados com seu discurso mentiroso e sedutor, afirmando que, sim, a vida pode ser garantida e que, sim, a sobrevivência virá facilmente se você crer em seus ideólogos defensores da "violência criadora".

Ela sempre foi especialista em tornar as pessoas dependentes, ressentidas, iludidas e incapazes de cuidar da sua própria vida. Ela ama a preguiça, a inveja e a censura.

Recomendo a leitura do best-seller mundial, recém publicado no Brasil pela editora Agir, "O Livro Politicamente Incorreto da Esquerda e do Socialismo", escrito pelo professor Kevin D. Williamson, do King's College, de Nova York. Esta pérola que desmente todas as "virtudes" que muita gente atrasada ou mal-intencionada no Brasil está tentando nos fazer acreditar mostra detalhes de como o socialismo impregnou sociedades como a americana, degradou o meio ambiente, é militarista (Fidel, Chávez, Maduro), e não deu certo nem na Suécia. O socialismo é um "truque" de gente mau-caráter.

As pessoas, sim, estão insatisfeitas com o modo como a vida pública no Brasil tem sido maltratada. Mas isso não faz delas seguidores de intelectuais e artistas chiques da zona oeste de São Paulo ou da zona sul do Rio de Janeiro.

A tragédia política no Brasil está inclusive no fato de que inexistem opções partidárias que não sejam fisiológicas ou autoritárias do espectro socialista. Nas próximas eleições teremos poucas esperanças contra a desilusão geral do país.

E grande parte da intelligentsia que deveria dar essas opções está cooptada pela falácia socialista, levando o país à beira de uma virada para a pré-história política, fingindo que são vanguarda política. O socialismo é tão pré-histórico quanto a escravatura.

Mas a esquerda não detém mais o monopólio do pensamento público no Brasil. Não temos mais medo dela. Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

domingo, 16 de março de 2014

HOBBES NAS RUAS

Dias atrás, o Brasil se chocou com cenas de violência nas ruas. Pessoas comuns batendo em supostos (ou comprovados) bandidos. Policiais tendo que protegê-los da fúria da gente comum.

De um lado, uma jornalista faz comentários arriscados na TV, do outro, setores da intelligentsia pedem providências do Ministério Público contra a jornalista, botando ainda mais lenha na fogueira da atmosfera de ódio e ressentimento que toma conta, lentamente, da alta, média e baixa culturas nacionais.

Não se pode defender o espancamento na rua, mesmo sendo bandido. Só o Estado detém o monopólio legítimo da violência. Mas é esta mesma intelligentsia (tribunais, universidades, mídia, escolas, ONGs) que vem sistematicamente erodindo esse monopólio legítimo da violência que pertence à polícia. Claro que os erros desta precisam ser sanados, mas a sociedade não faz nada para melhorar o tratamento institucional dado à polícia, e sem ela, sim, a gente comum vai espancar supostos (ou comprovados) bandidos na rua. E vai piorar.

O espancamento de supostos (ou comprovados) bandidos na rua é parte do fenômeno de massa que os inteligentinhos chamam de "jornadas de junho", num esforço de reviver a ejaculação precoce que foi o Maio de 68 na França, aquela revolução de mimados.

Lembremos que quando as manifestações do ano passado atingiram o nível de massa, os inteligentinhos começaram a gritar dizendo que o movimento (deles!) tinha sido sequestrado por setores "conservadores" da sociedade. Para eles, "conservador" é todo mundo que não os obedece e não os teme, mesmo que seja apenas para parar a Paulista.

Se no ano passado vimos uma inesperada crise na representação política, agora assistimos a um crescente rompimento do contrato social. E quem está na rua é o homem descrito pelo intelectual honesto que foi Hobbes, e não o pseudo-homem dos "delírios do caminhante solitário" e vaidoso Rousseau.

Já falei algumas vezes nesta coluna do que podemos chamar de psicologia da gente comum. Esta gente que a intelligentsia, na verdade, despreza, apesar de posar de defensora da gente comum. Digamos a verdade. Nossa contradição aparece quando, por exemplo, algumas pessoas começam a gritar contra gente mal-educada e sem compostura frequentando aeroportos, e os "defensores dos menos privilegiados" saem ao ataque da burguesia chocadinha reclamona.

