terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A CRISE É MORAL

O Japão está em crise há décadas. A Europa está em grave crise. Os Estados Unidos cada vez se parecem mais com a Europa. Não seria exagero falar em uma grande crise das democracias modernas. O que pode explicar tal fenômeno?

A esquerda vai apontar para os bodes expiatórios de sempre: o capitalismo, o liberalismo, o individualismo. E a esquerda vai errar o alvo, como sempre. Foi o capitalismo liberal com foco no indivíduo que tirou milhões da miséria e permitiu uma vida mais confortável a essa multidão. Quem está mais longe desse sistema, está em situação muito pior.

O que explica as crises atuais então? Claro que um fenômeno complexo tem mais de uma causa. Mas eu arriscaria uma resposta por meio de um antigo provérbio conhecido: avô rico, filho nobre, neto pobre. Isso quer dizer, basicamente, que o próprio sucesso planta as sementes do fracasso, só que de outra geração.

Somos os herdeiros de uma geração mimada, que colheu os frutos do árduo trabalho de seus pais, acostumados com vidas mais duras, com guerras, com diversas restrições. Essa geração, principalmente na década de 1960 e 70, pensou que bastava demandar, e todos os seus desejos seriam atendidos, sabe-se lá por quem.

Acostumados com o conforto ocidental, essas pessoas passaram a crer que a opulência era o estado natural da humanidade, e não a miséria. Em vez de pesquisar as causas da riqueza das nações, como fez Adam Smith, eles acharam que bastava distribuir direitos e jogar a conta para o governo.

O Estado se tornou, nas palavras de Bastiat, “a grande ficção pela qual todos tentam viver à custa de todos”. O conceito de escassez foi ignorado, e muitos passaram a acreditar na ilusão de que basta um decreto estatal para se obter crescimento e progresso. Vários olharam para esse deus da modernidade em busca de milagres.

Foi assim que a impressão de moeda por bancos centrais passou a ser confundida com criação de riqueza. Ou que gastos públicos passaram a ser sinônimo de estímulo ao PIB, colocando o termo “austeridade” na lista dos inimigos mortais. O crédito sem lastro para consumo passou a ser visto como altamente desejável, e a poupança individual como algo prejudicial ao crescimento econômico. 

Toda uma geração acreditou que era possível ter e comer o bolo ao mesmo tempo, esquecendo o alerta de Milton Friedman, de que não existe almoço grátis. Esmolas estatais foram distribuídas a vários grupos organizados, privilégios foram criados para várias “minorias” e o endividamento público explodiu.

O Estado de bem-estar social criou uma bomba relógio, mas ninguém quer pagar a fatura. Acredita-se que é possível jogá-la indefinidamente para frente. Os banqueiros centrais vão criar mais moeda ainda, os governos vão gastar mais e assumir novas dívidas, as famílias vão manter o patamar de consumo e tomar mais crédito, e todos serão felizes. E ai de quem alertar que isso não é possível: será um ultraconservador reacionário e radical.

A postura infantil se alastrou para outras áreas além da econômica. Os adultos agem como adolescentes e delegam ao governo a função de cuidar de seus filhos e de si próprios. O paternalismo estatal assume que indivíduos não são responsáveis, mas sim mentecaptos indefesos que necessitam de tutela.

Intelectuais de esquerda conseguiram convencer inúmeras pessoas de que elas não são responsáveis por suas vidas, e sim marionetes sob o controle de forças maiores e determinísticas. Roubou alguém? É vítima da sociedade desigual. É vagabundo? Culpa do sistema. Matou uma pessoa? A arma é a culpada, e a solução é desarmar os inocentes.

Notem que o mundo atual exime de responsabilidade o indivíduo de quase todas as atrocidades por ele cometidas. Sob a ditadura velada do politicamente correto, ninguém mais pode dar nome aos bois e colocar os pingos nos is. Os eufemismos são a regra, e a linguagem perdeu seu sentido. O criminoso vagabundo é a vítima, e sua vítima é o verdadeiro culpado: quem mandou ter mais bens?

Portanto, engana-se quem pensa que para sair dessa crise precisamos de mais do mesmo: mais crédito, mais dívida pública, mais gastos de governo, mais impostos sobre os ricos e mais impressão de moeda. Não! A receita proposta por Obama e companhia é o caminho da desgraça. Ela representa estender artificialmente a “dolce vita” dos filhos nobres (e mimados), como se o dia do pagamento nunca fosse chegar. Ele chega, inexoravelmente.

Os netos pobres seremos nós, ou nossos filhos, se essa trajetória não mudar logo. A crise não é apenas econômica; ela é moral. Por: Rodrigo Constantino O Globo

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A DECADÊNCIA DA FRANÇA

Gérard Depardieu já é cidadão russo. Foi recebido pelo próprio Vladimir Putin, depois de polêmica feia com o governo de François Hollande.


Eis a questão: Depardieu está cansado de pagar impostos. Durante a sua longa carreira, já pagou mais de € 145 milhões (cerca de R$ 384 milhões). Chega. Sobretudo quando o governo de Hollande promete taxar com redobrada dureza os mais ricos do país.

Comento essa história com alguns amigos progressistas que não se conformam: se o Estado francês deseja aumentar para 75% o Imposto de Renda de quem ganha mais de € 1 milhão (R$ 2,6 milhões), como é possível que Depardieu se recuse a contribuir?

Claro que o verbo, na minha opinião, não é "contribuir". É "permitir". No caso, "permitir" ser roubado pelo Estado. Mas o problema, no fundo, é outro: quando Depardieu diz adeus à França e aceita um passaporte de Putin, talvez seja a França, e não Depardieu, que esteja com problemas sérios.

