quarta-feira, 23 de maio de 2012

Brasileiro deve até as calças: Classe C já compromete 60% da renda anual

No momento em que o governo tenta conter de novo o desempenho fraco da economia pelo consumo, o peso das dívidas antigas alcança valores recordes no orçamento das famílias brasileiras. Em abril, só as dívidas financeiras representavam em média 45% da renda anual, segundo projeção do economista Simão Silber, da Universidade de São Paulo (USP), com base em dados do Banco Central (BC). Esse percentual era de 24,94% em janeiro de 2007 e de 35,8% no começo de 2010. — O comprometimento das famílias com o endividamento aumentou bastante recentemente e dá sinais de saturação. A questão é que o maior acesso a crédito no Brasil é acompanhado por taxas de juros ainda elevadas, o que significa um perfil de endividamento que não é saudável. Isso gera a armadilha da dívida. As pessoas vão se estrangulando e ficam presas aos bancos — afirma o professor de Economia da Uerj Luiz Fernando de Paula, admitindo risco de aumento de inadimplência por causa das medidas de estímulo ao consumo anunciadas pelo governo. Além disso, atualmente, todo mês, mais de um quinto da renda das famílias já está comprometida com o pagamento de dívidas bancárias. Neste caso, essa fatia saltou de 18%, em janeiro de 2008, para 22% em fevereiro último. Um percentual muito elevado, segundo economistas, já que o consumidor ainda tem despesas como educação, habitação, transporte, saúde e alimentação. O excesso de dívidas acaba se traduzindo em aumento de inadimplência. Em março, a taxa, que considera atrasos acima de 90 dias, chegava a 7,4% dos financiamentos para pessoas físicas, ou R$ 38,85 bilhões. Classe C deve 60% de sua renda anual O educador financeiro Mauro Calil considera o grau de endividamento das famílias hoje elevado. Ele acredita que as novas medidas de incentivo ao consumo podem até ser favoráveis para a sociedade, por estimularem a economia, mas alguns indivíduos pagarão a conta, com mais endividamento. A situação no Brasil é mais delicada que em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, a fatia da renda mensal para quitar dívidas bancárias varia de 15% a 17%. Em países ricos, o nível de endividamento pode até ultrapassar 100% da renda anual. Mas, como os juros são menores e os prazos muito mais longos que no Brasil, o peso final no orçamento mensal das famílias (que é o comprometimento) é proporcionalmente menor. Outro agravante no caso brasileiro, segundo o professor da Uerj, é o prazo mais curto dos financiamentos. — O endividamento e, principalmente, o comprometimento da renda mensal hoje são muito maiores que em 2008 e 2009, e o pacote do governo é o mesmo. Para voltar a se endividar com crédito, o consumidor tem de recuperar espaço no orçamento — diz Luiz Rabi, gerente de indicadores de mercado da Serasa Experian. Cálculos da área econômica do banco Pine indicam que o nível de endividamento médio é ainda maior entre as famílias da chamada classe C, com renda mensal entre 2,5 e cinco salários mínimos (de R$ 1.555 a R$ 3.110): chegaria a 60% da renda anual. — Ultimamente as dívidas que esse extrato têm contraído são mais caras que em 2009, por exemplo. Até então, o endividamento era em CDC (crédito direto ao consumidor), agora há dívida em cheque especial, cujos juros são mais altos — observa Marco Maciel, economista-chefe do banco Pine. Luiz Fernando de Paula lembra ainda que a baixa renda, além de só ter acesso a crédito com taxas de juros mais altas, tem menos facilidade para negociar suas dívidas com as instituições financeiras. O encarregado administrativo Daivison da Costa, de 31 anos, foi um dos que se viu envolvido em dívidas que não conseguia pagar. Em 2007, ele teve um cheque de cerca de R$ 2 mil protestado às vésperas de seu casamento. As despesas do dia a dia e os gastos com a cerimônia e com a casa nova dificultaram o pagamento. — Outro problema foi o parcelamento proposto pelo banco. As parcelas eram muito altas, incompatíveis com meus gastos mensais e com juros muito altos — conta Daivison. A supervisora de vendas Jane Araújo, de 42 anos, contraiu uma dívida de R$ 1.600 no banco em 2007, mas só deu atenção ao problema quando o débito bateu R$ 6 mil: — Meu limite era de quase R$ 2 mil, e, a essa altura, era impossível pagar. Silber, da USP, não vê nas medidas de estímulo ao crédito grande potencial para impulsionar a economia.— Por mais que o governo queira, vai ser difícil esticar tanto o crédito como já foi feito. E isso não ocorrerá por causa da estrutura atual. Os juros ainda são muito altos e dívidas, mesmo pequenas, já comprometem muito a renda. Além disso, os prazos dos empréstimos são curtos no Brasil — diz Silber, lembrando que o prazo médio dos empréstimos para pessoa física é de 600 dias, menos de dois anos. A economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC) Marianne Hanson também acredita que o endividamento vai limitar o impacto dessas medidas, porque as pessoas estão mais cautelosas. As operações de crédito do sistema financeiro alcançaram 49,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, mais que o dobro dos 24,1% registrados em 2003. É consenso entre os economistas que a expansão do crédito agora ocorrerá num ritmo menos vertiginoso. Maciel, do Pine, ressalta ainda que a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de veículos e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de crédito são muito restritos à indústria automotiva. (O Globo)


O "POLITICAMENTE CORRETO" COMO FORMA DE MAQUIAR A INCOMPETÊNCIA DO GOVERNO DO PT


Neste vídeo o filósofo Luiz Felipe Pondé explica de forma super sucinta, o que é o pensamento politicamente correto e seus efeitos. No caso brasileiro ele serve para escamotear a incompetência do governo. Está perfeito.

terça-feira, 22 de maio de 2012

VERDADE/ QUE VERDADE?

Foi saudada como um momento histórico a designação dos membros da Comissão da Verdade. Como tudo se movimenta lentamente na presidência de Dilma Rousseff, o fato ocorreu seis meses após a aprovação da lei 12.528. Não há qualquer justificativa para tanta demora. Durante o trâmite da lei o governo poderia ter desenhando, ao menos, o perfil dos membros, o que facilitaria a escolha. Houve, na verdade, um desencontro com a história. O momento para a criação da comissão deveria ter sido outro: em 1985, quando do restabelecimento da democracia. Naquela oportunidade não somente seria mais fácil a obtenção das informações, como muitos dos personagens envolvidos estavam vivos. Mas — por uma armadilha do destino — quem assumiu o governo foi José Sarney, sem autoridade moral para julgar o passado, pois tinha sido participante ativo e beneficiário das ações do regime militar. O tempo foi passando, arquivos foram destruídos e importantes personagens do período morreram. E para contentar um setor do Partido dos Trabalhadores — aquele originário do que ficou conhecido como luta armada — a presidente resolveu retirar o tema do esquecimento. Buscou o caminho mais fácil — o de criar uma comissão — do que realizar o que significaria um enorme avanço democrático: a abertura de todos os arquivos oficiais que tratam daqueles anos. É inexplicável o período de 42 anos para que a comissão investigue as violações dos direitos humanos. Retroagir a 1946 é um enorme equívoco, assim como deveria interromper as investigações em 1985, quando, apesar da vigência formal da legislação autoritária, na prática o país já vivia na democracia — basta recordar a legalização dos partidos comunistas. Se a extensão temporal é incompreensível, menos ainda é o prazo de trabalho: dois anos. Como os membros não têm dedicação exclusiva e, até agora, a estrutura disponibilizada para os trabalhos é ínfima, tudo indica que os resultados serão pífios. E, ainda no terreno das estranhezas e sem nenhum corporativismo, é, no mínimo, extravagante que tenha até uma psiquiatra na comissão e não haja lugar para um historiador. A comissão foi criada para “efetivar o direito à memória e a verdade histórica”. O que é “verdade histórica”? Pior são os sete objetivos da comissão (conforme artigo 3º), ora indefinidos, ora extremamente amplos. Alguns exemplos: como a comissão agirá para que seja prestada assistência às vítimas das violações dos direitos humanos? E como fará para “recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional”? De que forma é possível “assegurar sua não repetição”? O encaminhamento dado ao tema pelo governo foi desastroso. Reabriu a discussão sobre a lei de anistia, questão que já foi resolvida pelo STF em 2010. A anistia foi fundamental para o processo de transição para a democracia. Com a sua aprovação, em 1979, milhares de brasileiros retornaram ao país, muitos dos quais estavam exilados há 15 anos. Luís Carlos Prestes, Gregório Bezerra, Miguel Arraes, Leonel Brizola, entre os mais conhecidos, voltaram a ter ativa participação política. Foi muito difícil convencer os setores ultraconservadores do regime militar que não admitiam o retorno dos exilados, especialmente de Leonel Brizola, o adversário mais temido — o PT era considerado inofensivo e Lula tinha bom relacionamento com o general Golbery do Couto e Silva. Não é tarefa fácil mexer nas feridas. Há o envolvimento pessoal, famílias que tiveram suas vidas destruídas, viúvas, como disse o deputado Alencar Furtado, em 1977, do “quem sabe ou do talvez”, torturas, desaparecimentos e mortes de dezenas de brasileiros. Mas — e não pode ser deixado de lado — ocorreram ações por parte dos grupos de luta armada que vitimaram dezenas de brasileiros. Evidentemente que são atos distintos. A repressão governamental ocorreu sob a proteção e a responsabilidade do Estado. Contudo, é possível enquadrar diversos atos daqueles grupos como violação dos direitos humanos e, portanto, incurso na lei 12.528. O melhor caminho seria romper com a dicotomia — recolocada pela criação da comissão — repressão versus guerrilheiros ou ação das forças de segurança versus terroristas, dependendo do ponto de vista. É óbvio que a ditadura — e por ser justamente uma ditadura — se opunha à democracia; mas também é evidente que todos os grupos de luta armada almejavam a ditadura do proletariado (sem que isto justifique a bárbara repressão estatal). Nesta guerra, onde a política foi colocada de lado, o grande derrotado foi o povo brasileiro, que teve de suportar durante anos o regime ditatorial. A presidente poderia ter agido como uma estadista, seguindo o exemplo do sul-africano Nelson Mandela, que criou a Comissão da Verdade e Reconciliação. Lá, o objetivo foi apresentar publicamente — várias sessões foram transmitidas pela televisão — os dois campos, os guerrilheiros e as forças do apartheid. Tudo sob a presidência do bispo Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz. E o país pôde virar democraticamente esta triste página da história. Mas no Brasil não temos um Mandela ou um Tutu. Pelas primeiras declarações dos membros da comissão, continuaremos prisioneiros do extremismo político, congelados no tempo, como se a roda da história tivesse parado em 1970. Não avançaremos nenhum centímetro no processo de construção da democracia brasileira. E a comissão será um rotundo fracasso. Por: MARCO ANTONIO VILLA O GLOBO - 22/05