Infelizmente, a intelligentsia não percebe que tanto a burguesia chocadinha quanto os mais pobres fazem parte da mesma categoria de gente comum. Perdemos, nós da intelligentsia, a capacidade de enxergar essa gente comum, porque vivemos em nossa "casinha" correndo atrás da produtividade inócua da Sua Excelência Capes ou delirando com seres humanos que não existem.

E qual é a psicologia de gente comum? Gente comum é duramente meritocrática: quem não trabalha é vagabundo. Não quer ser assaltada quando vai para o trabalho ou para casa (e se for, quer ver o ladrão se ferrar feio!), quer também casa própria, metrô e ônibus que andem, comprar um carro logo que for possível, hospital sem muita fila, comer pizza no domingo, transar por cinco minutos quando não estiver muito estressada, ir para praia, ganhar cada vez mais, ir ao cinema mais perto de casa, ir ao salão de beleza, ver os filhos crescerem, tomar cerveja, e se der, ler alguma coisa além de ver TV.

E, digamos: pagam impostos e tem todo o direito de viver assim (menos de bater em gente na rua). Mas vão bater em supostos (ou comprovados) ladrões cada vez mais porque estão sentindo que a sociedade não está nem aí para eles.

Quando a chamada classe D alcançar os níveis do consumo da classe C, vão querer a mesma coisa. Uma vida pautada por rotinas de trabalho, escola, lazer, consumo e férias. E quem ficar no caminho vai apanhar. Esta é única "consciência social" que existe.

Quando essa massa de gente que está de saco cheio de ser pisada no trem, de pagar imposto e não poder andar com seu carro nas ruas, de ver sua filha com medo, agir, o homem de Hobbes fará sua "revolução". A vida será doída, violenta e breve. Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

QUEM HERDARÁ A TERRA?

A sociedade secular moderna está condenada. E por quê? Por uma razão muito simples: as mulheres seculares (sem prática religiosa cotidiana) não querem ter filhos. Quando têm, têm um ou dois no máximo.

A emancipação feminina tornou as mulheres inférteis por escolha. Estranho? Nem tanto, vejamos.

Quem herdará a Terra? Os religiosos fundamentalistas cristãos, judeus e muçulmanos. Suas mulheres têm muitos filhos, e as nossas não. Para as nossas mulheres, filhos só depois dos 35, depois da pós, com maternagem terceirizada caríssima. O individualismo moderno nos deixou a todos estéreis e histéricos.

Não, não estou criticando a vida secular nem defendendo a vida religiosa radical. Parafraseando o dito popular, "não é política, imbecil, é demografia".

Nós, seculares, que em grande parte temos simpatia pela teoria evolucionista, esquecemos que seleção natural é demografia. Podemos ter muitas ideias de como o mundo deve ser, mas os fundamentalistas têm mais bebês. E quem decide no final das contas é a população de bebês. Mulheres férteis implicam civilização poderosa.

Essa é a hipótese do livro escrito pelo canadense Eric Kaufmann, professor de política da Universidade de Londres. Claro que os "progressistas" o criticam e acusam a ideia de ser propaganda fundamentalista –como é comum em nosso mundo em que a inteligência cedeu lugar às políticas da difamação.

As suspeitas de que riquezas e conforto (causas culturais e econômicas, e não biológicas) diminuem a fertilidade feminina estão presentes desde a Grécia e Roma (Cícero já falava disso). Adam Smith, no século 18, chamava a atenção para o fato de que o "luxo e a moda" tornam o sexo frágil desinteressado na maternidade.

Já por volta do ano 300 da Era Cristã, os cristãos somavam 6 milhões, enquanto no ano 40 eles eram uns poucos hereges coitados. Logo conquistaram o Império Romano. E não só por conta das mulheres romanas serem vaidosas, ricas e interessadas em sexo, mas não em filhos (exatamente como as nossas). Os homens pagãos eram mais violentos e menos atentos a mulheres e filhos enquanto os cristãos eram do tipo família.

O fator fertilidade não é o único, claro, mas é um fator que em nossos debates inteligentinhos não tem sido levado em conta com a devida reverência.

Enquanto as mulheres seculares hoje têm cerca de 0,5 filho por mulher pronta para maternidade (a partir dos 15 anos), as religiosas (no caso aqui específico de grupos como evangélicos fundamentalistas, amish, menonitas, huteritas e judeus haredi ou ortodoxos) variam de 2,1 a 2,4.

