segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A LISTA DE DESEJOS

Acabou a graça de dar presentes em situações de comemoração e celebração, não é? Hoje, temos listas para quase todas as ocasiões: casamento, chá de cozinha e seus similares –e há similares espantosos, como chá de lingerie–, nascimento de filho e chá de bebê, e agora até para aniversário.


Presente para os filhos? Tudo eles já pediram e apenas mudam, de vez em quando ou frequentemente, a ordem das suas prioridades. Quem tem filho tem sempre à sua disposição uma lista de pedidos de presentes feita por ele, que pode crescer diariamente, e que tanto pode ser informal quanto formal.

A filha de uma amiga, por exemplo, tem uma lista na bolsa escrita à mão pelo filho, que tem a liberdade de sacá-la a qualquer momento para fazer as mudanças que ele julgar necessárias. Ah! E ela funciona tanto como lista de pedidos como também de "checklist" porque, dessa maneira, o garoto controla o que já recebeu e o que ainda está por vir. Sim: essas listas são quase uma garantia de conseguir ter o pedido atendido.

Ninguém mais precisa ter trabalho ao comprar um presente para um conhecido, para um colega de trabalho, para alguma criança e até amigo. Sabe aquele esforço de pensar na pessoa que vai receber o presente e de imaginar o que ela gostaria de ganhar, o que tem relação com ela e seu modo de ser e de viver? Pois é: agora, basta um telefonema ou uma passada rápida nas lojas físicas ou virtuais em que as listas estão, ou até mesmo pedir para uma outra pessoa realizar tal tarefa, e pronto! Problema resolvido!

Não é preciso mais o investimento pessoal do pensar em algo, de procurar até encontrar, de bater perna e cabeça até sentir-se satisfeito com a escolha feita que, além de tudo, precisaria estar dentro do orçamento disponível para tal. Hoje, o presente custa só o gasto financeiro e nem precisa estar dentro do orçamento porque, para não transgredir a lista, às vezes é preciso parcelar o presente em diversas prestações...

E, assim que os convites chegam, acompanhados sem discrição alguma das listas, é uma correria dos convidados para efetuar sem demora sua compra. É que os presentes menos custosos são os primeiros a serem ticados nas listas, e quem demora para cumprir seu compromisso acaba gastando um pouco mais do que gostaria.

Se, por um lado, dar presentes deixou de dar trabalho, por outro deixou também totalmente excluído do ato de presentear o relacionamento entre as pessoas envolvidas. Ganho para o mercado de consumo, perda para as relações humanas afetivas.

Os presentes se tornaram impessoais, objetos de utilidade ou de luxo desejados. Acabou-se o que era doce no que já foi, num passado recente, uma demonstração pessoal de carinho.

Sabe, caro leitor, aquela expressão de surpresa gostosa, ou de um pequeno susto que insiste em se expressar, apesar da vontade de querer que ele passe despercebido, quando recebíamos um mimo? Ou aquela frase transparente de criança, que nunca deixa por menos: "Eu não quero isso!"? Tudo isso acabou. Hoje, tudo o que ocorre é uma operação mental dupla. Quem recebe apenas tica algum item da lista elaborada, e quem presenteia dá-se por satisfeito por ter cumprido seu compromisso.

Que tempos mais chatos. Resta, a quem tiver coragem, a possibilidade de transgredir essas tais listas. Assim, é possível tornar a vida mais saborosa. Por: Rosely Sayão Publicado na Folha de SP

domingo, 17 de agosto de 2014

AS RAZÕES DO ENGASGO DO CONSUMO

Volto hoje à questão da queda do consumo, que tem afetado de forma importante a economia brasileira neste ano de 2014.


O motivo para tal é o clima de quase pânico que tomou conta do setor automobilístico nas últimas semanas. Uma das áreas mais dinâmicas da indústria brasileira, ele representa o maior símbolo do crescimento do consumo que marcou o período Lula. Hoje ele é a prova mais contundente de que vivemos -desde 2011- o início de uma grande ressaca.

Embora vários analistas tenham advertido sobre o fim do ciclo do consumo, o governo manteve inalterada sua política econômica. Quando os sinais de queda ficaram mais claros, no início do mandato da presidenta Dilma, a resposta do Palácio do Planalto foi forçar a expansão do crédito dos bancos públicos e reduzir o superavit primário operacional do Tesouro via gastos adicionais.

Como a economia reage sempre com um intervalo de tempo, entre o início de um ciclo econômico e seu ocaso, somente agora é que essa dura realidade se mostra aos olhos de grande parte da sociedade.

E a queda nas venda de automóveis dos últimos meses -seguida da redução sob várias formas do emprego- é uma realidade que ninguém pode mais esconder. Como a indústria não se preparou para este momento da verdade, mantendo a produção próxima da capacidade máxima, o ajuste será doloroso.

Mas é preciso separar o ajuste cíclico que vamos viver nos próximos meses da dinâmica de longo prazo do setor automobilístico. As vendas de automóveis cresceram entre 2005 e 2013 de uma forma impressionante, passando de 1,66 milhão de unidades anuais para mais de 3,6 milhões, com uma expansão média anual de 10,6% em oito anos.

Entre julho de 2007 e fins de 2013, por vários meses as vendas ficaram no intervalo entre 3,5 milhões e 4 milhões de unidades por ano. O quarto maior mercado consumidor do mundo. Se considerarmos três anos, entre outubro de 2005 e outubro de 2008, as vendas cresceram 50%, ou seja, a uma taxa anual de 15% anuais. IMPRESSIONANTE.

As principais forças por trás desse crescimento de vendas tiveram duas naturezas distintas: entre 2005 e fins de 2008, as forças tinham natureza estrutural, de longo prazo, em razão principalmente do aumento simultâneo da renda, do emprego e do crédito ao consumo.

A partir do início de 2010, com o enfraquecimento das forças expansionistas citadas acima, inicia-se, de forma natural, um período de ajuste nas taxas de crescimento das vendas de automóveis. Dessa forma, chegamos ao início de 2012 com um crescimento zero nas vendas e, nos meses seguintes, a uma taxa de expansão negativa.

O governo reagiu a essa situação elevando a oferta de crédito dos bancos públicos para sustentar a venda de veículos. A resposta do consumidor foi positiva, mas de curta duração, como todo movimento associado a estímulos fora de hora e sem respeito à dinâmica do mercado.

A taxa de crescimento das vendas voltou a atingir 10% ao ano, entre junho de 2012 e junho de 2013, para rapidamente voltar a zero nos três meses seguintes e entrar definitivamente no terreno negativo a partir daí.

Chama-se a esse fenômeno, no jargão do mercado financeiro, de suspiro do morto, ou seja, o fracasso de tentativas artificiais do governo para tentar alterar movimentos estruturais de ajuste do mercado. No caso específico das vendas de automóveis, tentar reconstruir uma dinâmica de consumo que havia se esgotado por razões estruturais.

De agora em diante vamos viver duas fases distintas no mercado de automóveis no Brasil.

Na primeira, teremos um ajuste nos estoques acumulados pela indústria em razão da queda expressiva das vendas nos últimos meses.

Na segunda, as empresas vão ter que fazer um ajuste estrutural na sua capacidade produtiva, para se adaptar a um mercado que deve passar a crescer a taxas não superiores ao aumento da renda dos brasileiros.

Quanto mais demorarem os ajustes de estoque, maiores serão os prejuízos na fase de ajuste nos níveis de produção da indústria.

A pergunta que fica no ar é: como uma indústria tão sofisticada não percebeu a impossibilidade de manter as taxas de crescimento do passado e não se preparou melhor para a fase que vamos viver nesse mercado daqui para a frente?
Por: Luiz Carlos Mendonça de Barros Publicado na Folha de SP

sábado, 16 de agosto de 2014

O OVO E O PINTO

A mente comunista não funciona segundo os cânones da psicologia usual, mas segue uma lógica própria onde se misturam, em doses indistinguíveis, a habilidade dialética, o auto-engano histérico e a mendacidade psicopática.


Meu artigo anterior suscitou uma pergunta interessante na área de comentários: Se há tanta gente nas altas esferas colaborando com o comunismo, como é que ele ainda não dominou o mundo?

A primeira e mais óbvia resposta é que “o comunismo” como regime, como sistema de propriedade, é uma coisa, e o “movimento comunista” enquanto rede de organizações é outra. O primeiro é totalmente inviável, mas por isso mesmo o segundo pode crescer indefinidamente sem jamais ser obrigado a realizá-lo, limitando-se, em vez disso, a colher os lucros do que vai roubando, usurpando, prostituindo e destruindo pelo caminho.

São duas faixas de realidade completamente distintas, que se mesclam numa confusão desnorteante sob a denominação de “comunismo”.

Uma analogia tornará as coisas mais claras. Nenhum ser humano pode levar uma vida razoável com base numa loucura, mas, por isso mesmo, nada o impede de ficar cada vez mais louco: ele se estrepa, mas a loucura progride. A força da loucura consiste precisamente em furtar-se ao teste de realidade. Os comunistas não podem realizar a economia comunista. Se têm uma imensa facilidade em arrebanhar pessoas para que lutem por esse fim irrealizável, é precisamente porque ele é irrealizável, o que é o mesmo que dizer: inacessível a toda avaliação objetiva de resultados. Jamais existirá uma economia comunista da qual seus criadores digam: “Eis aqui o comunismo realizado. Podem julgar-nos e dizer se cumprimos ou não as nossas promessas.” É da natureza mais íntima do ideal comunista ser uma promessa indefinidamente auto-adiável, imune, por isso, a todo julgamento humano. Seu prestígio quase religioso vem exatamente disso: o comunismo traz o Juízo Final do céu para a Terra, mas também sem data marcada.