segunda-feira, 21 de maio de 2012

ECOS DE 1967: UNIÃO EM ISRAEL

A guerra não está a quatro dias de distância, mas ela se aproxima. Em maio de 1967, violando descaradamente acordos de trégua anteriores, o Egito expulsou do Sinai os pacificadores da ONU, moveu 120 mil soldados para a fronteira com Israel, bloqueou Eilat (a saída sul de Israel para o oceano), assinou repentinamente um pacto militar com a Jordânia e, junto com a Síria, decretou guerra para a destruição final de Israel. Maio de 1967 foi o mês mais amedrontador e desesperador de Israel. O país estava cercado e sozinho. Garantias prévias de grandes potências se mostraram inócuas. Um plano para testar o bloqueio com uma flotilha ocidental falhou por falta de participantes. O tempo estava se esgotando. Forçada a proteger-se contra uma invasão através de mobilização e massa – e com um exército composto enormemente por reservistas civis –, a vida se reduziu a quase nada. O país estava morrendo. Em 5 de junho, Israel lançou um ataque preventivo contra a força aérea egípcia, procedendo então a vitórias luminosas nos três fronts. A Guerra dos Seis Dias é uma lenda, mas menos lembrado é que, em 1º de junho, a oposição nacionalista (o precursor do Likud de Menachem Begin) foi, pela primeira vez, trazida ao governo, criando uma coalizão emergencial de unidade nacional. Todos entenderam porquê. Você não leva a cabo uma guerra preventiva extremamente arriscada sem a participação total de uma grande coalizão representando um consenso nacional. Quarenta e cinco anos depois, entre os dias 7 e 8 de maio de 2012, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu chocou seu país ao incluir o principal partido da oposição, o Kadima, em um governo de unidade nacional – algo chocante porque, apenas algumas horas antes, o Knesset expediu um documento convocando eleições antecipadas em setembro. Por que o bem-sucedido Netanyahu cancelou eleições que ele tinha certeza que ganharia? Porque, para os israelenses de hoje, é maio de 1967. O pavor não é tão agudo: o clima não é de desespero, mas de pressentimento. O tempo está se esgotando, mas não tão rapidamente. A guerra não está a quatro dias de distância, mas ela se aproxima. Os israelenses hoje encaram a maior ameaça a suas existências – mulás apocalípticos pregando publicamente a aniquilação de Israel com armas nucleares – desde maio de 1967. O mundo está novamente dizendo aos israelenses para não fazerem nada enquanto encontra uma solução. Mas se tal solução não for encontrada – como em 1967 – os israelenses sabem que uma vez mais terão de se defender sozinhos. Uma decisão tão grave demanda um consenso nacional. Ao criar a maior coalizão em quase três décadas, Netanyahu está estabelecendo a premissa política para um ataque preventivo, se vier a acontecer. O novo governo comanda impressionantes 94 dos 120 assentos do Knesset, descritos por um colunista de Israel como “centenas de toneladas de concreto sólido”. Isso foi demais para a recente publicidade midiática sobre a suposta grande resistência à dureza de Netanyahu contra o Irã. Duas notáveis figuras aposentadas da inteligência foram amplamente paparicadas pela imprensa por falarem contra Netanyahu. Poucos notaram que uma delas foi ignorada por Netanyahu para ser chefe do Mossad, enquanto a outra foi demitida por Netanyahu como chefe do Mossad (deixando o cargo vago). Ver o centrista Kadima (que retirou Israel de Gaza) unir-se a uma coalizão liderada pelo Likud cujo Ministro da Defesa é ex-primeiro-ministro pelo Partido Trabalhista (que ofereceu metade de Jerusalém a Yasser Arafat) é a própria definição de união nacional – e refuta a ladainha popular “Israel está dividido”. “Todos estão falando a mesma língua”, explicou um membro do Knesset, “ainda que haja diferença nos tons.” Para ter certeza, Netanyahu e Shaul Mofaz, do Kadima, deram razões mais prosaicas para sua união: leis de serviços nacionais, leis eleitorais e negociações com os palestinos. Mas Netanyahu, o primeiro premiê do Likud a reconhecer o Estado palestino, não precisava do Kadima para ingressar nas negociações de paz. Por dois anos ele tem esperado o comparecimento de Mahmoud Abbas. Abbas não apareceu. Nem aparecerá. Nada vai mudar nesse front. O que muda é a posição de Israel em relação ao Irã. Essa ampla coalizão demonstra a prontidão política de Israel para atacar, se necessário (sua prontidão militar é indubitável). Aqueles que aconselham a submissão, a resignação ou a eterna paciência a Israel não podem mais desabonar a posição dura de Israel como o trabalho de direitistas irremediáveis. Não com um governo que representa 78% do país. Netanyahu postergou as eleições de setembro que lhe garantiriam mais quatro anos no poder. Ele escolheu, ao invés disso, formar uma coalizão nacional que garanta 18 meses de estabilidade – 18 meses nos quais Israel fará alguma coisa para impedir o Irã caso o mundo não faça nada. E não será o trabalho de um homem, um partido ou uma facção ideológica. Como em 1967, será o trabalho de uma nação. Publicado na National Review Online. Charles Krauthammer é colunista da National Review e do The Washington Post. Tradução: Felipe Melo

ARGENTINA

A conta das lambanças populistas das duas administrações Kirchner está chegando para a Argentina. O momento não é somente de escassez e de fuga de dólares; é também de forte desaceleração da atividade econômica. Até agora, podia-se dizer que, apesar de tudo - apesar da falta de crédito externo que se seguiu ao megacalote de 2001; apesar da manipulação tosca das estatísticas de preços; apesar da repressão dos preços e das tarifas; apesar do super-reajuste de salários e aposentadorias; e apesar do achatamento dos lucros do setor produtivo -, a Argentina vinha crescendo uma beleza: média de 8% ao ano desde 2003. Não é o que acontece em 2012. Em vez de garantir avanço do PIB de pelo menos 5,0%, como vinham projetando organismos oficiais, as mais recentes estimativas são de que o resultado das contas nacionais neste ano poderá não ser positivo. Tende a ficar ao redor de zero por cento. Mesmo desse modo, as consultorias independentes vêm trabalhando com um crescimento do PIB ao redor de 3,0%. O ex-secretário de Indústria do governo de transição do ex-presidente Eduardo Duhalde, Dante Sica, hoje à frente da consultoria Abeceb, explica que a economia argentina enfrenta forte deterioração fiscal - na medida em que despesas crescem muito acima da arrecadação. Os dispêndios públicos (que englobam os do governo central mais os das províncias) correspondiam, em 2001, a 21,9% do PIB. Já em 2011, saltaram para 38,17% do PIB. Somente os subsídios do governo argentino para cobrir o congelamento de tarifas das empresas públicas explicam 4 pontos porcentuais desse total. Estatísticas oficiais de inflação apontam para elevação dos preços inferior a 10% ao ano, enquanto a inflação real ficou próxima dos 25% em 2011 e está sendo projetada para alguma coisa em torno dos 22% em 2012 (veja a tabela). Para manter as aparências e impedir a disparada da inflação real, o governo não consegue desvalorizar o câmbio na mesma proporção em que a elevação dos preços tira força do peso. A população percebe o atraso no ajuste cambial e corre às tradicionais casas de câmbio para suprir-se de moeda estrangeira. Assim, o câmbio paralelo vai ganhando força, mesmo com a ostensiva repressão do governo. Sexta-feira, por exemplo, enquanto o câmbio oficial apontava 4,47 pesos por dólar, o paralelo negociava a nada menos que 5,63 pesos por dólar - uma diferença de 20,6%. No ano passado, a deterioração das finanças públicas, conjugada com a escassez de moeda estrangeira, levou o governo de Cristina Kirchner a queimar US$ 6,1 bilhões de seus reservas internacionais (12% do total) para cobrir despesas correntes - prática temerária em administração pública. Neste ano, para não provocar excessiva sangria nas reservas, a política prevalecente passou então a ser reter as importações e reforçar os controles de fluxos de moeda estrangeira. Além dos problemas crônicos com achatamento da rentabilidade (efeito do tabelamento de preços e de tarifas), o setor produtivo argentino enfrenta alta generalizada de custos, especialmente de salários - reajustados mais ou menos de acordo com a inflação real. O governo de Cristina Kirchner tem a seu favor a inapetência da oposição ou, mesmo, a falta de uma oposição organizada. Apesar da boa margem de votos (53%) obtida nas eleições do ano passado, quando Cristina foi reconduzida à Presidência, o descontentamento popular vai tomando corpo. Por enquanto, ela vem desviando a atenção do agravamento dos problemas com alguns lances de apelo nacionalista. O ressurgimento da questão das Malvinas e a expropriação da principal companhia de petróleo, a YPF, antes sob controle da espanhola Repsol, são os exemplos mais recentes. Mas o agravamento da crise externa e a possível redução dos preços das commodities agrícolas (o principal segmento das exportações) devem agravar as dificuldades.Por: CELSO MING - O Estado de S.Paulo

domingo, 20 de maio de 2012

O CÓDIGO E AS FLORESTAS PLANTADAS

As florestas plantadas são uma oportunidade para a criação dos mecanismos de crédito de carbono florestal A DISCUSSÃO em torno do Código Florestal segue apaixonada. Felizmente, estamos no final desse lento e árduo processo, e após anos de debates -entre os quais se destacaram as dezenas de audiências públicas realizadas pelo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, por todo o país- a presidente da República deverá vetar alguns artigos realmente desequilibrados e enviar ao Congresso uma medida provisória corrigindo as distorções ali contidas: definir bem as APPs e deixar claro que não haverá nenhum tipo de anistia para quem não cumpriu a legislação vigente na ocasião do desmatamento praticado. Feitas essas mudanças, teremos afinal um instrumento definitivo a nortear o procedimento de produtores rurais de todo o país. E a paz reinará no campo, mesmo com a oposição de algumas pessoas que não leram o Código Florestal e não gostam dele. Enquanto isso, seria interessante voltar os olhos para o outro lado desse assunto. Todo mundo sabe que o Brasil tem hoje aproximadamente 65% de suas formações florestais conservadas, ou seja, cerca de 40% do território brasileiro. Esse é um patrimônio formidável que precisamos exibir na Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, de 13 a 22 de junho próximo, no Rio. Mais do que isso, porém, há um dado que quase ninguém conhece: temos 7 milhões de hectares de florestas plantadas no país! E a área vem crescendo, especialmente para atender à indústria de celulose e papel. Essas florestas já são fonte para mais de 5.000 produtos do nosso dia a dia, como móveis, ferramentas, construção civil, cosméticos, siderurgia, painéis de madeira, produtos farmacêuticos, produtos de limpeza e outros, sem contar a aplicação em biocombustíveis, uma alternativa renovável e verde ao petróleo fóssil. Um dado muito interessante é que as florestas plantadas são mais eficientes do que as nativas no sequestro de CO, gás cuja redução de emissão é uma prioridade. O ciclo do eucalipto, por exemplo, é de sete anos entre o plantio e a colheita, e as árvores estão em constante crescimento, uma vez que, assim que são colhidas, novas mudas são plantadas em seu lugar, perpetuando o ciclo plantio/colheita. Quanto mais jovem uma árvore, maior necessidade de energia ela tem para crescer, e isso significa novas absorções de carbono. Já as árvores maduras, como as das florestas nativas, por exemplo, exigem menos energia e, em contrapartida, sequestram menos carbono. Por isso, as florestas plantadas são uma oportunidade para a criação dos mecanismos de crédito de carbono florestal, que vão ajudar o país a cumprir seus compromissos na redução do aquecimento global. Outro tema interessante relativo às florestas plantadas é a inesgotável fonte de pesquisas ligadas à sustentabilidade, questão fundamental para o futuro da humanidade. Algumas áreas mais avançadas da ciência, como a nanotecnologia e a biotecnologia, estão olhando para as florestas. Através da nanotecnologia -ciência que estuda a matéria em escala atômica e molecular e tem como princípio básico a construção de produtos a partir de átomos- será possível obter, nos próximos anos, novas gerações de produtos florestais, mais duráveis e leves, mais fortes e resistentes. A biotecnologia foi a tecnologia agrícola mais adotada nos últimos dez anos. O Brasil assumiu papel de destaque, ocupando o segundo lugar do ranking de área plantada com organismos geneticamente modificados (OGMs) no mundo -uma área equivalente a mais de 30 milhões de hectares, segundo o International Service for the Acquisition of Agro-Biotech Application. Na área florestal, a biotecnologia arbórea -ou árvores geneticamente modificadas- encontra-se em fase de testes e de estudos, no Brasil e no exterior. Sua utilização permitirá o incremento do volume e do valor de produção florestal, a provisão de melhorias ambientais, a conservação de biodiversidade e a redução da pobreza, através da capacitação de pequenos produtores para a atividade florestal. Ou seja, é uma alternativa potencial para os desafios que temos a enfrentar.Por: Roberto Rodrigues Folha de SP 19/05

