sexta-feira, 20 de julho de 2012

OURO OU BITCOIN - O QUE VIRÁ NO FUTURO?


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No atual arranjo monetário em que vivemos, um fato já deve estar claro para até mesmo o mais casual dos observadores: bancos não são entidades capitalistas.  Em seu atual formato, eles pouco têm a ver com o livre mercado e não possuem lugar nele. 
Bancos estão constantemente oscilando entre duas posições: em um momento, eles nada mais são do que um protetorado do estado, em desesperada necessidade de apoio das impressoras do Banco Central ou de ilimitados financiamentos advindos dos impostos dos cidadãos, sem os quais o sistema financeiro entraria em colapso total; em outro momento, eles são uma conveniente ferramenta para políticas estatais, sendo amplamente alimentados pelos bancos centrais com fartas reservas bancárias, as quais eles irão utilizar para expandir o crédito artificialmente e, com isso, sustentar aqueles setores que o governo julgar mais adequado politicamente, como o industrial e o da construção civil.  Adicionalmente, o crescimento econômico artificial gerado por esta expansão monetária será sempre politicamente positiva.
Portanto, os bancos ora vivem do assistencialismo, ora são meras e convenientes ferramentas para as políticas econômicas dos planejadores centrais.  Em ambos os casos, não podem ser considerados empresas capitalistas.  Adicionalmente, outra excrescência do atual sistema financeiro, como veremos mais abaixo, é que os bancos representam custos e despesas indiretas para as pessoas que transacionam no mercado — um paradoxo, dado que o livre mercado está sempre tentando cortar ao máximo custos e despesas.  Os custos representados pelos bancos não existiriam em um livre mercado e só se sustentam hoje em decorrência da intervenção estatal no setor e do monopólio estatal da moeda.  Sem ambos, tais custos, assim como o atual sistema bancário, tenderiam a desaparecer.  Esta é a lógica inerente ao livre mercado: cortar custos desnecessários.
Bancos centrais e o atual sistema bancário que opera o papel-moeda fiduciário monopolizado pelo estado são uma mancha no sistema capitalista.
Para que o capitalismo funcione harmoniosamente, tais excrescências terão, em última instância, de desaparecer.  Creio que a lógica básica do capitalismo nos levará a esta direção.  Pessoalmente, creio que tentar "reformar" o atual sistema é uma perda de tempo e de energia.  Vamos reformar o sistema trocando-o por algo melhor.  Adotemos um sistema monetário genuinamente de mercado.
Quando e como exatamente o atual sistema irá acabar, ninguém sabe.  Mas creio que já estamos em seus estágios finais.  Ao longo de toda a história da humanidade, sistemas monetários baseados em moedas de papel de curso forçado nunca duraram muito tempo.  Ao redor do mundo, todos os grandes bancos centrais estabeleceram políticas de juros baixíssimos e estão inchando seus balancetes na desesperada tentativa de evitar que seus sistemas bancários se contraiam e entrem em colapso.  Se você acha que tudo isso é apenas temporário e que tudo voltará suavemente ao normal tão logo as economias "se recuperem", você provavelmente está tomando alguns remédios bem fortes, ou tem passado muito tempo dando ouvidos a economistas convencionais que, em sua maioria, são muito bem pagos para servir de apologistas do atual sistema.
O futuro do dinheiro
Frequentemente me perguntam, em minhas palestras, o que virá depois que o atual arranjo financeiro entrar em colapso.  Voltaremos ao escambo?  Não.  Obviamente, uma economia capitalista moderna necessita de um sistema monetário sólido e plenamente operante.  Minha esperança é que, das cinzas do atual sistema, um novo arranjo monetário surgirá, e este será inteiramente privado — e não gerido pelos governos em conluio com o sistema bancário, aliança esta que vai contra tudo que o livre mercado representa.
Ninguém pode dizer como será exatamente este novo sistema.  Seu formato e suas características serão em última instância definidas pelo mercado.  Nesta área, como em outras, são poucos os limites para a inventividade e genialidade humana.  Porém, de antemão, já podemos imaginar alguns pontos conceituais a respeito deste sistema.
Um padrão-ouro privado...
Sistemas monetários de livre mercado, nos quais a oferta monetária está completamente fora de qualquer ingerência política, tendem a ser sistemas nos quais o dinheiro seja uma commodity cuja oferta seja limitada e razoavelmente inelástica.  Parece improvável que um mercado completamente livre concederia a qualquer entidade privada o direito de produzir dinheiro (de papel ou eletrônico) a seu bel-prazer e sem limites.  O atual sistema é atípico justamente neste quesito e, por isso, tal arranjo evidentemente não representa uma solução de livre mercado.  Tampouco pode ser duradouro.
Os candidatos óbvios, portanto, são o ouro e a prata, ambos os quais funcionaram naturalmente como dinheiro durante milhares de anos.  É perfeitamente possível visualizar um moderno sistema em cujo centro estão empresas privadas que oferecem armazenamento de ouro e prata, provavelmente em uma variedade de jurisdições (Zurique, Londres, Hong Kong, Vancouver, São Paulo).  Ao redor destes centros de metais monetários armazenados, floresceria um sistema financeiro que utilizaria a última palavra em tecnologia de informação e de pagamento para facilitar uma segura, tranquila e barata transferência de propriedade deste dinheiro entre aqueles que voluntariamente optarem por participar deste sistema.  Sim, haveria cartões de crédito, transferências eletrônicas, e pagamentos via internet ou telefones celulares.  Não haveria, no entanto, reuniões de comitês de política monetária, nem presidentes de bancos centrais escrevendo cartas explicativas para ministros da fazenda, e nem muito menos qualquer tipo de política monetária.
Estas empresas que armazenam ouro e prata seriam bancos?  Bem, elas poderiam se transformar em bancos.  Com efeito, foi assim que nosso atual sistema bancário começou a se formar.  Mas há importantes diferenças sobre as quais falarei mais abaixo.  Em todo caso, este seria um sistema monetário sólido, internacional, privado e apolítico.  Seria definitivamente um sistema monetário capitalista.
... ou o Bitcoin
Outra solução seria um dinheiro privado virtual, como o Bitcoin.
Bitcoin é um dinheiro intangível criado na internet.  É um software.  O Bitcoin pode ser imaginado como sendo uma commodity criptográfica.  Trata-se de uma moeda criada digitalmente, completamente descentralizada, que existe somente no ciberespaço.  Ela é produzida e gerida pelos computadores conectados à rede mundial, os quais formam a rede Bitcoin.  Trata-se de um sistema de pagamento peer-to-peer que permite que as transações sejam assinadas digitalmente.  O Bitcoin não possui um emissor centralizado e não há nenhuma autoridade central controlando o processo.
Supostamente, as transações feitas em Bitcoin não podem ser rastreadas e as contas de seus usuários não podem ser congeladas.  O sistema não pode ser fechado ou destruído.  (E meus parcos conhecimentos de tecnologia informática e criptografia não me permitem julgar nenhuma destas afirmações.)
De acordo com seus criadores, a base monetária se expande de maneira limitada e controlada, sendo programada no software da Bitcoin.  Porém, tal expansão é totalmente previsível e conhecida antecipadamente pelo público usuário, o que significa que tal inflação não pode ser manipulada para alterar a distribuição de renda entre os usuários.  A todo e qualquer momento, qualquer usuário pode saber não apenas quantos Bitcoins ele possui, como também quantos Bitcoins existem no total.  Ainda de acordo com os criadores, somente 21 milhões de unidades de dinheiro podem ser criadas, o que significa que, após certo ponto, a quantidade de dinheiro torna-se fixa.
O processo de criação de Bitcoin é chamado de "mineração" (opa!), e é conduzido por computadores ligados à rede Bitcoin.  Pelo que entendi, a mineração de Bitcoins exige uma considerável energia computacional, e tudo foi programado para ser exatamente assim, para que a oferta de Bitcoins aumente de maneira bastante moderada ao longo do tempo até chegar a um limite — os 21 milhões de unidades determinadas pelo algoritmo — a partir do qual a oferta de Bitcoin torna-se fixa.  É claro que, assim como ocorre com o ouro ou com o dinheiro de papel, a maioria das pessoas que utiliza o Bitcoin nunca se envolve na "mineração" do produto, mas adquire o produto ao transacionar bens e serviços com outras pessoas.
Portanto, a criação de dinheiro Bitcoin é totalmente privada, mas nem de longe é algo sem custos.  Tampouco é ilimitada.  Bitcoin é dinheiro sólido.  Sua oferta é inelástica e não está sob o controle de qualquer autoridade emissora.  Trata-se de um 'dinheiro' internacional e genuinamente capitalista — é claro, estou partindo do princípio de que o público esteja disposto a utilizá-lo como dinheiro.
Mas há, naturalmente, várias perguntas a respeito do Bitcoin que não podem ser abordadas neste artigo: Ele é seguro?  Pode o algoritmo ser alterado ou corrompido, de modo a se possibilitar a falsificação?  As "carteiras" virtuais nas quais os Bitcoins são armazenados são confiáveis? 
Estas são perguntas para especialistas em segurança computacional ou criptógrafos, e eu não sou nenhum dos dois.  Meu argumento é conceitual.  Meu objetivo não é analisar o Bitcoin como tal, mas sim especular as consequências de uma moeda-commodity virtual, a qual considero factível em princípio e simplesmente assumo — pelo bem do argumento — ser uma solução.  Se ela realmente irá vingar, não posso dizer.  Novamente, quem irá decidir isso é o mercado.
Há, no entanto, uma questão para o economista.  Pode o Bitcoin se tornar amplamente aceito como dinheiro?  Isso não contradiria o teorema da regressão de Mises, que afirma que é impossível qualquer tipo de dinheiro surgir já sendo um imediato meio de troca; que um bem só pode alcançar o status de meio de troca se, antes de ser utilizado como dinheiro, ele já tiver obtido algum valor como mercadoria; que, qualquer que seja a moeda, ela tem antes de ter tido algum uso como mercadoria para só então passar a funcionar como dinheiro?
Meu contra-argumento é o seguinte: a analogia do Bitcoin deve ser feita com as cédulas de papel, que surgiram não como uma mercadoria, mas como um meio de pagamento — no caso, um título de reivindicação sobre o dinheiro metálico da época.  Cédulas de papel foram inicialmente utilizadas como sendo uma maneira mais conveniente de se transferir a propriedade do ouro ou da prata.  Tão logo estas cédulas começaram a circular e se tornaram amplamente aceitas como meio de troca, o ouro que as lastreava pôde ser abandonado sem que isso afetasse a circulação das cédulas e sua aceitação como dinheiro.  Elas já haviam se tornado dinheiro por si mesmas.
Similarmente, o Bitcoin pode ser imaginado, inicialmente, como uma tecnologia de pagamento, uma maneira barata e conveniente de se transferir títulos de propriedade sobre o dinheiro de papel estatal (o Bitcoin pode atualmente ser trocado por dinheiro de papel em várias transações).  Porém, dado que a oferta de Bitcoin é restrita ao passo que a oferta de papel-moeda estatal segue crescendo constantemente, o valor de troca do Bitcoin está fadado a aumentar.  E, em algum ponto, o Bitcoin poderá começar a ser transacionado como dinheiro genuíno.