Aliás, bastaria perguntar aos meus amigos progressistas quando estiveram eles em Paris pela última vez. O silêncio seria geral. Paris é uma cidade que já não existe no radar deles.

Sem falar do óbvio: qual foi o último romancista francês que eles leram em 2012? Qual foi o filme a que assistiram? Que exposição os motivou ou encantou?

E, filosoficamente falando, quem é o grande pensador francês da atualidade? Melhor ainda: seriam eles capazes de ler esse pensador na língua original?

"É a economia, estúpido!", dizia um conhecido marqueteiro americano nas eleições presidenciais de 1992 entre Clinton e Bush (pai). No caso da França, a economia é apenas o começo do problema.

E esse começo é o mesmo dos países do sul da Europa: o euro, uma quase imposição gaulesa para que a União Europeia engolisse a temível reunificação da Alemanha, permitiu à França uma década de endividamento e gastos públicos como se não existisse amanhã.

Os resultados, que a revista "The Economist" resumiu recentemente, arrepiam qualquer cristão: o Estado consome 57% do PIB (a maior fatia de toda a zona do euro). A dívida pública saltou dos 22% do PIB (em 1981) para os 90% (em 2012). O desemprego atinge 25% da população jovem.

Perante tudo isso, a solução de François Hollande é taxar tudo que se mexe: trabalho, capitais, patrimônio. E depois? Quando não existir mais nada nem ninguém para "contribuir"?

Depois, a França chegará a duas conclusões dolorosas.

A primeira é que, ao adiar as reformas necessárias para que a sua economia seja minimamente competitiva, Paris capitulou perante a Alemanha: Angela Merkel é hoje a líder informal da Europa, não François Hollande.

E, segunda, que há um cheiro de declínio no território preferencial dos franceses: o da cultura.

Anos atrás, a revista "Time" provocou polêmica ao cartografar esse declínio com números. Na França, publica-se muito -mas os livros não sobrevivem fora das fronteiras francesas. Na França, filma-se muito -mas os filmes também não sobrevivem fora do país.

O mais celebrado artista plástico francês -Robert Combas- é personagem secundário nos circuitos artísticos internacionais (que estão em Londres, Nova York e até Berlim). A cultura pop francesa é uma piada (ou, no limite, uma imitação grotesca dos rappers americanos).

Se não fossem moda e gastronomia, que só com muita benevolência podem ser consideradas "alta cultura", o que seria da França, hoje?

Formulo essa questão e o leitor, conhecendo a minha costela anglófila, imagina um riso perverso.

Imagina mal. Em 2012, o melhor livro que li foi francês ("O Mapa e o Território", de Michel Houellebecq). Em 2012, o melhor filme a que assisti foi uma produção parcialmente francesa ("Amour", de Michael Haneke). E, para ficar na filosofia, o melhor tratado de política que li no ano findo também foi francês (uma história do liberalismo de Pierre Manent).

Só que tudo isso são exceções que só confirmam o meu desgosto: eu gostaria de ter mais França, e não menos, nas estantes de minha casa. Isso só não é possível porque o declínio é real.

Sem enfrentar esse declínio, os meus amigos progressistas podem encontrar em Gérard Depardieu o bode expiatório. Infelizmente, não será o bode a ressuscitar o rebanho.

Por: João Pereira Coutinho Folha de SP

O TIGRE DE PAPEL

O Brasil já foi chamado “o país dos bacharéis”. O bacharelado – ou diploma universitário, em geral – costumava ser, na prática, a prova de que seu portador pertencia à classe média urbana. A formação universitária propriamente dita, ainda que melhor que a atual, importava menos que a existência do “canudo de doutor” (e todo bacharel era “doutor”; mestrado e doutorado eram coisas de estrangeiros).


De lá pra cá muito mudou, mas a importância relativa dos papeizinhos dotados de poderes mágicos só aumentou. Para que se possa considerar que mais gente pertence à classe média, o governo facilita o acesso a cursos superiores em função de critérios absolutamente irrelevantes do ponto de vista acadêmico, muda a faixa de renda que caracteriza a pobreza; em suma, muda o papel. Distribui papéis. É o papel que faz a realidade.

A mesma idolatria pelo papel explica sermos ao mesmo tempo um dos países em que é mais difícil conseguir habilitação para dirigir – requerendo cursos teóricos e práticos em veículos especialmente adaptados ao exame psicotécnico – e o terceiro lugar mundial em mortes no trânsito. O primeiro e o segundo lugar têm mais de um bilhão de habitantes cada, e bem menos mortes por cem mil habitantes. Em outras palavras, somos os campeões!

Ainda é a mesma papelucholatria que faz com que seja praticamente impossível conseguir autorização para porte de arma, mas tenhamos quase quatro vezes o número de mortes por arma de fogo que os “violentos” EUA.

Multidões de analfabetos funcionais lotam os bancos universitários e ganham seus canudos sem nunca terem lido um livro inteiro. Multidões de habilitados atropelam, colidem e fazem barbeiragens em geral, sendo condenados – após um processo judicial que implica em pilhas enormes de papel e leva alguns anos para ser concluído – a pagar cestas-básicas quando matam uma família. Os professores não podem instruir, mas os alunos são automaticamente aprovados para que não deixem de receber seus papeizinhos mágicos; a polícia não pode investigar, mas cada ocorrência é criteriosamente registrada em fartas resmas e carimbada várias vezes antes de ser arquivada. Carregamos carteirinhas do SUS, sabedores de que sem elas não conseguiremos uma vaga no corredor do hospital para agonizar em paz. Somos todos identificados por carteiras de identidade, e temos a certeza de ter nascido que só uma certidão de nascimento pode dar.

No papel, somos os campeões. No papel, somos uma potência.

Pena que papel aceita qualquer coisa.