Daí o aparente paradoxo de um movimento que, quanto mais cresce e mais poderoso se torna, mais se afasta dos seus fins proclamados. A esse paradoxo acrescenta-se um segundo: quanto mais se afasta desses fins, mais o movimento está livre para alegar que foi traído e que tem direito a uma nova oportunidade, com meios mais “puros”. Mas o paradoxo dos paradoxos reside numa faixa ainda mais profunda. Se alguém diz que vai fazer o impossível, com certeza não fará nada ou fará outra coisa. Se fizer, poderá ao mesmo tempo dar a essa coisa o nome daquilo que pretendia e alegar que ela ainda não é, ou que não é de maneira alguma, aquilo que pretendia. Daí a ambigüidade permanente do discurso comunista, que pode sempre se alardear um movimento poderoso destinado a uma vitória inevitável, e ao mesmo tempo minimizar ou negar a sua própria existência, jurando que ela não passa de uma “teoria da conspiração”, de uma invencionice de lacaios do capital.

É alucinante, mas é o que acontece todos os dias. Definitivamente, a mente comunista não funciona segundo os cânones da psicologia usual, mas segue uma lógica própria onde se misturam, em doses indistinguíveis, a habilidade dialética, o auto-engano histérico e a mendacidade psicopática.

Por isso mesmo é que o crescimento vertiginoso do movimento comunista acompanha, pari passu, não a decadência do capitalismo, mas a escalada do seu sucesso. O comunismo como regime, como sistema econômico, não existe nem existirá nunca. O comunismo só pode existir como movimento político que vive de parasitar o capitalismo e, por isso mesmo, cresce com ele.

Mas, por mais que sobreviva e se fortaleça, o corpo parasitado não sai ileso da parasitagem: limitado cada vez mais à função de fornecedor de recursos e pretextos para o parasita, ele vai perdendo todos os valores morais, religiosos e culturais que originalmente o inspiraram e reduzindo-se à mecanicidade do puro jogo econômico, cada vez mais fácil de criticar, enquanto o parasita se adorna de todo o prestígio da moral e da cultura.

O modus operandi dessa parasitagem é duplo: de um lado, as economias comunistas só sobrevivem graças à ajuda capitalista vinda do exterior. De outro lado, em cada nação, o crescimento da economia capitalista alimenta cada vez mais generosamente a cultura comunista.

Na mesma medida em que a mais absoluta inviabilidade impede a construção da economia comunista, o comunismo militante alcança vitória atrás de vitória no seu empenho de transformar o capitalismo numa geringonça infernal e sem sentido.

Toda a lógica do comunismo, em última análise, deriva da idéia hegeliana do “trabalho do negativo”, ou destruição criativa. Mas “destruição criativa” é apenas uma figura de linguagem, uma metonímia. A destruição de uma coisa só pode dar lugar ao crescimento de outra se esta for movida desde dentro por uma força criativa própria, que nada deve à destruição. Esperar que a destruição, por si, crie alguma coisa, é como querer que nasça um pinto de um ovo frito.
Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.






sexta-feira, 15 de agosto de 2014

SANTA ALIANÇA

Se o governo do Hamas em Gaza não existisse, o ultranacionalismo israelense teria que inventá-lo


Contam-se mais de 1.900 mortos na faixa de Gaza. Mais de 70% são civis palestinos, entre os quais 448 crianças. Na raiz da tragédia, encontram-se as características geográficas de um território superpovoado, recoberto por cidades e campos de refugiados. Mesmo assim, a dimensão do desastre humanitário não estava escrita nas estrelas, mas inscrita nas opções adotadas pelo Hamas e pelo governo de Israel.

Analistas militares independentes já sabem o que aconteceu. O Hamas ordenou aos residentes da zona-tampão delimitada por Israel que permanecessem em suas casas e utilizou escolas, hospitais e abrigos como depósitos de foguetes, armas e explosivos. Do lado israelense, as regras flexíveis de engajamento da artilharia, bem como a seleção de alvos e munições, atestam a inexistência de um objetivo de minimizar as baixas civis.

O Hamas orientou-se pela avaliação de que o morticínio feriria a imagem internacional de Israel. O gabinete de Benjamin Netanyahu orientou-se pela avaliação de que o morticínio feriria o respaldo interno ao Hamas. Os dois julgamentos estavam corretos e, desastrosamente, ambos os contendores venceram. Hoje, o clamor dos arautos da "solução final" --a destruição de Israel, numa ponta, e o Grande Israel, na outra-- cobre as vozes que insistem em recordar as esperanças suscitadas pelos Acordos de Oslo, de 1993. A pilha de cadáveres civis é o preço, pago pelos palestinos, do triunfo dos extremistas.

Oslo foi, sobretudo, um produto da resistência civil palestina à ocupação israelense. Nos anos da primeira Intifada (1987-1991), as tropas de Israel enfrentaram um levante popular desarmado. Naquelas circunstâncias políticas, o inimigo não podia ser eliminado pela ação de bombardeios. Sob o impacto da intifada, articulou-se na sociedade israelense um amplo "campo da paz", que se conectou com lideranças palestinas dispostas a ultrapassar o tabu da rejeição ao Estado judeu. No fim, o fracasso do processo de Oslo reativou os extremismos simétricos.

O governo autônomo palestino sobreviveu à ruína de Oslo pois serve aos interesses de Israel, do Fatah e do Hamas. Por meio dele, os dois partidos palestinos controlam máquinas quase estatais de poder, que instrumentalizam para aniquilar dissidências. De seu lado, Israel utiliza essa anomalia para, ilegalmente, escapar às obrigações de potência ocupante sem abrir mão da soberania sobre os territórios ocupados. O estatuto de autonomia, junto com os "muros de segurança", separa ocupantes de ocupados, inviabilizando um novo movimento de resistência civil. É o cenário perfeito para os líderes israelenses e palestinos engajados na política do confronto eterno.

Se o governo do Hamas em Gaza não existisse, o ultranacionalismo israelense teria que inventá-lo. A organização fundamentalista continua a pregar a destruição do Estado judeu, fertilizando o solo para a narrativa política que dissocia a segurança da paz. Aos olhos da população de Israel, a guerra de baixa intensidade --conduzida por meio do lançamento de foguetes e de atentados esporádicos a partir de túneis-- justifica as periódicas expedições punitivas. O círculo de ferro do conflito militar perene coesiona os israelenses em torno de um programa de congelamento do status quo.

A santa aliança entre Netanyahu e o Hamas triunfou novamente. O escritor israelense David Grossman captou o cerne do problema ao registrar que, no Israel de hoje, "quem ainda acredita na possibilidade de paz" é visto, "na melhor das hipóteses, como um ingênuo ou um sonhador iludido --e, na pior, como um traidor que enfraquece o país ao encorajá-lo a ser seduzido por falsas expectativas". Essa "corrente fria", escreve Grossman, projeta "um Estado binacional, ou um Estado de apartheid, ou um Estado de soldados, ou de rabinos, ou de colonos, ou de messias". Por: Demétrio Magnoli Folha de SP

A BOLHA DAS BOLHAS

Cresce a preocupação de alguns analistas de que estamos vendo a formação de megabolha de ativos em várias partes do mundo, cujo estouro poderia gerar uma crise de dimensões ainda maiores do que as da década passada. A diferença, agora, é que seria uma bolha de diversos tipos de ativos, enquanto na última crise tivemos o estouro da bolha imobiliária nos EUA.


O FMI não crê na formação da megabolha, mas, por precaução, recomenda aos países diminuir vulnerabilidades.

Para entender as preocupações atuais, temos que olhar a formação recente de bolhas. O período de duas décadas anteriores à grande crise nos EUA foi chamado de a "Grande Moderação", caracterizado por juros e inflação baixos e alto crescimento. A evolução da política monetária, que ganhou potência e credibilidade, a importação de deflação em dólar via produtos chineses e outros fatores mantiveram a inflação em níveis aceitáveis, apesar do juro baixo e da alta liquidez. Mas não impediu grande alta no preço de ativos, principalmente imóveis e ações de tecnologia.

O primeiro resultado foi o estouro da bolha da internet, em 2000. O Fed (BC dos EUA) reagiu com injeção de grande liquidez, política replicada quando os ataques terroristas de 2001 provocaram contração temporária da economia americana. Assim, o preço dos imóveis seguiu em alta.

Mas tudo o que sobe em excesso desce. O preço dos imóveis despencou, incapacitando tomadores de empréstimos imobiliários de honrar pagamentos. Foi o início da última grande crise.

A injeção de liquidez, desde então, é muito mais forte que em estouros de bolhas anteriores. E está elevando os preços de vários ativos no mundo, como imóveis, ações e títulos públicos e privados.

A Espanha emitiu dívida com os juros mais baixos em mais de um século pouco depois de sua severa crise. Países insolventes, como Senegal e Costa do Marfim, voltam a captar valores expressivos a juros historicamente baixos, construindo a próxima crise de dívida soberana. Imóveis em Manhattan voltam a atingir preços impensáveis há poucos meses.

São alertas de que uma megabolha pode se formar em diversos ativos e países, cujo estouro geraria problemas ainda maiores.