No caso do Estado de Israel, por exemplo, a cada três crianças matriculadas no jardim da infância, uma é haredi. Depois do Holocausto, os haredi eram uma população quase insignificante. Em países do leste do mundo, como Japão, Coreia do Sul, Cingapura, Austrália e Nova Zelândia, o quadro é muito próximo do Ocidente moderno.

A medicina, o saneamento, a tecnologia e Estados mais organizados diminuíram a mortalidade tanto das parturientes quanto das crianças. O efeito imediato foi o crescimento populacional na geração dos "baby boomers". Mas, já no final dos anos 60, as mulheres americanas, canadenses e europeias ocidentais começavam e declinar em fertilidade.

Por quê? A causa são os "valores" seculares. Nós investimos na vida aqui e agora e na realização de desejos imediatos. E, para piorar, as universidades ficam publicando pesquisas dizendo que casais sem filhos são mais felizes. Além de não termos filhos, ainda fazemos passeatas para matá-los no ventre das mães com ares de "direitos humanos".

Família cansa, filho dá trabalho, custa caro, dura muito. Os seculares escolhem não ter filhos, os religiosos escolhem tê-los.

Mas não é só a fertilidade que coloca os religiosos em vantagem. Os grupos mais fechados detêm uma alta retenção da sua prole: colégios comunitários, shoppings, redes sociais, colônias de férias, casamentos endógenos, calendários festivos, baladinhas de Jesus (ou similares). Sempre juntos.

Enfim, a pílula vai destruir a civilização que a criou. Risadas? Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

sábado, 15 de março de 2014

O DECLÍNIO DO OCIDENTE

1. Existem ALGUMAS regras na política internacional. Mas a primeira de todas é que as grandes potências não agem apenas de acordo com os seus interesses. Também é importante antecipar a forma como os outros reagem a eles.


Meses atrás, escrevi nesta Folha que Barack Obama tinha cometido um erro brutal com o "dossiê" sírio ao afirmar que Bashar al-Assad não poderia cruzar certas "linhas vermelhas" ("Baratinhas tontas", 10/9/2013). Quando se fazem ultimatos desses, é bom que o autor esteja disposto a agir se a outra parte não respeita a ameaça.

Bashar al-Assad foi o único que agiu, cruzando as "linhas vermelhas", ou seja, usando armamento químico contra o seu povo. E que fez Obama?

Para além do vexame internacional de não ter feito nada, contou ainda com a crítica de Vladimir Putin (em artigo no "New York Times" de uma hipocrisia humanista arrepiante) e com a intermediação russa para que o carniceiro de Damasco entregasse uma lista com todo o seu arsenal químico –uma farsa que só otários são capazes de engolir.

Sabemos agora que a principal consequência do "flop" de Obama na Síria emigrou para a Ucrânia.

Os fatos são conhecidos: por pressão russa, o anterior presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, não assinou um acordo com a União Europeia. O caso foi visto na Ucrânia como uma rendição a Moscou –que pagou o gesto com a promessa de um cheque generoso e a redução do preço do gás- e como uma dolorosa despedida a qualquer hipótese de Kiev virar para Ocidente.

No momento em que escrevo (domingo), e sabendo que a situação muda a cada minuto, o país ameaça quebrar em duas metades: a primeira, pró-ocidental, com um governo interino em Kiev que recusa a pata do urso moscovita; a segunda, sobretudo concentrada na região da Crimeia, onde já existem tropas russas "informais" nos lugares-chave (edifícios de governo, televisões, aeroporto etc.).

E paira sobre todo o caos a decisão unânime da Câmara Alta da Rússia de autorizar a invasão do país. Nada disso deveria espantar. No "Wall Street Journal", o antigo presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili, resumiu em uma única palavra a estratégia preferida do Kremlin: "balcanizar". No caso, balcanizar as antigas repúblicas da URSS –uma forma de as enfraquecer e de as manter sob a órbita de Moscou. Isso aconteceu na Geórgia, claro, quando a Rússia marchou sobre a Ossétia do Sul e a Abkhazia em 2008.