REPÚBLICA DESTROÇADA

Em 1899 um velho militante, desiludido com os rumos do regime, escreveu que a República não tinha sido proclamada naquele mesmo ano, mas somente anunciada. Dez anos depois continuava aguardando a materialização do seu sonho. Era um otimista. Mais de cem anos depois, o que temos é uma República em frangalhos, destroçada. Constituições, códigos, leis, decretos, um emaranhado legal caótico. Mas nada consegue regular o bom funcionamento da democracia brasileira. Ética, moralidade, competência, eficiência, compromisso público simplesmente desapareceram. Temos um amontoado de políticos vorazes, saqueadores do erário. A impunidade acabou transformando alguns deles em referências morais, por mais estranho que pareça. Um conhecido político, símbolo da corrupção, do roubo de dinheiro público, do desvio de milhões e milhões de reais, chegou a comemorar recentemente, com muita pompa, o seu aniversário cercado pelas mais altas autoridades da República. Vivemos uma época do vale-tudo. Desapareceram os homens públicos. Foram substituídos pelos políticos profissionais. Todos querem enriquecer a qualquer preço. E rapidamente. Não importam os meios. Garantidos pela impunidade, sabem que se forem apanhados têm sempre uma banca de advogados, regiamente pagos, para livrá-los de alguma condenação. São anos marcados pela hipocrisia. Não há mais ideologia. Longe disso. A disputa política é pelo poder, que tudo pode e no qual nada é proibido. Pois os poderosos exercem o controle do Estado - controle no sentido mais amplo e autocrático possível. Feio não é violar a lei, mas perder uma eleição, estar distante do governo. O Brasil de hoje é uma sociedade invertebrada. Amorfa, passiva, sem capacidade de reação, por mínima que seja. Não há mais distinção. O panorama político foi ficando cinzento, dificultando identificar as diferenças. Partidos, ações administrativas, programas partidários são meras fantasias, sem significados e facilmente substituíveis. O prazo de validade de uma aliança política, de um projeto de governo, é sempre muito curto. O aliado de hoje é facilmente transformado no adversário de amanhã, tudo porque o que os unia era meramente o espólio do poder. Neste universo sombrio, somente os áulicos - e são tantos - é que podem estar satisfeitos. São os modernos bobos da corte. Devem sempre alegrar e divertir os poderosos, ser servis, educados e gentis. E não é de bom tom dizer que o rei está nu. Sobrevivem sempre elogiando e encontrando qualidades onde só há o vazio. Mas a realidade acaba se impondo. Nenhum dos três Poderes consegue funcionar com um mínimo de eficiência. E republicanismo. Todos estão marcados pelo filhotismo, pela corrupção e incompetência. E nas três esferas: municipal, estadual e federal. O País conseguiu desmoralizar até novidades como as formas alternativas de trabalho social, as organizações não governamentais (ONGs). E mais: os Tribunais de Contas, que deveriam vigiar a aplicação do dinheiro público, são instrumentos de corrupção. E não faltam exemplos nos Estados, até mesmo nos mais importantes. A lista dos desmazelos é enorme e faltariam linhas e mais linhas para descrevê-los. A política nacional tem a seriedade das chanchadas da Atlântida. Com a diferença de que ninguém tem o talento de um Oscarito ou de um Grande Otelo. Os nossos políticos, em sua maioria, são canastrões, representam mal, muito mal, o papel de estadistas. Seriam, no máximo, meros figurantes em Nem Sansão nem Dalila. Grande parte deles não tem ideias próprias. Porém se acham em alta conta. Um deles anunciou, com muita antecedência, que faria um importante pronunciamento no Senado. Seria o seu primeiro discurso. Pelo apresentado, é bom que seja o último. Deu a entender que era uma espécie de Winston Churchill das montanhas. Não era, nunca foi. Estava mais para ator de comédia pastelão. Agora prometeu ficar em silêncio. Fez bem, é mais prudente. Como diziam os antigos, quem não tem nada a dizer deve ficar calado. Resta rir. Quem acompanha pela televisão as sessões do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e as entrevistas dos membros do Poder Executivo sabe o que estou dizendo. O quadro é desolador. Alguns mal sabem falar. É difícil - muito difícil mesmo, sem exagero - entender do que estão tratando. Em certos momentos parecem fazer parte de alguma sociedade secreta, pois nós - pobres cidadãos - temos dificuldade de compreender algumas decisões. Mas não se esquecem do ritualismo. Se não há seriedade no trato dos assuntos públicos, eles tentam manter as aparências, mesmo que nada republicanas. O STF tem funcionários somente para colocar as capas nos ministros (são chamados de “capinhas”) e outros para puxar a cadeira, nas sessões públicas, quando alguma excelência tem de se sentar para trabalhar. Vivemos numa República bufa. A constatação não é feita com satisfação, muito pelo contrário. Basta ler o Estadão todo santo dia. As notícias são desesperadoras. A falta de compostura virou grife. Com o perdão da expressão, mas parece que quanto mais canalha, melhor. Os corruptos já não ficam envergonhados. Buscam até justificativa histórica para privilégios. O leitor deve se lembrar do símbolo maior da oligarquia nacional - e que exerce o domínio absoluto do seu Estado, uma verdadeira capitania familiar - proclamando aos quatro ventos seu “direito” de se deslocar em veículos aéreos mesmo em atividade privada. Certa vez, Gregório de Matos Guerra iniciou um poema com o conhecido “Triste Bahia”. Bem, como ninguém lê mais o Boca do Inferno, posso escrever (como se fosse meu): triste Brasil. Pouco depois, o grande poeta baiano continuou: “Pobre te vejo a ti”. É a melhor síntese do nosso país. Por:Marco Antonio Villa, O Estado de S. Paulo, 30/10/11 HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS(UFSCAR)

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O MITO DO MONOPÓLIO NATURAL

O termo "utilidade pública" ... é em si absurdo. Todo bem é útil "para o público", e praticamente qualquer bem ... pode ser considerado "necessário". Qualquer designação de algumas poucas indústrias como sendo "utilidade pública" é completamente arbitrária e injustificada. — Murray Rothbard, Power and Market 