Por: Carlos Ramalhete é professor. Publicado no jornal Gazeta do Povo.

MELHOR SER MINISTRO NA MORDÓVIA

Milionários do Ocidente pedindo asilo na Rússia? C’est nouveau ça! O ator Gérard Depardieu, que havia se refugiado na Bélgica para fugir à fúria fiscal do presidente socialista François Hollande - que aumentou para 75% o imposto a ser pago por quem ganha mais de um milhão de euros ao ano - recebeu hoje passaporte russo das mãos do presidente Vladimir Putin. Recebido o documento, o ator dirigiu-se para a Mordóvia, onde foi convidado para ser o ministro da Cultura. Sob um governo socialista, melhor ser ministro da Cultura na Mordóvia que milionário na França.


Em meus dias de Suécia, vivi em uma sociedade onde a honestidade era a regra. O Estado confiava no cidadão e o cidadão confiava no Estado. O mais odiado dos crimes, naqueles dias, era a sonegação de impostos. Quem sonegava estava cometendo um crime de lesa-igualdade. O problema é que o imposto de renda podia chegar até 95% e houve inclusive o caso caricatural da escritora Astrid Lindgren, autora de livros infanto-juvenis, em que chegou a 102%. Uma cascata de leis impensadas, uma incidindo sobre a outra, produziu o absurdo. Foi quando soou o alerta sobre a fome fiscal dos socialistas suecos.

Personalidades como Ingmar Bergman ou Ronnie Peterson chegaram inclusive a trocar de país para fugir à fúria tributária do Estado. Em 1976, Bergman foi preso por sonegação fiscal, em pleno Teatro Real de Estocolmo, durante um ensaio de A Dança da Morte, de Strindberg. O cineasta deixou então seu país para viver um longo exílio artístico em Munique. Anistiado em 1979 depois de um ajuste fiscal, ele voltou à Suécia em 1981 para filmar Fanny e Alexandre, mas o retorno definitivo à Suécia aconteceu apenas em 1988. 

Por mais dinheiro que você tenha, sempre dói no bolso receber um milhão e deixar 750 mil para o Estado. O dinheiro é covarde. Mal se sente ameaçado, bate asas. Isto, até hoje os socialistas não entenderam. Em busca da sociedade igualitária, acabam afastando os mais ricos e nivelando por baixo. Aconteceu também em 81, na França. Mitterrand, ao ser eleito, começou a privatizar bancos e ameaçou aumentar o imposto de renda das grandes fortunas. O dinheiro começou a fugir da França, por discretas fronteiras com a Suíça. Só quando Mitterrand se deu conta deste medo visceral do dinheiro e voltou atrás em seus propósitos, os milionários aceitaram voltar à França.

A cidadania russa foi concedida a Depardieu na quinta-feira passada, por decisão especial de Putin. Recebido o documento, o ator fez o elogio da democracia no país. “Ele não será esquecido e esta frase jamais lhe será perdoada: 'é uma grande democracia' “ – disse o jornalista Matei Ganapolski, da rádio de oposição Echo Mosky. Na Rússia, os cidadãos, do bilionário ao pobre, pagam 13% de imposto de renda. Nisto consiste a democracia louvada por Depardieu.

Uma outra personalidade francesa do cinema também pretende obter asilo em Moscou, Brigite Bardot. Por outras razões, segundo alega. Está farta da França porque o governo decidiu abater dois elefantes doentes. Falta saber se na Rússia elefantes doentes não são abatidos. Mas o imposto é de 13%. 

A fuga de Depardieu é apenas a ponta emersa do iceberg. Entende-se que quem ganha muito queira proteger sua fortuna. O que não se entende – perguntaram-se os franceses – é como Depardieu ganhava tanto. E uma nova polêmica, alheia à questão fiscal, está tomando conta dos jornais. Resposta: é que o cinema francês – como aliás, o nosso é subsidiado pelo Estado. E o rei escolhe seus amigos. 

Segundo Le Monde, o cinema francês repousa sobre uma economia cada vez mais subvencionada. Mesmo seus maiores sucessos comerciais perdem dinheiro. Os filmes são muito caros. A França detém o recorde mundial de custo médio de produção: 5,4 milhões de euros, enquanto o custo médio de um filme independente americano gira em torno de 3 milhões de euros. Este custo médio não baixa nunca, embora sempre haja mais filmes, o mercado de salas esteja estagnado, o vídeo afunde e as audiências de cinema na televisão estejam em perpétuo declínio. Sobre o top 10 de uma economia que concerne 220 filme, só um é rentável. Todos os filmes franceses de 2012 ditos importantes foram “plantados”, perdendo milhões de euros: Les Seigneurs, Astérix, Pamela Rose, Le Marsupilami, Stars 80, Bowling, Populaire, La vérité si je mens 3, etc.

Como manter nas telas filmes que o público recusa e mesmo assim dar continuidade a uma indústria do cinema, aparentemente florescente? Só mesmo com o dinheiro do contribuinte, desviado pelo Estado, para repartição entre cineastas amigos. O caso de Depardieu não é único. Há dezenas de atores recebendo salários que a indústria não comporta. A affaire do futuro ministro da Cultura da Mordóvia serviu para puxar um escândalo bem maior, nutrido pelo Estado francês.

Qualquer semelhança com Pindorama não é mera coincidência. Com a diferença de que, no Brasil, a imprensa não dá um pio sobre a corrupção dos cineastas. Verdade que casos como o de Guilherme Fontes e sua biografia de Chateaubriand surgiram à tona, como também o de Norma Benguel e sua adaptação de O Guarani. Norma foi indiciada pela Polícia Federal e responde a acusações de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e apropriação indébita. 