É importante que a economia brasileira esteja preparada para todas as eventualidades. É preciso reequilibrar o quanto antes as contas públicas e adotar maior transparência fiscal para que os agentes econômicos sintam mais confiança. E também levar a inflação de volta à meta.

Quanto mais estável e sólida estiver nossa economia, mais protegida estará a população brasileira diante dos riscos da megabolha. Ou do estouro de uma mera bolha. Por: Henrique Meirelles Publicado na Folha deSP

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

MARKETING GEOPOLÍTICO

Uma das últimas modas da mídia foi a Primavera Árabe. Neste caso, quase um caso de estelionato geopolítico. O Egito voltou a ser o que era. A Líbia, terra de tribos, caiu no caos. A Síria estava melhor com o Assad mandando. As mentiras do Bush sobre "smoking guns" no Iraque foram também um estelionato geopolítico. Mas, este, todo mundo reconhece. Já a "primavera árabe", custa a ser vista como é: uma invenção do marketing geopolítico da esquerda de butique.


E este marketing serve para grupos como o Hamas fingirem que querem a paz, quando, na realidade, querem matar os israelenses. Não por acaso, o Hamas louvou o assassinato dos três adolescentes israelenses.

Não quero dizer que não exista uma dinâmica política e social no Oriente Médio, quero dizer que esta dinâmica (caótica, violenta, atávica, tribal, religiosa, racial, comercial) nada tem a ver com o que "filósofos queijos e vinhos" pensam que seja.

Vejamos o caso do Estado de Israel. Aliás, talvez este seja um dos assuntos onde o marketing geopolítico mais faz estrago à reflexão.

Israel é um "anacronismo" contemporâneo. Primeiro porque não faz marketing geopolítico e isso, aliado ao velho antissemitismo hoje travestido de crítica a Israel, cria o caldo no qual grande parte da mídia discute o conflito entre judeus e árabes no Oriente Médio. Os árabes investem pesado em marketing geopolítico. Israel, não.

Importante lembrar que os palestinos são uma cabeça de ponte dos países árabes e do Irã que continuam buscando a eliminação de Israel do mapa da região. O marketing geopolítico árabe oculta este fato. O Hamas não lança foguetes pela criação do Estado Palestino, lança pela destruição do Estado de Israel. Sabia disso?

Desde 1948 alguns países árabes tem uma política chamada "judeus ao mar", apesar de não se falar dela hoje porque pega mal para o marketing geopolítico dos árabes e do Irã. O mesmo marketing que alimenta ideias falsas como "primavera árabe". Muitas vezes temos a impressão de que este fator ("judeus ao mar" como política do Hamas inclusive) não existe.

O filósofo britânico, nascido em Riga, Isaiah Berlin (1909-1997), descreve Israel no artigo "The Origins of Israel" de 1953 (republicado no volume "The Power of Ideas", Princeton University Press, 2000) como um anacronismo porque fundado nos mais puros ideais da "intelligentsia" liberal russa do século 19: liberdade, igualdade, justiça, ciência, democracia, ou seja, a busca de assimilação dos judeus aos modos da vida moderna da Europa ocidental.

Para Berlin, se quisermos entender Israel devemos olhar pro século 19. Entretanto, há um outro componente neste processo: a influência das comunidades religiosas judaicas do Leste Europeu. Esta mistura cria um conflito interno no Estado judeu (identificado hoje no conflito seculares x ortodoxos), ainda que, na sua origem, o ideal era que os judeus das comunidades fechadas do Leste Europeu, em algum momento, seriam assimilados ao modo de vida secular. Isso não aconteceu. Ao contrário, as mulheres ortodoxas são três vezes mais férteis do que as seculares.

Como dizia antes, Israel não trabalha no plano da propaganda geopolítica como o Hamas. O Hamas se esconde atrás da população civil porque sabe que quando Israel é obrigado a revidar, muita gente morre e a mídia internacional embarca de novo no estelionato geopolítico.

Quer exemplos? 1. No dia 15 de julho, um hospital em Gaza foi danificado por mísseis. Por quê? Porque o Hamas colocou uma base de lançamento de foguetes contra Israel ao lado do hospital. 2. Você já se perguntou por que só aparece foto de criança chorando em Gaza? 3. Quando Israel lança panfletos dizendo para as famílias saírem de casa por conta de ataques na região, se você sair, o Hamas considerará você colaborador do sionismo.

Os defensores da política de "judeus ao mar" sabem que militarmente perderam todas as guerras, do contrário Israel não existiria mais. Por isso, investiram na mídia: esperam que muitos palestinos morram para dizer que Israel é mau e eles uns "docinhos de coco".
Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

20 ANOS DE PLANO REAL

O Plano Real recebeu intensa atenção da mídia na comemoração de seus 20 anos. Os brasileiros foram lembrados da importância deste evento na sua vida, apesar de milhões deles nunca terem vivido os anos infernais da hiperinflação. Mesmo os que viveram entre 1980 e 1993 –período de chumbo da desorganização econômica do Brasil– já se acostumaram a uma economia com inflação baixa e salários crescendo em termos reais.


Mas a cobertura da imprensa esteve muito focada em questões pontuais e pelas recordações dos técnicos que desenharam o programa. Também fizeram parte da cobertura de jornais, e outros canais da mídia, as advertências sobre os riscos que o Plano Real corre neste fim de mandato da presidente Dilma. Gostaria de trazer ao leitor da Folha outra visão sobre a estabilidade de preços obtida nos últimos 20 anos.

O Plano Real já pode ser visto hoje sob a ótica da história e isto muda totalmente sua compreensão. Muitos dos detalhes relembrados nos últimos dias perdem importância, dando lugar a fenômenos mais complexos e de natureza estrutural que se desenvolveram. Com essas novas lentes de aumento, inúmeras observações –que passavam desapercebidas aos olhos do analista– se impõem.

Em minha opinião, expressada várias vezes neste espaço, a grande vitória do Plano Real foi permitir a formalização das relações econômicas de 70% dos brasileiros. Por formalização entendo a passagem das relações informais para o domínio dos contratos formais. Nesta passagem os dois elementos principais são a carteira de trabalho assinada e o registro das micro e pequenas empresas no cadastro do CNPJ.

Esta passagem corresponde a um salto quântico no funcionamento da economia e na dinâmica social de um país. Gostaria de focar hoje as mudanças sociais que acredito ocorrerão nos próximos anos e que deverão moldar um novo equilíbrio político no país.

Inicialmente vamos medir o grau de formalização dos brasileiros que existia antes da estabilidade e nos dias de hoje. Para tal vamos usar as cinco classes de renda definidas nas pesquisas do IBGE e agrupá-las em apenas duas: as classes A, B e C, que representam os brasileiros que vivem no mundo formal, e as D e E, que correspondem aos que vivem na informalidade.

Outra forma de entender a divisão entre formalidade e informalidade é a de colocar, lado a lado, brasileiros que possuem um futuro com previsibilidade em termos econômicos e brasileiros sem futuro.

Nos cinco anos anteriores ao Plano Real apenas 30% dos brasileiros viviam no mundo formal e 70% viviam na informalidade, ou segundo minha leitura, no grupo dos sem futuro. Para este grupo, verdadeiros cidadãos de segunda classe, apenas o governo poderia dar alguma garantia de segurança social.

A economia de mercado não chegava a eles e, por isto, não tinham acesso ao crédito bancário e comercial e não conseguiam visualizar o peso dos impostos cobrados pelo governo para prover alguns serviços públicos.

Uma forma de entender a Constituição de 1988, com sua marca da garantia de universalidade e gratuidade dos serviços públicos, é olhar para essa profunda divisão que existia na sociedade brasileira, entre os sem futuro e os cidadãos de primeira classe, à época da Constituinte. Fica mais claro entendê-la.

Hoje essa divisão social não existe mais e os brasileiros com futuro são 70% da sociedade.

Os que mudaram de categoria pela formalização sabem que as mudanças que estão ocorrendo estão associadas à sua vida com o mercado, e não com o governo. Eles podem agora avaliar o que aconteceu com os serviços públicos disponíveis nesse mesmo período. Além disso, na formalidade a visualização da carga de impostos pagos fica explícita e a gratuidade por obrigação constitucional passa a ser vista como uma farsa.

Essas mudanças começam, neste ano eleitoral, a mostrar-se de forma mais perceptível ao analista mais cuidadoso. O próprio governo do PT está sentindo –sem entendê-las– alterações de comportamento no cidadão consumidor. Se estiver correto na minha leitura, nos próximos anos é que vamos viver, de forma mais intensa, essa nova dinâmica social criada quando a hiperinflação foi dominada pelo ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso. Por: Luiz Carlos Mendonça de Barros Publicado na Folha de SP

AMARELOU

Acho excessiva a ideia de que a derrota (merecida) do Brasil para a Alemanha demande cuidados especiais para com as crianças ou os adultos. Afinal, "é só futebol". Parece-me um tanto ridícula toda essa frescura com o "Mineiraço". Mas vivemos mesmo num mundo meio ridículo em que todo mundo precisa de "cuidados".


A inflação do afeto tornou-se valor. Esses exageros têm um valor evidente: escondem, como todo mundo sabe, o medo. Isso nunca dá certo na vida real. E a seleção amarelou mesmo. Não aguentou a pressão. E o povo esperava apenas uma coisa: sucesso. Não se perdoa o fracasso, ainda que um monte de gente diga o contrário, e diga isso por mau-caratismo ou porque quer vender autoestima.