 A maioria dos setores considerados de 'utilidade pública' usufrui o privilégio de receber concessões e garantias monopolísticas do governo, pois são considerados "monopólios naturais". Falando mais simplesmente, diz-se que um monopólio natural ocorre quando os investimentos necessários para a produção deste serviço apresentam custos altos e relativamente fixos, fazendo com que os custos totais de longo prazo caiam à medida que a produção aumenta. Em tais indústrias, afirma a teoria, um único produtor será capaz de produzir a um custo menor do que se houvesse dois produtores no mercado, situação esta que cria um monopólio "natural". Caso mais de um produtor passe a ofertar seus serviços no mercado, os preços serão mais altos. Ademais, afirma-se que a concorrência em tais setores causaria inconveniências para os consumidores por causa da necessidade de duplicação de instalações — por exemplo, a escavação de ruas para a instalação de dois ou mais encanamentos de água ou gás. Evitar tais inconveniências é outra desculpa fornecida pelo governo para conceder o monopólio destes setores para empresas específicas. Trata-se de um mito dizer que a teoria do monopólio natural foi primeiro desenvolvida por economistas para, só então, ser utilizada por legisladores para "justificar" a concessão de monopólios. A verdade é que os monopólios foram criados décadas antes de a teoria ser formalizada por economistas de mentalidade intervencionista, que então utilizaram a teoria como uma justificativa ex post para a intervenção estatal. Na época, quando as primeiras concessões monopolísticas estavam sendo feitas pelo estado, a grande maioria dos economistas entendia que uma produção em larga escala e intensiva em capital não levava a monopólios; ao contrário, representava um aspecto desejável do processo concorrencial. A palavra "processo" é importante aqui. Se a concorrência é vista como um processo empreendedorial dinâmico e competitivo, então o fato de que um único produtor consegue incorrer nos menores custos em qualquer ponto do tempo é algo de pouca ou nenhuma consequência. As duradouras e permanentes forças da concorrência — incluindo a concorrência potencial, aquela que ainda não se estabeleceu, mas que possui liberdade de entrada no mercado — irão fazer com que um monopólio no livre mercado seja uma impossibilidade. A teoria do monopólio natural também não possui história. Não há nenhuma evidência da teoria do "monopólio natural" ocorrendo na prática — de um produtor alcançar custos totais de longo prazo menores do que o de todos os seus concorrentes e, com isso, estabelecer um monopólio permanente. Como será discutido abaixo, em várias das chamadas indústrias de utilidade pública do final do século XVIII e início do século XIX, havia literalmente dúzias de concorrentes. Economias de escala durante a era das concessões monopolísticas Durante o final do século XIX, nos EUA, quando os governos locais estavam começando a conceder monopólios para as empresas do setor de utilidade pública, o entendimento econômico geral era o de que "monopólios" eram criados pela intervenção do governo — e não pelo livre mercado — por meio de concessões, protecionismo e outras políticas. Produções vultosas e economias de escala eram vistas como virtudes competitivas, e não como vícios monopolísticos. Por exemplo, Richard T. Ely, co-fundador da American Economic Association, escreveu que "uma produção em larga escala é algo que de maneira alguma significa necessariamente uma produção monopolizada."[1] John Bates Clark, também co-fundador, escreveu em 1888 que a ideia de que combinações industriais iriam "destruir a concorrência" não deveria ser "aceita muito precipitadamente".[2] Herbert Davenport, da Universidade de Chicago, alertou em 1919 que a existência de apenas algumas empresas em um setor em que há economias de escala não é algo que "requer a eliminação da concorrência",[3] e seu colega James Laughlin observou que, mesmo quando "uma combinação entre indústrias é ampla, uma combinação rival pode gerar uma enérgica concorrência".[4] Irving Fischer[5] e Edwin R.A. Seligman[6] concordaram que produções em larga escala geravam benefícios competitivos por meio da redução de custos com publicidade, processos de venda e remessas. De acordo com economistas da virada do século XIX para o XX, unidades que produziam em larga escala beneficiavam de maneira inequívoca os consumidores. De acordo com Seligman, sem uma produção em larga escala, "o mundo iria retornar a um estado de bem-estar mais primitivo, e iria virtualmente renunciar aos inestimáveis benefícios da melhor maneira de se utilizar capital".[7] Simon Patten, da Wharton School, expressou visões similares ao dizer que "a combinação de capital não gera nenhuma desvantagem econômica para a comunidade. ... Combinações são muito mais eficientes do que eram os produtores individuais que elas desalojaram do mercado."[8] Como praticamente qualquer outro economista da época, Franklin Giddings, da Universidade de Columbia, entendia a concorrência de maneira muito semelhante a como os economistas austríacos a veem hoje: como um processo dinâmico e competitivo. Consequentemente, ele observou que A concorrência, de uma forma ou de outra, é um processo econômico permanente. ... Portanto, quando a concorrência de mercado parece ter sido suprimida, devemos investigar o que ocorreu com as forças que geraram essa concorrência. Adicionalmente, devemos também investigar até que ponto a concorrência de mercado realmente foi suprimida ou se ela foi convertida em outros formatos.[9] Em outras palavras, uma empresa "dominante" que estabelece um preço menor que o de suas rivais, em qualquer ponto do tempo, não suprimiu a concorrência, pois a concorrência é "um permanente processo econômico." David A. Wells, uma dos mais populares escritores econômicos do final do século XIX, escreveu que "o mundo demanda uma abundância de mercadorias, e as demanda a preços baixos; e a experiência nos mostra que ele só irá conseguir o que quer por meio do emprego de um grande volume de capital, utilizado em escala extensiva".[10] E George Gunton acreditava que A concentração de capital não expulsa pequenos capitalistas do mercado, mas simplesmente os integra a sistemas de produção maiores e mais complexo, nos quais eles se tornam capacitados a produzir ... de forma mais barata para a comunidade e a obter uma renda maior para eles próprios. ... Em vez de a concentração de capital destruir a concorrência, ocorre o oposto. ... Por meio do uso de um volume maior de capital, de máquinas mais aprimoradas e de melhores instalações, o truste pode e irá vender a preços menores que os de uma única empresa.[11] Todas as citações até agora apresentadas não advêm de uma lista selecionada a dedo, mas sim de uma lista abrangente. Pode parecer estranho para os padrões atuais, mas, em finais da década de 1880, havia apenas dez homens que já haviam obtido o status de economistas profissionais em tempo integral nos EUA.[12] Assim, as citações acima cobrem praticamente todos os economistas profissionais que, na época, opinaram sobre a relação entre economias de escala e concorrência na virada do século. A importância destas visões é que estes homens observaram em primeira mão o advento da produção em larga escala e não viram o surgimento de monopólios, "naturais" ou quaisquer outros. No espírito da Escola Austríaca, eles entenderam que a concorrência era um processo contínuo, e que uma dominância de mercado era sempre e necessariamente algo temporário caso não houvesse regulamentações governamentais criadoras de monopólios. Esta visão é também consistente com as minhas próprias pesquisas, que constataram que os "trustes" formados em fins do século XIX estavam na realidade reduzindo seus preços e expandindo a produção em um ritmo mais rápido que o restante da economia — tais trustes representavam as indústrias mais dinâmicas e competitivas da economia, e não eram monopolistas.[13] Talvez tenha sido por isso que eles eram o alvo favorito de legisladores protecionistas que queriam impor leis "antitruste". Os economistas só passaram a adotar a teoria do monopólio natural após a década de 1920, quando a ciência econômica se deixou enfeitiçar pelo "cientificismo" e adotou uma teoria tipicamente oriunda da engenharia, a qual categorizava as indústrias em termos de retornos de escala constantes, decrescentes e crescentes (custos totais decrescentes). De acordo com esta forma de pensar, a estrutura do mercado — e, consequentemente, a concorrência — era determinada por relações matemáticas inspiradas na engenharia. Com a exceção de economistas como Joseph Schumpeter, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek e outros membros da Escola Austríaca, o contínuo processo de concorrência e disputa empreendedorial passou a ser solenemente ignorado. Quão "natural" eram os primeiros monopólios naturais? Não há absolutamente nenhuma evidência de que, no início do processo de regulamentação das indústrias de utilidade pública, houvesse qualquer tipo de fenômeno que representasse um "monopólio natural". Como afirmou Harold Demsetz: Existiam seis empresas de eletricidade na cidade de Nova York no ano de 1887. Quarenta e cinco empresas de eletricidade possuíam o direito legal de operar em Chicago em 1907. Antes de 1895, Duluth, Minnesota, era servida por cinco empresas de eletricidade, e Scranton, Pensilvânia, tinha quatro em 1906. ... Durante as últimas décadas do século XIX, a concorrência era a norma nas indústrias de gás nos EUA. Antes de 1884, seis empresas concorrentes operavam em Nova York ... a concorrência era comum e especialmente forte no setor de telefonia ... Entre as principais cidades, Baltimore, Chicago, Cleveland, Columbus, Detroit, Kansas City, Minneapolis, Filadélfia, Pittsburgh e St. Louis possuíam pelo menos duas empresas telefônicas em 1905.[14] Em um ato de extrema atenuação da verdade, Demsetz conclui que "é de se duvidar de que a indústria de utilidade pública fosse caracterizada por economias de escala na época em que a concorrência de mercado foi abolida em prol das regulamentações."[15] Um exemplo ainda mais instrutivo da inexistência de monopólio natural nas indústrias de utilidade pública foi fornecido pelo economista George T. Brown em seu livro de 1936 intitulado "The Gas Light Company of Baltimore".[16] O livro apresenta a história da Empresa de Luz a Gás de Baltimore, a qual aparece proeminentemente em todos os compêndios sobre a história dos monopólios naturais. A história desta empresa é que, desde sua fundação em 1816, ela sempre batalhou contra novos concorrentes. Sua resposta típica a esta concorrência era não apenas tentar concorrer no mercado, mas também fazer lobby nos governos estadual e municipal para que eles não concedessem autorização para a operação de seus concorrentes. Embora a empresa operasse com economias de escala, isso não impedia que numerosos concorrentes surgissem constantemente. "A concorrência é a alma da economia", escreveu o editorial do jornal The Baltimore Sun em 1851 saudando a notícia da chegada de novos concorrentes no setor de luz a gás.[17] A Empresa de Luz a Gás de Baltimore, no entanto, "se opôs à concessão de direitos de operação para sua nova concorrente".[18] George Brown afirma que "as empresas de gás de outras cidades estavam expostas a uma concorrência devastadora", e em seguida detalha como estas mesmas empresas tentaram desesperadoramente entrar no mercado de Baltimore. Porém, se a concorrência era tão "devastadora", por que então estas empresas queriam entrar em novos mercados, presumivelmente tão "devastadores" quanto? Ou a teoria de Brown sobre "concorrência devastadora" — a qual rapidamente passou a ser amplamente aceita pela academia — estava incorreta, ou aquelas empresas eram irracionais e estavam famintas por serem punidas financeiramente. Ao ignorar a natureza dinâmica do processo concorrencial, Brown incorreu no mesmo erro que inúmeros economistas ainda cometem: acreditar que a concorrência "excessiva" pode ser "destrutiva" caso produtores eficientes, que produzem a custos baixos, consigam desalojar seus rivais menos eficientes do mercado.[19] Tal concorrência pode ser "destrutiva" para estes concorrentes ineficientes, que produzem a custos altos, mas é benéfica para os consumidores. Em 1880, havia três empresas de gás concorrentes em Baltimore, que concorriam intensamente entre si. Elas tentaram se fundir e formar um monopólio em 1888, porém a entrada de um novo concorrente frustrou seus planos: "Thomas Aha Edison introduziu a luz elétrica, o que ameaçou a existência das todas as empresas de gás."[20] Daquele momento em diante, havia concorrência não apenas entre as empresas de gás e entre as empresas elétricas, como também, e principalmente, entre as empresas de gás e as empresas elétricas, todas as quais incorriam em volumosos custos fixos, o que levava a economias de escala. Não obstante, em momento algum se formou um monopólio "natural". Quando o primeiro monopólio finalmente apareceu, ele se deveu unicamente à intervenção governamental. Por exemplo, em 1890, um projeto de lei introduzido na legislatura de Maryland "pedia que a Consolidated [empresa de gás] fizesse um pagamento anual à cidade de $10.000 e mais 3% de todos os dividendos declarados em troca do privilégio de usufruir um monopólio de 25 anos."[21] Esta é a hoje familiar abordagem na qual os burocratas do governo entram em conluio com executivos da indústria para estabelecerem um monopólio que irá espoliar os consumidores e cujos rendimentos serão então compartilhados com os políticos na forma de taxas de concessão e tributos sobre as receitas monopolísticas. A "regulamentação" legislativa das empresas de gás e eletricidade gerou o previsível resultado da formação de preços monopolistas, dos quais o público reclamou amargamente. E então, em vez de desregulamentar a indústria e permitir que a livre concorrência determinasse os preços, a regulamentação dos serviços de utilidade pública foi propagandeada como uma maneira de supostamente acalmar os consumidores, os quais, de acordo com Brown, "sentiam que a maneira negligente na qual seus interesses estavam sendo servidos [pelo controle legislativo dos preços do gás e da eletricidade] resultou em altas tarifas e privilégios monopolistas. O avanço das regulamentações do setor de utilidade pública em Maryland exemplificava o que viria a acontecer em outros estados."[22] Nem todos os economistas se deixaram levar pela teoria do "monopólio natural" esposada pelos monopolistas da indústria de utilidades públicas e seus bem remunerados conselheiros econômicos. Em 1940, o economista Horace M. Gray, da escola de pós-graduação da Universidade de Illinois, pesquisou a história do "conceito de utilidade pública", incluindo a teoria do monopólio "natural". "Durante o século XIX", observou Gray, acreditava-se francamente que "o interesse público seria mais bem promovido pela concessão de privilégios especiais para indivíduos e para empresas" em várias indústrias.[23] Isto incluía patentes, subsídios, tarifas, concessões de terras para ferrovias, e concessões monopolísticas para serviços de utilidade "pública". "O resultado final foi monopólio, exploração e corrupção política".[24] Com relação às utilidades "públicas", Gray afirma que "entre 1907 e 1938, a política dos monopólios criados e protegidos pelo estado se tornou firmemente estabelecida ao longo de uma significativa fatia da economia, passando a ser o princípio básico da moderna regulamentação do setor de utilidade pública".[25] Daquela época em diante, "o status de utilidade pública se tornou o paraíso e o refúgio de todos os aspirantes a monopolistas que consideravam ser muito difícil, muito custoso ou muito precário adquirir e manter monopólios por meio exclusivamente da ação privada."[26] Para sustentar esta afirmação, Gray demonstrou como praticamente todas as empresas aspirantes a monopolista nos EUA tentaram obter o status de "utilidade pública", incluindo-se aí as indústrias de rádio, imobiliárias, de leite, de transporte aéreo, de carvão e agrícolas, para citar apenas algumas. Aquelas indústrias que conseguiram obter o status político de "utilidade pública" também utilizaram o conceito de utilidade pública para impedir o surgimento de qualquer concorrência. O papel dos economistas neste esquema era o de construir aquilo que Gray chamou de "uma confusa argumentação" em prol "das forças sinistras do privilégio e dos monopólios privados", isto é, em prol da teoria do monopólio "natural". "A proteção dos consumidores desapareceu".[27] Pesquisas econômicas mais recentes confirmam a análise de Gray. Em um dos primeiros estudos estatísticos dos efeitos da regulação das tarifas elétricas, publicado em 1962, George Stigler e Claire Friedland não encontraram, para o período de 1917 a 1932, diferenças significativas nos preços e nos lucros das empresas de utilidade pública operando com e sem comissões reguladoras.[28] As primeiras instituições reguladoras de tarifas, além de não terem beneficiado os consumidores, foram "capturadas" pela indústria regulada, como acontece em várias outras indústrias, desde transporte de cargas até companhias aéreas e TV a cabo. É válido notar que os economistas demoraram quase 50 anos para começar a estudar os efeitos reais — e não apenas os teóricos — da regulamentação de tarifas. Dezesseis anos após o estudo de Stigler-Friedland, Gregg Jarrel observou que, entre 1912 e 1917, 25 estados substituíram as regulamentações municipais pela regulamentação estadual das tarifas de energia elétrica, cujos efeitos foram elevar em 46% os preços e em 38% os lucros, ao mesmo tempo em que a produção caiu 23%.[29] Ou seja, mesmo com a regulamentação municipal não tendo conseguido manter os preços baixos, as empresas de utilidade pública queriam um aumento ainda mais rápido em seus preços, de modo que elas exitosamente fizeram lobby para a implantação de regulações estaduais em vez de municipais, sob a teoria de que os reguladores estaduais seriam menos pressionados por grupos de consumidores locais, algo que ocorria frequentemente com prefeitos e vereadores. Os resultados desta pesquisa são consistentes com a interpretação de Horace Gray de que a regulação de tarifas de utilidades públicas é um esquema anticonsumidor, monopolístico e especificador de preços. O problema da "duplicação excessiva" Além dos mitos sobre economias de escala, outro motivo apresentado para a concessão de monopólios aos setores de "monopólios naturais" era o de que permitir muitos concorrentes seria algo que geraria desordem. Segundo este argumento, seria muito custoso para uma comunidade permitir que várias empresas fornecedoras de água, várias produtoras de energia elétrica ou mesmo várias operadoras de TV a cabo saíssem escavando ruas para fazer suas instalações. Porém, como observou Harold Demsetz: O problema da duplicação excessiva de sistemas de distribuição se deve à incapacidade de algumas comunidades de estipular preços adequados para o uso destes recursos escassos. O direito de utilizar ruas, passagens e vias públicas é o direito de utilizar recursos escassos. A ausência de um preço para a utilização destes recursos escassos — um preço que deve ser alto o bastante para refletir os custos de oportunidade de usos alternativos, como os serviços de um tráfego contínuo e paisagens não danificadas — irá levar à sua utilização excessiva. A estipulação de uma tarifa apropriada para o uso destes recursos escassos iria reduzir o grau de duplicação para níveis ótimos.[30] Portanto, assim como o problema dos monopólios "naturais" é gerado pela intervenção governamental, o mesmo ocorre com o problema da "duplicação de instalações". Ele é criado pela incapacidade dos governos de precificar corretamente os recursos urbanos escassos. Mais especificamente, o problema é na realidade causado pelo fato de que o governo é o dono das ruas sob as quais os sistemas de distribuição das empresas de utilidade pública são instalados, e a impossibilidade do cálculo econômico racional dentro de instituições socialistas as impede de precificar estes recursos apropriadamente, como ocorreria em um regime de propriedade privada guiado pela concorrência de mercado. Contrariamente à alegação de Demsetz, a precificação econômica racional neste caso é impossível exatamente porque o governo é o dono das ruas e estradas. Mesmo políticos benevolentes e iluminados, especialmente aqueles que estudaram a obra de Harold Demsetz, simplesmente não teriam como determinar de maneira racional quais deveriam ser os preços cobrados. Murray Rothbard já explicou tudo isso: O fato de que o governo deve dar permissão para o uso de suas ruas tem sido citado como justificativa para severas regulamentações governamentais sobre as empresas de "utilidade pública", muitas das quais (como empresas de água e de eletricidade) têm de utilizar as ruas. As regulações, portanto, são tratadas como arranjos voluntários e mutuamente recompensadores. Porém, ao se agir assim, está-se ignorando o fato de que a propriedade governamental das ruas é, em si, um permanente ato de intervenção. A regulamentação das utilidades públicas ou de qualquer outra indústria desestimula investimentos nestes setores, desta forma privando os consumidores da melhor satisfação de seus desejos. Ela distorce a maneira como os recursos são alocados no livre mercado.[31] O chamado argumento do "monopólio sobre um espaço limitado", que defende a concessão de monopólios para serviços de utilidade pública é apenas uma distração, argumentou Rothbard, pois o número de empresas que irão operar lucrativamente em qualquer linha de produção é uma questão institucional e depende de dados concretos, como o grau de demanda do consumidor, o tipo de produto vendido, a produtividade física dos processos, a oferta e a precificação dos fatores, o prognóstico dos empreendedores etc. Limitações espaciais tendem a ser de pouca importância.[32] Com efeito, mesmo que as limitações espaciais permitissem que apenas uma empresa operasse em um determinado mercado geográfico, isto não necessariamente configuraria um monopólio, pois "monopólio" é "uma denominação que só faz sentido se preços monopolísticos forem implantados". E "todos os preços em um livre mercado, como liberdade de entrada, são competitivos".[33] Somente a intervenção estatal pode gerar preços monopolísticos. A única maneira de se alcançar preços de livre mercado que reflitam os verdadeiros custos de oportunidade e que levem a níveis ótimos de "duplicação" é por meio da liberdade de comercialização, algo possível somente em um livre mercado e totalmente impossível sem propriedade privada e mercados desimpedidos. Decretos políticos simplesmente não são substitutos factíveis para preços determinados pelo livre mercado, pois o cálculo econômico racional é impossível na ausência de mercados. Havendo propriedade privada de ruas e calçadas, aos proprietários individuais destas seria oferecida a opção de preços mais baixos para os serviços de utilidade pública em troca da inconveniência temporária de ter de permitir que uma empresa de utilidade pública faça uma trincheira sob sua propriedade. Se, neste sistema, ocorrer "duplicações", então é porque indivíduos com plena liberdade de escolha valoraram a oferta extra de serviços ou os preços menores, ou ambos, de maneira mais elevada do que o custo imposto a eles decorrente da inconveniência de ter de tolerar um projeto de construção temporário em sua propriedade. Mercados genuinamente livres não necessitam de concessões monopolísticas e tampouco geram "duplicações excessivas" em absolutamente nenhum sentido econômico.