Mas a coitada está em cadeira de rodas. Deixa pra lá. Deixa pra lá também os demais cineastas, ou não teríamos cinema no Brasil. Por Janer Cristaldo


A REFORMA DO PODER LEGISLATIVO

Impressiona muito o contraste na atitude assumida, no final de ano, pelos congressistas norte-americanos e os brasileiros.

Lá, os parlamentares se dispuseram a trabalhar, ininterruptamente, no mês de dezembro, inclusive no dia 31, e em 1.º de janeiro para encontrar uma saída para o que foi chamado de abismo fiscal (fiscal cliff), cuja consumação, a partir de janeiro, teria repercussões severas sobre o nível da atividade econômica mundial.

Ainda que não se tenha logrado uma solução definitiva para a complexa combinação de corte de gastos e de impostos, o episódio valoriza a capacidade de negociação entre o Executivo e o Legislativo daquele país, sob a égide do consagrado princípio da harmonia e independência dos poderes.

Aqui, depois do prolongado recesso oficioso decorrente das eleições municipais, os senadores e deputados optaram por desfrutar das tradicionais férias de fim de ano, que se prolongam até o início de fevereiro, sem que deliberassem, dentre inúmeras matérias relevantes, sobre o Orçamento para 2013 e os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – malgrado todos saberem que os recursos desse fundo constituem fonte indispensável para financiamento dos gastos da esmagadora maioria dos Estados.

O que houve com o Congresso Nacional? Decidiu abdicar do exercício de suas funções constitucionais?

Paradoxalmente, a abertura democrática, que sucedeu os governos militares, e a Constituição de 1988 concorreram, francamente, para o enfraquecimento da atividade parlamentar.Mesmo em épocas difíceis, como no segundo governo de Getúlio Vargas e nos governos militares pós-64, o Congresso jamais renunciou às suas responsabilidades. Ainda que desfalcado pela cassação de ilustres membros, novas gerações de parlamentares mantiveram o legado de combatividade, exercendo honradamente a atividade política na sua expressão mais nobre.

Em 1985, as novas bases de apoio governamental promoveram uma assustadora fúria fisiológica, privilegiando-se a filiação partidária em detrimento da habilitação técnica. Perdeu-se a compostura. A cobiça atingiu limites escandalosos, levando à criação de tantos cargos quantos fossem necessários para saciar a sede fisiológica.

A Constituição de 1988 introduziu institutos concebidos para uma pretensão de governo parlamentarista. Prevalecendo a tese presidencialista, esses mesmos institutos se converteram em armas contra o próprio Parlamento, a exemplo das medidas provisórias com força de lei.

O mais grave é que, com o passar do tempo, elas aumentaram sua toxicidade política, sendo utilizadas para tudo, desde a alteração do Orçamento e das leis de diretrizes orçamentárias até a majoração de tributos, daí passando para verdadeiras colchas de retalho, recheadas pelos “contrabandos” dos projetos de lei de conversão.

O novo regime, introduzido pela Emenda Constitucional n.º 32, de 2001, estabelecendo o travamento das pautas legislativas até a votação das medidas provisórias editadas, infelizmente serviu apenas para paralisar de vez a atividade legislativa.

Até mesmo a exigência constitucional de prévio exame dos requisitos de relevância e urgência foi afastada por uma manobra regimental, repudiada recentemente pelo STF.

Consolidou-se, dessa forma, a transferência da capacidade de legislar para o Poder Executivo, que dispõe ainda do recurso ao veto, que pode fulminar as parcas proposições do Legislativo. Não bastasse a exigência de quórum qualificado para sua derrubada, na prática, só remotamente os vetos são apreciados.

É espantoso constatar que existem mais 3 mil vetos na fila há mais de 12 anos, a despeito de a Constituição prescrever prazo de 30 dias para sua apreciação pelo Congresso.

Tudo isso estimulou, também, a preguiça. O Congresso perdeu o gosto pela produção de leis, propiciando, inclusive, um crescente ativismo do Poder Judiciário para suprir a mora legislativa.

O poder de fiscalização do Congresso foi garroteado pelo boicote à convocação de autoridades e pela farsa das CPIs, apequenadas pela maior capacidade investigatória dos órgãos especializados e pelo silêncio dos investigados, com base em direito sufragado pela Constituição.

O que sobra para o Congresso? Elevar verbas de representação, indicar apaniguados para funções públicas, cumprir os formalismos para aprovação de indicados para os cargos de ministros de tribunais, embaixadores e diretores de agências e, por fim, fazer o jogo das emendas parlamentares – fonte inesgotável da corrupção política. Eventualmente, escutam-se protestos.

Os brasileiros cultivam grande apreço por reformas. Elas satisfazem o desejo de mudar e têm tamanha indeterminação que atendem a todas as vontades. A imprecisão do ânimo reformista não significa, contudo, negação dos problemas. A reforma política, por exemplo, deveria ultrapassar a dimensão eleitoral e incluir a reforma do Legislativo. Trata-se, entretanto, de tarefa difícil, pois requer o concurso de estadistas. 
Por: Everardo maciel  Fonte: O Estado de S. Paulo

domingo, 13 de janeiro de 2013

PETRÓLEO NO ESPAÇO

Cientistas descobrem petróleo, e refinaria cósmica no espaço

Para quem acreditava que o pré-sal era a fronteira final do petróleo, os astrônomos têm uma surpresa.
A Nebulosa Cabeça de Cavalo, localizada na Constelação de Órion, fica a 1.300 anos-luz da Terra, o que certamente a torna menos acessível do que os epósitos do pré-sal. Mas a descoberta pode reavivar o interesse pelas teorias abióticas do petróleo, que afirmam que o valioso óleo pode ser de origem mineral, e não um composto fóssil oriundo da degradação de matéria orgânica. Jerome Pety e seus colegas descobriram os hidrocarbonetos interestelares - moléculas de C3H+ - usando o radiotelescópio de 30 metros do Instituto de Radioastronomia Milimétrica (IRAM), na Espanha.