Por outro lado, sim, precisamos de cuidados psicológicos para viver. A vida moderna nos brinda com incertezas, ambivalências, dúvidas quanto aos afetos, aos valores, aos horizontes, aos comportamentos. Os modos antigos de vida não servem mais porque (supostamente) não dão conta da complexidade da vida. Já disse nesta coluna algumas vezes que duvido dessa história de que o mundo mudou muito. Acho que tem muito papo furado nessa história de "as novas gerações têm uma outra cabeça" (a frase é ridícula por si só). Mudou o cenário, o enredo continua sendo escrito pelo bobo de "Macbeth".

Mas, sem dúvida, "futebol é mais do que apenas futebol". Não, não estou me contradizendo. O esporte é parte da cultura e, portanto, futebol é, num certo sentido, mais do que futebol. Mesmo que não tenha uma relação direta com o resultado das urnas ou com as decisões de consumo, a seleção é parte do universo de representações culturais que os brasileiros têm de si mesmos. E esse 7 X 1 é mais uma crise de representação num mar de crises de representações no Brasil desde o ano passado.

E nesse sentido, o futebol, como o grande Nelson Rodrigues dizia, é uma tragédia grega. Cai bem chamar os estádios de arenas, já que os jogares são um pouco como gladiadores. E o comportamento da torcida é um pouco como o da torcida que assistia aos gladiadores na antiga Roma: o povo podia passar do desprezo à misericórdia, ou o inverso, em segundos, caso julgasse que um gladiador ou outro merecia uma das duas atitudes. Um dia a seleção brasileira é inspiração para os jovens, outro dia é alvo de laranja podre. O fã é um infiel por excelência.

O povo, ao contrário do que a esquerda mentirosa e os marqueteiros dizem (ambos dizem isso por interesses comerciais, só que os marqueteiros são honestos e confessam), nunca foi de confiança.

Quer um exemplo de que, apesar de todo o blablabá emocional e "psi" ao redor do fracasso da seleção, o mundo não mudou? Vejamos:

Nas antigas arenas romanas, o povo podia ser misericordioso ou cruel segundo alguns critérios, um deles se o gladiador resistia ou não à pressão da luta. Uma velha virtude em jogo: a coragem.

Infelizmente, a seleção brasileira não resistiu à pressão. Amarelou. Claro, não jogava bem, bons jogares sem conjunto e tudo aquilo que os especialistas já falaram. Mas, além disso, ficou clara a dificuldade de suportar a enorme pressão de um povo com uma expectativa excessiva em relação à Copa em casa.

Podemos apontar a diferença entre, por exemplo, holandeses e alemães e seu futebol "científico", por oposição ao nosso latino-americano, o futebol-arte. Mas tudo isso é passado. Não existe futebol-arte, assim como não existem mais vovôs e vovós (estão todos na academia querendo se parecer com os netos). Mas temo que o problema foi além disso.

A seleção foi bem representativa da cultura brasileira dos últimos tempos. Chorona, ressentida, delirante, sem resultados.

Com a era Lula, muitos acreditaram mesmo que sairíamos do buraco com a "bolsa-voto", casas de graça, carros sem impostos e outras invenções baratas.

A palavra "autoestima" foi muito ouvida nos últimos tempos, principalmente na Copa. É comum hoje as pessoas acharem que todo mundo (e a mídia também) deve se preocupar antes de tudo com a autoestima das pessoas. Discordo. É este mundo da autoestima que forma os amarelões.
Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

terça-feira, 12 de agosto de 2014

OS JIHADISTAS TUPINIQUINS

Estamos a menos de dois meses das eleições. Mas não parece. Há um clima de desânimo, de desinteresse, de enfado. Acreditava-se que, após o fim da Copa do Mundo, as atenções estivessem concentradas no processo eleitoral. Ledo engano. A pasmaceira continua a mesma. Agora, o divisor de águas é o horário gratuito que começa dia 19. Para o PT, este é o clima ideal para a eleição presidencial. Quanto menor o interesse popular, maior a chance de permanecer mais um quadriênio no poder. O partido tem, inclusive, estimulado discretamente campanha pelo voto nulo ou branco. Sabe que muitos eleitores estão desanimados com a política, justamente com as mazelas produzidas pelo próprio petismo.

A desmoralização das instituições foi sistematicamente praticada pelo partido. A compra de maioria na Câmara dos Deputados, que deu origem ao processo do mensalão, foi apenas o primeiro passo. Tivemos a transformação do STF em um puxadinho do Palácio do Planalto. O Executivo virou um grande balcão de negócios e passou a ter controle dos outros dois poderes. Tudo isso foi realizado às claras, sem nenhum pudor.

Não há área do governo que nos últimos anos tenha permanecido ilesa frente à sanha petista. Todos os setores da administração pública foram tomados e aparelhados pelo partido. Os bancos, as empresas estatais e até as agências reguladoras se transformaram em correrias de transmissão dos seus interesses partidários.

Imaginava-se que, após a condenação dos mensaleiros, o ímpeto petista de usar a coisa pública ao seu bel-prazer pudesse, ao menos, diminuir. Nada disso. Os episódios envolvendo a Petrobras demonstram justamente o contrário. E mais: neste caso levaram ao descrédito total os trabalhos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e desmoralizaram mais uma vez o Legislativo.

As ações seguem um plano de que o partido é o elemento central da política, nada pode ocorrer sem a sua anuência. Esta estrutura tentacular tem enorme dificuldade de conviver com a democracia, a alternância no governo e com o equilíbrio entre os poderes. A insistência em impor o projeto dos conselhos populares – uma espécie de sovietes dos trópicos – faz parte desta visão de mundo autoritária.

O maior obstáculo para o PT é a existência do Estado Democrático de Direito. O partido tem como objetivo estratégico miná-lo diuturnamente. Suas ações chocam-se com a “institucionalidade burguesa”.

O PT usará de todos os meios para se manter no poder. Manteve até aqui a campanha em banho-maria, como era do seu interesse. Mas com a permanência de Dilma em um patamar que vai levar a eleição para o segundo turno – isto hoje é líquido e certo -, o partido vai abrir a sua caixa de ferramentas, como o fez em 2006 e 2010.

O uso da internet para desqualificar seus opositores é realizado há um bom tempo. O PT tem um verdadeiro exército de jihadistas prontos para o ataque. O recente episódio de mudanças no perfil de jornalistas na Wikipedia é café pequeno frente ao que vem por aí. O auge do jogo sujo será justamente durante a breve campanha do segundo turno, onde uma calúnia tem muito mais efeito eleitoral, principalmente se divulgada às vésperas da eleição.

As modificações ocorridas no Tribunal Superior Eleitoral passaram em branco. É bom que a oposição fique atenta, pois quem vai presidir a eleição é um ex-funcionário do Partido dos Trabalhadores e ex-advogado de um sentenciado no processo do mensalão, José Dirceu. O presidente do TSE é o ministro Dias Toffolli.

Neste processo chama a atenção a ação de Lula, seu líder máximo – e único, na verdade. Tem se mantido – até o momento – discreto na campanha eleitoral. Visitou alguns estados e mesmo em São Paulo tem participado pouco das atividades. Pode ser que tenha sentido um cheiro de derrota no ar e está buscando preservar sua figura. No caso da eleição paulista, isto já é definitivo. Seu candidato já está derrotado. Esperto como é, pode já estar iniciando a campanha de 2018. E com o figurino de salvador da pátria.

Frente a este quadro é que a oposição precisa exercer o seu papel. Nesta eleição tem agido com mais consistência, buscando alianças regionais e um discurso mais simples e compreensível para o eleitor. Tem atuado melhor, mas distante do que se espera de uma oposição no grave momento histórico que vivemos.

Eduardo Campos tenta – mas tem muita dificuldade – de encarnar o figurino oposicionista. Afinal, permaneceu mais de um decênio apoiando o governo, inclusive exercendo função ministerial. Mas teve ousadia em se lançar candidato.

É Aécio Neves que tem de exercer o papel de opositor do petismo. Tem se esforçado, é verdade, porém a campanha ainda não empolgou. Conseguiu habilmente construir bons palanques estaduais. Diversamente de 2010 rachou o apoio petista no trio de ferro da política brasileira. Em Minas Gerais deve ter uma grande vitória. Em São Paulo, se conseguir colar a sua candidatura à de Geraldo Alckmin, pode ter a maior vitória do partido no estado desde o restabelecimento das eleições diretas. Conseguiu um raro feito no Rio de Janeiro, rachando o bloco de apoio à petista que foi importante em 2010. Deve surpreender no Nordeste tendo uma boa votação, rompendo com o domínio petista, como na Bahia. Mas ainda é pouco.

A máquina autoritária petista pode ser derrotada. Os dois próximos meses são decisivos. O PT vai usar todas as suas armas. Sabe que é uma batalha de vida ou morte, pois longe do aparelho de Estado não consegue mais sobreviver.
Por: Marco Antonio Villa é historiador Publicado em:- O Globo

A PERGUNTA ERRADA

Na maioria dos cursos de economia, o ponto de partida, a primeira premissa, não poderia ser mais equivocada. Boa parte dos livros, pesquisas e tratados começa com a seguinte pergunta: "Quais são as causas da pobreza?" O grande Adam Smith jamais cometeu esse erro. Sua obra máster trata de investigar exatamente o inverso: qual é a fonte da riqueza das nações. Smith sabia muito bem que a pobreza não se explica, pois é o estado natural do homem.