E A GRÉCIA ESTÁ DE VOLTA

Defensores da manutenção do euro vão poder construir um discurso equilibrando austeridade e crescimento E os mercados voltaram a empurrar a Grécia e a Europa para o precipício da ruptura financeira. Para muitos investidores e analistas, isso já aconteceu e o enterro final tem data marcada: as eleições parlamentares na Grécia em junho. Depois de alguns meses de tranquilidade, comprada à custa de 1 trilhão emprestados pelo Banco Central Europeu, a especulação voltou a dominar os mercados pelo mundo afora. O Brasil não foi exceção, e o índice Bovespa, em dólares, caiu mais de 30% nas últimas semanas. Os investidores não dão mais a menor importância para dados macroeconômicos favoráveis que continuam a ser divulgados em alguns países importantes e poucos se emocionam com resultados positivos divulgados por empresas nas Bolsas. A explicação para tal comportamento é simples: segundo os mercados, o capitalismo não tem futuro, e o que nos espera é uma depressão econômica do tipo da que ocorreu na década dos anos 30 do século passado. Poucos investidores têm ainda coragem de olhar para a frente com otimismo e, aproveitando os preços de hoje, compor uma cesta de ações de qualidade e que garanta um retorno elevado à frente. Nem mesmo os juros reais negativos nas aplicações mais seguras -que, em passado recente, estimularam o investimento em ações- funcionam como antídoto ao pessimismo deletério que tomou conta de todos. Um dos poucos investidores que têm confrontado os pessimistas é o octogenário e carismático Warren Buffett. Um dos principais acionistas de uma empresa de seguros e investimentos americana, além de ser seu comandante em chefe, Buffett acaba de informar à SEC que aumentou de forma significativa sua participação no capital da GM e da Viacon, uma importante empresa americana no setor de comunicações. Aliás, Buffett ficou famoso por investir em momentos de pânico, quando a maioria dos investidores está vendendo seus investimentos. Não por outra razão, é um dos homens mais ricos do mundo. Nos próximos meses, vamos saber quem está com a razão: Buffett ou os defensores do caos, como Nouriel Roubini, o economista das trevas, como é conhecido. Sempre digo a meus interlocutores que estou velho demais para acreditar no colapso do sistema de economias de mercado, como é chamado o capitalismo nos dias de hoje. Acrescento sempre que aprendi -na minha convivência e leituras da história- que os chamados políticos adoram chegar perto do abismo, mas, uma vez lá, acabam por tomar medidas que evitem o pior. E ainda acredito que isso vá acontecer na Europa nos próximos meses. Comecemos pela Grécia, onde a ambição pelo poder de um político do partido Nova Democracia mergulhou o país em uma eleição que não poderia ser realizada naquele momento. O resultado -previsto então há meses pelas pesquisas de opinião- foi um Parlamento dividido e o aparecimento de um demagogo de extrema esquerda, tão esperto quanto vazio. Ele é hoje considerado o virtual primeiro-ministro grego e o político que vai mergulhar a Grécia e a Europa no caos. Mas as próximas eleições vão ser disputadas em outras condições. A mais importante delas é que os defensores da manutenção do euro vão poder construir um discurso diferente, equilibrando austeridade e crescimento. A volta do pânico mexeu também com a chanceler alemã e abriu espaço importante para uma mudança no discurso oficial anterior e introduziu uma bem-vinda preocupação com o crescimento. Nesse sentido, a vitória de Hollande na França foi uma bênção dos deuses gregos para todos, inclusive nós, brasileiros. Uma nova parceria entre esses dois países, que sempre representaram o eixo central do projeto da Europa unida, pode abrir finalmente um caminho mais auspicioso para se enfrentar as armadilhas estruturais criadas com a implementação errada do euro nos anos que se seguiram à queda do Muro de Berlim. Espero sinceramente que isso aconteça e, se estiver certo, talvez o enterro do euro tenha de ser adiado mais uma vez... Por: LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS FOLHA DE SP - 18/05

MODELO ESGOTADO

O economista Claudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, apresentou no Fórum Nacional, tradicionalmente organizado pelo ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, um interessante trabalho sobre as limitações do atual modelo econômico brasileiro, a despeito dos avanços registrados nas duas últimas décadas: uma combinação de estabilidade macroeconômica e redução da desigualdade e da pobreza, acompanhada de uma expansão do consumo nas camadas tradicionalmente mais afastadas do mercado. Frischtak registra a incorporação de cerca de 60 milhões de pessoas na classe média, que passou a ser majoritária no país, mas adverte que "este modelo está se exaurindo", em consequência de uma combinação de baixa produtividade da economia, "que, em parte, reflete o fato de que o mercado de trabalho vem absorvendo os menos educados e experientes", com níveis insuficientes de investimento em infraestrutura e em capital humano, e limitações pelo lado da demanda, "inclusive por força da fragilidade financeira da classe C e D". A capacidade de crescimento e o desempenho da economia vêm sendo corroídos, afirma o economista em seu trabalho. Para ele, "há uma dissonância crescente entre o consumo de bens individuais e a produção e consumo de bens coletivos", como infraestrutura física e social, inclusive a geração e disseminação do conhecimento. O economista Claudio Frischtak vê o país caminhando "no fio da navalha" e considera "imprescindível" uma transição para um modelo de social-democracia voltado aos investimentos da produção de bens coletivos, para aumentar a produtividade e melhorar o nível de bem-estar da população, "mais além de uma economia de transferências". A expansão sustentada do consumo a um ritmo muito superior ao crescimento da própria economia foi possível, diz o estudo, por uma combinação "de forte dinamismo do mercado de trabalho diferencialmente voltado para a base da pirâmide, e transferências previdenciárias e de assistência social da ordem de 15% do PIB, além de um rápido crescimento do crédito". Mas o dinamismo do mercado doméstico não está assegurado para os próximos anos, porque, Frischtak mostra no estudo, a "nova classe média" depende da renda de trabalho e de transferências para fazer face aos compromissos de um endividamento crescente, não tendo tipicamente ativos para se desfazer e saldar dívidas. "Na desaceleração da economia, os índices de inadimplência rapidamente se elevam, e a espiral virtuosa se transmuta em viciosa." De fato, a inadimplência do consumidor cresceu 4,8% em abril deste ano, em comparação a março, registrando a maior alta para esse mês desde 2002, de acordo com pesquisa divulgada esta semana pela Serasa Experian. Em comparação a abril do ano passado, a inadimplência aumentou 23,7%, alta puxada pelas dívidas não bancárias de cartões de crédito, financeiras, lojas em geral e prestadoras de serviços. É enganosa a percepção de que o crédito brasileiro, que está em cerca de 50% do PIB, tem ainda margem para crescer porque em países como os Estados Unidos ou Inglaterra ele passa de 100%. A dívida americana, sem crédito imobiliário, beira os 16% do PIB, enquanto no Brasil já passa de 30%. O trabalho de Claudio Frischtak mostra que a produção de bens coletivos terá uma dupla função: pelo lado da oferta, impulsionar a produtividade e a competitividade da economia; pelo lado da demanda, progressivamente deslocar o consumo de bens individuais à medida que se esgota a capacidade das novas camadas de expandir de forma acelerada o consumo. O investimento na produção de bens coletivos irá necessitar, porém, de ações em duas frentes distintas, ambas relacionadas a uma Agenda de Reforma do Estado, aponta o estudo. Primeiro, uma realocação dos gastos do setor público, com a gradativa redução (em termos relativos) das transferências previdenciárias e sociais, e a proteção dos programas mais bem focalizados, a exemplo do Bolsa Família. "Não há como criar espaço fiscal aumentando os tributos", adverte Frischtak. Nesse contexto, ele defende que é "imprescindível a mudança de políticas e regras - a exemplo de o salário mínimo deixar de ser o indexador das despesas previdenciárias". Numa segunda frente, "é crítico reforçar a capacidade do Estado de planejamento, regulação, fiscalização, monitoramento e execução de serviços, de modo que os recursos poupados sejam direcionados com eficácia para expandir os investimentos em bens coletivos - infraestrutura física e social - e melhorar a capacidade organizacional da prestação pública de serviços de qualidade". A Agenda de Reforma é a base do Mapa da Produtividade, "um conjunto articulado de ações tendo por foco o capital humano; como eixo, a educação; e como resultado a disseminação e absorção de conhecimento em todos os níveis". O economista Claudio Frischtak afirma que "não há como sustentar a melhoria do bem-estar da população com uma escola pública de má qualidade, incompatível com as demandas de uma economia competitiva". O país continuará a progredir a passos lentos no que é mais essencial a menos que a educação passe a ser prioridade total para o governo. Embora reconheça que o país realizou progressos no âmbito científico, e mais modestos no plano da inovação, Frischtak diz que há necessidade de se definirem projetos transformadores, capazes de mobilizar recursos - instituições, empresas, indivíduos - e gerar inovações em torno de temas centrais para a nova economia. "Uma economia mais produtiva e uma sociedade mais igual, alicerçadas numa revolução educacional e em investimentos na infraestrutura física, serão a base da melhoria do bem-estar da população".pOR: MERVAL PEREIRA O GLOBO - 18/05

O MAPA ERRADO

A presidente Dilma Rousseff afirmou nesta quinta-feira que o crescimento do país não pode depender exclusivamente das "forças de autorregulação do mercado" e ressaltou o momento de "mutação" atual vivido no desenvolvimento do Brasil. Ela entregou o prêmio Almirante Álvaro Alberto de contribuição científica à sua ex-professora e economista Maria da Conceição Tavares, a quem atribuiu grandes contribuições ao desenvolvimento do país. A presidente disse que Conceição Tavares contribuiu para “o mapa do caminho”. Resta perguntar: quais contribuições foram essas? Que mapa é este? Conceição Tavares, para quem não lembra, é aquela senhora com fala agressiva, mas que se derreteu em lágrimas de emoção, em rede nacional, quando o fracassado Plano Cruzado foi aprovado. Ela sempre defendeu o nacional-desenvolvimentismo, esta ideologia fadada ao insucesso. Não consigo lembrar uma só contribuição positiva desta senhora para o desenvolvimento do país. Ao contrário: foi contra, assim como o PT, todas as reformas que melhoraram nossa situação. A fala da “presidenta” é importante para frisar que seu governo é caracterizado por um forte ranço ideológico. Dilma realmente acredita no nacional-desenvolvimentismo, e suas últimas medidas deixam isso bastante claro. Até aqui, ela encontrou pela frente um cenário externo favorável. Com a deterioração do quadro e o esgotamento do modelo de estímulos estatais, parece que o governo vai caminhar cada vez mais na direção intervencionista. Voltamos à época de pacotes quase semanais, de acordo com as demandas pontuais que surgem. Os pilares que sustentaram a credibilidade macroeconômica foram sendo derrubados um a um. A meta de inflação foi afrouxada e o Banco Central se mostrou sem autonomia. O câmbio sofre forte intervenção. Até a meta de superávit fiscal parece ameaçada. A Folha diz hoje que no governo há quem defenda até aumentar os gastos públicos e reduzir o aperto fiscal para estimular o consumo e o investimento. Um país não pode ter uma equipe econômica tão medíocre por tanto tempo e sair impune disso. A ficha dos gringos pode estar caindo. A revista The Economist desta semana tem uma matéria de destaque sobre o Brasil, com tom negativo, pregando a necessidade de novas reformas. Mas Dilma declarou que seu mapa é mesmo ideológico, e aponta para o lado errado. Ela usa um mapa da Venezuela para trafegar pelo Brasil. Não tem como chegar ao lugar certo... Por: Rodrigo Constantino

A crise européia e o Brasil.