Refinaria cósmica

Devido à forma peculiar e facilmente reconhecível que lhe deu o nome, a Nebulosa Cabeça de Cavalo é um dos objetos celestes mais fotografados pelos astrônomos. Mas é também um fantástico laboratório de química interestelar, onde o gás de alta densidade, aquecido pela luz de uma estrela supermaciça, continuamente interage e desencadeia reações químicas em muitos níveis. A molécula C3H+ descoberta pelos astrônomos pertence à família dos hidrocarbonetos, sendo parte das fontes de energia mais utilizadas hoje em nosso planeta, o petróleo e o gás natural.

A descoberta do "petróleo espacial", segundo os pesquisadores, "confirma que esta região é uma ativa refinaria cósmica".

Os astrônomos descobriram o petróleo espacial usando o radiotelescópio de 30 metros do Instituto de Radioastronomia Milimétrica (IRAM), na Espanha.

Hidrocarbonetos no espaço

A equipe detectou e identificou 30 moléculas na região da Nebulosa Cabeça de Cavalo, incluindo vários pequenos hidrocarbonetos, as moléculas que compõem o petróleo e o gás natural.

O que mais surpreendeu foi a quantidade do "petróleo espacial".

- "A Nebulosa contém 200 vezes mais hidrocarbonos do que a quantidade total de água na Terra," disse Viviana Guzman, membro da equipe. Além dessas moléculas menores, os astrônomos identificaram a presença do íon propinilidina (C3H+), que foi detectado no espaço pela primeira vez.

Origem do petróleo no espaço

Mas como esse "petróleo do espaço" se forma?

Em seu artigo, Pety e seus colegas propõem que os hidrocarbonetos espaciais resultam da fragmentação de moléculas carbonárias gigantes, chamadas PAHs (hidrocarbonos policíclicos aromáticos, na sigla em inglês). Essas moléculas enormes podem ser intemperizadas pela luz ultravioleta, produzindo a grande população de hidrocarbonetos menores que foram encontrados. Esse mecanismo pode ser particularmente eficiente em regiões como a Nebulosa Cabeça de Cavalo, onde o gás interestelar está diretamente exposto à luz de uma estrela gigante situada nas proximidades.

- "Nós observamos o funcionamento de uma refinaria de petróleo natural de dimensões gigantescas," disse Pety.

Pety é responsável pelo projeto Whisper, que foi criado justamente para estudar essa "refinaria cósmica", sob coordenação do Instituto Max Planck de Radioastronomia, na Alemanha. Fonte: Inovação Tecnológica

SEM SAUDADES

É quase uma constante começar o ano novo com um balanço sobre o que finda e com votos de esperança para o futuro. Neste janeiro, não fosse a reiteração da esperança haveria dificuldades em manter o ânimo. Melhor imaginar que algo de positivo ocorrerá no futuro porque do ano que se encerrou, pouco restou de bom. Na vida pessoal é distinto. Cada um fará o balanço que melhor lhe aprouver; eu pessoalmente nada de monta tenho a lastimar. Mas nos acontecimentos públicos, quanto desalento. Ainda bem que a História não se repete automaticamente. Vade retro!

Comecemos pela economia e pelas finanças internacionais. Quando parecíamos estar saindo da recessão que se arrastava desde 2008, a recuperação mundial se mostrou mais lenta e a crise na Europa ainda mais profunda. É desolação para todos os lados. Os americanos, mais pragmáticos, nadam de braçada em um mar de dólares trocados por títulos de solvência difícil, à custa do resto do mundo. Este não sabe o que fazer com a taxa de câmbio para se defender da inundação de dólares enquanto os Estados Unidos postergam o dia do ajuste final. Sua taxa de desemprego continua elevada, embora não em ascensão; não exibem retomada vigorosa da economia, sem todavia cair no abismo fiscal anunciado pela imprensa, o fiscal cliff. Ou melhor, estão mergulhados nele, mas com escafandro: mantêm as ruas aquietadas e vão contornando sem violência os que protestam nas praças, como no caso do movimento Occupy. Não conseguem, é verdade, escapar do abismo político das posições radicalmente distintas entre republicanos e democratas, muito maior do que aquele no qual está imerso o Tesouro. Os dois partidos não se entendem para definir uma política fiscal que alivie as aperturas do Tesouro, pois os republicanos não aceitam impostos que taxem mais os ricos, nem apoiam medidas que deem alívio às dificuldades dos mais pobres, sobretudo na questão da saúde. A sociedade americana parece bloqueada.

Os europeus pretendem levar a sério o que os americanos dizem, não o que fazem. Pilotam a economia com rédea de ferro, ortodoxos como ninguém conseguira antes. E a economia, tal como o cavalo do inglês que, quando aprendeu a viver sem comer morreu, vai de austeridade em austeridade desfazendo o tão penosamente construído modelo social europeu, rompendo, ou melhor, sufocando o estado de bem estar social e destruindo as bases de um pacto de convivência aceitável. É governo caindo por todo lado e desemprego fazendo as famílias gemerem sem ilusões. E nada do PIB crescer nem das contas públicas melhorarem: da crise de liquidez do setor bancário privado passaram a quebradeira dos Tesouros nacionais, enquanto o euro continua intrépido como se fosse bandeira da Alemanha triunfante. Esta, por sua vez, torna-se capenga pela falta de quem compre as mercadorias que sua produtividade torna baratas em comparação com as produzidas além fronteiras.