Perante essa estratégia, qual a resposta de Obama? Não passa pela cabeça de ninguém um confronto militar em larga escala. Até porque a situação na Ucrânia é mais propícia a uma guerra civil do que a um conflito internacional.

Mas é de bradar aos céus que a Casa Branca tenha um presidente que se limita a proclamações vagas ("haverá custos") ou ameaças patéticas (não participar na reunião do G8, por exemplo) quando a atitude só poderia ser uma: fazer da Rússia um pária internacional, que não respeita os acordos que assina (como o "memorando de Budapeste", onde a integridade territorial da Ucrânia era sacrossanta), e por isso merece sanções diplomáticas, políticas e econômicas pesadas.

Que Obama não tenha sido claro na hora decisiva só mostra como a sua eleição é um sintoma trágico do declínio ocidental.

2. E por falar em declínio ocidental: parece que o Google perdeu uma ação para manter on-line o filme "Intolerância dos Muçulmanos", um vídeo onde Maomé é tratado de forma desrespeitosa.

Não assisti ao vídeo porque o meu tempo é precioso e lixo não é a minha praia. Mas se a sentença vai fazer doutrina, espero que católicos, protestantes, mórmons, testemunhas de Jeová, judeus, hindus, brâmanes, budistas, confucionistas, taoístas, cientologistas, druidas e qualquer outra seita "religiosa" ou "espiritual" (como a seita ateia) possa conhecer igual tratamento na proibição de qualquer livro, filme, pintura, música ou programa de TV capaz de ferir a sensibilidade do crente.

Se isso implicar um mundo de silêncio radical, tudo bem. Desde que o silêncio não seja ofensivo para satânicos ou ocultistas, que normalmente gostam de algum barulho à mistura. Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

quinta-feira, 13 de março de 2014

OS ESCRAVOS

Não é preciso assistir a "12 Anos de Escravidão" para saber que a prática foi uma das maiores vergonhas da humanidade. Mas é preciso corrigir o tempo do verbo. Foi?


Melhor escrever a frase no presente. A escravidão ainda é uma das maiores vergonhas da humanidade. E o fato de o Ocidente não ocupar mais o topo da lista como responsável pelo crime não deve ser motivo para esquecermos ou escondermos a ignomínia.

Anos atrás, lembro-me de um livro aterrador de Benjamin Skinner que ficou gravado nos meus neurônios. Intitulava-se "A Crime So Monstrous" (um crime tão monstruoso) e Skinner ocupava-se da escravidão moderna para chegar a conclusão aterradora: existem hoje mais escravos do que em qualquer outra época da história humana.

Skinner não falava apenas de novas formas de escravidão, como o tráfico de mulheres na Europa ou nos Estados Unidos. A escravidão que ele denunciava com dureza era a velha escravidão clássica —a exploração braçal e brutal de milhares ou milhões de seres humanos trabalhando em plantações ou pedreiras ao som do chicote.

Na Índia, eram 10 milhões. Na África, eram outros tantos —prisioneiros de guerra, por exemplo, forçados a trabalho maquinal sob vigilância apertada do inimigo. Muitos eram crianças.

O próprio Skinner, em "experiência de campo" (digamos assim), comprovava algumas das suas teses. Segundo ele, era possível viajar de Nova York a Port-au-Prince (Haiti) e, por apenas 50 dólares, comprar um escravo de 12 anos. Em cinco horas de viagem, eis a diferença entre a civilização e a barbárie. Cinquenta dólares.

Pois bem: o livro de Skinner tem novos desenvolvimentos com o maior estudo jamais feito sobre a escravidão atual. Promovido pela Associação Walk Free, oGlobal Slavery Index, é um belo retrato da nossa miséria contemporânea.

Em termos relativos, a Mauritânia continua no topo da lista: com uma população que não chega aos 4 milhões, o país terá entre 140 mil a 160 mil escravos. O Haiti vem a seguir, sobretudo com a escravidão infantil. Em 10 milhões de haitianos, 200 mil não conhecem a palavra "liberdade".

O Paquistão sobe a parada e, sobretudo nas zonas fronteiriças com o Afeganistão, é provável encontrar qualquer coisa como 2 milhões de escravos.