Diversamente do que diz Guido Mantega, o Brasil será duramente afetado plea crise econômica européia. Até o momento ninguém consegue saber qual o tamanho do problema. Mas algumas conclusões são possíveis de extrair: 
1. deverá diminuir o fluxo de capitais para o Brasil; 
2. o dólar deve se manter a 2 reais; 
3. usar as importações para segurar a inflação não vai dar certo; 
4. o preço internacional das commodities deve cair; 
5. o Brasil manteve (e mantém) uma estrutura de exportações neo-colonial e vai ser penalizado pela queda da taxa de crescimento da China; 
6. governo aumentou os gastos sem ter aumentando a eficiência; 
7. os gastos de infraestrutura são pífios; 
8. a desindustrialização é evidente; 
9. as tais reformas foram para o espaço. A agenda política está ocupado com Cachoeira e companhia; 
10. o governo não soube aproveitar o longo período de prosperidade da economia internacional até o último trimestre de 2008 (considerando que o governo Dilma é o terceiro mandato de Lula); 
11. a inflação deverá se manter bem longe da meta. 
12. a permanência da crise européia e de seus efeitos no Brasil, reforça a necessidade de repensar o "modelo" econômico dos últimos anos. Sem investimentos pesados nos pontos de estrangulamento (como diria antigamente a CEPAL) e a melhoria na eficiência da gestão estatal (e de suas empresas, diga-se; basta ver o desastre da gestão Gabrieli na Petrobrás), ficaremos condenados a uma taxa de crescimento que não deve passar de 2 a 3% ao ano. Enquanto isso, a China, Índia, etc, etc. Por:Marco Antonio Villa

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Pesticidas e o Mal de Parkinson

Ligação entre o Mal de Parkinson e pesticidas é oficialmente reconhecida na França É um passo adiante no reconhecimento das doenças ocupacionais dos agricultores. Na segunda-feira, 07 de maio, entrou em vigor um decreto que reconhece o Mal de Parkinson como doença ocupacional e estabelece explicitamente um nexo de causalidade entre a doença – segunda maior doença neurodegenerativa na França depois do Alzheimer – e a utilização de pesticidas. A reportagem é de Angela Bolis e está publicada no jornal francês Le Monde, 09-05-2012. A tradução é do Cepat. Um passo a mais porque nessa área, em reinava até agora a lei do silêncio, a tomada de consciência dos efeitos dos produtos fitossanitários sobre a saúde dos agricultores apenas está começando a emergir. E a dar os seus frutos. Em fevereiro, a vitória de um produtor de grãos, Paul François, que havia movido um processo contra a gigante norte-americana Monsanto, abriu um precedente na França. A empresa foi julgada responsável pela intoxicação do produtor através da inalação quando estava limpando o tanque de seu pulverizador de herbicidas, o Lasso – retirado do mercado em 2007, na França. Os riscos do uso deste herbicida já eram conhecidos há mais de 20 anos. Alguns dias mais tarde, já eram dezenas de produtores a se manifestar no Salão da Agricultura, em frente à estante da União das Indústrias da Proteção das Plantas (UIPP). Suas reivindicações: a classificação de doenças relacionadas ao uso de pesticidas em doenças ocupacionais e a retirada de produtos perigosos. No dia 30 de abril, foi outra decisão, aquela da Comissão de Indenização das Vítimas de Infração (Civi) de Epinal, que veio trazer água para o moinho: naquele dia, o Estado foi condenado a indenizar um produtor de grãos de Meurthe-et-Moselle que sofre de uma síndrome mieloproliferativa. Inicialmente reconhecida como doença profissional, a patologia foi então associada pela Civi ao uso de produtos que continham especialmente benzeno. Um decreto “ansiosamente aguardado” Nesta paisagem que lentamente começa a evoluir, o decreto sobre o reconhecimento do Mal de Parkinson foi, portanto, “ansiosamente aguardado”, observa Guillaume Petit. O agricultor pertence à Associação de Fitovítimas, criada em março de 2011, e com a qual Paul François foi um dos primeiros a quebrar o silêncio, atacando a Monsanto. Ele esperou quatro anos para ter sua doença reconhecida como doença ocupacional. “Quantos veem seu pedido negado? Quantos inclusive chegam a abandoná-lo devido às dificuldades?”, perguntou após a criação desta Associação. A inclusão do Mal de Parkinson nas listas de doenças ocupacionais do sistema agrícola facilitará, portanto, os esforços para os agricultores em quem esta doença será diagnosticada em menos de um ano após a utilização dos pesticidas - o texto não especifica quais. “É um reconhecimento oficial que já é importante em termos simbólicos”, observa Guillaume Petit. “Mas também é um caminho para o agricultor ser apoiado financeiramente, no caso de incapacidade de continuar trabalhando”. Em 10 anos, cinco doenças ligadas aos pesticidas são reconhecidas Até agora, de acordo com Yves Cosset, médico do trabalho e assistente nacional de saúde do Mutual de Saúde dos Agricultores (MSA), apenas 20 casos do Mal de Parkinson foram relatados aos comitês de reconhecimento de doenças ocupacionais em uma década. Dez foram aceitos e outros 10 rejeitados. No mesmo período, apenas quatro ou cinco casos da doença foram oficialmente reconhecidos como causados por pesticidas. No total, são 4.900 doenças que são reconhecidas a cada ano como doenças profissionais entre os agricultores. Mais de 90% são TMS (distúrbios osteomusculares); os demais casos estão relacionados principalmente aos animais e ao pó de madeira ou amianto, de acordo com Yves Cosset. Nas listas de doenças ocupacionais do sistema agrícola, há, por exemplo, a doença de Lyme – causada por carrapatos –, tétano ou hepatite. Mas também algumas doenças relacionadas aos produtos fitossanitários. É particularmente citado, desde 1955, o arsênico, responsável por vasta gama de doenças – irritação, intoxicação ou câncer. Ou ainda o benzeno, classificado como cancerígeno, e o pentaclorofenol (PCP), proibido como pesticida desde 2003. Mas, lembra Yves Cosset, “estas listas estão evoluindo com o conhecimento da ciência. No entanto, a maioria das doenças relacionadas aos pesticidas vai ocorrer em intervalos diferentes, dez, vinte, até trinta anos após o início da sua utilização. Na medicina do trabalho, começou-se a falar do amianto na década de 1960 e este produto só foi mencionado nestas listas em 1998 para os cânceres. Por conseguinte, não é de excluir que outras doenças possam surgir e sejam reconhecidas em anos futuros...”.

Agricultura salva PIB

Mais uma vez, a agricultura e o agronegócio estão salvando a economia e a balança comercial. Há produção e investimento. A safra agrícola atual, 2011/12, deve ser 1,7% menor que a anterior, de 160 milhões de toneladas, principalmente por causa da seca do Nordeste - uma quebra de 40%, mas o mercado interno continua plenamente atendido e as exportações aumentam. Esse cenário contrasta com os demais setores, que recebem mais atenção da mídia. Serve de exemplo e merece ser destacado, pois é um exemplo de grande êxito a seguir. Salva a balança. Com superávit comercial de US$ 20,8 bilhões de janeiro a abril e US$ 77,95 bilhões em 12 meses, o agronegócio continuou a ser o principal fator de segurança do setor externo. Sem ele, não haveria superávit, mas déficit. O Brasil tem 7% da produção mundial de grãos. No mundo, são 2,3 bilhões de toneladas e, no Brasil, 160 milhões. Da reforma cambial, em 1999, até hoje, as vendas externas de alimentos e agroprodutos aumentaram velozmente, 200% (!), enquanto as cotações das commodities se valorizavam apenas 23%, lembra Rolf Kuntz em artigo neste caderno, em 14 de março. E isso, apesar de os produtos brasileiros sofrerem feroz competição de países competidores com subsídios, protecionismos, manipulação cambial e até discriminação. O destaque para esse cenário positivo levou em conta o aumento na quantidade exportada, no período, dos três produtos do setor: soja em grão (36%); farelo de soja (8%) e óleo de soja (20%). No primeiro quadrimestre os preços médios de exportação da soja ainda estavam elevados, mas a cotação média de exportação tanto do farelo quanto do óleo de soja caíram 10% e 6%, respectivamente. A queda dos preços das commodities e dos produtos agrícolas foi compensada por maior agressividade do agricultor brasileiro, apoiada pelo governo, num mercado competitivo e em retração. O que pesa. O agronegócio participava no ano passado com 22,15 % do PIB. Sozinha, a agricultura participa com 70% e a pecuária com 30 %. O setor emprega cerca de 30 milhões de pessoas - entre 16 e 17 milhões encontram-se no setor primário e o restante nos diversos segmentos que compõem o setor. Não é de hoje que o Brasil vem investindo na diversificação de parceiros comerciais. Não dependemos de um ou dois mercados e, justamente por isso, não fomos afetados pela crise global da mesma forma que os Estados Unidos e os países europeus. O Brasil é hoje líder em café e suco de laranja, ou ocupa os primeiros quatro lugares no comércio mundial de alimentos. A grande vantagem. O Brasil está numa posição única: tem terras desocupadas ainda por explorar. Há no País pelo menos 50 milhões de hectares. O coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, Roberto Rodrigues, lembra que entre 1990 e 2010 a produção de alimentos cresceu nada menos que 173%, enquanto a área apenas 36%. E isso porque a produtividade cresceu 100%, diz ele. Há um espaço enorme para avançar sem ferir o meio ambiente. A OCDE coloca o Brasil entre os principais países para atender ao crescimento de 20% da produção mundial nos próximos 8 anos. E isso porque, diz a organização, sua produção de alimentos pode crescer 40% em média na década, enquanto o potencial da Austrália é de 17%, e do Canadá, Estados Unidos e União Europeia, apenas 4%.
O Estado de S.Paulo - 17/05

O básico sobre a inflação

1. Inflação é um aumento na quantidade de dinheiro e de crédito criado em decorrência desta criação adicional de dinheiro. A principal e mais visível consequência da inflação é a elevação dos preços. Portanto, uma inflação de preços — atenção para o termo correto — é causada unicamente pelo aumento da quantidade de dinheiro na economia. 
 2. A quantidade de dinheiro na economia é uma variável decorrente das políticas monetárias do governo — mais especificamente, de seu Banco Central. 
 3. Um dos principais motivos para a criação de mais dinheiro é a existência de um orçamento deficitário por parte do governo. Orçamentos deficitários são gerados por gastos crescentes e extravagantes, os quais o governo é incapaz de cobrir utilizando exclusivamente suas receitas de impostos. Gastos excessivos decorrem principalmente dos esforços do governo em redistribuir riqueza e renda para setores privilegiados — isto é, esforços para retirar recursos dos produtivos para sustentar os improdutivos de todas as classes. Isto corrompe a ética e desestimula os incentivos trabalhistas tanto dos produtivos quanto dos improdutivos. 
 4. As causas da inflação de preços não são, como se diz frequentemente, "múltiplas e complexas"; elas são simplesmente a consequência inevitável de uma criação excessiva de dinheiro. Não existe algo como "inflação gerada pelo aumento dos custos". Se salários e outros custos trabalhistas ou de produção forem forçados para cima, mas não houver um aumento na quantidade de dinheiro na economia, e os produtores tentarem repassar estes aumentos aos consumidores elevando os preços de venda, a maioria deles irá apenas vender menos produtos. O resultado será um menor nível de produção e a perda de empregos. Custos maiores podem ser repassados para os preços somente quando os consumidores têm mais dinheiro para pagar por estes preços mais altos. 
 5. Controles e congelamentos de preços não podem interromper ou arrefecer a inflação de preços. Eles podem, no máximo, atrasar a sua manifestação. Pior ainda: eles irão sempre desorganizar a economia. Controles de preços simplesmente comprimem ou eliminam por completo as margens de lucro, desarranjam a estrutura de produção da economia, e geram gargalos e escassezes. Todo e qualquer controle de preços e salários implantado pelo governo, ou até mesmo a sua "monitoração", é apenas uma tentativa de políticos de jogar a responsabilidade pela inflação sobre produtores e vendedores, e não em suas próprias políticas monetárias. 
 6. Uma prolongada inflação nunca "estimula" a economia. Ao contrário, ela desequilibra e desorganiza a estrutura produtiva da economia, direcionando a produção e o emprego para investimentos que mais tarde revelar-se-ão insustentáveis, gerando prejuízos, desperdício de recursos escassos e maior desemprego. O desemprego assim gerado permanecerá em níveis elevados enquanto o salário demandado estiver acima do real valor de mercado — seja por demandas sindicais, por leis de salário mínimo (que mantém adolescentes e mão-de-obra pouco qualificada fora do mercado de trabalho) ou por prolongados e generosos seguros-desemprego. 
 7. Para se evitar estragos irremediáveis, a noção de que expansões monetárias podem estimular permanentemente a economia deve ser irreversivelmente rejeitada. Adicionalmente, o governo deve ser retirado por completo do controle da oferta monetária, deixando esta área a cargo das forças de mercado. Por fim, o orçamento do governo deve ser equilibrado o mais rapidamente possível, e não de maneira gradualista e indolor. O equilíbrio deve ser alcançado por meio de um acentuado corte de gastos, e não pelo aumento de uma carga tributária já extremamente elevada, que comprime salários e desestimula o trabalho árduo e a produção.Por:HENRY HAZLITT Henry Hazlitt (1894-1993), um dos membros fundadores do Mises Institute, foi economista, jornalista e autor do livro Economia em Uma Única Lição.

Desvalorizar o câmbio estimula o crescimento econômico?