Até a China, cujo aparelho produtivo, baseado em exportações, foi criado em aliança com as multinacionais, teve de ajustar-se às circunstâncias, pois lhes falta hoje o vigor do mercado externo de outrora. O país reconstitui penosamente seus objetivos; por ora, essa transição não se completou e o velho modelo já não produz os mesmos exuberantes resultados. Tenta aumentar o consumo doméstico e criar a rede de proteção social indispensável para dar ânimo às pessoas e fazê-las, em vez de poupar para a velhice e a invalidez, consumir. Ao mesmo tempo, com demanda interna insuficiente, a China reduz suas compras de commodities e busca exportar mais os muitos produtos manufaturados que fabrica. O Brasil sofre com isso. Se aqui a crise não produziu um tsunami, suas marolas converteram-se em marasmo, que obriga à navegação a vela em tempos de calmaria.

Se pelo menos a situação política mundial desse algum sinal de melhoria haveria consolo. No final de 2011 meus votos foram pela construção de uma melhor governança global, processo que se avizinhava. Não foram atendidos, demos marcha à ré. As esperanças suscitadas pelo G-20 viraram poeira e, pelo menos até agora, a regulação do mercado financeiro virou balela. No plano das relações de poder, apesar dos avanços já alcançados -- as razoáveis relações sino-americanas, o deslocamento do eixo do mundo para a Ásia, a progressiva aceitação da Rússia como parte do jogo de poder mundial e o reconhecimento do peso político específico de alguns dos países de economia emergente, como o Brasil -- não houve progresso de monta. O que parecia um ressurgimento que permitiria o reconhecimento do mundo árabe-islâmico como parceiro global _ a Primavera Árabe _ ainda é uma incógnita. Como se não bastassem a desastrada intervenção europeia na Líbia, que resultou em faccionalismo e violência, a revolta fomentada na Síria, com enorme custo humano, o fracasso da intervenção ocidental no Afeganistão e o congelamento de uma situação política precária no Iraque, há ainda o impasse nas relações palestino-israelense. Este, graças à aceitação pela ONU do estado palestino na condição de observador, junto com a enigmática revolução egípcia, poderá ser rompido. Sabe-se lá usando quais meios. Oxalá não os nucleares, pretextando a nuclearização do Irã.

Há, portanto, boas razões para desconfiar que 2013 nos prepare dias melhores. Resta o consolo de que entre nós brasileiros, a despeito do já dito e do desapontador "pibinho", que parece desenhar outro apenas melhorzinho para o ano em curso, pelo menos o Judiciário desempenhou seu papel. Sem me regozijar pelo que não me anima _ a desolação da cadeia para quem quer que seja _ é forçoso reconhecer que as instituições republicanas funcionaram. Há choro e ranger de dentes entre alguns poderosos. Há tentativas desesperadas de negar as evidências e acusar de farsa o que é correto. Mas tem prevalecido a serenidade dos que acreditam, como diz a bandeira dos mineiros sobre a Liberdade, que a Justiça pode tardar, mas não falha. São meus votos.Por: Fernando Henrique Cardoso O Globo

INFÂMIA PETISTA

A infâmia não é percebida de imediato, mas lá fora o Brasil desceu alguns degraus na escala moral. Somos já motivo de piada, de escárnio e deboche. Merecemos isso.

A infâmia não é coisa que se apanhe de imediato, no momento em que ela nasce ou é criada. É preciso alguns anos para que se sedimente na consciência do povo que algo vergonhoso, inenarrável, que antes jamais foi concebido, torne-se real aos olhos de todos. O nome dessa infâmia é Partido dos Trabalhadores, como vimos agora na posse de José Genoíno, um condenado à cadeia que assume sua vaga na Câmara dos Deputados. Eu bem poderia dizer que infame é a Câmara, mas isso seria fazer o jogo daqueles que, precisamente tentam fechá-la, e antes disso, desmoralizá-la com a posse de um condenado. 
Aos olhos das pessoas que enxergam a diferença entre o legal, e o moral ou ético, a posse de José Genoíno é um ultraje ao poder legislativo, transformado nesse ato em apêndice da vontade da governança petista ajudada pelos lacaios de sempre. Seria querer demais que os parlamentares dessa Câmara ultrajada evitassem o gesto desafiador e malicioso da grei petista, porquanto ela mesma, Câmara dos Deputados, se transformou em joguete, em fantoche de um governo pré-totalitário e fascista como é o governo Dilma Rousseff. O Senado Federal não foge a esse desgoverno.

Muito menos esperaríamos ver do próprio José Genoíno algo virtuoso, uma ação elevada, como o que esperava dele, acreditem, o ex-governador Olívio Dutra que, nos jornais disse que esperava mais ética com a renúncia do condenado quadrilheiro ao seu mandato. O mesmo se pode dizer dos demais deputados que, envergonhados alguns, ostensivos outros em suas manifestações de apoio à posse vergonhosa, se comportaram de maneira nada digna, nada ética, preferindo a desonra, e mais tarde a infâmia, a lhes pesar e sujar suas histórias pessoais.

E o povo? O povo a tudo assiste de boca aberta, uns porque não entendem o que se passou, outros porque apóiam o gesto de desafio e de desobediência de alguém que ainda tem coragem de jurar por uma Constituição que não soube respeitar. Por isso, esse momento passará inadvertido à maioria do povo brasileiro, cuja consciência do que acontece ainda o levará a reeleger Lula ou Dilma Rousseff. A infâmia não é percebida de imediato, mas lá fora o Brasil desceu alguns degraus na escala moral. Somos já motivo de piada, de escárnio e deboche. Merecemos isso.