Por milhares de anos, quase todo ser humano viveu em estado de pobreza. A vida, durante a maior parte da existência humana, foi assustadoramente carente e precária. Faltava tudo, desde o pão, até a saúde. A palavra conforto não fazia parte do vocabulário de 99,9% dos homens. A expectativa de vida, nos primórdios do Império Romano era menos de 30 anos, e permaneceu assim até o final do século 18. A renda média, durante milênios, foi menor que US$ 900 por ano, a valores atuais. As pessoas mais ricas e poderosas do mundo assistiam suas crianças morrerem antes da idade adulta, não raro vítimas de infecções simples. Eles mesmos nem sempre podiam desfrutar de água fresca e limpa, ou de qualquer um dos milhares de produtos e serviços aos quais até os brasileiros mais pobres têm acesso hoje dia.

Então, a partir do século 18, algo extraordinário aconteceu - primeiro na Inglaterra, depois no restante do mundo dito ocidental - e alterou substancialmente os destinos da humanidade, tornando-a muito mais rica, próspera e segura. É esta verdadeira revolução que requer explicação. O que, afinal, propiciou a expansão massiva do empreendedorismo, do comércio e da divisão do trabalho, alterando de forma enérgica as decisões, esperanças e planos de bilhões de pessoas ao redor do mundo?

A questão econômica fundamental, portanto, é saber o que impediu tal revolução por tantos milhares de anos. Que instituições emergiram para lubrificar e promover essa extensa cooperação humana que hoje conhecemos e à qual estamos tão acostumados? Quais são as barreiras que essas instituições tiveram de superar para que a riqueza finalmente pudesse florescer?

De fato, nas sociedades pré-capitalistas havia vários obstáculos à cooperação, ao comércio e à divisão do trabalho, dentre os quais destacaríamos a desconfiança, a insegurança e os maus incentivos. O capitalismo surge justamente como resultado da emergência de algumas instituições que lograram derrubar essas barreiras.

Foi a partir da Revolução Gloriosa (1688), com o aprimoramento e racionalização dos direitos de propriedade, o fortalecimento do “Império da Lei” e a introdução da liberdade econômica (com o consequente enfraquecimento dos monopólios sancionados pelo Estado e a remoção das barreiras à livre empresa) que surgiram as sociedades de confiança, competitividade e empreendedorismo, trazendo consigo o aumento exponencial da riqueza e do bem estar.

Essas instituições, segundo Daron Acemoglu e James A. Robinson, “ofereceram a homens de talento e visão (...) a oportunidade e o incentivo de que eles precisavam para desenvolver suas habilidades e ideias, e exercer sobre o sistema uma influência que beneficiaria tanto a eles pessoalmente, quanto ao seu país.” (1)

Dependendo do ambiente em volta, como ensina Peter Boetke, os seres humanos podem ser levados a dois tipos de comportamento econômico distintos. Ou ele se voltará para a pilhagem dos bens alheios ou ele partirá para a cooperação e as trocas em geral. A propensão dominante dependerá basicamente das regras do jogo e da sua correta aplicação. A riqueza ocorre naquelas sociedades que promovem a competição, a produção e o comércio, enquanto a pobreza se instala onde o ambiente é propício ao roubo e à pilhagem.

Muito tempo antes, Tocqueville já havia tido o mesmo insight: “O comércio é o inimigo natural de todas as paixões violentas. O comércio ama moderação, se deleita com o compromisso... Ele é paciente, flexível e insinuante, só recorrendo a medidas extremas em casos de absoluta necessidade. O comércio torna os homens independentes uns dos outros e dá-lhes uma ideia elevada de sua importância pessoal: isso os leva a querer gerir seus próprios assuntos e ensina-os a ter sucesso neles”. (2)

Já Adam Smith, que viu de perto o início da Revolução Industrial, é incisivo e certeiro, ao falar da liberdade, do papel do Estado e sua importância para a prosperidade: “No grande tabuleiro de xadrez da sociedade humana, cada peça tem um princípio de movimento próprio, muitas vezes diferente do que a legislatura possa escolher para ela. Se esses dois princípios coincidem e atuam na mesma direção, o jogo social caminhará de forma fácil e harmoniosa, e é muito provável que a sociedade seja feliz e bem sucedida. Se eles são opostos ou diferentes, o jogo seguirá miseravelmente, e a sociedade estará, em todos os momentos, no mais alto grau de desordem.” (3)

Antes da Revolução Gloriosa, do fortalecimento da propriedade privada, da liberdade econômica e do Império da Lei, não havia um ambiente de confiança, onde os agentes tivessem incentivos para dividir o trabalho e realizar trocas em benefício mútuo. Além disso, o intervencionismo exacerbado nas relações comerciais beneficiava instituições corporativas, tornando a concorrência praticamente inexistente. É comum a sugestão de que o capitalismo leva ao monopólio, mas a verdade é exatamente o oposto disso. Foi a emergência dos mercados mais livres que possibilitou o surgimento da competitividade e, a partir dela, da inovação e de uma série de outros benefícios à humanidade.

Em resumo, se continuarmos a fazer a pergunta errada, o conhecimento, divulgação e defesa das instituições liberais que deram ao ser humano a única esperança que ele já conheceu de sair de seu estado natural de miséria ficarão prejudicados eternamente.

(1)Acemoglu & Robinson, “Por que as Nações Fracassam

(2)Alexis de Tocqueville, “A Democracia na América

(3)Adam Smith, “Teoria dos Sentimentos Morais
Por: João Luiz Mauad * Publicado originalmente em 15/11/2012. Do site: http://ordemlivre.org/

A CIÊNCIA DO FACE

As redes sociais são a próxima fronteira das ciências sociais. Essa nova disciplina (ciências sociais aplicadas às redes sociais) já tem um nome: física social.


O termo "física social" data do Iluminismo do século 18 e era um projeto de uma ciência do humano à semelhança da mecânica newtoniana. Claro, fracassou porque o ser humano é difícil de ser contido dentro do controle das variáveis que o método científico exige. Por isso as ciências humanas são algo entre a arte, a poesia e uma ciência envergonhada com sua própria imprecisão.

Mas, eis que, com o advento das redes sociais, temos a possibilidade de aplicar métodos quantitativos a "fragmentos de comportamento" humano (sonho do behaviorismo), traduzidos em número de posts. Os físicos sociais sonham com a possibilidade de prever comportamentos nas redes (e fora dela, mas estimulados por ela) com precisão matemática.

O pesquisador do MIT Alex Pentland tem esperanças de que a física social nos traga as certezas que as ciências "duras" trazem, sem criar problemas éticos. Talvez ele seja um tanto sonhador. E mais: ele pensa que com o advento do big data seremos capazes de prever guerras, massacres, epidemias, tendências ainda invisíveis de comportamento. Enfim, seremos capazes de criar uma sociedade organizada a partir do big data ("data-driven society").

Big data é uma gigantesca plataforma de convergência de dados que desenharia de modo muito preciso o que eu "sou".

Essa plataforma saberia o que eu quero e o que eu não quero de modo mais objetivo do que meus devaneios existenciais, a partir do rastro do que compro, dos meus exames médicos, dos lugares que frequento, dos filmes que baixo na internet, do que como, dos remédios que tomo, das roupas que uso, dos posts que faço, enfim, dos dados que descrevem minhas escolhas e minha fisiologia.

O livro "Social Physics, How Good Ideas Spread - The Lessons From a New Science" de Alex Pentland, ed. Penguin Classics, New York, 2014, (física social, como boas ideias se espalham - lições a partir de um nova ciência) é um manifesto de boas intenções com relação à ciência do big data e das redes sociais.

A ideia dele é estabelecer de modo preciso como boas ideias se espalham pelas redes e se transformam em ação no mundo.

Entretanto, até Pentland, um "integrado" à sociedade tecnológica moderna, teme pelos riscos de tamanha empreitada e chama a atenção para a necessidade de parâmetros éticos na lida com as pessoas que, afinal, estão criando esses dados e muitas vezes postando suas vidas. Temo que Pentland seja um tanto ingênuo no seu projeto.

Veja, não duvido que tal ciência ocorra (ferindo todos os parâmetros éticos existentes). Pelo contrário, formas dela já estão em curso. Temo que as redes sociais não sejam tão evidentemente "do bem" como pensa Pentland. Refiro-me aos transtornos que ela pode causar.

Nem tudo são flores na vida dessa jovem ciência. Recentemente, o artigo "Experimental evidence of massive-scale emotional contagion through social networks" (evidência experimental de contágio emocional de massa através das redes sociais), fruto de uma pesquisa desse tipo (a Folha falou desta pesquisa na segunda-feira dia 30 de junho), gerou protestos nas redes e fora dela.

A pesquisa realizada por Adam D. I. Kramer, James I. Guillory e Jeffrey T. Hancock filtrou posts recebidos por usuários do Facebook escolhidos randomicamente e sem que eles soubessem (daí os protestos). O filtro fez com que essas pessoas recebessem apenas posts com conteúdo emocional "positivo" ou "negativo" durante uma semana em janeiro de 2012.

O resultado foi que as emoções se espalharam "na velocidade da luz" provando que nas redes sociais emoções positivas e negativas se espalham indiscriminadamente, levando os usuários a repetirem (postarem) as emoções que receberam via Facebook.

O impacto é claro: as redes sociais são um veículo poderoso de reprodução de comportamentos que podem facilmente se tornar violentos. Vide o que aconteceu com a infeliz falsa "bruxa" do Guarujá.
Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A LOUCURA DOS ATOS ANTISSEMITAS NÃO CHEGOU A LONDRES

Só em Londres acredito no aquecimento global. A cidade está um forno. Trinta graus durante o dia. Noites temperadas - 15, 16 graus. Mas há coisas mais alarmantes do que Inglaterra com temperaturas mediterrânicas. O alarme propriamente dito é uma delas. Abrimos jornais, assistimos à tv e autoridades várias lançam recomendações públicas para evitar doenças e mortandades.


Algumas sugestões: beber água; usar chapéu para proteger do sol; abrir as janelas para arejar as casas; não deixar crianças (ou animais) no interior dos carros; usar roupa leve - a lista é infindável e eu, mesmo com o cérebro a derreter, pergunto com honestidade se alguém, esmagado pelo calor, optaria voluntariamente pela desidratação; pela insolação; pela asfixia doméstica; pelo homicídio negligente de crianças (ou animais) em carros-fornalha; ou por roupa de alpinista para ir às compras.

Perguntas absurdas, claro: no Estado "babysitter" em que a Europa vive, cada adulto é uma criança (retardada). Espantoso é ainda não ter aparecido um organismo qualquer, devidamente financiado por dinheiro público, lembrando aos nativos a importância da inspirar e expirar como condições fundamentais para uma correcta respiração.

Uma questão de tempo, não mais.

*

A loucura não chegou a Londres. Pelos menos, eu não reparei em nada. Mas leio nos jornais que chegou a França, Itália e até na Alemanha. Falo dos actos antissemitas contra judeus - violência, queima de sinagogas etc. - porque a guerra entre Israel e o Hamas continua no Oriente Médio.

Sobre o caso francês, nada a declarar: como escrevi nesta Folha, 50% dos crimes racistas em França são contra judeus. Já na Itália e na Alemanha, o caso tem mais piada: 70 anos depois, esses dois países, que têm a mancha do antissemitismo gravada nos ossos, são como os antigos Bourbons. Não aprenderam nada nem esqueceram nada.

Porque falamos de antissemitismo e não, como se pensa, de antissionismo. Quando, em finais do século 19, um certo jornalista húngaro escrevia em Paris sobre o "Caso Dreyfus" (um oficial francês, de origem judaica, era acusado de passar segredos militares à Alemanha), o que espantou Theodor Herzl (1860 - 1904) não foi o irracionalismo do julgamento.

Foi ver, na porta do tribunal, cartazes onde se lia: "Morte aos judeus!". Atenção às palavras: não era "Morte a Dreyfus!". Era "Morte aos judeus!", como se todos eles fossem igualmente culpados por um crime falso.

O raciocínio de Herzl, que nunca verdadeiramente tinha pensado na "questão judaica" (ele, apesar de judeu, era um caso de integração exemplar), foi imediato: se os judeus não estavam em segurança no país mais avançado do Ocidente, onde poderiam encontrar essa segurança? A Palestina otomana (sublinhemos o "otomana", por favor) era a opção historicamente mais lógica.

Herzl não inventou o "sionismo". Mas, com ele, emergiu um sionismo político moderno, baseado na compra e no trabalho da terra (sublinhemos as palavras "compra" e "trabalho" da terra).

Passou em século. E voltamos a ver os mesmos cartazes - "Morte aos judeus!" - pelas ruas da Europa. Repito: não é "Morte a Netanyahu!" ou "Morte a Israel!" ou "Morte aos soldados israelenses!". É "Morte aos judeus!", todos eles, começando no soldado que invade Gaza e terminando no anónimo vendedor de livros junto ao rio Sena, que nem sequer sabe onde fica Israel no mapa.

Quem disse que não era possível escrever poesia depois de Auschwitz, esqueceu-se de incluir a farsa.

*

Ainda sobre Israel: o meu último texto para esta Folha mereceu incontáveis mensagens. De apoio e repúdio.

Lamento. No texto, limitei-me a relembrar factos. A começar pelo facto singelo de o Hamas ser uma organização terrorista e jihadista que nem sequer aceita a existência de Israel. A exigência do "fim do bloqueio" a Gaza é conversa para otários.

Mas uma acusação não deixou de cintilar no meu email: eu, na minha condenação do Hamas, era insensível aos civis mortos (e às crianças mortas!) que o exército de Israel provocava no território. Confrontado com imagens do horror, o mais certo era eu dançar de alegria, agradecendo a Herodes a matança dos inocentes.

Não vale a pena perder tempo com cabeças doentes. Nem sequer para recordar o óbvio: o Hamas persiste em usar civis como escudos humanos, armazenando o seu arsenal bélico em escolas ou hospitais - e até impedindo a saída dos civis de áreas que o próprio exército de Israel avisa antecipadamente que serão atacadas. Quem começa por matar os palestinos são os próprios terroristas palestinos.

De resto, e depois de anos a ler e a ensinar sobre o conflito, começo a chegar à triste conclusão que o melhor mesmo seria Israel conceder independência total a Gaza e à Cisjordânia. Isso teria dois efeitos.

O primeiro, previsível, seria uma guerra civil entre os próprios palestinos, que obviamente olham para Israel de formas distintas: a Autoridade Palestina (na Cisjordânia) como um vizinho possível; o Hamas (em Gaza) como um câncer que é preciso extirpar.

Depois, se houvesse lançamento de foguetes, Israel poderia defender-se como qualquer estado soberano quando atacado por outro estado soberano.

Não que isso convencesse a "comunidade internacional" da justeza israelense - falo sobretudo da comunidade europeia, que gosta de transformar os israelenses em novos nazistas por óbvios sentimentos de culpa.

Mas seria mais difícil sustentar que um país, ao ser atacado por outro, deveria receber os mísseis de braços abertos.

*

Por que motivo os políticos não pedem a aposentadoria? Conversava tempos atrás com um amigo sobre um conhecido político português. Que, apesar de idade respeitável, continua à solta, debitando inanidades atrás de inanidades.

Ele, com bonomia, replicou: ser político não é diferente de ser músico, pintor ou escritor. Uma questão de paixão. Ninguém espera que um artista deixe de pintar ou escrever só porque atingiu uma qualquer idade. Quem ama o que faz, ama até ao fim.

E, apesar da política partidária ser (para mim) caminho interdito, é preciso compreender as paixões alheias, tão legítimas (ou ilegítimas) quanto as minhas.

Falou e disse. Calei e fui-me. E agora, na Tate Modern, é impossível não lembrar a conversa. Nos últimos 14 anos de vida, Henri Matisse (1869 - 1954) já tinha idade (e doença) para pendurar as chuteiras. O trabalho estava feito: a pintura moderna é incompreensível sem ele, ou seja, sem entender a continuidade que o francês deu a Gauguin (na planificação antinaturalista das formas) e, claro, a Cézanne, pai de todos os "fauves".

Mas Matisse não pendurou as chuteiras. Com a ajuda de assistentes, em especial de Lydia Delectorskya, começou a usar tesouras quando já não conseguia usar tintas e pincéis. O resultado são os famosos "gouaches découpés", ou seja, recortes em papel colorido aplicados sobre a tela.

Todas as composições valem a pena - a começar pelas colagens que fez para o seu estúdio em Vence. Mas a exposição tem o bónus de vermos em filme o próprio Matisse, nos últimos tempos de vida, recortando um lençol de papel com um gesto só - uma energia infantil, habilidosa, audaz, própria de quem acredita ter o futuro inteiro à sua espera.

*

Ligo a TV do hotel. Imagens de um avião civil malaio abatido na Ucrânia. Quase trezentos mortos. Responsabilidades? Tudo aponta para separatistas russos, armados por Moscovo e plantados na Ucrânia pelo Kremlin como forma de abocanhar mais um pedaço de território para a órbita moscovita.

Vladimir Putin nega. O mundo não acredita. Mas depois começa a conversa sobre a melhor forma de "punir" Putin. Há sanções económicas sobre a mesa. Proibição de acesso a certos mercados de capitais. Procura de alternativas ao fornecimento de energia russa. E etc. etc. etc.

Inútil. A única coisa remotamente inteligente sobre o assunto foi escrita por Tunku Varadarajan para o "The Daily Beast": a melhor forma de punir Putin é simplesmente retirar-lhe a Copa do Mundo de 2018.

Isso pode ser feito directamente - o autor sugere que a Holanda, país atingido pela tragédia e ironicamente o concorrente vencido para a organização da Copa de 2018, poderia tomar as rédeas do assunto.

Ou então os países da União Europeia e da OTAN (no fundo, o essencial do futebol mundial) poderiam recusar a honra de participar no endeusamento de Putin. Selecções de África (ou da Ásia), caso aceitassem o vexame, chegavam e sobravam para fazer da Copa de Putin um belíssimo fiasco.

Porque futebol é política: uma forma de afirmação nacionalista em que os governos gostam de mostrar grandeza, real ou imaginária. Se a FIFA tivesse "cojones" e ameaçasse levar "o jogo bonito" para outras paragens, aposto que a guerra ucraniana teria os dias contados.

*
Quando vemos Bill Nighy entrar em palco, tememos o pior. Será que o homem vai repetir todos os tiques cabotinos que o popularizaram nos filmes de Richard Curtis ou até nos exercícios televisivos de Stephen Poliakoff?

A princípio, sim: Bill é Tom, um homem de negócios, que depois da morte da mulher finge que o mundo continua igual. Ele continua igual. "Detached", para usar uma palavra inglesa sem tradução exacta para português. "Cool" - idem. Ele não puxa uma cadeira para se sentar - com as mãos. Ele usa a ponta do pé para o efeito - como se fosse Gene Kelly num musical de Minnelli.

Mas uma máscara é uma máscara é uma máscara. E ao entrar em casa de Kyra (Carey Mulligan), antiga e jovem amante durante a doença da mulher, a máscara cai. Tom é um poço de tristeza e de culpa e de derrota. E também de ilusão: a ilusão de que é possível retomar o que ficou para trás.

"Skylight", a peça de David Hare dirigida por Stephen Daldry (no Wyndham's Theatre até 23 de Agosto), é a evidência desencantada de que o amor não basta quando a vida é mais célere do que a memória dos amantes.

E é pungente - não há outra palavra - ver Bill Nighy, um gigante do teatro inglês (em vários sentidos da palavra), reduzido a uma sombra do homem que vimos que início, abraçar e abandonar Kyra na mais longa madrugada da sua viuvez. Nunca a neve de Londres foi tão parecida com as lágrimas.

*
Regresso a Portugal. A estada será curta. Tempo apenas para esvaziar a mala e enchê-la de novo para cruzar o Atlântico rumo ao Brasil. O pretexto é o livro "As Ideias Conservadoras Explicadas a Revolucionários e Reacionários" (3 Estrelas), já com 1ª reimpressão. Obrigado, gente.

Para os interessados, aqui ficam as datas: dia 2 de Agosto, às 14.30h, estarei em Paraty, durante a FLIP, para falar na Casa Folha. Dia 4 de Agosto, das 18.30h às 21.30h, estarei na Livraria da Vila, no Shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo. Para conhecer leitores e detractores.

Claro que gostaria também de fazer uma visita ao Rio, a Belo Horizonte, a Brasília, a Salvador e a todos as cidades da Copa. Mas como verdadeiro português, falta-me o sangue germânico para fazer uma turnê inteira.

Além disso, o colunista merece férias. Essa coluna regressa a 25 de Agosto.

Como dizem os brasileiros, é isso aí. Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

domingo, 10 de agosto de 2014

CARNES VIVAS

Tive uma infância de príncipe. Passei longas horas na rua, sem supervisão parental, a fazer coisas que não lembram ao diabo. Isso na cidade.


No campo, o cardápio era melhor: torturava bichos, primos, vizinhos. Parti o braço (uma vez) e o pulso (idem). Tudo porque teimava em subir nas árvores, como um Tarzan de nove anos.

E, por falar em árvores, cheguei a construir uma casa rudimentar no cimo de uma oliveira -o supremo cliché, tirado de um romance de Mark Twain- que aguentou apenas duas horas. Findas as duas horas, já eu estava no chão, com os joelhos em carne viva.

Às vezes pergunto o que aconteceria aos meus pais se o pequeno selvagem que eu fui pudesse reaparecer agora, neste 2014, sem freio nem controle. Provavelmente, seria exibido em uma jaula, como um King Kong pré-púbere, só para horrorizar a burguesia.

"Minhas senhoras e meus senhores, vejam com os próprios olhos, uma criança que gosta de brincar!"

Imagino a plateia, horrorizada, tapando os olhos dos filhos -ou, melhor ainda, ligando os tablets e anestesiando-os com a dose apropriada de pixels.

E a minha mãe, a única sobrevivente da minha biografia juvenil, estaria obviamente presa. Exagero? Não creio. Conta a "Economist" dessa semana que Debra Harrell, da Carolina do Sul, foi detida por deixar a filha de nove anos brincar no parque sem vigilância apurada.

Engraçado. Na década de 1950, uma criança tinha cinco vezes mais possibilidades de morrer precocemente (por doença, acidente etc.) do que uma criança do século 21. Mas os pais da "baby-boom generation" deixavam as suas crianças à solta, talvez por entenderem que uma criança é uma criança. Esses pais não eram, como diz a revista, "pais-helicóptero".

Expressão feliz. Conheço vários: casais que devotam aos filhos a mesma atenção obsessiva que um pesquisador dedica aos seus ratinhos de laboratório. Gostam de saber onde estão os filhos. O que fazem. Em casa de quem. E com quem. Como os helicópteros, estão constantemente a planar sobre a existência dos petizes.

E quando finalmente descem à terra, é a desgraça: correm com eles para aulas de música, caratê, natação, matemática, talvez física quântica. No regresso à casa, é ver esses pequenos escravos arrumados a um canto, mortificados e exaustos, antes de se recolherem aos quartos e as luzes serem apagadas como nos presídios.

Não sei que tipo de crianças os "pais-helicóptero" estão a produzir. Deixo essas matérias para os especialistas. E, confesso, a minha selvageria juvenil não é exemplo para ninguém: também eu já estou corrompido pelos ares do tempo e um filho meu jamais subiria a uma árvore sem eu chamar de imediato a associação de bombeiros para o tirar de lá.

Digo apenas que a profusão de "pais-helicóptero" é uma brutal amputação da infância e da adolescência. Para além de corromper a relação entre pais e filhos.

Sobre a amputação, não sei que adulto eu seria se nesses primeiros anos não houvesse a sensação de liberdade, mas também de percepção do risco, que me acompanhava todos os dias. Apesar dos ossos que quebrei, dores foram compensadas pela confiança que ganhei e pela intuição de que o mundo não é uma ameaça constante, povoado por sequestradores, pedófilos ou extraterrestres.

Mas os "pais-helicóptero" corrompem a relação essencial entre eles e os filhos. Anos atrás, o filósofo Michael Sandel escreveu um magistral ensaio contra o uso da engenheria genética para produzir descendências perfeitas.

O ensaio intitula-se "The Case Against Perfection". Dizia Sandel que se os pais pudessem manipular os fetos para terem superfilhos, estaria quebrada a qualidade essencial da parentalidade: o fato de amarmos os filhos incondicionalmente. Sejam ou não perfeitos. Os filhos são "dádivas", escrevia Sandel; não são um produto que obedece aos nossos caprichos.

Igual raciocínio é aplicável aos "pais-helicóptero": é natural desejar o melhor para os filhos. E um professor particular de matemática nunca fez mal a ninguém.

Não é natural ter com os filhos a mesma relação que existe entre um treinador e o seu atleta, como se a vida -acadêmica, pessoal, emocional- fosse uma mini-Olimpíada permanente.

Na minha infância, as únicas medalhas que colecionei são as cicatrizes que trago no corpo. Não as troco por nada. Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

UNIVERSAL USA VELHO TESTAMENTO PARA REVIVER RELAÇÃO DO "POVO ELEITO COM DEUS

Por que os neopentecostais são apaixonados pelo que os cristãos chamam de "Velho Testamento"?

O termo, recusado pelos judeus, que usam "Tanach" para o cânone hebraico, ou "Bíblia Hebraica", no rastro do crítico literário judeu americano Harold Bloom, reúne o conjunto de textos que vem antes do Novo Testamento. Neste, Jesus, o Messias dos cristãos, anuncia a "nova aliança" do Deus de Israel com a humanidade, diferente da "antiga aliança", que seria apenas com o povo eleito, os hebreus. Salomão foi um dos mais importantes reis hebreus.

A diferença de terminologia para se referir a este conjunto de textos não é mero detalhe de um obcecado por estudos bíblicos, mas encerra em si um equívoco, do ponto de vista judaico, do que significa a chamada "eleição do povo de Israel". De certa forma, grande parte do cristianismo compreende a eleição de Israel de um modo equivocado. A eleição é uma responsabilidade, um peso, não a escolha de um caçulinha mimado fadado ao sucesso. Aqui nasce o equívoco e, ao mesmo tempo, a paixão neopentecostal pelo Velho Testamento.

O "Templo de Salomão" construído pela Igreja Universal do Reino de Deus, é uma peça de fé, não uma reconstrução arqueológica, nem precisa ser, uma vez que estamos falando de religião, instituição que nada tem a ver com as demandas de uma ciência como a arqueologia.

Inauguração do Templo de Salomão com as presenças da presidente Dilma e do governador Alckmin Leia mais

O templo original, supostamente construído pelo rei Salomão, filho do rei Davi, no século 9º antes de Cristo, teria sido destruído por volta 586 a.C. Pesquisas arqueológicas situam os fragmentos encontrados no Monte do Templo, que poderiam ser da primeira sede do culto hebraico antigo, há cerca de 3.000 anos atrás, o que coincide com a vida do personagem bíblico em questão.

Mas, de onde vem essa paixão? Vem do fato que os neopentecostais (que se diferenciam dos seus "antepassados" pentecostais pelo forte caráter de "espetáculo para as massas" nos cultos) leem a relação entre o Deus de Israel e seu povo eleito numa chave mágica. Os fatos narrados no "Tanach" (Velho Testamento) indicam uma forte presença de Deus nos destinos do povo, alterando círculos naturais, criando forças a favor do povo, enfim, fundando um mundo de "milagres".

Daí que, revivendo o Templo de Salomão, supostamente, a Igreja Universal dá um importante passo simbólico no sentido de dizer que seus fiéis revivem a relação de povo eleito com seu Deus, Rei do Universo ("Melech HaOlam"). A imagem é forte, temos que reconhecer. Mas, aqui reside a chave da interpretação equivocada que leva a paixão dos neopentecostais por todos os signos vétero-testamentários.

O equívoco está no fato que o mundo mágico do Velho Testamento é apenas uma pequena parte da eleição de Israel. Mas os neopentecostais parecem crer que essa "mágica israelita" é a base para o sucesso, a felicidade, e, finalmente, para a teologia da prosperidade que marca o movimento neopentecostal. Dito de forma direta: quem vive com o Deus de Israel fica rico e feliz.

Ledo engano, basta ver a história dos judeus e os jornais atuais. A eleição do povo de Israel, para os judeus, significa muito mais que o povo é um povo de sacerdotes, que leva a mão de Deus sobre si, num mundo de agonias, que recusará e odiará esse povo justamente por isso. Não é por outra razão que se chama o massacre de judeus na Segunda Guerra de "Holocausto". O povo é "um animal do sacrifício", e cada vez que Deus quiser, Ele o lança ao fogo para "falar" com o mundo.

A eleição de Israel é muito mais um peso do que um ticket para o sucesso. Tem mais a ver com o conflito israelo-palestino, através do qual muitos odeiam Israel, do que com ficar rico e feliz. Se perguntarmos a muitos judeus religiosos em Israel e no mundo, dirão que o desespero que passa Israel hoje, o medo do ódio do mundo e da destruição do Estado de Israel, é mais uma marca da sofrida eleição.

Por isso, não é difícil encontrar judeus que pediriam a Deus, assim como profetas o fizeram, que escolha outro povo para ser Seu eleito, porque Israel já cansou.

Por: Luiz Felipe Pondé  Publicado na Folha de SP

sábado, 9 de agosto de 2014

CONSIDERAÇÕES SOBRE A SUBMISSÃO DAS PESSOAS AOS DESMANDOS DO ESTADO

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Como corretamente diz o ditado, a intimidade pode gerar desprezo, mas também pode gerar algum tipo de sonolência ou tédio. 

Aquelas pessoas que nunca conheceram outro arranjo fora daquele em que vivem — mesmo que viva em um arranjo extraordinariamente problemático — tendem a não perceber nenhuma anomalia ao seu redor. No mínimo, são incapazes de relacionar causa e consequência. É como se fossem zumbis que caminham por aí indiferentes às coisas ao seu redor.

Essa é exatamente a postura das pessoas de hoje em relação ao estado.

Elas sempre conheceram o estado como ele é, e o veem como um fato consumado, como algo natural. Elas encaram o estado como encaram o tempo: haja chuva ou sol, tempestade com raios e trovões ou uma agradável brisa de primavera, ele sempre se manifesta, e não há nada que você possa fazer contra. Trata-se de um aspecto da própria natureza. Mesmo quando ele se mostra destrutivo, sua destruição é vista como algo semelhante a "atos de Deus".

Essa nossa postura conformista em relação ao estado ocorre não porque tal tipo de comportamento esteja predisposto em nossos genes, mas sim porque nossas condições de vida e nosso longo histórico de aceitação a este arranjo nos predispõem a encará-lo desta maneira resignada. Já aquelas pessoas que chegaram a viver sob outros arranjos reagiram a tentativas de criação de um estado de maneiras bem distintas. Foi somente quando populações humanas desenvolveram a agricultura e passaram a se estabelecer de em localidades fixas, que a humanidade se tornou mais condescendente com a dominação estatal.

Durante aquele período de tempo vastamente mais longo em que a humanidade era nômade e vivia em pequenos bandos que praticavam a caça e a coleta, o estado era um arranjo impossível: as pessoas não tinham praticamente nenhuma espécie de riqueza não-perecível que podia ser espoliada pelo estado, e se alguém tentasse impor algo semelhante a um domínio estatal sobre um bando, seus membros simplesmente sairiam daquela localidade, colocando o máximo de distância possível entre si próprios e aqueles exploradores, evitando assim as depredações desta tentativa de criação de um estado. Para ver relatos históricos sobre isso, leia o livro The Art of Not Being Governed: An Anarchist History of Upland Southeast Asia, de James C. Scott.

No entanto, ao longo dos últimos 5.000-10.000 anos, para praticamente todos os seres humanos do mundo, o estado sempre existiu e sempre esteve presente com suas depredações e abusos dos direitos humanos. Seu poder de dominar, subjugar e espoliar seus súditos é cuidadosamente sustentado pela sua destreza em explorar os medos humanos, dentre eles o medo dos indivíduos em relação ao próprio estado e a outras ameaças à vida e à integridade, contra as quais o estado jura que irá nos proteger. (Nessa postura, o estado em nada se difere daquelas gangues de bairro que extorquem pessoas em troca de "proteção".)

Em todo caso, praticamente todos os indivíduos se tornaram totalmente incapazes de sequer imaginar como seria a vida sem um estado.

Já aqueles poucos que se mostraram capazes de se libertar dessa condição hipnótica e vergonhosamente submissa em relação ao estado se fazem duas perguntas:

1) Quem essas pessoas — a saber, os cabeças do estado, sua guarda pretoriana, seus bajuladores e seusmegaempresários protegidos no setor privado — pensam que são para nos tratar dessa maneira?

2) Por que praticamente todos nós aceitamos receber esse ultrajante tratamento do estado?

Essas duas simples perguntas podem facilmente se tornar — e de fato formam — o cerne de vários livros, artigos e manifestos. Embora algo semelhante a um consenso jamais tenha ocorrido, parece ser pouco controverso dizer que as respostas para a primeira pergunta têm muito a ver com o amplo predomínio de pessoas arrogantes e mal intencionadas que usufruem uma vantagem comparativa em coagir e confundir suas vítimas. Tendo de escolher entre enriquecer por meios econômicos (pela produção e pelas trocas voluntárias) ou por meios políticos (roubo e extorsão), os membros das classes dominantes sempre optaram decisivamente pela segunda alternativa. 

O papa Gregório VII (1071-85), o líder da momentosa Revolução Papal que se iniciou durante seu papado e continuou durante os cinquenta anos seguintes (durando ainda mais na Inglaterra), não mediu palavras quando escreveu (como citado pelo estudioso Harold Berman): "Reis e príncipes obtiveram seus poderes de homens ignorantes de Deus, e se elevaram acima de seus conterrâneos por meio da soberba, da espoliação, da deslealdade e do homicídio — em suma, por todos os tipos de crime —, sempre instigados pelo Demônio, o príncipe deste mundo. São homens cegados pela ganância e insuportáveis em sua insolência".

É sim possível que alguns líderes políticos sinceramente acreditem possuir uma justificativa virtuosa para impor sua dominação sobre seus conterrâneos — e mais do que nunca nos dias de hoje, em que políticos populistas juram que uma vitória eleitoral equivale a uma consagração divina —, mas tal autoengano não altera em absolutamente nada a realidade da situação.

Quanto ao motivo de aceitarmos nos submeter aos ultrajes do estado, as respostas mais persuasivas têm a ver com o medo que temos do estado (em conjunto com o temor da responsabilidade própria que muitos sentem). Há aquela apreensão de ser o desafiante solitário, que no momento decisivo não contará com o apoio e a solidariedade das outras vítimas, as quais acabarão se omitindo e não juntarão forças. E talvez ainda mais importante, há aquela "hipnose" ideológica (como explicada por Leon Tolstoi) que impede que a maioria das pessoas seja capaz de imaginar a vida sem o estado ou seja incapaz de entender que o estado reivindicar imunidade ao mesmos códigos morais que vinculam todos os outros seres humanos é uma impostura absurda.

Se um indivíduo comum não pode moralmente roubar, espoliar, sequestrar, fraudar ou matar, os indivíduos que compõem o estado também têm de estar sujeitos a essas mesmas proibições. Igualmente, indivíduos comuns não podem delegar ao estado as tarefas de roubar, espoliar, sequestrar, fraudar ou matar simplesmente porque eles não têm tais diretos; portanto, eles não podem ser terceirizados. (Um simples lobby de poderosos empresários pedindo ao estado mais protecionismo já configura uma intolerável terceirização da espoliação.)


Assim como Tolstoi, vários escritores e pensadores reconheceram que as classes dominantes se esforçam incansavelmente para incutir em suas vítimas uma ideologia que santifique o estado e suas ações criminosas. Sob esse prisma, é inegável que, historicamente, vários estados foram extremamente bem-sucedidos nessa empreitada. Sob o regime nazista, vários cidadãos alemães pensavam ser livres, assim como vários cidadãos das democracias ocidentais de hoje também pensam ser livres. A capacidade de uma ideologia cegar pessoas e deixá-las propensas à Síndrome de Estocolmo parece não ter limites, embora um regime como o da URSS, que mantinha as pessoas na persistente pobreza, pode descobrir que suas tentativas de produzir encanto ideológico em suas vítimas irá, ao final, gerar retornos cada vez mais decrescentes.

Portanto, uma astuta — e em contínua mudança — combinação de força arrogante e fraude insolente pode ser vista como sendo o principal ingrediente utilizado pelo estado em seus multifacetados esforços para induzir sonolência em suas vítimas. É claro que uma certa dose de cooptação acrescenta um tempero especial à mistura, de modo que todos os estados se esforçam para presentear suas vítimas com um pedaço do pão que ele próprio roubou delas. Em troca desta graciosa benevolência, as vítimas se tornam profundamente agradecidas.


Robert Higgs um scholar adjunto do Mises Institute, é o diretor de pesquisa do Independent Institute.

Tradução de Leandro Roque