A teoria econômica convencional afirma que desvalorizar a moeda de um país pode ser algo bom para sua economia, dado que uma moeda mais fraca gera uma taxa de câmbio mais desvalorizada, o que estimularia a produção industrial e consequentemente as exportações e o emprego. Isso geraria um crescimento econômico. Donde se conclui que, caso um país queira vivenciar um crescimento econômico mais acelerado, a desvalorização da moeda seria uma medida necessária. Pensamento popular De acordo com o pensamento popular, o segredo para o crescimento econômico está na demanda por bens e serviços. Afirma-se que um aumento na demanda por bens e serviços gera crescimento econômico porque tal aumento irá desencadear a produção de bens e serviços. Logo, aumentos ou reduções na demanda por bens e serviços estariam por trás de aumentos e declínios na produção geral da economia. Sendo assim, para manter a economia crescendo, as políticas econômicas do governo têm se concentrar na demanda geral, implementando medidas para estimulá-la. É fato que parte da demanda por produtos domésticos advém de países estrangeiros. A acomodação desta demanda é rotulada de exportações. Da mesma maneira, os cidadãos locais também exercitam suas demandas por bens e serviços produzidos no estrangeiro, o que é rotulado de importações. Observe que, ao passo que um aumento nas exportações produz uma demanda geral pelos produtos domésticos, um aumento nas importações reduz esta demanda. Donde se conclui que as exportações, sempre de acordo com este pensamento, são um fator que contribui para o crescimento econômico ao passo que as importações são um fator que subtrai do crescimento da economia. Dado que a demanda internacional pelos bens e serviços de um país é um importante ingrediente na determinação do ritmo do crescimento econômico, faz sentido, segundo este pensamento, fazer com que os bens e serviços produzidos localmente sejam atraentes para os estrangeiros. Uma das maneiras de fazer com que os bens domesticamente produzidos sejam mais demandados por estrangeiros é fazendo com que os preços destes bens sejam mais atraentes para eles. Por exemplo, imagine que o preço de um saco de batatas no Brasil é de R$10 e de US$10 nos EUA. Imagine também que a taxa de câmbio entre o dólar e o real é de 1:1. À taxa de câmbio de 1 real por 1 dólar, um americano consegue, com US$10, comprar um saco de batatas brasileiras. Uma das maneiras de os brasileiros estimularem sua competitividade é depreciando o real em relação ao dólar. Suponhamos que, em reação a um anúncio de que o Banco Central brasileiro está disposto a afrouxar sua política monetária, a taxa de câmbio passe para R$2 por US$1. Consequentemente, isto significa que R$10 agora podem ser adquiridos com US$5, o que por sua vez implica que um saco de batatas brasileiras agora custa US$5. Consequentemente, um americano pode agora com US$10 comprar dois sacos de batatas do Brasil em vez de apenas um, como ocorria antes da depreciação do real. Em outras palavras, o poder de compra dos americanos em relação às batatas brasileiras dobrou. Se aplicarmos o exemplo das batatas para todos os bens e serviços, podemos chegar à conclusão de que, como resultado da depreciação da moeda, tudo o mais constante, a demanda geral por bens produzidos domesticamente tenda a aumentar. Isto, por sua vez, irá gerar um superávit no balanço de pagamentos e, consequentemente, fortalecer o crescimento do PIB. Observe que, para estimular a demanda estrangeira, os brasileiros estão agora oferecendo dois sacos de batatas em troca de um saco de batatas dos EUA. Isto também significa que o preço de um saco de batatas americanas está agora duas vezes mais caro no Brasil em relação a antes da depreciação do real. Muito provavelmente, isto irá reduzir a demanda dos brasileiros por batatas americanas. O que temos até agora, no que concerne ao Brasil, são mais exportações e menos importações, algo que, de acordo com o pensamento convencional, é uma ótima notícia para o crescimento econômico brasileiro. Igualmente, à taxa de câmbio origina de 1:1, uma redução nos preços domésticos das batatas brasileira de R$10 para R$5 também permitiria a um americano trocar seus US$10 por dois sacos de batatas brasileiras. Em suma, mudanças na taxa de câmbio ou mudanças nos preços nos respectivos países irão determinar a chamada 'competitividade internacional', a qual também é rotulada de taxa de câmbio real. Ela pode ser resumida na seguinte fórmula: Taxa de câmbio real = taxa de câmbio nominal x (preços domésticos/preços estrangeiros) A taxa de câmbio nominal é a quantidade de moeda nacional necessária para se adquirir uma unidade de moeda estrangeira. Uma desvalorização cambial significa um aumento da taxa de câmbio nominal (aumenta-se o número de reais necessários para se adquirir um dólar). De acordo com esta expressão, um aumento na taxa de câmbio real (isto é, uma desvalorização do câmbio real) implica um aumento na competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional, e uma redução na taxa de câmbio real (isto é, uma apreciação do câmbio real) significa uma queda nesta competitividade internacional. Donde que, seguindo-se esta equação, uma desvalorização da moeda nacional (uma redução na quantidade de moeda estrangeira necessária para adquirir uma mesma quantidade de moeda nacional) levará a uma desvalorização na taxa de câmbio real e, consequentemente, a um aumento na competitividade internacional. Já uma queda nos preços estrangeiros levará a uma apreciação da taxa de câmbio real, desta forma reduzindo a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Seguindo-se este raciocínio simples, conclui-se que a desvalorização da moeda nacional — tudo o mais constante — é algo benéfico para o crescimento econômico. Por que estimular exportações por meio da desvalorização da moeda não pode fazer uma economia crescer continuamente Quando o Banco Central brasileiro anuncia que irá afrouxar a política monetária, isto leva a uma rápida resposta dos agentes do mercado de câmbio: eles irão vender a moeda nacional e adquirir moedas estrangeiras, o que irá levar a uma depreciação da moeda nacional. Em resposta a isso, vários produtores nacionais perceberão que agora está mais atraente aumentar suas exportações. Para financiar este aumento em sua produção, os produtores recorrerão aos bancos, os quais, em decorrência das recentes injeções monetárias feitas pelo Banco Central, concederão crédito a taxas de juros menores. Fazendo uso deste crédito recém-concedido, os produtores poderão agora adquirir os recursos necessários para expandir sua produção de bens com o intuito de acomodar a crescente demanda estrangeira. Em outras palavras, por meio deste crédito recém-criado, os produtores irão retirar recursos reais de outros setores da economia, desviando-os para si próprios. Enquanto os preços domésticos se mantiverem inalterados, os exportadores irão registrar um aumento nos lucros. No entanto, este suposto aumento na competitividade gerado pela desvalorização da moeda significa que os cidadãos brasileiros irão agora obter menos bens importados para uma mesma quantidade de bens exportados. Em suma, ao passo que o país está enriquecendo em termos de moeda estrangeira (mais dólares estão entrando no país), ele está empobrecendo em termos de riqueza real, isto é, em termos dos bens e serviços necessários para manter o padrão de vida e o bem-estar das pessoas. A quantidade de bens na economia diminui tanto em decorrência do aumento das exportações quanto em decorrência da diminuição das importações. À medida que o tempo passa, os efeitos de uma política monetária frouxa começam a fazer um efeito mais generalizado nos preços dos bens e serviços, e, no final, tendem a solapar os lucros dos exportadores. Em suma, um aumento nos preços põe um fim na ilusória tentativa de se criar prosperidade econômica do nada, utilizando apenas manipulações monetárias para este fim. De acordo com Ludwig von Mises As tão faladas vantagens que a desvalorização proporciona ao comércio exterior e ao turismo se devem inteiramente ao fato de que o ajuste dos preços e salários domésticos ao estado de coisas criado pela desvalorização requer algum tempo. Enquanto este processo de ajustamento não se completa, as exportações são estimuladas e as importações, desencorajadas. Não obstante, isto significa apenas que, neste intervalo de tempo, os cidadãos do país que desvalorizou sua moeda estão obtendo menos em troca do que estão vendendo no exterior, e pagando mais pelo que estão comprando no exterior; o consumo interno, consequentemente, sofre uma redução. Este efeito pode parecer benéfico para aqueles que medem o bem-estar de uma nação pela sua balança comercial. Em linguagem clara, esta realidade pode ser descrita da seguinte forma: o cidadão inglês precisa exportar mais bens ingleses para poder comprar aquela quantidade de chá que corresponderia, antes da desvalorização, a uma menor quantidade de bens ingleses. Compare esta política de desvalorização da moeda com uma política conservadora na qual a moeda não se expande. Sob estas condições, quando o conjunto da riqueza real do país está se expandindo — isto é, quando a quantidade de bens e serviços está aumentando —, o poder de compra da moeda nacional irá também aumentar. Isto, tudo o mais constante, levará a uma valorização da moeda. Com a expansão da produção de bens e serviços, e com a queda nos preços e nos custos de produção, os produtores nacionais poderão aprimorar sua competitividade internacional e sua lucratividade nos mercados estrangeiros ao mesmo tempo em que a moeda segue se valorizando. Por outro lado, quando há uma política monetária frouxa, os ganhos obtidos pelos exportadores são apenas temporários, e se dão à custa de outras atividades da economia, as quais ficam privadas de recursos, como explicado acima. Já quando a política monetária é austera, os ganhos obtidos não se dão à custa de ninguém; eles são apenas a manifestação da criação de riqueza real. Uma moeda forte, além de permitir aos seus usuários desfrutar mais bens por meio de mais importações, também lhes propicia uma maior qualidade de vida. Viagens internacionais e produtos eletrônicos exóticos se tornam mais acessíveis aos consumidores. Os produtores nacionais, por sua vez, conseguem acesso mais barato a recursos e a bens de capital estrangeiros. Ainda que seus preços de venda no mercado interno se mantenham inalterados — em decorrência da solidez monetária — o resultado é que seus lucros tendem a ser maiores. Igualmente, as exportações também tendem a aumentar. A taxa de câmbio representa apenas uma fatia do custo total que os estrangeiros têm de pagar para importar bens desta economia. Tão importante quanto a taxa de câmbio é o custo deste bem em sua própria moeda nacional. Que diferença faz para o importador dos bens da economia brasileira se, por exemplo, o real está 10% mais barato em relação ao dólar e, ao mesmo tempo, os preços domésticos no Brasil subiram também 10% em decorrência da inflação monetária? O efeito é nulo. Por outro lado, com uma moeda forte permitindo a importação maciça de bens de capital mais baratos, os custos de produção tendem a cair e a produtividade tenda a aumentar, o que irá reduzir os preços internos e, consequentemente, estimular as exportações. É assim que uma moeda forte estimula também o setor exportador. Conclusão No mundo atual, os bancos centrais agem coordenadamente, expandindo em sincronia a oferta monetária de seus respectivos países de modo a manter as flutuações das taxas de câmbio o mais estável possível. Obviamente, durante este processo, tais políticas desencadeiam um persistente processo de empobrecimento, pois o consumo não se dá de acordo com a produção de riqueza real. Adicionalmente, neste arranjo, se um país tentar adquirir uma vantagem passageira por meio da desvalorização de sua moeda — implantando uma política monetária mais frouxa —, ele conseguirá apenas estimular os outros países a fazer a mesma coisa. Consequentemente, o surgimento de desvalorizações competitivas é a maneira mais garantida de se destruir a economia de mercado e jogar o mundo em um prolongado período de crise. Sobre isso, Mises escreveu, Uma aceitação geral dos princípios do câmbio flutuante irá resultar em uma competição maléfica entre as nações, cada uma se esforçando para desvalorizar mais do que a outra. Ao final dessa competição, os sistemas monetários de todas as nações estarão arruinados. Frank Shostak é um scholar adjunto do Mises Institute e um colaborador frequente do Mises.org. Sua empresa de consultoria, a Applied Austrian School Economics, fornece análises e relatórios detalhados sobre mercados financeiros e as economias globais. Tradução de Leandro Roque