A Índia, tal como o livro de Benjamin Skinner já anunciava, continua a espantar o mundo em termos absolutos com um número que hoje oscila entre os 13 milhões e os 14 milhões de escravos. Falamos, na grande maioria, de gente que continua a trabalhar uma vida inteira para pagar as chamadas "dívidas transgeracionais" em condições semelhantes às dos escravos do Brasil nas roças.

Conclusões principais do estudo? Pessoalmente, interessam-me duas.

A primeira, segundo o Global Slavery Index, é que a escravidão é residual, para não dizer praticamente inexistente, no Ocidente branco e "imperialista".

De fato, a grande originalidade da Europa não foi a escravidão; foi, pelo contrário, a existência de movimentos abolicionistas que terminaram com ela. A escravidão sempre existiu antes de portugueses ou espanhóis comprarem negros na África rumo ao Novo Mundo. Sempre existiu e, pelos vistos, continua a existir.

Mas é possível retirar uma segunda conclusão: o ruidoso silêncio que a escravidão moderna merece da "intelligentsia" progressista. Quem fala, hoje, dos 30 milhões de escravos que continuam acorrentados na África, na Ásia e até na América Latina?

Quem perde um minuto de tempo com os escravos da Índia, da Nigéria, da Etiópia ou do Congo?

Ninguém. Onde não existe homem branco como capataz, também não existe homem negro como escravo.

O filme de Steve McQueen, "12 Anos de Escravidão", pode relembrar ao mundo algumas vergonhas passadas. Mas confesso que espero pelo dia em que Hollywood também irá filmar as vergonhas presentes: as vidas anônimas dos infelizes da Mauritânia ou do Haiti que, ao contrário do escravo do filme, não têm final feliz. Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

CORTAR A DIREITO

Viver em sociedades liberais e pluralistas tem o seu encanto. Quem, em juízo perfeito, não gosta de odes apaixonadas a valores como a "liberdade", a "diversidade" e a tolerância?

O problema é que esses valores, normalmente, só funcionam entre pessoas civilizadas, capazes de partilhar um "modo de vida" onde a crueldade e a humilhação não têm lugar.

De que vale sermos tolerantes com os intolerantes? E de que vale respeitar a diversidade quando essa diversidade pode incluir a violência contra mulheres, minorias —e, no geral, contra qualquer criatura branca (ou negra) que não obedece aos mesmos preceitos religiosos?

A revista "Standpoint", editada pelo excelente Daniel Johnson (filho do historiador Paul Johnson), lembrou recentemente alguns números que só podem deixar um cidadão em estado catatónico.

No Quénia, 97% das moças são submetidas à nobre prática da mutilação genital feminina — um procedimento bárbaro que, na maioria dos casos, implica a remoção do clitóris, essa fonte de prazeres demoníacos. Na Somália, o número sobe para 98%. No Egipto, apesar de tudo, o pessoal é mais moderado: 94%.

Perante esses números, o multiculturalista demente dirá que devemos "respeitar" a diferença e "tolerar" certas culturas sem necessariamente as julgar de acordo com os nossos valores "imperialistas" e "eurocêntricos".

Com a devida vénia ao multiculturalista demente, eu ainda não atingi esse estado "zen" em que a mutilação de uma mulher é a expressão legítima de uma cultura diferente da minha. Não respeito nem tolero.

O que não significa que, na melhor tradição neoconservadora, esteja disposto a invadir o Quénia e a Somália para salvar os clitóris da população feminina local. O mundo sempre foi um cortejo de horrores. O reconhecimento desse facto já é um princípio de sanidade.

Mas o que dizer da mutilação genital feminina praticada no Ocidente? Praticada em Inglaterra?

Informa a mesma "Standpoint" que, de acordo com um relatório recentemente apresentado no Parlamento britânico, os casos quase triplicaram em uma década. Passaram de 65 mil para 170 mil.

Claro que a Inglaterra ainda é um Estado de Direito e o crime costuma dar 14 anos de prisão. Pena que ninguém tenha sido julgado ou condenado por ele.

Coisa espantosa: milhares de mulheres foram mutiladas nos últimos anos em Inglaterra. Mas a ignorância e a inoperância policial e judicial não encontraram um único culpado. Será que as mutilações ocorreram por geração espontânea?

A julgar pela forma como o assunto é tratado pela "intelligentsia" inglesa, parece que sim: o raciocínio que se aplica ao Quénia e à Somália também é válido para as mulheres de Londres, Manchester ou Liverpool. Quem somos nós para condenar as tradições dos outros?