Um sistema monetário baseado em um dinheiro sólido, internacional e apolítico, seja na forma de Bitcoin ou de um sistema de ouro privado, seria um sistema genuinamente capitalista, um sistema que facilitaria as transações livres e voluntárias entre indivíduos e empresas dentro e além das fronteiras, um sistema estável e fora do controle de políticos.  Ele traria várias vantagens para o usuário deste dinheiro e deixaria muito pouco espaço para os bancos em seus formatos atuais, o que serve para mostrar como os bancos se tornaram meras criaturas do atual sistema monetário estatal, com todas as suas inconsistências.
Bancos lucram com a criação de dinheiro
Os bancos atuais operam com reservas fracionadas, o que significa que eles se apossam dos depósitos de seus correntistas — depósitos estes que supostamente têm de estar seguros e serem líquidos —, pagam juros para os correntistas e utilizam estes depósitos para financiar empréstimos que são ilíquidos e arriscados, os quais, em troca, pagam aos bancos altos juros.  Por meio deste processo de reservas fracionadas, a mesma quantidade de dinheiro físico torna-se simultaneamente disponível para duas ou mais pessoas distintas.  Na prática, os bancos simplesmente criam dinheiro eletrônico (chamado de "moeda escritural") do nada, emprestam este dinheiro para terceiros e cobram juros sobre isso.  Por meio desta prática, os bancos expandem a quantidade de dinheiro na economia.  Eles se tornam criadores de dinheiro — uma atividade, obviamente, bastante lucrativa.  Mas tal atividade, como inquestionavelmente já demonstraram Mises, Hayek e toda a Escola Austríaca de economia, não apenas é arriscado para os bancos, como também é desestabilizador para toda a economia.  Ele gera os ciclos econômicos.
Não se pode negar que os bancos poderiam praticar reservas fracionadas mesmo se a moeda utilizada fosse o ouro ou o Bitcoin.  No entanto, na ausência de um Banco Central injetando dinheiro continuamente no sistema bancário, funcionando como um emprestador de última instância e assim sustentando todo o esquema, a amplitude de um sistema bancário de reservas fracionárias seria bastante limitada.  Para os bancos, seria extremamente perigoso reduzir a quantidade de dinheiro em seus cofres, pois isso aumentaria o risco de uma corrida bancária.  Banqueiros não confiam uns nos outros, e estão sempre ávidos para quebrar seus concorrentes e assumir sua fatia de mercado.  Sem um banco central coordenando todo o esquema e continuamente injetando dinheiro nas reservas bancárias, nenhum banco estaria seguro para expandir o crédito artificialmente.  Os bancos estariam constantemente fazendo intrigas, estimulando os correntistas de outros bancos a sacarem seu dinheiro para levá-los à falência.  Neste arranjo, não haveria espaço para reservas fracionadas.  Ao menos, não da maneira vultosa como ocorre hoje.
Sob um sistema monetário sólido (ouro ou Bitcoin), mesmo se os bancos quisessem criar um banco central para funcionar como emprestador de última instância, tal entidade não teria como criar do nada mais reservas de ouro ou mais reservas de Bitcoin.  Logo, seria impossível um fornecimento ilimitado de dinheiro aos bancos, ao contrário do que fazem os bancos centrais atuais.
É particularmente improvável que um sistema bancário de reservas fracionárias se desenvolva em uma economia que utilize o Bitcoin, dado que não haveria a necessidade de serviços de depósito e armazenagem, e nem de serviços que envolvam a transferência da matéria bruta (ouro ou cédulas de papel) de um lugar para o outro.  O usuário do Bitcoin possui uma conta similar à sua conta de email.  É ele quem a gerencia e é ele quem controla seus depósitos.  E o Bitcoin é um dinheiro prontamente utilizável para qualquer transação, em qualquer lugar do mundo, via internet.  Ele dispensa o sistema bancário como intermediário, tornando-o obsoleto.  O usuário do Bitcoin controla diretamente sua conta e seu dinheiro.  Ele pode acessar seus Bitcoins de qualquer lugar, até mesmo por meio de um cartão SIM em seu smartphone.
O enorme inchaço do sistema bancário de reservas fracionárias foi possibilitado pelas dificuldades de se fazer transações seguras de longa distância com ouro ou com cédulas de papel.  Tal dificuldade criou um forte incentivo para se colocar dinheiro físico nos bancos.  E, uma vez que o dinheiro físico foi para os bancos, ele se transformou em "reservas" prontas para ser utilizadas na concessão de crédito para terceiros, bem como ser transformadas em novos ativos bancários.
Direcionar poupança genuína para investimentos é uma intermediação não só extremamente importante, como também essencial para que qualquer economia possa crescer.  Mas o que o sistema bancário de reservas fracionárias faz é totalmente diferente.  Tal sistema pratica a criação de dinheiro e a consequente expansão de crédito sem que tenha havido qualquer poupança real e voluntária.  Isso cria severas distorções na estrutura da economia.  Um sistema bancário de reservas fracionárias não apenas não é necessário, como também representa uma fonte de desestabilização.  Sob o padrão-ouro, ele criou os ciclos econômicos.  Sob o atual sistema de papel-moeda fiduciário, com bancos centrais funcionando como emprestadores de última instância, ele criou os super-ciclos, arranjo este que está hoje em seu doloroso estágio final.
Bancos lucram com o monopólio das transações financeiras
Recentemente, ao fazer alguns arranjos para uma viagem para a África, tive de lidar diretamente com as operadoras de turismo local — algo que, hoje, pode ser feito de modo fácil e barato via internet, email ou Skype.  No entanto, na hora de fazer o pagamento para as operadoras africanas, tive de passar por um processo que não mudou quase nada desde a década de 1950.  Tal processo envolvia não apenas bancos africanos e britânicos (onde moro), mas também bancos em Nova York, que fazem as compensações dos cartões de crédito.  Isso tomou tempo e, é claro, custou mais dinheiro na forma de taxas adicionais.
Agora imagine se pudéssemos utilizar ouro ou Bitcoin.  O pagamento teria sido tão fácil e rápido quanto todas as comunicações vai email que precederam a transação.  Não haveria taxas de câmbio, e as taxas de serviço seriam pequenas (no caso do ouro) ou nulas (no caso do Bitcoin).
Passo exatamente pelo mesmo problema quando, da minha própria casa, faço palestras pela internet.  A tecnologia me permite ser visualizado por pessoas de todos os cantos do mundo, sempre de maneira barata, rápida e conveniente.  No entanto, na hora de receber meu pagamento, toda a transação percorre o mesmo caminho — passando por bancos em Nova York —, leva tempo para o dinheiro cair na minha conta, custos adicionais são cobrados e, no final, sou pago em uma moeda que não posso utilizar diretamente em meu país.
Bancos lucram com o nacionalismo monetário
No futuro, os historiadores econômicos certamente irão rir de nós por termos aceitado viver sob um estranho, ilógico e ineficiente arranjo de vários e distintos papeis-moeda locais — e por termos ingenuamente acreditado que isso representava o ápice do capitalismo moderno.  Hoje, cada governo quer ter sua própria moeda de papel, seu próprio banco central e gerir sua própria política monetária (é claro, com uma moeda fiduciária perfeitamente elástica).  Isto naturalmente representa um grande impedimento para o comércio internacional e para o livre fluxo de capital.
Se recebo um pagamento de uma pessoa que mora em outro país e quero utilizar esse dinheiro em meu país, tenho de fazer o câmbio da moeda.  E só posso fazer isso se encontrar alguém disposto a aceitar me dar moeda nacional em troca desta moeda estrangeira.  Tudo isso graças ao monopólio estatal da moeda e, principalmente, às leis de curso forçado. A existência de várias moedas distintas necessariamente reintroduz um aspecto de escambo parcial no comércio.  A melhor, mais eficiente e mais capitalista solução seria o uso do mesmo meio de troca em todo o globo.  O padrão-ouro era um sistema monetário muito superior também neste aspecto.  Sair do padrão-ouro internacional para adotar um sistema de várias moedas de papel gerenciadas pelo estado foi um enorme regresso econômico.
Cem anos atrás, você podia pegar um trem de Londres a Moscou e utilizar o mesmo dinheiro (moedas de ouro) em toda a sua viagem.  Não havia necessidade de trocar de dinheiro em nenhum momento.  (Aliás, diga-se de passagem, você nem precisava de passaporte).
A noção de que a 'economia nacional' necessita de uma 'moeda nacional' sempre foi uma ficção, embora bastante lucrativa para os bancos que detêm as concessões das casas de câmbio.  Igualmente fictícia é a ideia de que a economia funciona melhor se a oferta monetária, as taxas de juros e as taxas de câmbio forem cuidadosamente manipuladas por burocratas locais (ficção esta que é altamente rentável para vários economistas que vivem desse sistema).  No mundo atual, cada vez mais globalizado, tais ficções são totalmente insustentáveis.  O capitalismo transcende fronteiras, e o que ele necessita para prosperar é simplesmente de uma moeda sólida, apolítica e internacional.  Um dinheiro que seja uma ferramenta adequada para a cooperação e para a interação humana voluntária, e não simplesmente uma ferramenta para manobras políticas.
Os bancos se beneficiam deste atual segregação monetária.  Eles lucram com as inúmeras operações cambiais que ocorrem diariamente.  Já as empresas não-financeiras que operam internacionalmente são inevitavelmente forçadas a especular nos mercados de câmbio ou a pagar por custosas estratégias de hedge para se proteger de variações cambiais (de novo, pagando para os bancos).
Conclusão
Resta claro que o tamanho, o modelo de negócios, as fontes de lucratividade e os problemas do sistema bancário atual estão intimamente ligados ao atual e totalmente elástico sistema monetário de dinheiro de papel.  Mesmo que tal sistema fosse duradouro — o que certamente não é —, as forças do capitalismo, a contínua busca por soluções melhores, mais eficientes e mais duráveis, em conjunto com o progresso tecnológico, gerariam enormes pressões de mercado sobre a atual indústria bancária.  E isso terá de ocorrer nos anos vindouros.
Dado que o atual sistema financeiro não é o resultado de forças de mercado, dado que um sistema de moedas estatais totalmente elásticas não é necessário, dado que ele é sub-ótimo, ineficiente, instável e insustentável, não há por que duvidar que um dia ele irá acabar.  Os bancos atuais são meros dinossauros paraestatais, ligados até a alma à burocracia e à politicagem.  Estruturas inchadas e dependentes da criação de dinheiro e de subsídios estatais para sua sobrevivência.  Já estão maduros para cair.
A morte do sistema de dinheiro de papel irá oferecer grandes oportunidades para uma nova estirpe de empreendedores monetários.  Neste aspecto, posso visualizar empresas armazenando ouro, empresas tecnológicas oferecendo serviços de transação financeira, empresas fornecedoras de serviços de Bitcoin e empresas voltadas para o gerenciamento de ativos.  Se algumas dessas unirem forças, as oportunidades serão enormes.  O mundo está pronto para um sistema monetário alternativo, desestatizado e baseado na livre concorrência.  Quando o atual sistema entrar em colapso sob o peso de suas próprias inconsistências, quem for um bom empreendedor estará pronto para oferecer algo como substituto.
A atual economia baseada em papel-moeda estatal e fiduciário está pronta para uma schumpeteriana 'destruição criativa'.  Esteja sempre alerta para as oportunidades.
Enquanto isso, a destruição do papel-moeda prossegue.