Austeridade, otimismo e a dissolução do estado assistencialista keynesiano

Os keynesianos e os declaradamente anti-keynesianos se deram as mãos e, atuando em conjunto, passaram a propagandear um erro intensamente keynesiano: falar sobre a "austeridade" fiscal na Europa como sendo um fato negativo. Um colunista da revista Forbes se referiu à austeridade como sendo uma espiral mortífera. A palavra "austeridade", que surgiu com a crise da dívida do governo da Grécia dois anos atrás, tem sido utilizada pela mídia como tendo exclusivamente um único sentido: reduções nos gastos dos governos nacionais. A palavra não é utilizada em relação à economia como um todo. Mais do que isto: a palavra tem sido utilizada para explicar as contrações nas economias da Europa. Fala-se que as reduções nos gastos dos governos estão causando a recessão das economias europeias. Esta explicação é baseada inteiramente nos modelos keynesianos que dominam os livros-textos. Mas há um problema: não houve reduções nos gastos. Ao que tudo indica, para a mídia, "austeridade" não significa o mesmo que significa para uma pessoa normal: cortes severos nos gastos governamentais. Ao que tudo indica, "austeridade" significa não haver absolutamente nenhum corte de gastos. Keynesianos sempre defendem aumentos nos gastos do governo. Este é o âmago do keynesianismo. O keynesianismo depende inteiramente de um mantra: "Gastos do governo curam recessões". Todo o resto é periférico: inflação monetária, tributação crescente e livre comércio. Estas questões periféricas sempre serão sacrificadas em prol da suprema premissa econômica: "Gastos do governo curam recessões." É deste ponto que qualquer análise do keynesianismo deve partir. Qualquer doutrina econômica, qualquer política econômica, qualquer solução proposta para a atual crise deve ser avaliada em termos deste mantra. Qualquer coisa que não comece e não termine com este mantra não é keynesianismo. Qualquer coisa que o faça, é keynesianismo. Qualquer ideologia pode se declarar triunfante quando até mesmo seus professos críticos adotam tanto as suas conclusões quanto a sua retórica, e o fazem sem perceber. Isto significa que os promotores desta ideologia obtiveram êxito total em estipular os termos do debate público. É muito difícil substituir uma ideologia ou uma visão de mundo quando seus promotores já conseguiram estabelecer os termos do debate. É algo que pode ser feito, é claro; mas, para fazer isso, os promotores de uma ideologia rival têm de expor não apenas os erros do atual sistema, como também a concordância implícita concedida pelos supostos críticos da ideologia dominante. Tal postura, é bom deixar claro, não irá lhe garantir novas amizades entre estes infelizes que creem estar obtendo vitórias significativas ao argumentarem apenas contra aspectos periféricos da ideologia inimiga ao mesmo tempo em que aceitam todos os seus pressupostos centrais e todas as suas receitas políticas. Eles já foram fisgados. Um exemplo recente de um bem-intencionado, porém conceitualmente confuso anti-keynesiano pode ser conferido em um recente artigo da Forbes. O título era poderoso: "O keynesianismo é a nova Peste Negra". Mas o artigo concluía que a grande tragédia da Europa atual é a "austeridade". Em teoria, a mídia universalmente define austeridade como cortes nos gastos do governo. Eu nunca vi o termo sendo empregado em qualquer outro sentido. Qualquer autor que utilizar esta palavra em algum outro sentido tem de explicar aos seus leitores o motivo deste novo significado. Como o artigo da Forbes não ofereceu nenhuma outra distinção ou alternativa, interpretei o termo ao pé da letra. Se a austeridade é a grande perversidade do momento, então a implicação é inevitável: aumentar os gastos governamentais e abandonar qualquer austeridade (que nunca houve) é algo positivo. O mantra austríaco Os economistas seguidores da Escola Austríaca também têm um mantra: "Menos impostos aumentam a liberdade." Liberdade é necessária para o crescimento econômico. Se um governo não puder reduzir impostos sem que isso o leve à falência, então ele tem de cortar gastos caso não queira quebrar. Os governos europeus estão todos no caminho da falência. O do Japão também. O mesmo vale para o dos EUA. A solução é cortar impostos e cortar gastos ainda mais. "Nada de mais gastos governamentais. Menos gastos governamentais!" "Nada de mais déficits orçamentários. Menos déficits orçamentários!" "Nada de mais impostos. Menos impostos!" "Nada de mais inflação monetária. Menos inflação monetária!" Em suma: "Deixem o povo livre!" A solução para a recessão europeia não é aumentar os gastos governamentais, e sim o oposto: reduzir os gastos dos governos. E os impostos. A solução, portanto, é mais austeridade. Com isto em mente, examinemos um artigo que argumenta que a austeridade é a maior ameaça para a prosperidade da Europa. Uma espiral mortífera? O artigo começa com uma análise da política europeia. Ele afirma que os eleitores estão desalojando todos os políticos que estão no poder, em todos os países. Sarkozy foi a oitava baixa ao longo dos últimos doze meses. Por que isso está acontecendo? Eis a resposta sugerida: Os eleitores da Espanha, da Grécia, da França etc. entendem que as elites governamentais empurraram suas economias para espirais mortíferas, e estão expressando este seu descontentamento nas urnas. A questão mais fundamental, no entanto, é esta: por que estas elites empurraram suas respectivas economias para esta suposta espiral mortífera? Por que fervorosas elites keynesianas fariam tal coisa? Não sejamos ingênuos. O Ocidente tem sido gerido por elites keynesianas, ou por políticos seguidores de ideias keynesianas, desde 1930 — seis anos antes de Keynes oferecer sua ininteligível justificativa para as políticas então adotadas pelos políticos, por meio de seu livro "A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda". O Banco Central Europeu, seguindo ideias keynesianas, empurrou as economias europeias para um crescimento econômico artificial entre os anos 2001 e 2007. As economias da periferia da Europa — o chamado "Club Med" — entraram em uma acentuada expansão econômica. O mesmo ocorreu com o membro honorário do Club Med: a Irlanda. Os valores dos imóveis na Irlanda quadruplicaram. Parecia que tudo iria durar para sempre. As elites — principalmente os economistas — não emitiram nenhum alerta, exceto os economistas seguidores da Escola Austríaca, que, como sempre, foram sumariamente ignorados como se fossem dinossauros. E então veio a fase da contração econômica. Tudo o que o Banco Central Europeu havia feito antes de 2007 — inflacionar —, ele passou a fazer ainda mais agressivamente desde 2008. Os governos europeus incorreram em déficits ainda maiores. Todos eles implementaram estímulos keynesianos. Nada funcionou. A Europa entrou novamente em recessão. No primeiro semestre de 2010, investidores europeu finalmente se atentaram para o fato de que a população do Club Med não era capaz de concorrer economicamente com o resto da Europa. Tais países apresentavam seguidos déficits comerciais com o resto da Europa. Este pessoal calmo e relaxado estava vivendo de dinheiro tomado emprestado junto ao resto da Europa. Seus respectivos governos faziam o mesmo. Eles não tinham a intenção de quitar estes empréstimos. E por que não? Porque é isto que o keynesianismo ensina. Empréstimos governamentais não serão pagos. Nunca. A dívida governamental irá aumentar continuamente. E com ela, a prosperidade. Dois anos atrás, o Partido Socialista da Grécia descobriu a real profundidade do buraco da dívida em que o governo havia se metido. As taxas de juros então começaram a subir nos países PIIGS. Estes governos estavam encurralados. Eles não mais poderiam continuar incorrendo em déficits crescentes, pois o custo dos empréstimos estava aumentando. E foi aí que a realidade do keynesianismo se manifestou: déficits, ao contrário do que imaginam keynesianos, realmente importam. Dinheiro não é de graça. Dívidas devem ser roladas de acordo com os juros de mercado. O horror! E foi aí que os governos do sul da Europa começaram a "controlar" um pouco mais os gastos. Não muito, como se vê no gráfico acima. Os déficits continuam em níveis inauditos: acima de 6% do PIB. Os keynesianos rotularam isso de "austeridade". Mas não é austeridade, é claro. São déficits orçamentários em escala maciça. Austeridade é quando os governos incorrem em superávits orçamentários e utilizam as receitas em excesso para pagar a dívida nacional. Não há austeridade na Europa desde aproximadamente 1914. O padrão-ouro vigente de 1815 a 1914 impingia austeridade. Esta era sua principal função e seu maior serviço à humanidade. Ele obrigava os governos ocidentais a se manterem austeros. E isto permitiu o setor privado crescer a taxas aceleradas. Keynesianos odeiam o padrão-ouro porque eles acreditam que gastos governamentais crescentes são o que permitem o aumento dos gastos em consumo; e os gastos em consumo — e não a poupança — são, para os keynesianos, a base da prosperidade. O público, que prefere o consumismo à austeridade de uma poupança, gosta das políticas do keynesianismo. Déficits intermináveis, endividamento sem dor, crescimento ininterrupto: os keynesianos prometem, e os eleitores acreditam. Porém, o dia do acerto de contas chegou em 2010. O dinheiro gratuito ficou caro. A festa não acabou, mas alguns dos convidados foram mandados de volta pra casa, onde se juntaram aos jovens adultos que estão sentados no sofá assistindo à televisão, pois não há empregos. O público se sente traído. Os eleitores, milhões deles, acreditaram no sonho keynesiano. Políticos prometeram realizar a façanha de transformar pedras em pães. Os eleitores aplaudiram. Mas os tempos mudaram, nos diz o artigo. Infelizmente para a Europa e para o mundo atual, não há, em todo o continente, candidatos ou partidos em prol do crescimento econômico para oferecer um alívio dos programas de austeridade que estão reduzindo suas economias a pó. Sem ter ninguém em quem votar, tudo o que o eleitorado europeu tem podido fazer é votar contra. Eles passaram a explicitar seus protestos derrotando os políticos atualmente no poder. Os políticos que estavam no poder fizeram promessas excessivas. Eles há muito vinham dizendo para o eleitorado que déficits não importavam. Déficits não importavam enquanto os bancos do resto da Europa continuassem emprestando para os PIIGS a taxas de juros de alemãs, cuja população é bem mais frugal. E então veio a realidade. A Europa como um todo está em recessão; Grécia, Espanha e Portugal estão em depressão. O que as pessoas devem fazer se os chefs econômicos tanto à esquerda quanto à direita estão oferecendo o mesmo e venenoso menu de "austeridade"? Orçamentos equilibrados continuam sendo apenas uma miragem. Cortes de gastos excessivamente tímidos, que confessadamente têm o objetivo extremamente modesto de reduzir os déficits para altos 3% do PIB em incríveis dez anos, são hoje tidos como "venenoso menu de austeridade". Colocando em uma terminologia mais familiar, há um excesso de pedras e pouquíssimos pães. Os eleitores não irão tolerar isso. A razão por que não há chefs econômicos promovendo o crescimento é simples: alguém tem de financiar o crescimento dos gastos do governo. Quem fará isso? Quem confia nos PIIGS? Quanto mais alto os eleitores protestam contra a austeridade, menor será o número de emprestadores — no caso, investidores dispostos a emprestas a taxas abaixo de 10%. Peste! O artigo, no final, chega ao seu objetivo. Então, o que aconteceu na Europa? A resposta curta é "peste". A Peste Negra do século XIV foi causada pela Yersinia pestis bacterium, que foi disseminada por ratos. A peste atual é resultado do keynesianismo, que está sendo difundido pelos economistas dos departamentos das principais universidades do mundo e também do The New York Times. Infelizmente, ao contrário da Yersinia pestis, o keynesianismo é imune a antibióticos. Como o artigo define keynesianismo? Erroneamente. Ele diz que keynesianos defendem aumento de impostos e cortes de gastos. Austeridade, como está sendo atualmente praticada na Europa, baseia-se na crença keynesiana de que aumentos de impostos e cortes de gastos do governo possuem o mesmo efeito sobre os déficits do governo e sobre a economia. Com efeito, as mais virulentas cepas do keynesianismo fazem as pessoas acreditar que aumentar a alíquota máxima do imposto de renda e aumentar os gastos governamentais pode realmente estimular o PIB, pois "os ricos" possuem uma "propensão marginal para poupar" mais alta do que os beneficiados por repasses governamentais. François Hollande, o vencedor das eleições presidenciais da França, é um keynesiano. Ele acredita que elevar a alíquota máxima do imposto de renda da França para 75% ao mesmo tempo em que contrata mais 60.000 professores sindicalizados irá melhorar as coisas. Como assim? O que o um político declaradamente socialista tem a ver com o keynesianismo? Keynesianismo é aquilo que Paul Krugman defende: mais gastos e mais déficits, tudo em conjunto com uma grande expansão monetária feita pelo Banco Central para poder financiar esta expansão. Qual político ou economista keynesiano já se pronunciou abertamente a favor de cortes de gastos, ou seja, austeridade? Economistas austríacos já. Ron Paul já. É por isso que os austríacos e Ron Paul são marginalizados pela mídia keynesiana, que os considera excêntricos. Para um político cuja mente está infectada de keynesianismo, faz todo o sentido tentar reduzir um déficit orçamentário por meio de uma combinação de aumento de impostos e cortes de gastos, com o equilíbrio entre os dois sendo determinado por alguma combinação entre considerações políticas e "equidade". Há muitos políticos na Europa que impuseram mais tributos sobre os ricos. Os eleitores sempre os encorajaram a fazer isso, e adoravam quando isso era feito. Os eleitores hoje estão injuriados com os "cortes" de gastos. Cortes de gastos reduzem o fluxo de fundos para burocratas do governo e para os clientes do estado. É por isso que os sindicatos gregos fazem baderna. O keynesianismo tradicional clama por mais gastos, mais endividamento e — caso os investidores privados exijam juros mais altos — mais expansão monetária feita pelo Banco Central para comprar mais títulos da dívida do governo. O artigo espertamente rejeita esta monetização. Mas não clama por um padrão-ouro. Em vez disso, defende o euro. Por isso, o artigo sofre de uma ilusão: imaginar que o euro não é somente mais um veículo inflacionário; imaginar que ele seja superior a dracmas geridos por keynesianos. A hierarquia política keynesiana impôs o euro sobre os eleitores em 1999. Os porta-vozes das elites vêm condenando a saída da Grécia da zona do euro. Os tecnocratas gregos, que não foram eleitos pelo povo, assim como os tecnocratas de todo o resto da Europa, ou são ex-empregados do Goldman Sachs ou serão futuros empregados dele. Eles estão agora sendo desalojados pelo eleitorado. Os eleitores são populistas e socialistas. Eles são simpatizantes da elite keynesiana apenas durante a fase expansionista do estado assistencialista. Quando a conta chega, eles passam a defender emissão monetária feita individualmente pelos governos nacionais, tributação dos ricos, sindicalismo e aumentos nos gastos governamentais. Conclusão O keynesianismo está em uma espiral de morte. Na mesma situação está o socialismo populista. E o mesmo ocorre com o sistema monetário fiduciário, de características fascistas (corporativistas). Todos estão em espirais mortíferas porque todos rejeitam esta premissa: "Impostos menores aumentam a liberdade". A liberdade irá vencer. Esta é uma afirmação escatológica, eu sei. Uma das maneiras como ela irá prevalecer é por meio da falência da ordem social keynesiana, que defende mais impostos, mais regulamentações, mais déficits, mais inflação. Para haver austeridade genuína, o governo tem de entrar em dieta: seus gastos devem ser genuinamente cortados. É isso o que o eleitorado europeu não quer. Mas é isso o que ele vai receber. "Nada de menos austeridade. Mais austeridade!" Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história.