Uma pergunta generosa que, no futuro, poderá dar lugar a outra: por gentileza e hospitalidade, não devemos também sujeitar-nos a tais práticas para que os selvagens não se sintam "discriminados" na sua selvajaria?

Pense nisso, leitora: entre o pecado da intolerância e a integridade do clitóris, há momentos em que é preciso cortar a direito. Por: João pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

quarta-feira, 12 de março de 2014

"MORTE AOS GAYS!"

"Homossexuais são, no fundo, mercenários. Eles são heterossexuais mas, porque lhes pagam, dizem que são homossexuais." As sentenças do presidente Yoweri Museveni acompanharam a assinatura de uma das mais drásticas leis homofóbicas do mundo, conhecida no país como "lei da Morte aos gays!". Uganda radicalizou, mas está com a maioria: 38 dos 54 países da África criminalizam a homossexualidade. Segundo a narrativa dos dirigentes homofóbicos africanos, a homossexualidade é uma perversão cultural inoculada de fora para dentro na África. Segundo a narrativa de uma corrente de intelectuais "anti-imperialistas", a homofobia é uma perversão política inoculada de fora para dentro na África. As duas narrativas estão erradas –e por um mesmo motivo.


Museveni e seus colegas nos 38 países argumentam que os gays desembarcaram na África junto com os colonizadores europeus –isto é, que a homossexualidade é estranha à "cultura africana". Num paradoxo esclarecedor, agentes evangelizadores americanos que operam na África dizem o mesmo. Com a palavra, Stephen Phelan, da ONG católica Human Life International: "Achamos que é importante estarmos na África porque a investida contra os valores africanos naturais pró-vida e pró-família está vindo dos EUA. Então, nos sentimos na obrigação de ajudá-los a entender a ameaça e a reagir a ela com base em seus próprios valores e culturas."

A postulação de uma "cultura africana" nasceu fora da África, no ventre do pan-africanismo, uma doutrina elaborada por intelectuais americanos e caribenhos no anoitecer do século 19. O pan-africanismo "africanizou-se" no pós-guerra, quando foi adotado por jovens intelectuais africanos que estudavam na Europa e nos EUA. Aqueles intelectuais viriam a liderar os movimentos de independência, convertendo-se em "pais fundadores" das atuais nações africanas. O sonho da unidade política da África esvaiu-se, mas a doutrina pan-africana sobreviveu como discurso legitimador dos novos regimes africanos. Sua pedra-de-toque é a noção de "cultura africana". Ela proporciona às elites dirigentes o álibi de culpar o "estrangeiro" (o colonizador, no passado; os EUA ou a Europa, no presente) pelos males que afligem seus países.

"Cultura africana", assim no singular, é uma noção enraizada no pensamento racial. Os intelectuais "anti-imperialistas" também a adotam, eximindo os dirigentes africanos da responsabilidade pelas leis homofóbicas. Eles argumentam que o homossexualismo era tolerado em certos povos africanos antes da colonização. É uma verdade de escasso significado: os gays não sofreram discriminação em diversas sociedades tradicionais, nos mais diferentes lugares do mundo, ao longo da história. Eles registram, ainda, que as primeiras "leis anti-sodomia" foram introduzidas na África pelos impérios europeus. Contudo, não se atrevem a explicar por que tais leis são restauradas na África muito depois de sua anulação nas antigas metrópoles europeias.

O homossexualismo não é, evidentemente, "anti-africano" –assim como não é "anti-Ocidental". A homofobia não é "anti-africana" –nem, tampouco, "africana". Como os EUA seriam governados se Stephen Phelan ocupasse o lugar de Barack Obama? O que faria nosso Marcos Feliciano se dispusesse de um poder absoluto? A difusão das leis anti-gays na África só pode ser entendida se nos desvencilhamos da tese da "cultura africana", uma ideia patrocinada no Brasil pelos arautos das políticas de raça.