Detlev Schlichter é formado em administração e economia.  Trabalhou 19 anos no mercado financeiro, como corretor de derivativos e, mais tarde, como gerente de portfolio.  Nesse meio tempo, conheceu a Escola Austríaca de Economia e, desde então, dedicou seus últimos 20 anos ao estudo autônomo da mesma.  Foi apenas após conhecer a Escola Austríaca que ele percebeu o quão mais profundas e satisfatórias eram as teorias austríacas para explicar os fenômenos econômicos que ele observava diariamente em seu trabalho.  Visite seu website.

Tradução de Leandro Roque

DISTRIBUIR A RENDA OU A PRODUÇÃO?


No Brasil, toda a produção está voltada para a classe média.

A saída para o crescimento é reorientar a economia para a produção de produtos populares, o que pressupõe primeiro o aumento da renda para depois chegar ao crescimento.

A política de substituição de importações, implantada por vários governos brasileiros no passado de visão Cepal/Unicamp, gerou uma industrialização voltada para produzir bens para os 10% mais ricos da população.

Há 50 anos, quem importava maciçamente era a justamente a parcela mais rica da população.

No início, com a criação de elevadas tarifas, as grandes empresas multinacionais do setor automobilístico vieram produzir no Brasil o que antes era importado.

Criaram obviamente um padrão de produção não voltado ao vasto mercado interno popular, mas simplesmente trouxeram as máquinas e os modelos dos produtos anteriormente exportados para o Brasil.

A industrialização gerada pela política de substituição de exportações gerou um padrão voltado aos 10% mais ricos, algo não percebido pelos economistas que idealizaram esta politica.

Pior, a má-distribuição da renda foi uma consequência desta política.

Criou-se sim uma cunha fiscal de quase 100% sobre o trabalho assalariado, com inúmeros encargos sociais, PIS, Pasep, que inviabilizava a compra pelo trabalhador do produto que ele próprio fabricava.

A cunha fiscal sobre o trabalho assalariado exigia uma classe mais rica, única capaz de comprar os produtos produzidos por classes de renda mais baixas.

Ao contrário dos funcionários da Ford Motor Co. na década de 30 nos Estados Unidos, o trabalhador automobilístico não tinha renda para comprar o produto do seu trabalho, tal a carga de impostos que o Estado acrescentava ao preço brasileiro.

Este modelo esgotou-se por várias razões:

1. Com a abertura das importações e a globalização da economia brasileira, os ricos irão de novo importar os seus carros, home theaters etc.

2. Tentar enfrentar o problema produzindo produtos ainda mais sofisticados, com ainda mais qualidade e tecnologia do que os concorrentes do Primeiro Mundo, como propõem muitos, será uma luta inglória.

3. Os países do Primeiro Mundo sempre terão mais escala e menores preços simplesmente porque suas populações ricas são muito mais numerosas.

A saída portanto será reorientar a produção brasileira para os 20,30,40, 50% seguintes na escala econômica.

As vantagens são enormes.

Quando o rico fica mais rico, a renda disponível cresce somente uma fração do aumento da renda.

Quando o pobre fica mais rico, a propensão marginal a consumir é enorme.

Por exemplo, um aumento de 1% de crescimento no PIB aumenta em 3% o consumo de ovos.

No ano 2000, 2/3 da população mundial serão relativamente pobres e se pudermos criar e vender produtos adequados para a classe de baixa renda brasileira, aí sim teremos condições de exportar competitivamente para o mundo.

E os nossos grandes mercados serão a China e a índia, e não a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos.

O grande bloco comercial no ano de 2020 não será o Mercosul nem o Nafta e sim a Bríndia, o intercâmbio poderoso entre o Brasil e a Índia, e/ou o Brinchina, Brasil, Índia e China.

Em média, nossas empresas estão mal preparadas para o segmento de produtos populares.

Parte da crise do real reside aí.

Todo mundo está produzindo para a classe média, que está vendo sua renda diminuidapara um patamar mais correto.

No caso das patentes em medicina, a Roche, por exemplo, em vez de lutar pelo reconhecimento das patentes, está introduzindo remédios cujas patentes já se tornaram domínio público e são baratas porque não pagam royalties. (Os génericos que seria criado em por lei em 1999.) 

Pretende competir pela sua qualidade e eficiência na fabricação de remédios, que é o que vale a longo prazo.

O conceito de produtos populares requer não somente uma redefinição do produto, da qualidade, dos métodos de produção, como da embalagem, da propaganda e dos canais de distribuição.

Poucos shopping-centers no Brasil foram construídos em cima de metrôs.