Extremos de deboche como esse levam alguns a imaginar alternativas de ação anti-desmanche das instituições. Já se sabe que a democracia não protege a sociedade do voluntarismo totalitário, pelo contrário, este se alimenta dela, bastando para tal que um demagogo inteligente conduza o povo à ruína totalitária. Nesse nível de comprometimento da ação societária legal a única via é a ilegalidade – e a derrubada de um governo totalitário passa a ser uma missão humanista e virtuosa. A ação apolítica, no sentido clássico, passa a ser a última alternativa antes da escravidão total. Será que teremos que chegar a tal ponto? Por: Carlos Reis

sábado, 12 de janeiro de 2013

REGULAMENTAÇÃO DA MÍDIA

A garrando uma oportunidade, a condenação de alguns políticos que o lideram, o Partido dos Trabalhadores postula novamente o controle da imprensa. Existem graves distorções no jornalismo atual, devendo ele ser tratado com rigor pelos interessados - leitores, ouvintes, telespectadores- na forma e no conteúdo das notícias.Muitas críticas, no entanto, têm origem em personalidades e grupos que desejam impor programas para perpetuar seu poder.

De onde vem a tese de que é preciso regular a imprensa? Lembremos o jurista Carl Schmitt, lido por Francisco Campos, ministro de Vargas que no Estado Novo normatizou os jornais. O alemão afirma que, na busca de formar a mente pública, o audiovisual ameaça o Estado. O poder político deve ter o monopólio dessa técnica. "Nenhum Estado liberal deixa de reivindicar em seu proveito a censura intensiva e o controle sobre filmes e imagens, e sobre o rádio. Nenhum Estado deixa a um adversário os novos meios de dominação das massas e formação da opinião pública". O Estado, diz Schmitt, deve controlar os meios de comunicação: "Os novos meios técnicos pertencem exclusivamente ao Estado e servem para aumentar sua potência". O ente estatal "não deixa surgirem seu interior forças inimigas. Ele não permite que elas disponham de técnicas para sapar sua potência com slogans como"Estado de direito","liberalismo" ou um outro nome" (Schmitt em 1932, cf. O. Beaud: Os Últimos Dias de Weimar). A raiz histórica da tese é venenosa.

Na Alemanha preconizada por Schmitt o nome para a regulamentação da mídia foi a Gleichschaltung (impor à imprensa, de modo uniforme, a ideologia do partido). Em 1933 existiam no país 4 mil diários e 7 mil revistas.O Reich estatizar a a maioria das estações de rádio (1925). A Reichs Rundfunk Gesellschaft (Sociedade de Comunicação Radiofônica do Reich) foi posta em 1932 sob os comissários de Franz von Papen, o que facilitou a Gleichschaltung. Tal política foi denunciada em 1938 por Stephen H. Roberts (The House that Hitler Built), mas os olhos estavam cegos para o arbítrio. E vieram a regulamentação do rádio e do serviço postal, a centralização do controle no Ministério da Propaganda, a imposição da conformidade aos funcionários. Foram demitidos os indesejáveis (judeus especialmente).Todos deveriam aceitar os ditames do governo e do partido.Goebbels demitiu os antigos comissários do rádio. Em março de1940 foram unificados os programas radiofônicos do Reich.

Poucas leis foram necessárias para regular a mídia. Ouvir rádios estrangeiras levaria à pena de morte,segundo o Decreto Sobre Medidas Extraordinárias (1.º/9/1939). Em 1937 existiam 8 milhões de receptores de rádio na Alemanha, ante 200 aparelhos domésticos de televisão dois anos depois. Nos Jogos Olímpicos de 1936, 162.228 pessoas foram às salas que exibiam programas televisionados. O partido e o governo usavam, sobretudo, o rádio e o filme. Ao se impor à mídia, Goebbels jogou a violência física sobre ombros alheios: "Não usamos nenhuma forma de coerção. Se necessária a deixamos para outros departamentos". Segundo ele, a propaganda ("jornalística"...) sem elos com a cultura é cansativa e ineficaz. Seria preciso uni-la ao entretenimento, batizado com sarcasmo,contra as Luzes do século 18, de Aufklärung.Você não pode sempre bater o tambor, dizia,"porque o povo gradualmente se acostuma ao som e não mais o registra (...) desejamos ser os condutores de uma orquestra polifônica de propaganda". Os instintos primitivos da massa despertam e são movidos por truques simples e claros.

A mídia regulamentada teve seu papel no extermínio dos judeus, embora o regime mantivesse o segredo como arma.

Himmler, discursando em Poznan (4/10/1943), disse que o Holocausto era "um capítulo glorioso da SS que nunca chegou a ser escrito". A leitura dos jornais sob controle mostram algo diferente.A popularidade de Hitler, é certo, não se deveu à mídia ventríloqua, mas é falso dizer que jornais "independentes" (Frankfurter Zeitung, Berliner Tageblatt, etc.) se opuseram ao regime. Paul Scheffer, editorialista do Berliner Tageblatt, narra que sua posição era de marionete sob Goebbels. Os jornais deveriam "parecer" diversificados, mas agir na linha única, imposta pelo partido.

Muitos leitores cancelaram assinaturas dos jornais.Os periódicos estrangeiros eram lidos com sofre guidão.Nos textos censurados as pessoas aprenderam a ler entre as linhas para compensar a falta de informações. O encanto por Hitler seguia ao lado da impopularidade do seu partido.Segundo I. Kershaw (O Mito de Hitler: o culto do Führer e a opinião popular), os alemães atribuíam ao Führer os sucessos anteriores à guerra. A "corrupção, a imperícia administrativa e problemas de suprimento não se deviam a ele,mas ao partido".A mídia fantoche fazia do líder um inimputável. Os jornais regulamentados apresentavam-no como a pessoa que acabara com o desemprego, vencera a corrupção,levara a Alemanha ao poder europeu.Os fracassos eram atribuídos aos inimigos,como os judeus. (Informações preciosas encontram-se em BruceA.Murray, Framing the Past: The Historiography of German Cinema and Television.)

