terça-feira, 12 de agosto de 2014

A PERGUNTA ERRADA

Na maioria dos cursos de economia, o ponto de partida, a primeira premissa, não poderia ser mais equivocada. Boa parte dos livros, pesquisas e tratados começa com a seguinte pergunta: "Quais são as causas da pobreza?" O grande Adam Smith jamais cometeu esse erro. Sua obra máster trata de investigar exatamente o inverso: qual é a fonte da riqueza das nações. Smith sabia muito bem que a pobreza não se explica, pois é o estado natural do homem.

Por milhares de anos, quase todo ser humano viveu em estado de pobreza. A vida, durante a maior parte da existência humana, foi assustadoramente carente e precária. Faltava tudo, desde o pão, até a saúde. A palavra conforto não fazia parte do vocabulário de 99,9% dos homens. A expectativa de vida, nos primórdios do Império Romano era menos de 30 anos, e permaneceu assim até o final do século 18. A renda média, durante milênios, foi menor que US$ 900 por ano, a valores atuais. As pessoas mais ricas e poderosas do mundo assistiam suas crianças morrerem antes da idade adulta, não raro vítimas de infecções simples. Eles mesmos nem sempre podiam desfrutar de água fresca e limpa, ou de qualquer um dos milhares de produtos e serviços aos quais até os brasileiros mais pobres têm acesso hoje dia.

Então, a partir do século 18, algo extraordinário aconteceu - primeiro na Inglaterra, depois no restante do mundo dito ocidental - e alterou substancialmente os destinos da humanidade, tornando-a muito mais rica, próspera e segura. É esta verdadeira revolução que requer explicação. O que, afinal, propiciou a expansão massiva do empreendedorismo, do comércio e da divisão do trabalho, alterando de forma enérgica as decisões, esperanças e planos de bilhões de pessoas ao redor do mundo?

A questão econômica fundamental, portanto, é saber o que impediu tal revolução por tantos milhares de anos. Que instituições emergiram para lubrificar e promover essa extensa cooperação humana que hoje conhecemos e à qual estamos tão acostumados? Quais são as barreiras que essas instituições tiveram de superar para que a riqueza finalmente pudesse florescer?

De fato, nas sociedades pré-capitalistas havia vários obstáculos à cooperação, ao comércio e à divisão do trabalho, dentre os quais destacaríamos a desconfiança, a insegurança e os maus incentivos. O capitalismo surge justamente como resultado da emergência de algumas instituições que lograram derrubar essas barreiras.

Foi a partir da Revolução Gloriosa (1688), com o aprimoramento e racionalização dos direitos de propriedade, o fortalecimento do “Império da Lei” e a introdução da liberdade econômica (com o consequente enfraquecimento dos monopólios sancionados pelo Estado e a remoção das barreiras à livre empresa) que surgiram as sociedades de confiança, competitividade e empreendedorismo, trazendo consigo o aumento exponencial da riqueza e do bem estar.

Essas instituições, segundo Daron Acemoglu e James A. Robinson, “ofereceram a homens de talento e visão (...) a oportunidade e o incentivo de que eles precisavam para desenvolver suas habilidades e ideias, e exercer sobre o sistema uma influência que beneficiaria tanto a eles pessoalmente, quanto ao seu país.” (1)

Dependendo do ambiente em volta, como ensina Peter Boetke, os seres humanos podem ser levados a dois tipos de comportamento econômico distintos. Ou ele se voltará para a pilhagem dos bens alheios ou ele partirá para a cooperação e as trocas em geral. A propensão dominante dependerá basicamente das regras do jogo e da sua correta aplicação. A riqueza ocorre naquelas sociedades que promovem a competição, a produção e o comércio, enquanto a pobreza se instala onde o ambiente é propício ao roubo e à pilhagem.

Muito tempo antes, Tocqueville já havia tido o mesmo insight: “O comércio é o inimigo natural de todas as paixões violentas. O comércio ama moderação, se deleita com o compromisso... Ele é paciente, flexível e insinuante, só recorrendo a medidas extremas em casos de absoluta necessidade. O comércio torna os homens independentes uns dos outros e dá-lhes uma ideia elevada de sua importância pessoal: isso os leva a querer gerir seus próprios assuntos e ensina-os a ter sucesso neles”. (2)

Já Adam Smith, que viu de perto o início da Revolução Industrial, é incisivo e certeiro, ao falar da liberdade, do papel do Estado e sua importância para a prosperidade: “No grande tabuleiro de xadrez da sociedade humana, cada peça tem um princípio de movimento próprio, muitas vezes diferente do que a legislatura possa escolher para ela. Se esses dois princípios coincidem e atuam na mesma direção, o jogo social caminhará de forma fácil e harmoniosa, e é muito provável que a sociedade seja feliz e bem sucedida. Se eles são opostos ou diferentes, o jogo seguirá miseravelmente, e a sociedade estará, em todos os momentos, no mais alto grau de desordem.” (3)

Antes da Revolução Gloriosa, do fortalecimento da propriedade privada, da liberdade econômica e do Império da Lei, não havia um ambiente de confiança, onde os agentes tivessem incentivos para dividir o trabalho e realizar trocas em benefício mútuo. Além disso, o intervencionismo exacerbado nas relações comerciais beneficiava instituições corporativas, tornando a concorrência praticamente inexistente. É comum a sugestão de que o capitalismo leva ao monopólio, mas a verdade é exatamente o oposto disso. Foi a emergência dos mercados mais livres que possibilitou o surgimento da competitividade e, a partir dela, da inovação e de uma série de outros benefícios à humanidade.

Em resumo, se continuarmos a fazer a pergunta errada, o conhecimento, divulgação e defesa das instituições liberais que deram ao ser humano a única esperança que ele já conheceu de sair de seu estado natural de miséria ficarão prejudicados eternamente.

(1)Acemoglu & Robinson, “Por que as Nações Fracassam

(2)Alexis de Tocqueville, “A Democracia na América

(3)Adam Smith, “Teoria dos Sentimentos Morais
Por: João Luiz Mauad * Publicado originalmente em 15/11/2012. Do site: http://ordemlivre.org/

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