Poucos metrôs possuem áreas de vendas, que poderiam ter sido alugadas a comerciantes, reduzindo o déficit deste meio de transporte.

É incrível que os vários governadores e prefeitos socialistas como a da Erundina não tenham criado pontos de vendas nas áreas de metrô como se faz na França e nos Estados Unidos.

Pobre possui menos tempo que rico para fazer compras.

No Brasil, ter um carro é condição sine qua non para se comprar na maioria dos shoppings, uma distorção do modelo industrial.

O chamado carro popular, introduzido no governo Itamar, de popular não teve absolutamente nada; ao preço de 12 mil reais continua sendo um produto para os 10% mais ricos da população.

O carro popular no Brasil deveria ser uma bicicleta com motor, vendida em torno de 250 reais.

Aliás, foi assim que a Honda virou importante no Japão, começando com motocicletas e somente então partindo para os carros.

Neste novo modelo, uma nova ação do governo se faz necessária.

No caso das bicicletas, surgem imediatamente os problemas de trânsito e da falta de ciclovias.

No caso dos metrôs, a falta de planejamento urbano e legislativo que permita construir um shopping em cima de uma estação.

A abertura do comércio aos domingos é condição sine qua non para baratear seus custos fixos.

Ao contrário, o governo Fernando Henrique Cardoso, em um de seus primeiros atos, isentou de todo e qualquer imposto aduaneiro os produtos abaixo de US$ 50, inviabilizando justamente os produtos populares produzidos internamente. Pior, demoraram dois anos para revogar esta medida.

Enquanto no modelo industrial anterior crescia-se primeiro para distribuir a renda depois, a nova estratégia de produtos populares requer primeiro o aumento da renda para depois chegar ao crescimento, o que Henry Ford fez ao dobrar os salários dos seus operários.

No caso brasileiro, a simples eliminação do FGTS e a sua distribuição imediata ao trabalhador, aumentaria a renda sem onerar os custos da empresa.

E se o país crescer, os riscos de desemprego serão menores.

A opção por produtos populares não é nova. As empresas que deram certo nestes últimos dez anos, optaram justamente por este caminho. Grendene, Garoto, Hermes, Lojas Americanas, Brahma para citar alguns exemplos.

A dedicação total de todo trabalhador é um dos fatores vitais para a qualidade da produção, o ISO 9000, a concorrência e o consumidor.

O que não é óbvio, para a maioria dos formuladores de política econômica, é que o mundo moderno de hoje é dominado por teorias administrativas e não por teorias econômicas de economistas já defuntos, como gostava de afirmar Keynes.

As teorias de gerenciamento moderno nos mostram que o trabalhador jamais terá a dedicação e esmero necessários para uma qualidade total se hão tiver condição de comprar o produto que ele fabrica.

A política econômica defendida por Dorothea Werneck, de qualidade e produção para o Primeiro Mundo, jamais daria certo por este simples aspecto.

As empresas que seguem as últimas coqueluches gerenciais do momento, no Primeiro Mundo, acabam embarcando em niche-marketing, ciclo de produtos curtos e database-marketing, técnicas ideais para os problemas gerenciais americanos e europeus. A realidade brasileira porém é outra.

Não é a renda que precisa ser distribuída, e sim a produção.Por: Stephen Kanitz

quinta-feira, 19 de julho de 2012

CONTRA O CONSUMIDOR

Quase todo mundo tem uma bronca com companhia telefônica. Celular que não pega, conta alta e ininteligível, instalação demorada e errada de internet - a lista é infinita. 

É o fracasso da privatização, anima-se muita gente por aí. Desse ponto de vista, seria natural que brotasse um movimento pela reestatização das teles, mas não é o que se vê. A atitude dominante é reclamar, infernizar a vida das empresas com burocracias e impor prejuízos a elas.
Acham com isso que estão punindo as empresas, mas acertam no consumidor.
Considerem o caso recente de Porto Alegre, onde o Procon suspendeu a venda de novas linhas de celulares, por falhas no serviço atual. Os celulares não funcionam em certas áreas. Enquanto isso não for resolvido, as teles amargam a perda de vendas. Quem precisa de um celular, fica na fila.
Ora, celulares dependem de antenas e, pois, de torres. Quanto mais, melhor o sinal. Logo, parece lógico, as teles não podem mesmo vender linhas se não têm as torres.
Mas, no outro lado da história, os executivos das teles notam que as sete licenças necessárias para levantar uma torre em Porto Alegre não são concedidas em menos de seis meses, isso se a burocracia funcionar perfeitamente. Ou seja, leva muito mais. Além disso, mesmo quando saem as licenças, fica proibido colocar torres e antenas em tal número de locais que não há como evitar as "zonas de sombra".
Acrescente-se ao quadro que as empresas, ao vencerem licitações e receberem outorgas de frequência, são obrigadas a cumprir prazo para oferecer as linhas.
Resumo da ópera: o poder público concede, depois impõe regras que limitam a instalação de antenas e pune as teles por não entregar o serviço adequado.
Além das normas nacionais, há mais de 250 legislações estaduais e municipais, criando uma teia de entraves.
Tanto é problema que o Comitê Organizador da Copa fixou procedimento especial para as 12 cidades-sede. As licenças para instalação de torres têm de sair em no máximo 60 dias. Isso porque as teles estão obrigadas a instalar as redes de quarta geração (4G) até abril de 2013. E essa frequência exige um número maior de antenas. Porto Alegre é sede. Seu prefeito, José Fortunati, assinou o protocolo, mas a legislação restritiva continua em vigor. Resultado, estão todos lá tentando desfazer o embrulho.
No país, e mundo afora, as restrições baseiam-se em dois pontos. Um é urbanístico: as torres, obviamente, afetam o visual. Alguns dirão: estragam o cenário. Outros entenderão que armações com arquitetura avançada podem ser um ganho para a paisagem urbana. O outro ponto é ambiental e de saúde: uma preocupação com as consequências da emissão de raios. O que restringe, por exemplo, a colocação de antenas em áreas populosas, ali onde são mais necessárias.
Mas a Organização Mundial de Saúde já disse não haver evidências de que as antenas de celulares e os próprios causem danos às pessoas. Quanto à paisagem urbana, é decisão das populações.
Nada, portanto, que não se possa resolver com leis e regras simples e claras. Por que temos o contrário?
Pelo viés anticapitalista. Vamos reparar: a privatização das telecomunicações é um êxito espetacular. Em poucos anos, saímos da idade da pedra para o quinto mercado mundial de telefonia, com mais de 250 milhões de linhas.
Parte dos problemas vem dessa rapidez. Em um mercado muito competitivo e sob pressão para cumprir prazos da concessão, as teles mandaram ver. Parece claro que, não raro, faltaram equipamentos e mão de obra.
Mas está aí instalado e funcionando, de novo, o quinto sistema mundial de telefonia e internet, em constante processo de modernização. Por isso mesmo, nem os mais anticapitalistas pedem a reestatização. Mas sustentam o viés contra a empresa privada, especialmente a grande. É vista como predadora, ávida de lucros, para o que não hesita em esmagar os consumidores.
Logo, tem de ser regulada, controlada e taxada com impostos pesados, para que seus lucros sejam divididos com a sociedade, como dizem.
Tudo que conseguem é mandar a conta para o consumidor, de duas maneiras. Ou há barreiras à ampliação dos serviços, gerando ineficiência econômica, um custo para todos, ou o preço fica mais caro. Impostos, taxas e contribuições já formam a maior parte da conta.
Esse viés está espalhado dentro e fora do governo. Vai muito além das teles. Reparem a demora do governo em avançar nas concessões, mesmo depois de colocá-las como meta, e observem os termos e exigências dos editais. É como se dissessem aos concessionários: OK, vamos privatizar, não tem outro jeito, mas vocês vão ver só...
Por: Carlos Alberto Sardenberg, O GLOBO
 
 

AS COISAS POR SEU NOME



Editorial do jornal uruguaio El Observador comenta a farsa na qual se transformou o Mercosul.
Um plano de integração comercial entre países foi reduzido a um mero clube de ditadores socialistas, a um tosco departamento do Foro de São Paulo.


Convém chamar as coisas por seu nome para não se cometer engano. O Mercosul, tal como foi concebido, procurava que um grupo de países democráticos unidos por um propósito comum avançassem na rota do livre comércio. Como tal, já não existe mais. Em sua última edição da segunda-feira 12 de julho, The Economist assinalava com visão certeira que com a degradação dos objetivos originais, o grupo havia se convertido em “um clube de companheiros que se reúnem para se dar beijos e abraços de urso, algo que de pouco serve em um mundo cada vez mais complicado”.

Com efeito, as barreiras e as tendências protecionistas que o Brasil e, sobretudo, a Argentina levantaram nos últimos anos dentro e fora do bloco regional, converteram em papel molhado o propósito fundacional refletido no Artigo 1 do Tratado de Assunção de assegurar a livre circulação de pessoas, bens e serviços. A isso há que somar o recente ingresso da Venezuela, que é claramente ilegal (e aqui a revista britânica cita as palavras do vice-presidente Astori que disse que a forma em que tal ingresso se deu configura a mais “profunda ferida institucional”da história do Mercosul). E o pior: em um país que ri do livre comércio e que tem controlado severamente seu comércio exterior com travas cambiárias, arancelárias e extra-arancelárias. O próprio Chávez reclamou em inúmeras oportunidades que se retire a ideologia “neoliberal” que “impregna” o Mercosul. Eu suponho que com isso ele está advogando pela eliminação do livre comércio dentro do bloco e obviamente fora dele. Não esqueçamos que nos 21 anos de existência do Mercosul só se pôde fazer acordo de livre comércio com Israel e a Autoridade Palestina.

Nesta visão parece coincidir também o presidente Mujica, que chamou há pouco a refundar o Mercosul, lembrando que em 1991, ano de sua fundação, predominava nos quatro países fundadores uma visão neoliberal que já não segue vigente. Inclusive pediu para aumentar o bloco convidando outros países da América do Sul, e possivelmente fundi-lo com a UNASUL, clube político fundado há uns 5 anos por Chávez e Néstor Kirchner.

Porém, um clube político de governos do mesmo sinal nada tem a ver com um pacto comercial de países democráticos (seja qual for o partido que governe) para promover seu comércio e realizar novos acordos em benefício de seus povos. É claro que a idéia original do Mercosul de eliminar travas ao comércio regional hoje aborrece muitíssimo à Argentina, empenhada em uma luta sem sentido em regressar às velhas políticas de substituição de importações aplicadas, com escasso êxito nas décadas de cinqüenta e sessenta. É claro que o Brasil não conseguiu ou não teve interesse em evitar que o Mercosul se converta em uma fortaleza comercial. E é claro, também, que até agora Uruguai e Paraguai ficaram reféns da estratégia dos países maiores.

Hoje no Mercosul predomina a política acima da promoção do comércio. Para esses efeitos, o Mercosul tal como foi concebido não tem razão de ser. E portanto, pode-se dizer que Mujica tem razão em pôr o jurídico a serviço do político. Porque “o jurídico” do Mercosul, quer dizer, o Tratado original e os acordos posteriores que se foram fazendo para reduzir assimetrias e promover o comércio, são um inconveniente para o desenvolvimento de um clube político entre governos do mesmos ou parecido sinal político.

De modo que, com a visão que os atuais governos dos países-membros têm, o Tratado de Assunção carece de sentido e deveria ser derrogado. E em seu lugar armar outro tratado (ou nem sequer tratado, porque parece que os tratados aborrecem os atuais governos, já que os obrigam a cumprir coisas que não querem) que dê lugar a um bloco político, que não reconheça nem adira à liberdade de circulação de bens, serviços e pessoas. Não teria maior utilidade, mas ao menos seria algo sincero e ajudaria a chamar as coisas por seu nome: não queremos livre comércio, senão comércio regulado por cada país e volta ao protecionismo.
http://www.elobservador.com.uy/
Tradução: Graça Salgueiro

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O MILAGRE ARGENTINO



Antes, o governo argentino tentava impedir a entrada de dólares; agora, tenta impedir a fuga de capitais


A ARGENTINA, para quem não se lembra, é um país ao sul do Brasil, em cuja seleção joga (e muito) o Messi. Bons vinhos, carne de primeira, Astor Piazzola, Quino e (acima de tudo) Jorge Luis Borges são outros motivos para não nos esquecermos dos vizinhos, já que, economicamente falando, poucas sociedades foram mais cuidadosas no sentido de engendrar sua própria irrelevância.Para quem não se lembra, a Argentina foi também apontada como uma alternativa à política econômica brasileira (não a de hoje, é bom que se diga, mas a adotada até uns anos atrás), em particular suas tentativas de manipulação da taxa de câmbio.

Certas correntes de pensamento local, para quem tudo se resume ao câmbio (não, não é um exagero meu), apontavam para o Sul como o modelo a ser seguido. Hoje, o silêncio acerca da Argentina ribomba.

Ao contrário do que fazia há tempos, quando tomava medidas para impedir o ingresso de dólares, o governo argentino agora tenta impedir a fuga de capitais, que, pelos números oficiais (sempre um risco), já drenaram US$ 5,5 bilhões das reservas nos últimos 12 meses, uma queda pouco superior a 10%.

No contexto brasileiro isso seria equivalente a uma perda da ordem de US$ 35 bilhões, o que, não tenho dúvida, já teria colocado boa parte dos nossos keynesianos de quermesse em pé de guerra.

Já a inflação, pouco inferior a 9,5% nos 12 meses até junho, segundo os dados oficiais, é estimada pelo sítio Inflación Verdadera na casa de 40%. Apesar disso, nossos agora emudecidos desenvolvimentistas, quando lembrados dos problemas inflacionários platinos, não hesitavam em apontar o forte crescimento argentino como prova definitiva da superioridade da abordagem heterodoxa.

Afinal, a valerem os números do Indec (o IBGE portenho), de 2002 para cá, quando a Argentina superou sua crise, o crescimento médio ficou em 7,7% ao ano, apesar da crise internacional de 2009, um desempenho que, se não é chinês, não seria páreo para a maioria dos países no mundo.

Parece, portanto, que um "poucão" a mais de inflação conseguiria, ao final das contas, comprar um "tantão" a mais de crescimento... Ou não?

Para me certificar sobre a robustez dos números do crescimento argentino, resolvi cruzar os dados relativos ao PIB com os associados à geração de energia. Tenho de confessar certo prazer mórbido nessa investigação, mas os resultados foram mais do que interessantes.

Tomados literalmente, os dados mostram que, em 2004, cada GWh na Argentina correspondia a pouco mais de 12,6 milhões de pesos (a preços de 1993), valor não muito diferente do observado em 2002 e em 2003. Ao final de 2011, porém, cada GWh correspondia a 14,9 milhões de pesos, uma melhora de eficiência energética da ordem de 18%!

Nesse mesmo período, estima-se que a eficiência energética global (PIB/GWh) teria melhorado em torno de 9,5%, pouco mais da metade da evolução argentina.

Obviamente, nada impede que o país tenha conseguido uma evolução superior à global; só cá rumino por qual motivo se preocupariam com isso, dado que as tarifas por lá, por conta de controles de preços, não constituem exatamente em incentivo à economia de energia.

De qualquer forma, meu respeito por crenças e crendices não me permite a palavra final sobre o crescimento argentino. Pode resultar da eficiência platina, mas pode também ser apenas mais em efeito colateral da subestimação persistente da inflação. A decisão final é, como sempre, do leitor.

Só noto (resisto a tudo, exceto à tentação) que o silêncio heterodoxo sobre a Argentina é o veredito derradeiro sobre a tal alternativa de política econômica.

Caso o desempenho argentino pudesse, ainda que remotamente, ser qualificado como um sucesso, pais não faltariam. A orfandade diz muito sobre o que nossos desenvolvimentistas de fato pensam sobre o que por lá ocorreu nos últimos anos.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica e professor do Insper.


NA CRISE, UNS CHORAM, OUTROS VENDEM LENÇOS



A preocupação com os rumos da economia brasileira aflige cada vez mais. O desempenho do país está piorando, é o lanterna da América Latina, bem atrás dos demais, quando, em razão de seu potencial produtivo e vantagens que tem, deveria ser o carro-chefe. Mais que a deterioração, surpreende a reação.
Abundam lamentos culpando a crise na Europa, a guerra cambial, o pessimismo da indústria e a má vontade dos banqueiros. É arriscado acreditar em relatos que colocam a responsabilidade do freio da economia brasileira no exterior e em empresários em vez de analisar a adequação da condução econômica à realidade. Deve-se evitar um diagnóstico equivocado.
Um exame dos indicadores conjunturais mostra que o quadro interno está se deteriorando mais que o externo. O preço das exportações brasileiras tem apresentado pouca variação, o custo de recursos externos continua num patamar histórico de baixa e os fluxos externos continuam volumosos. Não justificam a desaceleração interna da economia. Há outra explicação possível.
Medidas adotadas até o momento para superar a crise visam o curto prazo e não medem os impactos no futuro
A causa é a política reacionária do governo, refém de um paradigma ultrapassado. Seu receituário teve sua razão de ser nas décadas de 1930 a 1950; atualmente é inconsistente e é a razão das dificuldades. Querendo ficar bem na foto defendendo um crescimento do PIB o mais alto possível em 2012, adotam medidas no tripé finanças públicas, crédito e incentivos ao setor produtivo no curto prazo, sem medir o impacto futuro. Esquecem que a realidade é um filme que começou no passado e que continua no ano que vem e nos próximos.
Nas finanças públicas, no lado da receita, são dezenas de impostos, taxas e contribuições com centenas de alíquotas diferentes que dão emprego a milhares de contadores, advogados e despachantes, mas encarecem o custo da produção nacional. Do lado dos gastos do governo, sua serventia para o desenvolvimento é discutível; o pacote anunciado há duas semanas ilustra o ponto: compras no valor de R$ 8 bilhões, o que no lado da demanda, aumenta o Produto Interno Bruto (PIB) nesse montante para este ano, mas deixa dúvidas de quem são seus beneficiários, suas vantagens para a economia e seus impactos nos anos vindouros.
No crédito, apesar dos anúncios, a demanda continua fraca e a inadimplência aumentando. Os números mostram de forma contundente que a contribuição da intermediação financeira ao crescimento está bem aquém de seu potencial. O atual modelo é inconsistente intertemporalmente; uma análise dos custos e retornos mostra isso. Todavia, insiste-se numa alquimia que não funciona, não vai dar certo e terá consequências adversas no futuro.
O sistema bancário brasileiro é sofisticado, mas, por um lado, está focado nos resultados de curto prazo e por outro preso a um sistema vultoso de regulamentações, depósitos compulsórios absurdamente elevados, uma tributação bizantina, direcionamentos anacrônicos e mecanismos de transmissão emperrados. Tem a capacidade de ser um propulsor da economia na próxima década, mas sem ajustes certamente não será.
A política de autarquia produtiva, com protecionismo e subsídios, não tem como dar certo num mundo que se globaliza cada vez mais. Está se vivenciando a terceira revolução industrial e aplicam-se aqui as políticas de substituição de importações do pós segunda guerra mundial, uma insensatez. Os incentivos concedidos recentemente beneficiam mais os industriais do que as indústrias, e comprometem o futuro do setor, que fica menos competitivo no resto do mundo.
É fato que o investimento é influenciado pelo estado de espírito dos empresários, mas mais importante que isso é sua análise custo e benefício, onde pesam os tributos, as contingências e a burocracia. Nos rankings de competitividade que avaliam a facilidade de empreender, o Brasil está mal colocado e, o que é pior, perdendo posições. Com isso, investimentos que poderiam ancorar aqui são destinados a outros países onde é mais simples e barato investir.
Uma justificativa dada para insistir na atual política econômica é anunciar uma recuperação no segundo semestre e um crescimento maior em 2013, é o mais provável, mas não é certo. Há sinais claros do esgotamento dos incentivos à demanda agregada com gastos públicos e consumo sem a contrapartida de estímulos adequados à produção nacional. Além disso, o cenário apresenta alguns riscos no horizonte como um possível agravamento da economia argentina, queda no crescimento chinês e demoras na retomada europeia.
A bem da verdade, o quadro internacional, se bem aproveitado, também oferece oportunidades ao Brasil, como um crescimento mundial da demanda de alimentos e de energia superior à expansão da oferta e a existência de recursos e empresários do mundo inteiro atrás de um porto seguro para investimentos. A chave para aproveitar esse cenário está na gestão do tripé finanças públicas, crédito e setor produtivo, mas de forma sustentável.
Para capitalizar essa oportunidade torna-se necessário mudar paradigmas: de mercado interno para estrutura produtiva interna; de crédito de consumo para crédito responsável; da geração de empregos para a criação e sobrevivência de empresas; de desvalorização para internacionalização do real; de redução da Selic para melhora do mecanismo de transmissão; de gastos públicos para eficiência do setor público; de proteção às cadeias produtivas locais para inserção conveniente nas cadeias produtivas globais; e de crescimento do PIB em 2012 para crescimento até 2022. Urge.
Apelos emocionais e culpas a terceiros têm um uso político, mas não resolvem problemas; lamentar e não mudar quando tudo indica que é o que deve ser feito é perigoso. A atual equipe econômica tem méritos, mas é necessário que troque seus paradigmas para fazer acontecer. Está na hora de começar a vender lenços. Por: Roberto Luis Troster
Fonte: Valor Econômico, 17/07/2012

A BAGUNÇA PARTIDÁRIA



A bagunça partidária no país em que os fracassos do governo são um sucesso!

Que país exótico!
O fato de a política brasileira não ter a menor importância no mundo nem despertar a mínima curiosidade é uma sorte para os correspondentes estrangeiros que atuam no país. Isso os livra de diabólicos azares. Imaginem, coitados!, ter de explicar lá fora o que parece desafiar a lógica elementar até aqui dentro — embora, diga-se, haja método no imbróglio. Eu chego lá.
Comecemos pelo maior de todos os exotismos: os fracassos do governo Dilma têm sido um grande sucesso de público e seduziam, até havia pouco tempo, quase unanimemente a crítica. Agora, já se ensaia uma censura aqui e acolá, mas ainda bem timidamente. O país cresceu 2,7% no ano passado e deve ficar abaixo disso neste ano. É claro que há a conjuntura internacional e coisa e tal, mas os outros ditos emergentes têm um desempenho muito melhor, o que vale também para alguns países da América Latina. É consenso que o Brasil começa a pagar o preço por aquilo que não fez no tempo das commodities gordas. Agora, até a China diz que o ciclo de baixo crescimento — o “baixo” deles fica ali entre 7% e 8% — veio para durar um bom tempo.
O governo não anda. É pouco realizador, ruim de serviço. Dilma vive da fama de austera, que a tão demonizada — pelos petistas! —- “mídia” ajudou a plasmar. Ao fazer o seu trabalho e apontar os casos mais escandalosos de corrupção, a imprensa forçou a presidente a agir. Algumas medidas de impacto — a demissão de ministros — criaram o tal “jeito Dilma” de governar. Estou certo de que 10 entre 10 brasileiros a consideram menos tolerante com a corrupção do que Lula. E, se quiserem saber, isso é verdade porque o contrário seria praticamente impossível, se é que me entendem…
Dadas a baixa performance do governo e uma perspectiva não muito animadora para a economia, o normal seria que forças da oposição estivessem começando a aglutinar os descontentes, estabelecendo, a um só tempo, alguns eixos de críticas e de propostas. Vejam o caso, por exemplo, das universidades federais. A greve que paralisa praticamente 100% das instituições — e já lá se vão dois meses — começou a se tornar visível na imprensa há poucos dias, mas ainda não mobilizou os políticos. No ano passado, mais da metade das instituições ficou parada por mais de quatro meses. Não conseguiram gerar nem mesmo notícia.
O agreste nordestino vive a pior seca em 30 anos. Ela devasta mais de mil municípios. Dilma, obviamente, não é culpada pela falta de chuva. Mas o governo é, sim, responsável por ter negligenciado a assistência e as medidas preventivas. Afinal, esse quadro pode ser tudo, menos surpreendente. Já se sabia o que viria, mas a máquina, inchada e cara, não se mexeu. As vozes representativas do Nordeste no Parlamento, majoritariamente governistas, estão mudas.
A falta de investimentos e de planejamento na área de infraestrutura é uma verdadeira bomba-relógio. O país está começando a comprometer as futuras gerações. O ar severo e compenetrado de Dilma não deve ser confundido com competência. Já se cometeu o erro de tomar as bazófias de Lula por realizações… Não obstante, que força organiza a crítica? A sabedoria convencional diria que momentos assim começam a forçar o pêndulo para o lado oposicionista, certo? É o que costuma acontecer em todas as democracias no mundo.
Por aqui, para má nossa má sorte, é a oposição que continua num lento processo de desconstituição. Por que escrevo “para nossa má sorte”? Porque todo o processo político está rendido a um governo que só não perdeu o rumo porque, de fato, nunca o encontrou. Qual é a mesmo a prioridade de Dilma? Se quiséssemos citar, sei lá, três eixos estruturantes de sua gestão, quais seriam?
Quem se move?Partidos da base aliada começaram a sentir primeiro o cheiro de carne queimada. Na semana passada, numa conversa despretensiosa, como a fingir que só dizia uma obviedade, Michel Temer, o vice-presidente, afirmou que concorrer à reeleição não é uma fatalidade da natureza. Referia-se a Dilma. Ao mesmo tempo, movia-se nos bastidores para, se me permitem o verbo, “fagocitar” partidos nanicos e nem tão nanicos. Uma das legendas que estão no radar de Temer é nada menos do que o… DEM! Vejam vocês! No país da jabuticaba e da pororoca, o mais crítico dos partidos de oposição corre o risco de se fundir com o segundo sócio mais importante do governismo. As respectivas cúpulas dos dois partidos mantêm, e isso é fato, não especulação, uma interlocução permanente. O PMDB pretende criar a sua própria alternativa de poder? Duvido! Quer é ser mais governo, com Dilma mesmo. Se mais forte, pode impor mais condições.
Também o PSB, do governador Eduardo Campos (PE), dá mostras de que pretende ganhar musculatura até 2014. Se a economia degringola a valer (o que não está no horizonte), ele até pode sonhar mais alto já em 2014; se a aliança com Dilma se mantiver, o partido pretende reivindicar mais espaço na aliança e num eventual segundo mandato da presidente. Estão percebendo? A política se tornou, no Brasil, um território quase exclusivo do governismo.
O rolo envolvendo Minas e o PSD, então, desafiaria a paciência de qualquer estrangeiro que tentasse entender o que se passa no país. Os petistas consideram a eleição em São Paulo uma questão de honra, o que levou Lula para os jardins de Maluf. A gestão Gilberto Kassab é implacavelmente alvejada pelo petismo. Mas Dilma recorreu ao prefeito para vitaminar, em Belo Horizonte, a candidatura do petista Patrus Ananias, que conta com o apoio do PMDB. Como o partido já havia sido atraído para a órbita de Aécio Neves, que apoia a reeleição de Márcio Lacerda, do PSB, Kassab interveio na direção local da legenda para forçá-la a se coligar com o… PT!
Não custa lembrar:
- até outro dia, petistas e tucanos mineiros se orgulhavam da aliança na cidade e diziam que a briga de foice entre os dois partidos era coisa de… paulistas;
- nacionalmente, um dos principais aliados de Eduardo Campos é justamente… Kassab. Na capital mineira, no entanto, o prefeito paulistano se arriscou a fazer uma intervenção no PSD para impedi-lo de apoiar o candidato de… Campos!;
- o Kassab que é um dos principais alvos do petismo em São Paulo se transformou num dos principais esteios do petismo em Belo Horizonte;
- o PSDB mineiro, que sempre preferiu a parceira com o PT ao confronto (afinal, isso seria “coisa de paulistas), foi agora tomado de brio redentor;
- a senadora Kátia Abreu (TO), vice-presidente do PSD, que não foi nem mesmo consultada sobre a intervenção feita por Kassab em Belo Horizonte, reagiu à decisão do prefeito com uma carta duríssima. Foi convidada a migrar para o PMDB. Por enquanto, declinou, mas não descartou. Caso isso acontecesse agora, estaria se integrando à legenda que apoia justamente Patrus Ananias, em favor de quem Kassab fez a intervenção.
Afinal, o que se passa?Que diabos acontece, afinal de contas, com a política no Brasil e para onde isso nos leva? Começo pela resposta à segunda questão: isso não nos leva a lugar nenhum! Ou nos conduz, sim, a um lugar: a mais do mesmo! Não será em meio a essa desordem partidária que se vai estruturar uma ideia-força para romper com certos atrasos e modernizar a agenda.
A reforma partidária vai assumindo no Brasil as características de uma balcanização de legendas, que vão se fragmentando e se constituindo em grupos de pressão, mas sempre articuladas em torno do governismo, dispostas a arrancar conquistas pontuais do estado ou a ocupar postos estratégicos aqui e ali que garantam o statu quo de grupos, de correntes de opinião, de interesses organizados. Eis o único método do imbróglio. Tudo isso, claro!, faz parte da política. Quando FHC, por exemplo, levou o PSDB a se juntar com o antigo PFL, não ignorava que esses aliados — e outros que se juntaram — tinham suas demandas particulares. Mas ele tinha um norte: a necessidade de fazer reformas — reformas que efetivamente fez (as que conseguiu ao menos) e que, em boa parte, garantiram a bonança dos oito anos de Lula.
A política brasileira vive um momento melancólico. Nunca antes na história destepaiz um governo fraco foi tão forte. Nunca antes na história destepaiz uma oposição com motivos para ser forte foi tão fraca. Aquele não dispõe de ideias, mas detém os instrumentos com que fazer a cooptação. Esta não detém os instrumentos e, se tem ideias, guarda-as para si.
Nessa toada, o Brasil — em que 38% dos universitários não são plensamente alfabetizados —  continuará a ser um país do futuro cheio de passado…
Por Reinaldo Azevedo

PORQUE O BRASIL NÃO CRESCE?



Quem no Brasil defende o empreendedor, o inventor, o criador, o arriscador, o investidor, o incubador, o produtor, o distribuidor, o administrador, o empresário?

Dos 34 Partidos Políticos que o Brasil infelizmente possui, nenhum é de Direita, Liberal, Neoliberal, muito menos de Extrema Direita. A França, que é um país bem mais politizado e de esquerda do que o Brasil, tem seu partido de Extrema Direita, que ajuda o Partido de Direita a ser mais crível ou uma opção mais balanceada.

Não que eu seja de direita, quem lê este blog sabe que eu não sou, mas não ter um partido que defenda o empreendedor, o inventor, o criador, o arriscador, o investidor, o incubador, o produtor, o distribuidor, o administrador, o candidato a empresário, que fale a sua língua, que entenda os seus anseios e riscos, que pense como eles, é sem dúvida uma preocupação.

Nenhum Partido Político Brasileiro, nas comissões que preparam nossas leis, defende o empreendedor, o inventor, o criador, o arriscador, o investidor, o incubador, o produtor, o distribuidor, o administrador, o empresário.

Nenhum aponta "esta medida vai reduzir a produção" e nem estou falando em leis que irão aumentar a produção, estas sequer são discutidas.

Nossa lei concede patente de 20 anos para um inventor, que efetivamente é reduzida para 10 anos devido o tempo necessário para criar a empresa e fazê-la crescer e desbancar a tecnologia anterior, que é sempre complicada.

Mas sociólogos, filósofos e intelectuais que escrevem livros no Brasil têm a proteção até 70 anos depois da morte do autor, uma "patente" de quase 100 anos. Isto porque eles têm Partidos que os representam, e bem os seus interesses: Leis do Audiovisual, Leis de Incentivo à Cultura e assim por diante.

Por isto, grandes empresários, grandes estatais, grandes multinacionais fazem rapidamente acordos com estes partidos de esquerda para se proteger. E, quem fica desprotegido no Brasil é o empreendedor, o inventor, o criador, o arriscador, o investidor, o incubador, o produtor, o distribuidor, o administrador e os candidatos a futuros empresários.

Nossos intelectuais, nossos jornalistas, nossos escritores, nossos autores de telenovelas nunca defendem o empreendedor, o inventor, o criador, o arriscador, o investidor, o incubador, o produtor, o distribuidor, o administrador, o candidato a futuro empresário.

São sempre retratados como gananciosos, movidos por espíritos animais, sacanas, mentirosos, em suma culpados.

A nova onda agora, aqui e nos Estados Unidos, é acusá-los de serem os 1% da população que exploram os demais 99%, e que a melhor solução para eles é prestar concurso público e saírem de cena, o que muitos estão fazendo.

Portanto, não é de se surpreender que o Brasil não cresce, nem crescerá.

Não estou nem falando de termos um partido de Direita na situação, escolhendo Ministros que tenham sido na vida pública empreendedores, inventores, criadores, arriscadores, investidores, incubadores como Mitt Romney, produtores, distribuidores, administradores ou bem sucedidos empresários.

Estou falando de partidos minoritários, de oposição, mas que pelo menos possam de tempos em tempos alertar sobre as inúmeras medidas que desestimulam os empreendedores, inventores, criadores, arriscadores, investidores, incubadores como Mitt Romney, produtores, distribuidores, administradores ou bem sucedidos empresários do Brasil. Por: Stephen Kanitz


terça-feira, 17 de julho de 2012

BRF E A SUINOCULTURA


O penoso processo de fusão da Sadia com a Perdigão imposto pelo Cade pode ter levado os suinocultores catarinenses à falência: eis mais uma demonstração dos malefícios do
intervencionismo estatal.

Em 13 de julho de 2011, o Cade finalmente aprovou, por 4 votos a 1, a fusão da Sadia com a Perdigão, após um processo de negociações que vinha se arrastando por cerca de dois anos, e que ao fim resultou em uma série de medidas tão gravosas que por apenas um pouco mais inviabilizaram definitivamente a operação.

Da fusão entre as duas bem-sucedidas empresas, nasceu a holding BRF – Brasil Foods, amputada ainda na maternidade, obrigada que foi a alijar uma parte substantiva dos seus ativos, e submetida a uma severa dieta de participação no mercado.
Nada menos que 10 fábricas de alimentos, 4 abatedouros, 12 granjas, 2 incubatórios de aves, 8 centros de distribuição e 4 unidades de produção de ração terão de ser vendidos, a serem vendidos para uma única compradora; além disso, terá de desfazer-se de nada menos que 12 marcas consagradas pelo público consumidor: Resende, Wilson, Doriana, Texas Burguer, Confiança, Patitas, Escolha Saudável, Fiesta, Delicata, Light & Elegant, Tekitos e Freski.
Acabou? Mal começou: o conglomerado ficou ainda impedido de entrar em campo por três anos para a produção e comercialização no mercado interno de presunto, linguiça, paio, palheta, pernil, lombo e produtos natalinos, em especial, suínos (grifos meus); 04 anos para o salame, e 05 anos para comidas prontas, tais como almôndegas, Mais: a marca Batavo ficou proibida de produzir e comercializar produtos de origem em carne animal, tendo sido limitada ao setor dos produtos lácteos, e finalmente, à holding BRF, restou resignar-se com a proibição de substituir as marcas alienadas e de estabelecer parcerias com o varejo para vendas com exclusividade ou criar pontos de vendas exclusivos.
Será que me esqueci de algum detalhe? No total, a BRF foi decepada em uma capacidade operacional de 730 mil toneladas por ano, o equivalente a 80% da capacidade produtiva da antiga Perdigão. (Fonte: Veja Economia)
Uma pausa para um suspiro e uma reflexão...
Estamos em 2012, exatamente um ano depois, faceando as seguintes manchetes: 






Será que alguém conseguiu enxergar no cotejo entre as duas notícias alguma relação de causa e efeito? Pois é...
Com o impedimento da BRF de participar do mercado e de forma agravante, de ter de vender um substancial conjunto de ativos para os quais ainda não encontrou um comprador único, naturalmente criou-se um enorme vácuo na cadeia econômica, especialmente danoso para o setor da suinocultura, que tem no estado de Santa Catarina o principal produtor nacional.
Sem haver quem compre a produção, que a beneficie e a distribua para todo o país, naturalmente, somente restou ao produtor ver os preços de sua produção despencarem na cratera logística aberta pelo governo. 

Mas pasmem, o preço ao consumidor final, no varejo, longe de ter diminuído proporcionalmente, como seria de se esperar segundo um raciocínio mais ligeiro, curiosamente tomou o rumo inverso e encareceu significativamente, tanto mais quanto mais afastado o mercado consumidor das regiões produtoras. Isto só pode ser explicado logicamente, pelo duro golpe na estrutura logística promovida pela pretensiosa mão estatal do “Super Cade”. Moral da história: o consumidor saiu (muito) mais lesado do que se a fusão entre as duas empresas não tivesse sido submetida a nenhum óbice.

Ademais, os produtos de ambas as marcas, digo, Perdigão e Sadia, vinham sendo oferecidos com um certo equilíbrio entre qualidade e custo, de modo que suas concorrentes, até então, vinham buscando a diferenciação pela priorização de uma ou outra característica, de modo que, dado o novo cenário, as rivais que primavam pelo preço mais acessível viram-se livres para praticar preços mais altos sem ter necessariamente de melhorar a qualidade de seus produtos, ao passo que as concorrentes que se diferenciavam pela qualidade não viram motivo para manchar a reputação perante o público-alvo mais seleto para o qual se especializaram. No frigir dos ovos, o consumidor saiu-se triplamente prejudicado: perdeu o bem da marca favorita e viu-se diante da inglória alternativa de comprar um substituto de pior qualidade por um preço majorado!
Da minha experiência pessoal, há várias marcas para as quais não me contentei com os substitutos e ao final, fossem por ser de qualidade inferior ou de preço não razoável para os meus padrões de consumo, simplesmente abdiquei completamente de adquirir os respectivos gêneros. Portanto, creio ser possível acreditar que outras pessoas de classe média tenham repetido, em maior ou menor grau, o meu comportamento, o que revela uma forma não contábil de empobrecimento relativo ou diminuição da qualidade de vida.
Como tem sido anunciado, o governo catarinense tem acenado com medidas paliativas, tais como a de incluir a carne suína na merenda escolar e de promover campanhas midiáticas enaltecendo o valor nutritivo e os benefícios para a saúde promovidos pelo seu consumo. Da parte do governo federal surgiram propostas de facilitação de créditos, prorrogação de dívidas e diminuição de alguns tributos.
Como sempre, remédios absolutamente ineficazes, e pior do que isto, geradores de ainda novas distorções, a demandar novas medidas de contenção dos indesejados efeitos colaterais, e assim gerando uma insana espiral de insucessos.
Vamos lá, detalhadamente: pra começar, no que me aconselha a prudência a não tomar o lugar de um nutricionista, declino da tarefa de especular o prejuízo alimentar para as crianças da rede escolar que serão submetidas a tal esperável monotonia em seus cardápios, mas do ponto de vista psicológico ou ainda, do mero bom senso, não há quem aguente ingerir carne suína permanentemente, isto sem falar das que não gostam, não consomem por motivos religiosos, e das que não podem consumir por motivo de alergia.
No meu tempo como aluno da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante, passei por uma situação semelhante, de modo que não me é difícil imaginar o cenário a porvir: naquela época, o governo do então presidente José Sarney se negava a pagar ágio pela carne bovina cujo preço havia sido congelado por meio do plano Cruzado, de modo que só nos era servido peixe, dia após dia (Arre!), e consequentemente, depois de algum tempo já recusávamos as piscosas porções antes mesmo de nos serem servidas, as quais possivelmente iam acabar parando no lixo.
À parte do empobrecimento não monetário da qualidade de vida dos alunos da rede pública de ensino catarinense, frise-se que uma preferência pela carne suína na merenda escolar só pode ser efetivada por uma concomitante preterição dos outros produtos de origem animal, com injusto prejuízo para os respectivos produtores, resultando afinal que a ação promete ser absolutamente ineficaz do ponto de vista econômico (conquanto o possa ser do político, ou melhor, do politiqueiro...)
Com relação às campanhas midiáticas, há pouco que seja mais nonsense! De partida, é extremamente injusto, senão ilegal ou inconstitucional, que o governo pague por propaganda para beneficiar cidadãos particulares com o dinheiro dos impostos, isto é, tanto de consumidores quanto de não consumidores de carne suína; complementarmente, a medida teria o mesmo resultado que disparar um tiro no ar, já que não se trata de um problema relacionado à rejeição da carne suína pelos consumidores, mas antes, pela impossibilidade ou dificuldade destes de encontrá-la nas gôndolas e balcões frigoríficos, processada ou não processada.
Já o governo federal aponta com soluções ainda mais caquéticas do que o estado sulista, vez que promete encurralar os produtores em uma espiral de endividamentos sem prover-lhes absolutamente nenhuma saída viável da crise que lhes assola.
Na literatura internacional, destacam-se os trabalhos de Dominick Armentano, Thomas DiLorenzo e Mary Bennett Peterson, autores que se empenharam em demonstrar, tanto teórica quanto empiricamente, que todas as empresas processadas pelas leis antitruste nos EUA e por eles pesquisadas, longe de diminuir a produção, aumentar o preço dos seus produtos e serviços e estagnarem tecnologicamente, sempre estiveram focadas em proporcionar ganhos para os seus clientes, progrediram tecnologicamente em uma escala inaudita e baixaram os preços vertiginosamente; que o Shermann Act, a primeira lei antitruste do mundo, nasceu de um lobby de empresários mercadologicamente incompetentes mas politicamente influentes que operaram incomensuráveis prejuízos para a sociedade americana, na forma de cotas de participação, gravames aduaneiros, políticas de preços máximos e de preços mínimos, bem como programas estatais de estocagem de grãos e pasmem, até mesmo de programas de subsídios para que fazendeiros NÃO produzissem! Em uma frase genial, a economista Mary Bennett Peterson sintetizou: “a legislação antitruste não nasceu para proteger a concorrência, mas os concorrentes!”.
Nem só de concorrência vive o mercado, mas também de cooperação, parcerias e de coordenação. Muitas vezes, os concorrentes servem, eles próprios e em conjunto, como fomentadores de um determinado mercado. Como exemplos, lancemos os olhos à rua 25 de Março, em São Paulo-SP, ou à rua Teresa, em Petrópolis-RJ. Nestas ruas compreende-se claramente que o aglomerado de concorrentes favorece o comparecimento da clientela muito mais do que se houvesse um único participante em cada um daqueles lugares.
Nos seus delírios macroeconômicos, os economistas apontam-nos irreais modelos de competição perfeita para defender um cenário de concorrentes atomizados como a solução para o que afirmam ser desejável, isto é, um (jamais alcançável) “equilíbrio do mercado”. Fogo fátuo! Um único participante de um dado mercado inteiramente livre de intervenções estatais está mais sujeito à concorrência do que uma dúzia de comensais em um sistema de mercado autarquizado, pois a qualquer momento podem candidatar-se novos participantes, seja com produtos semelhantes, seja com soluções totalmente inovadoras, tal como Mary Bennet Peterson muito bem elucidou-nos:
Quem de fato pôs o ferreiro da vila fora do mercado, ou mais recentemente, o fez com o vendedor de gelo, ou ainda mais recentemente, com o doceiro da esquina? Muitos podem estar inclinados a dizer que estes empreendedores de outra era foram economicamente vencidos pelos gigantes de Detroit, as grandes utilidades (domésticas), Westinghouse e General Eletric, as redes de alimentos de A&P, Safeway, Grand Union e outros grandes conglomerados. Eu argumentaria, ao contrário, que o real algoz do vendedor de gelo foi o consumidor – a pessoa que comprou um refrigerador elétrico ou a gás. (PETERSON, Mary Bennett. The regulated consumer. The Ludwig von Mises Institute, Auburn Alabama, 2007).
Assim tem sido com a Brasil Foods, um empreendimento que só terá condições de competir com gigantes globais se munir-se dos ganhos de escala advindos da fusão, o que promete servir aos consumidores preços mais baratos e produtos de maior qualidade e mais inovadores.
Causa-me um desconsolo ter tido conhecimento de que os setores atingidos, mormente o da produção suína, estejam a pedir de joelhos ao governo por ajuda na forma de benefícios e privilégios particularizados que nada têm a proporcionar-lhes senão mais dependência e prejuízos, quando deveriam raciocinar se não estão sendo vítimas de pretéritas e malogradas ingerências estatais na economia, sendo o caso especificamente, como os fatos levam a crer, resultantes da desastrada atuação do Cade. Que este singelo artigo alimente o debate e sirva como um botão de parada de emergência para tal vicioso ciclo, eis uma das minhas mais caras esperanças.
Até lá, vou tristemente recitando “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho tinha uma pedra; Tinha uma pedra no meio do caminho;...” Por:  KLAUBER CRISTOFEN PIRES