O grito de "Morte aos gays!" é um fruto do poder despótico de elites políticas não cerceadas pelas instituições da democracia, em sociedades traumatizadas por céleres processos de modernização. As campanhas homofóbicas na África são ferramentas de perseguição política e de cristalização de controle social. Essa abominação nada tem de especificamente "africano". Por: Demétrio magnoli Publicado na Folha de SP

terça-feira, 11 de março de 2014

HOBBES NAS RUAS

Dias atrás, o Brasil se chocou com cenas de violência nas ruas. Pessoas comuns batendo em supostos (ou comprovados) bandidos. Policiais tendo que protegê-los da fúria da gente comum.

De um lado, uma jornalista faz comentários arriscados na TV, do outro, setores da intelligentsia pedem providências do Ministério Público contra a jornalista, botando ainda mais lenha na fogueira da atmosfera de ódio e ressentimento que toma conta, lentamente, da alta, média e baixa culturas nacionais.

Não se pode defender o espancamento na rua, mesmo sendo bandido. Só o Estado detém o monopólio legítimo da violência. Mas é esta mesma intelligentsia (tribunais, universidades, mídia, escolas, ONGs) que vem sistematicamente erodindo esse monopólio legítimo da violência que pertence à polícia. Claro que os erros desta precisam ser sanados, mas a sociedade não faz nada para melhorar o tratamento institucional dado à polícia, e sem ela, sim, a gente comum vai espancar supostos (ou comprovados) bandidos na rua. E vai piorar.

O espancamento de supostos (ou comprovados) bandidos na rua é parte do fenômeno de massa que os inteligentinhos chamam de "jornadas de junho", num esforço de reviver a ejaculação precoce que foi o Maio de 68 na França, aquela revolução de mimados.

Lembremos que quando as manifestações do ano passado atingiram o nível de massa, os inteligentinhos começaram a gritar dizendo que o movimento (deles!) tinha sido sequestrado por setores "conservadores" da sociedade. Para eles, "conservador" é todo mundo que não os obedece e não os teme, mesmo que seja apenas para parar a Paulista.

Se no ano passado vimos uma inesperada crise na representação política, agora assistimos a um crescente rompimento do contrato social. E quem está na rua é o homem descrito pelo intelectual honesto que foi Hobbes, e não o pseudo-homem dos "delírios do caminhante solitário" e vaidoso Rousseau.

Já falei algumas vezes nesta coluna do que podemos chamar de psicologia da gente comum. Esta gente que a intelligentsia, na verdade, despreza, apesar de posar de defensora da gente comum. Digamos a verdade. Nossa contradição aparece quando, por exemplo, algumas pessoas começam a gritar contra gente mal-educada e sem compostura frequentando aeroportos, e os "defensores dos menos privilegiados" saem ao ataque da burguesia chocadinha reclamona.

Infelizmente, a intelligentsia não percebe que tanto a burguesia chocadinha quanto os mais pobres fazem parte da mesma categoria de gente comum. Perdemos, nós da intelligentsia, a capacidade de enxergar essa gente comum, porque vivemos em nossa "casinha" correndo atrás da produtividade inócua da Sua Excelência Capes ou delirando com seres humanos que não existem.

E qual é a psicologia de gente comum? Gente comum é duramente meritocrática: quem não trabalha é vagabundo. Não quer ser assaltada quando vai para o trabalho ou para casa (e se for, quer ver o ladrão se ferrar feio!), quer também casa própria, metrô e ônibus que andem, comprar um carro logo que for possível, hospital sem muita fila, comer pizza no domingo, transar por cinco minutos quando não estiver muito estressada, ir para praia, ganhar cada vez mais, ir ao cinema mais perto de casa, ir ao salão de beleza, ver os filhos crescerem, tomar cerveja, e se der, ler alguma coisa além de ver TV.

E, digamos: pagam impostos e tem todo o direito de viver assim (menos de bater em gente na rua). Mas vão bater em supostos (ou comprovados) ladrões cada vez mais porque estão sentindo que a sociedade não está nem aí para eles.

Quando a chamada classe D alcançar os níveis do consumo da classe C, vão querer a mesma coisa. Uma vida pautada por rotinas de trabalho, escola, lazer, consumo e férias. E quem ficar no caminho vai apanhar. Esta é única "consciência social" que existe.

Quando essa massa de gente que está de saco cheio de ser pisada no trem, de pagar imposto e não poder andar com seu carro nas ruas, de ver sua filha com medo, agir, o homem de Hobbes fará sua "revolução". A vida será doída, violenta e breve. 
Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP