quarta-feira, 8 de agosto de 2012

CHINA E O "TRABALHO ESCRAVO"


O protecionismo e o "trabalho escravo" dos chineses



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"Nossos trabalhadores e nosso mercado de trabalho têm de ser protegidos contra a mão-de-obra escrava chinesa e seus produtos baratos!"
Há quantas décadas se ouve esta justificativa em prol da imposição de tarifas de importação?
De todas as críticas ao livre comércio, esta não apenas é a mais ignara, como também é a menos defensável em termos puramente empíricos.  Em primeiro lugar, tal crítica pressupõe que os governos, ao longo da história, sempre impuseram tarifas ou outras restrições contra bens produzidos por trabalhadores escravos.  Mas o que a história nos ensina, muito pelo contrário, é que os governos praticamente nunca impuseram tarifas ou restrições sobre importações de bens produzidos por trabalho escravo.  Por quê?  Porque as principais exportações de sociedades baseadas no trabalho escravo são matérias-primas, produtos de baixo valor agregado. 
Em outras palavras, o argumento apresentado não bate com os fatos.  A pessoa que recorre a tal argumento nunca se deu ao trabalho básico de analisar os fatos.  Ela está simplesmente repetindo, por puro automatismo, um argumento que parece bonito e moral, mas que na realidade é simplório, sem sentido e obtuso.
Permita-me sintetizar o raciocínio que está por trás deste argumento.  Se destituirmos este argumento de toda a indignação moral que ele finge afetar — a qual é completamente falsa —, eis as pressuposições econômicas que sustentam a defesa de tarifas de importação:
"Sabemos que o trabalho escravo é altamente produtivo.  A livre iniciativa não é capaz de competir com o trabalho escravo.  E impossível um sociedade livre competir, de igual para igual, com uma sociedade de escravos.  O planejamento central feito por uma sociedade de escravos é simplesmente muito produtivo e eficiente demais.  Nenhum trabalhador de uma nação capitalista é capaz de defender a si próprio e o seu emprego utilizando sua própria produtividade econômica.  Ele necessita de funcionários públicos nas fronteiras do país, com armas e distintivos, fiscalizando e proibindo a importação de bens produzidos por escravos.
"Qualquer pessoa que argumente que o sistema de livre mercado é muito produtivo e totalmente capaz de competir com o trabalho escravo é um completo ignorante.  Tal pessoa realmente não possui ciência da enorme produtividade do trabalho escravo.  Ela também é igualmente ignorante quanto à patética produtividade do livre mercado.
"Sociedades baseadas no trabalho escravo são altamente produtivas.  Se você quiser que alguém se torne um exímio artesão, ou um produtor altamente eficiente de bens e serviços especializados, ou um excepcional projetista de produtos de tecnologia de ponta, não há maneira mais eficiente de fazer isso do que forçá-lo a trabalhar sob a mira de uma arma, ameaçando matá-lo de fome caso se recuse a trabalhar exaustivamente.
"A enorme produtividade do trabalho escravo representa uma ameaça tão grande às pessoas de paz do resto do mundo, que é imperativo fazer com que políticos enviem funcionários públicos com armas e distintivos para proibir a importação de bens que foram produzidos por hordas de trabalhadores escravos.  Se isso não for feito, os trabalhadores pateticamente ineficientes que vivem sob um regime de capitalismo de livre mercado verão seus salários definharem em decorrência da incomparável produtividade do trabalho escravo.
Este argumento soa ridículo?  É claro que sim.  Trata-se de um implícito ataque à eficácia das instituições do livre mercado.  Trata-se de um implícito ataque à produtividade de trabalhadores que hoje usufruem e se beneficiam do enorme investimento de capital que foi feito no Ocidente ao longo dos últimos dois séculos.  Tal argumento está simplesmente afirmando que o trabalho escravo é produtivo e que o trabalho livre e altamente capitalizado é improdutivo.  Tão ilógico, irracional e absurdo é este argumento, que ninguém tem a coragem de dizê-lo clara e abertamente.  A pessoa ou não entende as reais implicações de seu argumento — que trabalhadores em sociedades livres têm de ser protegidos contra bens produzidos por mão-de-obra escrava — ou ela realmente acredita que sociedades escravagistas são enormemente produtivas, e que sociedades livres simplesmente não são capazes de competir com elas.
O argumento beira o burlesco.  Ele também é deliberadamente enganoso.  A pessoa que recorre a este argumento jamais fornece qualquer evidência estatística de que os bens produzidos por trabalhadores escravos estão sendo avidamente comprados por consumidores que vivem em sociedades livres.  A pessoa não é capaz de apontar quais produtos são produzidos por mão-de-obra escrava.  Tampouco ela é capaz de mostrar que estes produtos dominam uma significativa fatia do mercado em sociedades de livre mercado.
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Na maioria dos casos, a pessoa não é nem capaz de mencionar um único produto que tenha sido produzido por trabalho escravo e do qual alguém já tenha ouvido falar.  Considerando-se que a Iugoslávia era uma sociedade comunista, e que portanto se baseava no trabalho coercivo, seu mais famoso bem produzido se transformou em uma das maiores chacotas da história da produção automobilística: o Yugo.

Matérias-primas
Os únicos casos de importações oriundas de sociedades escravagistas que podem ser utilizados como exemplos de bens que penetraram os mercados ocidentais são as matérias-primas, especialmente o petróleo.  O valor destas exportações das sociedades escravagistas se deve quase que inteiramente ao valor econômico imputado pelos consumidores ocidentais a estas matérias-primas.  O componente mão-de-obra destas exportações é insignificante.  Trabalhadores coagidos são capazes de extrair minerais e outras matérias-primas da terra.  Trata-se de um trabalho rudimentar e não sofisticado.  A produção destas indústrias extrativas que utilizam trabalho escravo seria muito maior caso os planejadores permitissem o capitalismo de livre mercado; porém, o alto valor das matérias-prima contrabalança o baixo valor e a baixa qualidade da mão-de-obra utilizada para extraí-las.
Raramente ouvimos falar de alguma sociedade que tenha imposto tarifas ou outras restrições sobre a importação de minerais industriais ou de matérias-primas. (As tarifas americanas sobre o açúcar são uma horrenda exceção).  Nunca ouvimos falar de restrições sobre a importação de petróleo estrangeiro.  Portanto, o argumento de que os trabalhadores ocidentais têm de ser protegidos contra o trabalho escravo estrangeiro é um fato negado pela explícita e desimpedida importação de minerais e de outras matérias-primas, os quais são utilizados por trabalhadores destes países importadores para produzir bens valiosos.  Estes trabalhadores se tornam os beneficiários das matérias-primas e do petróleo importados.  Logo, o único possível exemplo da veracidade deste clichê protecionista nunca é de fato confirmado na prática.
Quando você voltar a ouvir este argumento, peça para o protecionista citar quais são as cinco nações que compõem o grosso do comércio internacional de seu país.  Primeiro, ele não terá ideia de quais são as cinco nações que majoritariamente comercializam com seu país.  Segundo, assim que você mostrar a ele quais são estas cinco nações, peça a ele para identificar qual destas nações depende do trabalho escravo para produzir os bens e serviços que ela exporta.  Tão logo ele vir a lista, ele ficará engasgado e não encontrará uma resposta.  As nações que detêm um grande volume de comércio internacional (exportação e importação) são aquelas que comercializam com outras nações que possuem livre mobilidade de mão-de-obra, mercados de capitais bastante desenvolvidos, sofisticadas instituições de pesquisa, e uma alta produtividade decorrente do uso intensivo de capital.  Nenhuma destas características é encontrada em uma sociedade que faz uso de trabalho escravo.
Em suma, o argumento é ilógico e absurdo tanto em termos de teoria econômica quanto em termos de fatos empíricos.  Nenhuma nação que utiliza trabalho escravo encontra mercados no Ocidente para seus produtos manufaturados.  Seus produtos são vagabundos e fajutos demais para penetrar de maneira significativa nos mercados do Ocidente.
A China
Quase sempre, o defensor de tarifas sobre a importação de bens produzidos por trabalho escravo irá utilizar o exemplo da China.  Este certamente é um dos argumentos mais ignaros e parvos da história do pensamento econômico.
Durante o período em que a China estava sob o domínio do camarada Mao, o país praticamente não fazia parte do comércio internacional.  O país não tinha produtos capazes de encontrar mercados no Ocidente.  Os chineses mal conseguiam se alimentar.  Em algumas épocas, eles de fato não se alimentavam.  O país não tinha nada de valor para exportar.  Não tinha reservas internacionais.  Não tinha algo que nem remotamente se assemelhasse a uma produção industrial em larga escala.  Era uma nação à beira do quarto mundo.  A única coisa que o país conseguia produzir em larga escala era armamento.  Ele não exportava nada para o Ocidente.
Hoje, após um grande período de sucessivas liberalizações econômicas, a China se tornou um grande concorrente nos mercados ocidentais.  Seus trabalhadores podem se mover e se mudar para onde quiserem.  Estamos testemunhando a maior migração da história da humanidade, da pobreza rural para a vida urbana de classe média.  Centenas de milhões de pessoas saíram da zona rural e se mudaram para as grandes cidades.  Isto não é trabalho escravo; isto é trabalho livre. 
Não há restrições governamentais à movimentação dos trabalhadores.  Eles têm liberdade de decidir para onde querem ir e onde querem trabalhar.  Há muito poucas leis e restrições governamentais sobre a contratação destes trabalhadores.  Não há praticamente nenhum sistema de seguridade social imposto pelo estado.  O mercado de trabalho chinês é amplamente mais livre do que os mercados de trabalho do Ocidente, que são repletos de leis trabalhistas, de regulamentações, de onerosos encargos sociais e trabalhistas e de sindicatos que gozam do explícito apoio dos governos — o que significa que eles não apenas têm o direito legal de conclamar greves e interromper o funcionamento dos meios de produção das empresas, sem que os donos nada possam fazer, como também podem determinar quais empregados podem e quais não podem ser contratados pelas empresas.  Apenas os trabalhadores sindicalizados podem.
Alie tudo isso a uma crescente carga tributária, e você terá os motivos por que as indústrias ocidentais estão tendo tantas dificuldades para concorrer com os trabalhadores chineses.
Os trabalhadores chineses são livres para trocar de emprego, e os empregadores chineses podem legalmente contratar quem eles quiserem.  Sob estas condições, os trabalhadores do Ocidente estão mais próximos da escravidão do que os trabalhadores chineses.  Na Europa, por exemplo, os trabalhadores que não são sindicalizados acabam sendo, na prática, forçados a procurar apenas aqueles empregos menos desejados, pois os sindicatos, por gozarem do apoio de seus governos, conseguem restringir o mercado de trabalho apenas para seus membros, deixando de fora os não sindicalizados.  Os sindicatos utilizam o governo para enviar burocratas com armas e distintivos às empresas com o intuito de proibir os empregadores de contratar trabalhadores não sindicalizados.  Isto não é livre mercado; isto é um mercado manipulado pelo estado.
Portanto, da próxima vez que você ouvir alguém argumentando que os trabalhadores do seu país têm de ser protegidos contra bens estrangeiros produzidos por trabalho escravo, mostre a ele que o motivo de os trabalhadores ocidentais quererem proteção é porque eles é que são a mão-de-obra escrava.  Eles sentem que está cada vez mais difícil competir com trabalhadores que vivem em uma nação que honra os princípios da livre mobilidade de mão-de-obra e dos contratos voluntários entre empregados e empregadores. 
A China é uma concorrente feroz e ardorosa não porque é uma sociedade que possui trabalho escravo, mas sim porque está concorrendo com trabalhadores que vivem em um regime cujos mercados de trabalho são amplamente controlados por seus governos.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seuwebsite

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A FALTA DE VONTADE POLÍTICA


O Brasil assiste, hoje, a dois acontecimentos singularmente importantes: o julgamento do mensalão e a greve no serviço público. O mensalão, independentemente do desfecho do julgamento, é uma prova de vitalidade das instituições. Já a greve é um sinal de imaturidade nas relações dos servidores com a administração pública.

A grande repercussão midiática do mensalão contrasta com a do movimento paredista, somente percebido pelos que são diretamente por ele atingidos. Em nenhum dos casos, entretanto, há uma reflexão sobre as causas que explicam acontecimentos tão indesejáveis, o que é prenúncio de que eles possam voltar a ocorrer.

No campo político, é necessário perquirir as razões pelas quais pessoas pouco virtuosas almejam mandatos políticos. Não me impressiona o argumento de que o financiamento público das campanhas eleitorais seria fator capaz de desencorajar a corrupção eleitoral. Ele, simplesmente, iria universalizar o caixa 2.

O que mais provavelmente anima a postulação eleitoral das pessoas pouco virtuosas é o direito ao foro privilegiado nos processos judiciais e, sobretudo, a possibilidade de operar verbas orçamentárias, por meio das chamadas emendas.

O foro privilegiado é uma aberração que segrega as pessoas, em função dos cargos que ocupam. E ao fazê-lo, paradoxalmente, suprime dos privilegiados o direito ao julgamento em dupla instância.

Ainda que não tenham grande expressão nos gastos públicos totais, sendo, por esse motivo, negligenciadas pelos analistas de finanças públicas, as verbas orçamentárias, qualificadas como transferências voluntárias, propiciam perigosos conluios que envolvem políticos, empreiteiras e outras empresas contratadas pela administração pública. Essas verbas estiveram na origem de tenebrosos escândalos, rotulados como “anões do Orçamento”, “sanguessugas” e outros esquisitos nomes.

Servem também como instrumento de barganha para cooptar os parlamentares, como uma espécie de mensalão que não requer saques em misteriosas agências bancárias, sacolas de dinheiro ou complexas operações de lavagem de dinheiro. A extinção do foro privilegiado é matéria de solução simples, ao passo que o disciplinamento das transferências voluntárias se inscreve numa reestruturação do processo orçamentário, com base no artigo 163, inciso I, da Constituição.

Vivemos, todavia, um longo período de apatia legislativa, em boa medida causada pela tirania das medidas provisórias, da qual resulta mora legislativa levada ao extremo. Na outra vertente das singularidades da agenda política contemporânea, temos a greve no serviço público, que parece ser grande, mas não se sabe ao certo sua dimensão, e se anuncia como legal, ainda que não seja reconhecida como tal pela Justiça.


A vítima, em síntese, é o povo, não bastasse a insólita colaboração das greves para aviltar ainda mais os precários serviços públicos. Não seria justo negar aos trabalhadores da função pública o direito à reivindicação salarial. De mais a mais, a Constituição admite, no artigo 37, inciso VII, o direito à greve, nos termos e limites fixados por lei específica. Essa lei, contudo, inexiste, o que obrigou o Supremo Tribunal Federal, incidentalmente, a suprir a preguiça legislativa. Menos mal, mas insuficiente.Algo, entretanto, é certo: existem vítimas. São jovens que frequentam a escola pública – de má qualidade, quase sempre – cujas perspectivas de inclusão profissional são adiadas. São empresas que não conseguem realizar negócios para reanimar nosso combalido produto interno bruto (PIB). São doentes que não conseguem acesso aos serviços de saúde pública.

Esse quadro sem contornos bem definidos encerra uma montanha de dúvidas. Os dias parados devem ser pagos? A morosidade, mal disfarçada como operação-padrão, deve ser punida? Greve de policiais deve ser tida como motim? Quais são os serviços essenciais que não podem ser paralisados? Qual o rito das assembleias para a aprovação de uma greve? Deveria haver um canal institucionalizado de negociações ou um tribunal especial de conciliação e julgamento para evitar a deflagração do movimento grevista?

A greve, especialmente no serviço público, deve ser um recurso extremo, porque o interesse individual ou corporativo não pode suplantar o interesse público. As demandas quase sempre incluem um “novo plano de cargos e salários”, o que, em verdade, é uma forma oblíqua de postulação salarial. Constituem, além disso, uma evidência de que inexiste uma lei geral de remuneração do serviço público, que previna a assimetria de remuneração entre os funcionários dos diferentes Poderes, institucionalize a ascensão profissional fundada no mérito, discipline as vantagens dos servidores, etc.

Sempre que uma demanda política não desfrutava viabilidade ou consistência, dizia-se que faltava “vontade política” para atendê-la, numa manifestação primária de voluntarismo. Falta vontade política, agora sim, para remover as causas da corrupção eleitoral e da degradação dos serviços públicos. Por: Everardo Macie

Fonte: O Estado de S. Paulo, 06/09/2012

TODO PODER CORROMPE



“Tolerância religiosa, moderação no exercício do poder, humanismo e benevolência eram doutrinas aceitas durante o século XVIII. Mas nessa refinada sociedade ocorreu desumana revolução. Tudo dependia de um poder central. E a centralização sobreviveu à realeza derrubada, surgindo um poder absoluto de maior ferocidade que o das monarquias”, registrava Tocqueville a respeito das ameaças de degeneração dos ideais democráticos. A concentração dos poderes políticos, a hipertrofia do Estado e a centralização administrativa são as maldições de regimes políticos fechados. “O poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente”, advertia o liberal Lord Acton.


É com esse sentido de necessário aperfeiçoamento de nossas frágeis instituições democráticas que me interessa o julgamento do mensalão. Trata-se, afinal, segundo o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, do “mais ousado esquema de corrupção e desvio de dinheiro público”, do “atentado mais grave que já tivemos à democracia brasileira”.Sofremos ainda desses males, em transição incompleta para uma sociedade aberta. Os petistas estão no banco dos réus no episódio do mensalão. Mas houve também acusações contra os tucanos quando da emenda constitucional que garantiu a reeleição de FHC e do que teria sido o mensalinho na eleição de Azeredo para o governo de Minas. Como surgiu também, logo depois, o mensalão do DEM, com Arruda no Distrito Federal. E agora a CPI do Cachoeira, atingindo o governador Perillo, do PSDB. O infindável ciclo de acusações recíprocas é apenas manifestação epidérmica do Princípio de Gause, uma guerra de extinção entre espécies semelhantes pelo domínio de um mesmo nicho ecológico. O fundamental é que essas práticas políticas degeneradas estão associadas à concentração do poder político, à hipertrofia do Estado e à centralização administrativa. “As piores características dos sistemas centralizados não são acidentais, e sim fenômenos que são suas consequências diretas, mais cedo ou mais tarde. É por isso que os menos escrupulosos e os mais desinibidos são cada vez mais bem-sucedidos nesse ambiente. Em nome dos mais nobres ideais, mergulha-se em uma atmosfera moral deformada, em que os fins justificam os meios e os piores são os que chegam ao topo”, alerta o liberal Hayek.

Fonte: O Globo, 06/08/2012

QUEM REALMENTE INVENTOU A INTERNET?


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Um momento significativo da atual corrida presidencial norte-americana ocorreu recentemente quando Barack Obama disse: "Se você tem um empreendimento, não foi você quem o construiu. Foi outra pessoa quem o possibilitou." Ele justificou este seu ato de elevar burocratas acima de empreendedores referindo-se também a pontes e estradas, dizendo que todas existem unicamente graças ao estado. E, no final, arrematou: "A internet não foi inventada do nada. A pesquisa governamental criou a internet, de modo que, só então, todas as empresas puderam ganhar dinheiro com ela."

O governo ter criado a internet é uma daquelas lendas urbanas que perduram até hoje. O mito é que o Pentágono criou a internet com o intuito de poder manter operantes suas linhas de comunicação mesmo sob ataque nuclear. A verdade, no entanto, é bem mais interessante, e mostra como as inovações ocorrem no mercado — e mostra também o quão difícil é criar empresas tecnológicas bem sucedidas mesmo quando o governo sai da frente.

Para muitos tecnólogos, a ideia da internet remonta a Vannevar Bush, conselheiro da presidência dos EUA para assuntos tecnológicos durante a Segunda Guerra Mundial. Foi ele quem supervisionou o desenvolvimento do radar e do Projeto Manhattan. Em 1946, em um artigo escrito para a revista The Atlantic chamado "As We May Think", Bush definiu um ambicioso objetivo tecnológico para aquele vindouro período de paz: construir o que ele chamou de "memex", por meio do qual "formas totalmente novas de enciclopédias surgirão, trazendo com elas uma malha de trilhas associativas prontas para ser adicionadas ao memex e então ampliadas."

Isso excitou imaginações e, na década de 1960, tecnólogos já estavam tentando fazer com que redes de comunicações fisicamente separadas fossem conectadas em uma só rede global — a "world-wide web" [rede de alcance mundial]. O governo americano estava envolvido no projeto, modestamente, por meio da ARPA (Advanced Research Projects Agency — Agência de Projetos de Pesquisa Avançados, agência do Departamento de Defesa americano). A ARPA criou a ARPANET, que tinha o objetivo de interligar as bases militares e os departamentos de pesquisa do governo americano

Mas o objetivo do governo americano não era o de manter suas comunicações durante um ataque nuclear, e tampouco a ARPA criou a internet. O próprio Robert Taylor, que comandou o programa ARPA na década de 1960, enviou um email para os colegas tecnólogos em 2004 esclarecendo a questão: "A criação da ARPANET não foi motivada por considerações sobre a guerra. A ARPANET não era uma internet. A internet é uma conexão entre duas ou mais redes de computadores."

Se o governo não inventou a internet, então quem a inventou? Vinton Cerf foi o sujeito que desenvolveu os protocolos TCP/IP, que são espinha dorsal (ou, no contexto adequado, a rede de transporte) da internet. E Tim Berners-Lee merece os créditos pelos hyperlinks.

Mas o crédito completo vai para a empresa na qual Robert Taylor trabalhou após ter saído da ARPA: a Xerox. Foi nos laboratórios da Xerox PARC, no Vale do Silício, na década de 1970, que a Ethernet foi desenvolvida para conectar diferentes redes de computadores. Os pesquisadores de lá, além de terem desenvolvido o primeiro computador pessoal (o Xerox Alto), também desenvolveram a interface gráfica do usuário, a mesma que ainda conduz a utilização dos computadores atuais.

De acordo com um livro sobre a Xerox PARC, "Dealers of Lightning", de Michael Hiltzik, os pesquisadores perceberam que não poderiam ficar eternamente esperando o dia em que o governo finalmente decidiria conectar as diferentes redes. Logo, eles resolveram fazer tudo por conta própria. "Nós temos um problema mais imediato do que eles", disse Robert Metcalfe ao seu colega John Shoch em 1973. "Nós temos mais redes do que eles." Mais tarde, o Sr. Shoch contaria que os funcionários da ARPA "estavam trabalhando com financiamento do governo e com contratos com universidades. Eles tinham de lidar com burocratas que estavam supervisionando o contrato... e com todo aquele comportamento lento e lúgubre típico dessa gente."

Mas então, tendo criado a internet, por que a Xerox não se tornou a maior empresa do mundo? A resposta explica a discrepância que há entre uma visão empreendedorial pautada pelo estado e como as inovações realmente ocorrem.

Os executivos da matriz da Xerox na cidade de Rochester, estado de Nova York, estavam concentrados em vender copiadoras. Do ponto de vista deles, a Ethernet era importante apenas para que pessoas em um escritório pudessem conectar seus computadores para compartilhar uma copiadora. Foi então que, em 1979, Steve Jobs negociou um acordo pelo qual o departamento de capital de risco da Xerox investiu US$1 milhão na Apple, com o requisito de que Jobs fosse completamente informado sobre todas as inovações da Xerox PARC. "Eles não faziam a menor ideia do que possuíam", Jobs diria mais tarde, após lançar seus extremamente lucrativos computadores Apple, nos quais ele utilizou os conceitos desenvolvidos pela Xerox.

O ramo de copiadoras da Xerox se manteve lucrativo por décadas, mas a empresa, no final, vivenciou anos de prejuízos gerados pela revolução digital. Os administradores da Xerox podem se consolar com o fato de que é raro uma empresa conseguir fazer a transição de uma era tecnológica para outra.

Quanto ao papel do governo no processo, a internet foi completamente privatizada em 1995, quando uma fatia da rede que ainda estava sob o controle pela National Science Foundation (Fundação Nacional da Ciência) foi abolida — imediatamente quando a internet comercial começou a crescer. O blogueiro Brian Carnell escreveu em 1999: "A internet, de fato, reafirma aquela crítica básica feita pelos defensores do livre mercado ao governo. Por 30 anos, o governo deteve um protocolo imensamente poderoso de transferência de informações, o TCP/IP, mas ele ficou mofando sem ser utilizado. . . . Em menos de uma década, empresas privadas assumiram o controle deste protocolo e criaram umas das mais importantes revoluções tecnológicas do milênio."

É importante entender a história da internet porque ela é, com muita frequência, citada enganosamente como exemplo e como justificativa para se ter um governo grande. É importante também reconhecer que construir grandes empresas de tecnologia é algo que requer, além de inovações, a habilidade para saber levar estas inovações ao mercado. Como nos mostrou o contraste entre a Xerox e a Apple, são poucos os empreendedores que obtêm sucesso nesse desafio. Aquele que conseguem merecem o crédito por fazer isso acontecer — e não o governo.



Gordon Crovitz é executivo e conselheiro de mídia e da indústria de informação. Foi editor do The Wall Street Journal e vice-presidente executivo da Dow Jones. Formou-se na Universidade de Chicago e é bacharel em direito pelas universidades de Oxford e Yale.

domingo, 5 de agosto de 2012

O INESCAPÁVEL


Segue abaixo um texto de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que aos 81 anos de idade continua mais lúcido e assertivo do que nunca, pontuando fatos e contextualizando as mazelas dos últimos 10 anos. 

Se assim continuarmos seremos a Argentina amanhã. 

Grande parte dos eleitores continua anestesiado, sem perceber o beco sem saída em que o Brasil se meteu. Tributação alta, endividamento do estado e do cidadão  crescentes, baixo nível de investimento e educação precária, é receita certa para o desastre.


Soma-se a isso a cultura da transgressão que predomina neste país, ou como é mais conhecida a tal de “lei de Gerson” onde cada um quer levar vantagem a qualquer custo.

Aloysio Tiscoski

Ao voltar de férias, percorri os jornais: só dá mensalão e Olimpíada. Não é para menos, mas é pouco. Consolou-me haver lido uma matéria de David Brooks sobre a campanha eleitoral em seu país. Basta ler o título, A campanha mais tediosa, para que o leitor se dê conta do baixo-astral que envolveu o comentarista ao seguir os embates entre Barack Obama e Mitt Romney. Isso a despeito de os americanos ainda estarem sufocados pela crise e de haver muito que debater sobre como sair dela e sobre o papel dos Estados Unidos num mundo cheio de incertezas. Mas o cotidiano não se alimenta de decisões históricas...



Como seria bom se pudéssemos apenas nos deliciar com a sensibilidade e a inteligência da crônica de Roberto DaMatta sobre os elos humanos que aparecem na novela Avenida Brasil, não tão diferentes dos que relacionam o antropólogo com seus objetos de estudo. Ela nos dá um banho de vida. Infelizmente, nesta semana não dá para falar apenas das estrelas. A dura realidade é que começou na quinta-feira um julgamento histórico sobre o qual não faltaram palavras sensatas. Uns, como José Nêumanne, mostraram as Falácias e enganos acerca do mensalão de maneira crua e direta. Outros, como Dora Kramer, desvendaram a Falsa dicotomia entre julgamento técnico e julgamento político. Outros ainda, como Elio Gaspari, sem negar que torcer faz parte da alma humana, insistem em que o importante é que os magistrados julguem de maneira compreensível para o povo. Que não nos confundam com o jargão da toga. E há os que abrem o jogo, mostram suas apostas, como o Zuenir Ventura, para logo dizer que tudo é mero palpite, pois não se pode saber o que passa na cabeça dos julgadores.

Por mais que se deseje ser objetivo, tenho tentado, e por mais prudente que se deva ser na antevéspera do julgamento (no momento em que escrevo este artigo), é inegável a sensação de que talvez estejamos no começo de uma nova fase de consolidação das instituições democráticas. Existe também o temor de que ela se perca. É isso que produz ansiedade e faz com que os comentaristas mais perspicazes - incluo neles Merval Pereira -, ao falarem sobre o tema, acabem por deixar transparecer o que gostariam que acontecesse. De minha parte, torço para que não haja impunidade. Calo sobre quem deva ser punido e em que grau, mas não se deve obscurecer o essencial: houve crime.

Embora, portanto, esteja engrossando o número dos obcecados com o mensalão, não posso esconder certa perplexidade diante da despreocupação com que recebemos as notícias sobre a crise internacional, como se, de fato, a teoria da marolinha tivesse substituído o bom senso na economia. Não dá para ignorar que com toda a inundação de dólares a baixo custo feita pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), a economia do país não reage. Na Europa, por mais que seu Banco Central se diga disposto a cobrir qualquer parada dos especuladores, os mecanismos para tornar efetiva a gabolice estão longe da vista. Resultado: mal-estar social e desemprego crescente. A própria China, bastião da grandeza capitalista mundial, parece mergulhar em taxas decrescentes de crescimento, as quais, se bem que nos deem água na boca (entre 6% e 7%), são insuficientes para atender aos reclamos dos chineses e, mais ainda, para sustentar a maré dos preços elevados das matérias-primas, principalmente minerais.

Tudo indica, portanto, que os efeitos da crise mundial, somados à inércia nas transformações de fundo da economia que marcou o governo Lula, acabaram por levar nossa economia, se não às cordas, ao canto do ringue. O governo atual, não querendo beijar a cruz, embora já ajoelhado diante da realidade, despejou uma série de paliativos de todos conhecida: redução setorial de impostos, créditos de mão beijada para alguns setores beneficiados, expansão dos gastos públicos correntes e, até, desvalorizações da moeda e redução das taxas de juros. Em situações "normais" de crise, o receituário funcionaria. Um pouco de sustentação da demanda, jogando-se nos ombros de Keynes a responsabilidade pela ligeireza de certas medidas, animaria o consumo e daria aos empresários o apetite para investir. Diante, entretanto, da duração e da profundidade da crise atual, é pouco. Serão necessárias medidas verdadeiramente keynesianas que dizem respeito à sustentabilidade dos investimentos, públicos e privados, e ao incremento da produtividade. Desafio duro de roer e que não se pode levar adiante somente com os recursos públicos nas mãos de uma burocracia politizada.

É esse o desafio que o governo Dilma Rousseff tem pela frente. Quem sabe, premido pelas circunstâncias, ele finalmente reconheça, na prática, o que o lulopetismo sempre negou: que as reformas que meu governo iniciou precisam ser apoiadas e retomadas com maior vigor. Nem as estradas, nem os aeroportos e muito menos as fontes de energia darão o salto necessário sem alguma forma de privatização ou de concessão. Elas terão de vir se quisermos de fato crescer mais aceleradamente. Só com estabilidade jurídica, aceleração dos investimentos em infraestrutura e educação, melhor balanceamento energético será possível despertar não apenas, como está na moda dizer-se, o "espírito animal" dos empresários, mas a crença de todos nós no futuro do Brasil.

Ao contribuir para a consolidação da Justiça como um valor, parte essencial da modernização do nosso país, o julgamento do mensalão poderá ser um marco histórico. Basta que seja sereno e justo para injetar mais ânimo em nossa política e para que esta volte a olhar o Brasil com a clareza de que somos um país capaz de andar com as próprias pernas graças à nossa seriedade e aos conhecimentos que desenvolvemos. Só assim deixaremos de flutuar ao sabor das ondas favoráveis às economias primário-exportadoras para podermos dar rumo próprio ao nosso futuro.
Por: Fernando Henrique Cardoso O Globo

sábado, 4 de agosto de 2012

VEM AÍ O PAC DA PRIVATIZAÇÃO


Pode parecer provocação, mas, acreditem, é só um comentário: a presidente Dilma lança a partir da próxima semana uma agenda liberal-ortodoxa. Começa com o que se chama, nos gabinetes oficiais, de PAC das concessões. Trata- se de transferir para a iniciativa privada mais de dez mil quilômetros de rodovias e ferrovias, um tipo de política que, na oposição, o PT chamava de privatização.

E é isso mesmo. Nesse processo, a concessionária não se torna dona da estrada, por exemplo, mas é como se fosse, pois a administra, explora e obtém lucros conforme a lógica da empresa privada. A estrada é efetivamente dela por todo o tempo da concessão. Logo, pode-se dizer que vem aí o PAC das privatizações — no bom sentido.

Depois, vem o PAC das desonerações. Trata-se de redução de impostos para diversos setores. Finalmente, um PAC especial para a energia elétrica, programa para retirar e/ou reduzir taxas e impostos que tornam a conta de luz brasileira uma das mais caras do mundo.

Essa agenda vem sendo proposta há muitos anos, antes mesmo de o então presidente Lula inventar os PACs. A base era e é a seguinte: o Brasil precisa de uma nova onda de investimentos, sobretudo em infraestrutura, e que só podem ser privados. Isso porque o Estado já gasta demais (pelo que é obrigado a cobrar carga pesada de impostos) e gasta mal, muito em custeio e pouco em investimento. E mais: quando se mete a investir, revela uma enorme ineficiência.

Já o setor privado tem competência (empresas brasileiras fazem obras importantes pelo mundo afora) e capacidade de mobilizar capital.

Em 2007, quando se discutia o que fazer depois do apagão aéreo, uma CPI no Senado chegou a propor a privatização, perdão, concessão dos 11 maiores aeroportos brasileiros. Ministros do governo Lula contaram que essa medida estava, de fato, em estudos.

Mas não prosperou. Em 19 de julho de 2007, escrevíamos aqui mesmo: “As privatizações (sob forte ataque político) pararam no segundo mandato de FHC e foram banidas pelo governo Lula. Desde então, o que se fez de significativo para a infraestrutura nacional? Pode procurar. Agora, tem o PAC, para recuperar o investimento público. Prevê R$ 3 bilhões, até 2011, para todos os aeroportos nacionais. Não dá nem para uma guaribada.”

Se Dilma pode fazer hoje, por que Lula e Dilma, que estavam no governo, não poderiam ter feito lá atrás?

Tanto não funcionou que a presidente Dilma, cinco anos depois, iniciou a privatização de três aeroportos e, parece, colocará outros na nova agenda. Se Dilma pode fazer hoje, por que Lula e Dilma, que estavam no governo, não poderiam ter feito lá atrás?

Ideologias atrasadas custam caro. A mesma agenda, digamos, ortodoxa dizia ainda que o investimento privado dependia de um ambiente de negócios mais favorável. Isso, de sua vez, exigia uma sequência de medidas microeconômicas de modo a facilitar a vida de quem pretende empreender e ganhar dinheiro honestamente. No topo dessa prioridade, a redução estrutural de carga tributária — não o quebra-galho de desonerar um setor aqui, outro ali, compensando com aumento de impostos em outras áreas, tudo resultando em aumento líquido da arrecadação, como tem acontecido.

Parece que o próximo movimento da presidente Dilma vai na direção de uma redução horizontal de impostos. Mas convém ficar de olho.

As burocracias, a ideologia estatizante do PT e a fisiologia dos partidos governistas, ávidos por cargos, obras e verbas, continuam formando um poderoso obstáculo. No caso das concessões, por exemplo, existe a tendência de se colocar restrições e exigências exageradas às empresas privadas, nacionais e estrangeiras. Isso reduz a rentabilidade do negócio — e parece que o objetivo oculto é esse mesmo — e afasta as principais companhias do setor, como aconteceu com a recente concessão de aeroportos.

Além disso, parece que o governo foi para essa agenda na base do desespero, diante da fraca reação da economia a estímulos ao consumo. E falta a outra perna desse programa: políticas de eficiência para o gasto público, assim como a contenção de despesas de custeio. E, o leitor sabe, coisas feitas sem convicção, e pela metade, não funcionam. Por: Carlos Alberto Sardemberg

Fonte: O Globo, 02/08/2012

DE ONDE VEM O SEU CONFORTO


Todo o seu conforto você deve ao capitalismo e aos ricos


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Os pacotes de socorro ao sistema financeiro mundial — o qual, após incorrer em práticas insensatas de expansão de crédito estimuladas pelos seus respectivos governos e bancos centrais, foi socorrido justamente por eles — em conjunto com um quadro de recessão aguda que vai se prolongando ao redor do mundo — recessão essa causada justamente por políticas governamentais — se combinaram para gerar um fenômeno semelhante ao colapso de uma enorme represa, desencadeando uma torrente não de água mas sim de ódio: ódio ao capitalismo e aos seus mais visíveis e valorosos representantes — as grandes empresas e os grandes empreendedores. 

Grandes empresas e sua "ganância epidêmica" por lucros estão sendo responsabilizadas pela causa do colapso.  Uma turba ignara de jornalistas e manifestantes doidivanas — que não sabem ao certo o que querem —, armados com câmeras, microfones e toda uma infinidade de guarnições da mais moderna tecnologia, em vez de se dedicarem ao tricô, estão salivando para ver grandes empresas e grandes empreendedores sendo capturados e demolidos em público, exatamente como faziam as multidões da Revolução Francesa que queriam ver os odiados aristocratas sendo levados para a guilhotina.
O que está ocorrendo atualmente ao redor do mundo não pode ser entendido sem se levar em conta a profunda ignorância que domina os intelectuais da atualidade no que diz respeito à natureza e ao funcionamento do capitalismo e da busca por lucros.  Não obstante o colapso mundial do socialismo e o inegável e visível sucesso do capitalismo, grande parte do mundo intelectual apresenta uma predisposição ao socialismo e uma oposição ao capitalismo como raramente já se viu.
A grande maioria dos intelectuais de hoje — desde comentaristas de jornais e televisão até professores universitários, incluindo-se aí a maioria dos professores de economia, para não mencionar políticos e seus apologistas — considera o fracasso do socialismo e o sucesso do capitalismo como meros "fatos brutos", isto é, fatos sem bases inteligíveis, fatos que desafiam e contradizem toda a compreensão.  Se quisessem realmente pensar de maneira racional, tais pessoas teriam de ler e estudar as obras de Ludwig von Mises e dos outros proeminentes teóricos da Escola Austríaca de pensamento econômico, bem como também da Escola Britânica clássica.  Mas isso eles não irão fazer. 
Como resultado dessa fundamental incapacidade intelectual e moral da parte deles, e de acordo com tudo em que eles ainda acreditam, o socialismo, com sua suposta preocupação para com o bem-estar de todos e sua suposta racionalidade de planejamento, deveria ter prosperado e prevalecido, ao passo que o capitalismo, com sua preocupação exclusiva com o lucro individual e sua suposta 'anarquia no sistema de produção', é quem deveria ter fracassado.  Na mente dos intelectuais da atualidade, o fato de ter ocorrido o resultado oposto no mundo real é algo que deve colocar em dúvida a confiabilidade da própria razão em si — postura essa que, creio eu, ajuda enormemente a explicar a ascensão de um ostensivamente declarado irracionalismo nas últimas décadas, cujo melhor exemplo são os ataques à ciência e à tecnologia oriundos do movimento ambientalista. 
Os intelectuais se agarram aos eventos da atualidade porque tais eventos parecem oferecer um alento para o desmoronamento do seu universo intelectual.  Eles acreditam, pelo menos por enquanto, estarem mais uma vez na posição de professar ao mundo que seus conceitos sobre o capitalismo foram confirmados pela realidade.
Não será o objetivo deste artigo explicar as reais causas do atual cenário econômico, como a criação de dinheiro fiduciário, a expansão artificial do crédito e a manipulação dos juros, tudo isso realizado integralmente pelos bancos centrais mundiais, que nada mais são do que órgãos estatais.  Tal tarefa já foi proficuamente apresentada em outros artigos deste site.  O objetivo aqui será o de apresentar uma contra-argumentação aos aspectos relevantes dessa ignorância anticapitalista dos intelectuais da atualidade, demonstrando como toda a população se beneficia justamente daquilo que os intelectuais mais atacam: o interesse próprio e a busca pelo lucro dos capitalistas.
A busca pelo lucro é a base de todas as melhorias econômicas
O que os intelectuais e sua hostilidade ao lucro ignoram é que a busca pelo lucro em um livre mercado é exatamente a fonte de virtualmente todas as melhorias econômicas de uma sociedade.
Em um livre mercado, todo e qualquer indivíduo tem a liberdade de empreender e consumir sem ser tolhido por decretos, regulamentações e burocracias.  Sua liberdade deve ser plena, desde que, em suas atividades, ele não agrida a propriedade, a vida e a liberdade de terceiros.  Ele é livre para não sofrer coerção e força física, mas também é proibido de adquirir a propriedade de terceiros por meios desonestos, inclusive por meio da fraude. Tudo que um indivíduo receber de outros deve ser por meio da escolha voluntária destes.
Se tais condições não são respeitadas, e alguns indivíduos conseguem ganhar à custa de todos os outros por meio de força, fraude, coerção, tributação ou regulamentações, então tal situação representa uma falha de governo, não do livre mercado.  O fracasso do governo está precisamente no fato de ter feito com que os indivíduos que participam do mercado fossem submetidos a tais tipos de agressão. 
Em um livre mercado, a maneira de um indivíduo obter dinheiro de terceiros é ofertando algo que eles julgam ser valioso e que desejam possuir.  Esses são os tipos de bens e serviços que um indivíduo busca produzir e vender em um livre mercado: bens e serviços valiosos para os consumidores.  Desta maneira, a busca pelo lucro é a base de um contínuo processo de inovação, no qual são constantemente introduzidos novos e melhores produtos e novos e menos custosos métodos de produção.  O desenvolvimento de novos e melhores produtos que as pessoas desejam comprar, e o aprimoramento de mais eficientes e menos custosos métodos de produção daqueles produtos que já existem e que as pessoas continuam querendo comprar, são as principais formas de um empreendedor obter lucros em um livre mercado.
Tão ignorado quanto isso pelos intelectuais de hoje é o fato de que a esmagadora maioria dos lucros obtidos em uma economia livre é poupada e reinvestida, e que a acumulação de qualquer fortuna em uma economia livre é o resultado da introdução de toda uma série de aprimoramentos nos bens e serviços adquiridos voluntariamente pelos consumidores.  E a maneira de se criar os meios para produzir esses aprimoramentos é reinvestindo justamente a quase totalidade dos lucros obtidos.  É por meio desse processo que o público geral se beneficia da riqueza dos capitalistas.
Assim, para utilizar um exemplo clássico, Henry Ford, que começou com um capital de aproximadamente US$ 25.000 em 1903 e terminou com um capital de aproximadamente US$ 1 bilhão à época de sua morte em 1946, foi responsável pela maior parte do tremendo progresso ocorrido nos automóveis produzidos ao longo desse período, bem como na eficiência com que eles passaram a ser produzidos.  Foi amplamente graças a ele que os automóveis de 1946 eram incrivelmente superiores àqueles produzidos em 1903.  Mais ainda: foi graças a ele — que reinvestiu quase todo o seu lucro para aprimorar o processo de produção — que os automóveis apresentaram uma espetacular redução real de custo, indo de um preço hoje comparável ao de um iate para um preço que praticamente qualquer pessoa podia bancar.  Ou seja, à medida que sua fortuna ia crescendo, Ford ia reinvestido-a exatamente na expansão da produção destes automóveis aprimorados.  Em outras palavras, o outro lado da moeda da crescente fortuna de Ford foi o crescente beneficiamento do público em geral.
Um exemplo mais recente e igualmente óbvio destes mesmos princípios é o caso da Intel.  No início da década de 1980, a Intel estava na vanguarda da produção daquilo que, à época, era o mais avançado chip para uso em computadores pessoais: o 8086.  No entanto, a concorrência entrou no mercado e não permitiu que os altos lucros obtidos pela Intel com a comercialização deste chip durassem muito tempo.  Para continuar à frente da concorrência e obtendo uma alta taxa de lucro na indústria de computadores, foi necessário que a Intel introduzisse o amplamente aprimorado chip 80286.  E então a mesma história se repetiu.  Para continuar obtendo uma alta taxa de lucro frente à concorrência, que estava sempre em seus calcanhares, a Intel teve de desenvolver e introduzir o 80386, e depois o 80486 e então sucessivas gerações do chamado chip Pentium.
A Intel foi capaz de fazer uma fortuna durante todo este processo.  Sua fortuna foi investida exatamente na produção dos radicalmente aprimorados chips que atualmente são produzidos a uma fração do custo dos chips de uma década ou duas atrás.  (Obviamente, os lucros obtidos com qualquer tipo de aprimoramento podem ser também investidos na expansão da produção de outros produtos completamente diferentes).
Tais exemplos não são isolados.  O princípio que eles ilustram funcionam universalmente, e mostram a importância de se ter um livre mercado, sem regulamentações e sem a tributação do lucro. 
As fortunas empresariais, em um livre mercado, são acumuladas por meio dos altos lucros gerados pela introdução de novos e aperfeiçoados produtos e também pela introdução de métodos de produção mais eficientes e menos custosos.  Estes altos lucros são seguidamente poupados e reinvestidos justamente para ampliar e melhorar a produção destes mesmos produtos ou até mesmo de produtos distintos.  Por exemplo, a fortuna de $6 bilhões do falecido Steve Jobs foi construída em decorrência de Jobs ter feito com que fosse possível que a Apple Computer introduzisse novos e aperfeiçoados produtos, como o iPod, o iPhone e o iPad, e então poupasse e reinvestisse uma expressiva fatia dos lucros que vieram pra ele.
Isso é algo que vale a pena ser repetido e enfatizado: as fortunas que são acumuladas desta forma são normalmente direcionadas à produção em larga escala justamente dos produtos que forneceram os lucros utilizados para acumular esta fortuna.  Assim, por exemplo, os bilhões de dólares de Jobs serviram em grande parte para aprimorar a invenção e a produção de produtos da Apple.  Similarmente, a grande fortuna pessoal do velho Henry Ford — adquirida em decorrência da introdução de grandes aprimoramentos na eficiência da produção automotiva, o que fez com que o preço de um automóvel novo caísse de US$ 10.000 no início do século XX para US$ 300 em meados da década de 1920 — foi utilizada para tornar possível a produção em larga escala de milhões de automóveis Ford.
Adicionalmente, as altas taxas de lucro adquiridas com produtos novos e aprimorados e com métodos de produção mais eficientes são meramente temporárias.  Assim que a produção de um novo produto ou o uso de um novo método de produção mais eficiente se torna padrão em uma indústria, ele deixa de gerar lucros excepcionais.  Com efeito, novos e contínuos aprimoramentos fazem com que os aprimoramentos anteriores tornem-se completamente não-rentáveis.  Por exemplo, a primeira geração do iPhone, que era altamente lucrativa há apenas alguns anos, já deixou de ser ou rapidamente deixará de ser lucrativa, pois novos avanços a deixaram obsoleta.
Como resultado, a acumulação de grandes fortunas empreendedoriais requer a introdução de uma série de aprimoramentos nos produtos criados ou nos métodos de produção utilizados.  Isto é um pré-requisito para se manter uma alta taxa de lucro frente à concorrência em um livre mercado.  A capacidade da Intel de manter sua alta taxa de lucro ao longo de vários anos dependia completamente de sua capacidade de introduzir melhorias sequenciais em seus chips de computador.  O efeito líquido desse processo foi o de fazer com que os usuários de computadores se beneficiassem de contínuas melhorias e avanços tecnológicos; e não apenas não houve nenhum custo adicional, como na verdade ocorreu um drástico declínio nos preços destes chips.  Enquanto os altos lucros se basearem na redução dos custos de produção, a concorrência fará com que os preços dos produtos sejam reduzidos correspondentemente à redução dos custos de produção, o que obrigará as empresas a descobrirem novos métodos de reduzir ainda mais seus custos para manter seus altos lucros.
O mesmo resultado, é claro, é válido não somente para a Intel e seus microprocessadores, mas também para o resto da indústria da computação, na qual gigabytes de memória e terabytes de capacidade de armazenamento de disco rígido hoje são vendidos a preços menores que os preços de megabytes de memória e de disco rígido há algumas décadas atrás.  Como efeito, se olharmos cuidadosamente, este princípio de produtos cada vez melhores e mais baratos a custos cada vez menores se aplica a todo o sistema econômico.  Está presente tanto na produção de comida, de roupas e de abrigos quanto nas indústrias de alta tecnologia, e em praticamente todas as indústrias entre estes dois extremos.
Está presente em todas estas indústrias não obstante a inflação da oferta monetária — totalmente gerenciada pelo governo — ter feito com que os preços dos produtos aumentassem acentuadamente ao longo dos anos.  Apesar disso, quando calculados em termos da quantidade de trabalho que o cidadão comum deve despender a fim de adquirir o salário necessário para comprar tais produtos, os preços de tais bens caíram fortemente.
A melhor ilustração deste raciocínio pode ser vista no aumento do padrão de vida que ocorreu ao longo dos últimos 100 anos.  Em 1911, o cidadão comum trabalhava 60 horas por semana.  O que ele recebia em troca da sua mão-de-obra era exatamente o padrão de vida de 1911 — um padrão de vida que não incluía bens como automóveis, ar condicionado, viagens aéreas, antibióticos, geladeiras, congeladores, filmes, televisão, videocassetes, aparelhos de DVD, Blu-ray, rádios, toca-discos, CD players, computadores, notebooks, celulares, moradias confortáveis, comidas e roupas abundantes e de qualidade, medicina e odontologia modernas, máquina de lavar e secar, forno de microondas e por aí vai.  Em 1911, telefones e energia elétrica eram raros.  Aparelhos elétricos eram praticamente desconhecidos.  Telefones celulares não eram nem objetos de ficção.
Os bens que podiam ser produzidos à época, como vários tipos de comida, roupas e moradias, eram de menor qualidade e muito mais caros em termos reais do que são hoje — isto é, em termos do tempo necessário para ganhar o dinheiro necessário para adquiri-los.  A alimentação, o vestuário e a moradia do cidadão comum eram muito mais modestos do que são hoje.  Todos esses bens só se tornaram mais acessíveis e aumentaram em qualidade e variedade porque a busca por lucros levou ao necessário processo de corte de custos e a outros aprimoramentos no processo de produção.  E todos aqueles bens que não existiam em 1911 só passaram a existir por causa da busca por lucros.
Em outras palavras, o que aumentou tão radicalmente o padrão de vida de todos foi nada mais do que a busca por lucros e a liberdade de agir de acordo com esse objetivo.  A busca por lucros foi a força-motriz da produção e da atividade econômica.  Em todos os lugares, em cada indústria, em cada cidade, havia homens ávidos para lucrar aprimorando produtos e métodos de produção.  Eles tiveram a liberdade de fazer isso e foram bem sucedidos.  Essa "ganância", "epidêmica" a ponto de se tornar generalizada, foi o que aprimorou tão radicalmente o padrão de vida do cidadão comum.  É algo pelo qual todos nós devemos ser profundamente agradecidos.  Caso tal "ganância" fosse menos "epidêmica" e menos generalizada, o aprimoramento do nosso padrão de vida teria sido, sem a menor sombra de dúvida, muito menos intenso. 
O grau de aprimoramento do padrão de vida do cidadão médio pode ser mensurado utilizando-se o fato de que seu padrão de vida é hoje pelo menos 10 vezes maior do que era em 1911 (e essa é uma estimativa conservadora), e tal padrão é obtido trabalhando-se em média apenas dois terços do que se trabalhava em 1911 — 40 horas de trabalho por semana ao invés de 60.  Assim, dois terços do trabalho realizado em 1911 hoje consegue adquirir dinheiro suficiente para comprar 10 vezes a quantidade de bens.  Ou, colocando de outra forma, um simples décimo daqueles dois terços — ou 6,66% — é hoje suficiente para comprar bens equivalentes ao padrão de vida médio de 1911.  Isso significa que, na média, graças à ganância de empreendedores e capitalistas, houve, desde 1911, uma queda nos preços reais da ordem de 93,33%!
Apenas este fato já deveria servir para demonstrar que o capitalismo de livre mercado — o capitalismo laissez-faire — é o sistema econômico mais ético e moral que existe.  Ele é a materialização das liberdades individuais e da busca pelo interesse próprio.  Ele resulta no progressivo aumento no bem-estar material de todos, algo que se manifesta no aumento das expectativas de vida e no contínuo aprimoramento do padrão de vida das pessoas.
O papel dos ricos capitalistas na melhora do nosso bem-estar
Os atuais protestos contra os ricos, contra os lucros das grandes empresas e contra a ganância partem do velho princípio marxista de que uma pequena fatia de abastados vive à custa da exploração da esmagadora maioria da população mundial.  Tal raciocínio seria verdadeiro caso a revolta se direcionasse especificamente para aqueles indivíduos cuja riqueza foi adquirida por meios que atentam justamente contra o capitalismo, como subsídios governamentais, protecionismo e outras formas de governo que obstruem a livre concorrência.  Nesse caso, os protestos mereceriam o apoio de todos os pró-capitalistas. No entanto, a gritaria tem sido generalizada e o alvo comum tem sido os ricos, os lucros e a ganância de forma geral.
A óbvia solução apresentada é que a população explorada — a esmagadora maioria da população mundial — confisque a riqueza da ínfima minoria abastada e a utilize para seu beneficio próprio ao invés de permitir que ela continue sendo utilizada para o benefício dessa ínfima minoria, que é supostamente formada por indignos e gananciosos capitalistas exploradores.  Em outras palavras, o programa implícito por trás das atuais manifestações é o socialismo e a redistribuição de riqueza.
Deixando de lado as hipérboles utilizadas nos protestos, é verdade que uma relativamente pequena minoria da população de fato detém uma excepcionalmente grande fatia da riqueza da economia.  Mas o que os manifestantes não percebem é que a riqueza dessa ínfima minoria é exatamente o que fornece o padrão de vida da esmagadora maioria.
Os manifestantes não se dão conta disso porque veem o mundo através de uma lente intelectual totalmente inapropriada para a vida sob o capitalismo e sua economia de mercado.  Eles veem um mundo — que ainda existe em alguns lugares atrasados, e que era prevalecente há alguns séculos — povoado de famílias autossuficientes que vivem da agricultura de subsistência, cada uma produzindo para consumo próprio, sem nenhuma ligação com um mercado de compra e venda de bens e serviços.
Em tal mundo, quando alguém vê uma plantação, ou um celeiro, ou um arado, ou animais de carga, e pergunta a quem tais meios de produção servem, a resposta é "ao agricultor e sua família, e a ninguém mais".  Neste mundo, à exceção de algum ocasional gesto de caridade dos proprietários, aqueles que não possuem meios de produção não podem se beneficiar dos meios de produção existentes, a menos que eles próprios de alguma maneira também se tornem proprietários de meios de produção.  Eles não podem se beneficiar dos meios de produção de terceiros, a menos que herdem-nos ou confisquem-nos.
No mundo dos manifestantes, os meios de produção possuem essencialmente a mesma característica de bens de consumo, os quais, em regra, beneficiam apenas os seus proprietários.  Justamente por seguirem esta mesma visão de mundo, aqueles que compartilham da mesma mentalidade dos manifestantes tipicamente imaginam os capitalistas como homens obesos, cujos pratos estão repletos de comida enquanto as massas de assalariados têm de viver à beira da fome.  De acordo com essa mentalidade, a redistribuição de riqueza é simplesmente uma questão retirar a comida do prato transbordante dos capitalistas e redistribuí-la para os trabalhadores esfomeados.
Porém, ao contrário de tais crenças, no mundo moderno em que realmente vivemos, a riqueza dos capitalistas simplesmente não está na forma de bens de consumos, pelo menos não de maneira significativa.  Não apenas ela está predominantemente na forma de meios de produção, como também esses meios de produção estão empregados na produção de bens e serviços que são vendidos no mercado.  Em total antagonismo às condições das famílias agrárias autossuficientes, os beneficiários dos meios de produção dos capitalistas são todos os membros do público consumidor em geral, que compram os produtos dos capitalistas.
Por exemplo, sem ser dono de uma única ação de alguma grande montadora (GM, Daimler, Ford, BMW, Scania, VW, Toyota, Volvo) ou de alguma petrolífera (Exxon Mobil, BP, Shell, Chevron), qualquer pessoa em uma economia capitalista que compre os produtos destas empresas se beneficia de seus meios de produção: o comprador de um automóvel Volvo se beneficia da fábrica da Volvo que produziu aquele automóvel; o comprador da gasolina da Shell se beneficia de seus poços petrolíferos, oleodutos e caminhões-tanque.  Adicionalmente, também se beneficiam destes meios de produção todas aquelas pessoas que compram produtos de clientes da Volvo ou da Shell, desde que tais meios de produção indiretamente contribuam para os produtos destes seus clientes.  Por exemplo, os clientes dos supermercados cujos produtos foram entregues em caminhões feitos pela Volvo ou abastecidos com diesel produzido nas refinarias da Shell se beneficiam da existência da fábrica de caminhões da Volvo e das refinarias da Shell.  Mesmo aqueles que compram produtos dos concorrentes da Volvo e da Shell, ou dos clientes destes concorrentes, também se beneficiam da existência dos meios de produção da Volvo e da Shell.  Isso porque os meios de produção da Volvo e da Shell resultam em uma oferta mais abundante — e, logo, mais barata — dos bens que os concorrentes vendem.
Em outras palavras, todos nós, 100% de nós, nos beneficiamos da riqueza dos odiados capitalistas.  Nós nos beneficiamos sem que nós mesmos tenhamos de ser capitalistas.  Os críticos do capitalismo são literalmente mantidos vivos em decorrência da riqueza dos capitalistas que eles odeiam.  Como demonstrado, os campos de petróleo e os oleodutos das odiadas corporações petrolíferas fornecem o combustível que movimentam os tratores e os caminhões que são essenciais para a produção e a distribuição de comida que os críticos comem.  Os manifestantes atuais e todos os outros que têm ódio dos capitalistas simplesmente odeiam os alicerces de sua própria existência.
O benefício que os meios de produção dos capitalistas trazem aos não-proprietários dos meios de produção se estendem não apenas aos compradores dos produtos fabricados por esses meios de produção, mas também aos vendedores da mão-de-obra que é empregada para trabalhar com esses meios de produção.  A riqueza dos capitalistas, em outras palavras, é a fonte tanto da oferta de produtos que os não-proprietários dos meios de produção compram, como também da demanda pela mão-de-obra que os não-proprietários dos meios de produção vendem.  Donde se conclui que, quanto maior o número e quanto maior a riqueza dos capitalistas, maior será tanto a oferta de produtos quanto a demanda por mão-de-obra.  Consequentemente, menores serão os preços e maiores serão os salários — logo, maior será o padrão de vida de todos.  Nada pode ser mais benéfico para o interesse próprio do cidadão comum do que viver em uma sociedade repleta de capitalistas multibilionários e suas grandes empresas, todos ocupados utilizando sua vasta riqueza para produzir bens que este cidadão irá comprar e para disputar a mão-de-obra que ele irá vender.
Não obstante tudo isso, o críticos do capitalismo desejam um mundo no qual os capitalistas bilionários e suas grandes empresas foram completamente banidos e substituídos por pequenos e pobres produtores, que não seriam significativamente mais ricos do que eles próprios, os críticos — o que significa que todos seriam pobres.  Eles creem que em um mundo com tais produtores, produtores que não possuem o capital necessário para produzir quase nada, muito menos para conduzir a produção em massa dos produtos tecnologicamente avançados do capitalismo moderno, eles irão de alguma forma estar economicamente em melhor situação do que estão hoje.  Obviamente, tais críticos e manifestantes não poderiam estar mais iludidos.
Além de não perceberem que a riqueza dessa ínfima minoria é o pilar do padrão de vida da esmagadora maioria, o que os críticos e manifestantes também não percebem é que a "ganância" daqueles que se esforçam para fazer parte da ínfima minoria — ou que se esforçam para ampliar sua posição dentro dela — é o que faz com que o padrão de vida da esmagadora maioria seja progressivamente aumentado.
A ironia fatal que está destruindo os EUA
A estagnação e o declínio econômico, os problemas do desemprego em massa e a crescente pobreza observada nos EUA nos últimos anos são o resultado de violações da liberdade individual e da busca pelo interesse próprio.  O governo emaranhou o sistema econômico em uma crescente teia de regras e regulamentações paralisantes que proíbem a produção de bens e serviços que as pessoas querem consumir, e ao mesmo tempo obrigam a produção de bens e serviços que as pessoas não querem, fazendo com que a produção de praticamente tudo seja muito mais cara do que deveria ser.  Por exemplo, proibições na produção de energia atômica, petróleo, carvão e gás natural encarecem o custo da energia; e com menos energia disponível para ser empregada na produção, a mão-de-obra humana tem de ser utilizada mais intensamente para produzir uma dada quantidade de bens.  Isso resulta em menos bens disponíveis na economia, o que afeta a remuneração de todos os assalariados.
Gastos governamentais descontrolados e seus concomitantes déficits orçamentários, em conjunto com altos impostos sobre a renda, sobre a propriedade e sobre ganhos de capital, todos incidentes sobre fundos que caso contrário teriam sido amplamente poupados e investidos, destroem o capital do sistema econômico.  Desta forma, eles impedem o aumento tanto na oferta de bens quanto na demanda por mão-de-obra, algo que mais capital nas mãos das empresas teria gerado. 
E há as inúmeras e crescentes regulamentações que aumentam o custo da produção, reduzem sua eficiência e impedem novas acumulações da capital.  E houve também a formação e o estouro de duas bolhas, a do mercado de ações e a imobiliária, ambas geradas pela expansão de crédito orquestrada pelo Banco Central americano e que amplificaram o consumo de capital da economia.  Trilhões de dólares em capital foram destruídos.
Toda essa destruição de capital afeta a capacidade das empresas de produzir e empregar mão-de-obra.  É essa perda de capital que é responsável pelo atual problema do desemprego em massa.
No entanto, não obstante toda essa maciça destruição de capital, o problema do desemprego pode ser eliminado.  Porém, devido a essa perda de capital, para que tal problema seja resolvido seria necessária uma redução nos salários.  Essa redução, entretanto, foi praticamente tornada ilegal em decorrência da existência de leis de salário mínimo e legislações sindicais.  Tais leis impedem que os empregadores ofereçam salários menores, aos quais os desempregados estariam reempregados.
Consequentemente, por mais irônico que seja, o fato é que praticamente todos os problemas dos quais os intelectuais, os críticos do capitalismo e os manifestantes reclamam são resultado justamente da implementação de políticas que eles apóiam e nas quais eles fervorosamente acreditam.  É essa mentalidade, o marxismo incrustado nela, e as políticas governamentais resultantes, que são responsáveis por tudo aquilo de que estão reclamando.  Os críticos e os manifestantes estão, com efeito, na posição de autoflagelantes involuntários.  Eles estão se chicoteando e, como bálsamo para suas feridas, exigem ainda mais chicotadas e algemas.  Eles não veem isso porque não aprenderam a fazer a correlação entre fenômenos básicos.  Eles não entendem que, ao violarem a liberdade de empreendedores e capitalistas, e ao confiscarem e consumirem suas riquezas — isto é, ao utilizarem armas de constrangimento físico e mental contra esse pequeno e odiado grupo —, eles estão destruindo as bases de seu próprio bem-estar.
Por mais que os críticos do capitalismo mereçam sofrer em decorrência dos danos causados pela aplicação de suas próprias ideias, seria muito melhor se eles acordassem para o mundo moderno e passassem finalmente a entender a verdadeira natureza do capitalismo, e então direcionassem sua ira aos alvos que realmente merecem recebê-la.  Caso fizessem isso, eles poderiam, aí sim, trazer alguma contribuição real para o bem-estar econômico, inclusive o deles próprios.

George Reisman Ph.D. é o autor de Capitalism: A Treatise on Economics. (Uma réplica em PDF do livro completo pode ser baixada para o disco rígido do leitor se ele simplesmente clicar no título do livro e salvar o arquivo). Ele é professor emérito da economia da Pepperdine University. Seu website: http://www.capitalism.net/. Seu blogwww.georgereisman.com/blog/.


AS FALÊNCIAS


As falências são o verdadeiro estímulo econômico
 
Há muita discussão hoje em dia sobre socorros financeiros e estímulos - o caso mais recente é o da GM.  Eles são mesmo necessários?  Eles são justos?  A resposta para ambos é não e não.  Entretanto, vários economistas, políticos e empresários seguem dizendo que os socorros são medidas emergenciais necessárias para se impedir o agravamento de recessões.  Sem levar em consideração a justiça e a moralidade dessas medidas, eles nos alertam que haverá um enorme e desnecessário sofrimento se ficarmos inertes e permitirmos que o mercado faça seu serviço, liquidando os ineficientes.  Os socorros podem estancar essa dor, alegam eles, e restaurar ordem e calma a uma economia.
Sim, sabemos que uma onda de falências significa desemprego maciço e uma economia em contração - isto é, recessão.  Mas o risco moral por trás de medidas supostamente tidas como benfeitoras não pode ser desprezado. (Fora isso, a ideia de que estímulos podem curar recessões está bem debatida aqui e aqui).
O capitalismo depende de três instituições fortemente complementares, porém distintas: preços, propriedade e o mecanismo de lucros e prejuízos.  Os liberais clássicos demonstraram a função essencial que esses pilares da prosperidade tiveram durante séculos.  Essas instituições fundamentais da economia de mercado são como as pernas de um tamborete.  Se formos debilitando gradualmente uma perna, inevitavelmente iremos fazer com que o tamborete desmorone - um colapso econômico.
Quando uma empresa obtém um lucro, é sinal de que ela está utilizando racionalmente seus recursos, aumentando seu valor ao mesmo tempo em que controla seus custos.  Quando uma empresa opera com prejuízos, é sinal de que ela está ou diminuindo o valor de seus recursos ou deixando que seus custos operacionais superem o valor daquilo que ela esteja criando.  Portanto, uma empresa que opera com prejuízo é uma máquina de destruição de riqueza.  (O mecanismo sinalizador que orienta todas as decisões e fornece os resultados é o sistema de preços).
Falências são algo positivo para uma economia porque permitem que aqueles concorrentes mais produtivos tenham a oportunidade de comprar os ativos das empresas falidas a preços de barganha, permitindo-os fortalecer suas operações.  Em uma economia que permita esse tipo de crescimento e mudança, os empregos perdidos em um processo de falência serão rapidamente repostos por outros, uma vez que as empresas mais eficientemente geridas ganham acesso a mais ativos e se expandem.
Dito isso, as implicações das ajudas financeiras são claras.  Esses socorros são concebidos para imunizar alguns empreendedores dos efeitos de suas decisões ruins.  Quando os preços de mercado se alteram dramaticamente, deixando a descoberto as más escolhas de investimento, os socorros financeiros "vêm ao resgate", prometendo àqueles que erraram em seus cálculos que eles não terão de sofrer as conseqüências de seus erros.
Mas quem está na área de empreendedorismo precisa entender uma questão básica porém crucial: os preços estão sujeitos a mudanças.  Mudança é uma característica indelével dos mercados.  Empreendedores ganham dinheiro pesquisando e buscando preços "errados" - preços que seus concorrentes estão superestimando ou subestimando - e apostando em qual direção esses preços irão se mover no futuro.  Os empreendedores de sucesso, aqueles que corretamente antecipam as mudanças de preços, são recompensados com lucros.  Os empreendedores mais inaptos, aqueles que não estimam corretamente os movimentos desses preços, são penalizados com prejuízos.  Essa é a essência do processo de mercado.
As ajudas financeiras dadas pelos governos, portanto, são uma tentativa de abolir os efeitos dos prejuízos, do insucesso econômico.  Mas tais esforços inevitavelmente solapam o aspecto "prejuízo" do mecanismo de lucros e prejuízos.  Lucro e prejuízo andam lado a lado - como direita e esquerda, bem e mal.  Se tentarmos abolir os prejuízos, acabaremos diluindo o significado dos lucros.  Afinal, por que se esforçar para servir bem o consumidor e obter lucros se no final o governo vai cobrir seus prejuízos com o dinheiro do contribuinte?  Por que se esforçar para competir e ter sucesso se, ao invés, você pode apenas se recostar e reclamar sua fatia num pacote de ajuda financeira?  Os socorros governamentais destroem a busca pelo lucro - e todos os benefícios trazidos por uma economia concorrencial.
Falências não são o fim do mundo.  Ao contrário, elas fazem com que haja menos máquinas de destruição de riqueza atuantes no mundo.  O exemplo do Japão não deve ser esquecido.  A década de 1990 foi para os japoneses a "década perdida" por causa de seus bancos zumbis que foram mantidos artificialmente vivos pela ajuda do governo japonês.  Toda a produtividade e riqueza gerada pela economia japonesa foi redirecionada para essas máquinas de destruição de riqueza, o que resultou em uma estagnação de longo prazo. 
Pra finalizar, um último detalhe, quase nunca mencionado: por causa da grande acumulação de riqueza trazida pelo capitalismo, vivemos em um mundo de relativa abundância, o que suaviza enormemente as agruras e privações de um desempregado.  Quando um indivíduo perde o emprego em uma recessão, certamente ele terá de apertar os cintos e procurar outro emprego.  Mas ele não corre o risco de morrer de inanição.  E quanto mais livre for o mercado, maiores serão as oportunidades para ele ir se ajustando às mudanças econômicas.  Sim, esse indivíduo irá sofrer um bocado durante a transição, mas essa dor oriunda do fracasso econômico irá guiá-lo para escolhas mais produtivas e exitosas.
O fracasso não é divertido, mas ele nos ensina lições essenciais.  Não devemos ignorar essas lições só porque acreditamos que o certo é despejar dinheiro do contribuinte nos cofres de empresas insolventes.  Ao invés de tentar abolir as falências por meio de socorros financeiros, deveríamos deixar o mercado funcionar, deixar que os ineficientes quebrem e aprender a lição.


Ron Paul é médico e congressista republicano do Texas e candidato à nomeação para as eleições presidenciais de 2012. Seu website: http://www.campaignforliberty.com