Virada a página,no mundo soviético,idênticas loas ao Pai dos Povos,igual servilismo imposto à imprensa.

E hoje, no mundo e no Brasil? Em greve inédita contra a censura, um jornal do próprio governo chinês (Global Times), em texto dos editores afirma: "A realidade é que antigas políticas de regulação da imprensa não podem continuar como estão.A sociedade está progredindo e a administração deve evoluir" (BBC, 7/1/2013).Depois do nazismo, do Pravda (o jornal mais mentiroso da História), das ditaduras Vargas e de 1964, a sociedade evoluiu, salvo para os que comparam sua ideologia aos oráculos. Os deuses exigem espinhas e almas quebradas.
Por: Roberto Romano O Estadão

A LEI DA DEMANDA

A lei da demanda é um princípio simples, mas com consequências profundas e um poder explanatório inacreditável. Ela é tão simples que pode ser explicada em um haiku: 


Quando o preço dos tomates sobe, as pessoas comem menos tomates. Quando o preço dos tomates cai, as pessoas comem mais tomates. E o que vale para o mercado de tomates, também vale para outros mercados. A lei da demanda pode ser aplicada ao mercado de bens como os tomates, ou ao mercado de serviços como o paisagismo ou o reparo de automóveis. 

Ela também pode ser aplicada a mais fatores além dos bens e serviços que compramos. Nós podemos pensar em “demanda” para todos os tipos de coisas, como demanda por velocidade ou conforto enquanto dirigimos. Quando fica mais arriscado dirigir em alta velocidade, menos pessoas fazem isso. Quando dirigir em alta velocidade fica mais seguro, mais pessoas fazem isso. 

Analise outro fator que recentemente despertou muita controvérsia: a demanda por comunicação conveniente. Com a difusão de telefones celulares (principalmente dos smart phones), a comunicação via email, mensagens de texto, Facebook, Twitter e outros aplicativos nunca esteve tão fácil. O canto da sereia dos emails, da internet e das mensagens de texto pode ser bem poderoso, até mesmo para pessoas que estejam dirigindo. 

Vejamos como a lei da demanda nos ajuda a explicar porque as pessoas mandam mensagens enquanto dirigem, e depois falaremos da teoria implícita por trás das leis que proíbem essa prática. 

Primeiro, analisemos algo chamado o Efeito Peltzman, que recebeu esse nome em homenagem ao economista Sam Peltzman, que estudou os hábitos dos motoristas antes e depois da implementação das leis que obrigam o uso do cinto de segurança. O uso obrigatório do cinto de segurança deu mais segurança ao motorista e fez o ato de dirigir ser menos arriscado. Dessa maneira, reduziu o “preço” da direção imprudente. 

De fato, Peltzman constatou que os motoristas se arriscavam mais depois que as leis sobre o cinto de segurança foram implementadas. No livro The Armchair Economist, Steven Landsburg resumiu bem as descobertas de Peltzman: houve mais acidentes, mas menos fatalidades. Quem mais sofreu com a mudança foram os pedestres, cujas mortes aumentaram. 

Não é necessário que todo mundo responda dessa maneira para que a lei da demanda seja aplicável ou útil. É provável que existam muitas pessoas que não modificaram os seus hábitos ao volante por estarem usando o cinto de segurança, da mesma forma que existem pessoas que não consomem mais cervejas quando o preço delas cai. Mas só porque é um abstêmio que não beberá mais cerveja caso o preço caia, isso não quer dizer ninguém mais irá fazê-lo. Da mesma maneira, é mais provável que alguém mande uma mensagem de texto ou dê uma olhada no Facebook caso essa pessoa esteja dirigindo um carro mais seguro. 

As autoridades reconhecem que as pessoas respondem às mudanças dos custos e benefícios de seus atos. A proibição do envio de mensagens de texto ao volante – como a que existe no estado americano do Alabama – são tentativas de aumentar o preço de uma ação imprudente e, dessa maneira, reduzir o número de pessoas que a praticam. Mas ainda precisamos observar como essas proibições irão afetar a segurança em geral, já que os recursos para colocá-la em prática precisarão vir de algum lugar. Os policiais que fiscalizarão o envio de mensagens de texto não estarão solucionando crimes. 

Ignorando a demanda 

Às vezes, as políticas governamentais ignoram totalmente a lei da demanda. Pense, por exemplo, no salário mínimo. Quando o governo estabelece um preço mínimo para o trabalho, os empregadores reduzem a quantidade de trabalho que demandariam e procuram alternativas. Alguns deles podem decidir reduzir as contratações. Outros podem cortar as horas trabalhadas (e de acordo com a lei da oferta, com um salário maior, os trabalhadores desejariam trabalhar mais horas), ou então podem simplesmente substituir o trabalho por capital (como os caixas automáticosem supermercados). 

Outros efeitos podem ser difíceis de serem vistos e os efeitos do salário mínimo podem não aparecer em uma situação de alto desemprego. As empresas que costumavam oferecer treinamento remunerado podem deixar de fazê-lo. Outras empresas que costumavam oferecer uniformes podem passar a fazer os funcionários pagarem por eles. E assim por diante. Em resposta aos preços mais altos, as empresas reduzem a quantidade de trabalho que demandam. 

Os governos também impõem controles sobre os preços de outras coisas, como o aluguel de apartamentos. Após desastres naturais, leis nebulosas contra a “manipulação dos preços” podem ser postas em prática para limitar a capacidade dos comerciantes de aumentar os preços durante situações de emergência. Em períodos assim, as pessoas precisam de mais gelo, lanternas, pilhas, madeira, pão, leite e gasolina — a qualquer preço. Se os preços puderem subir, as pessoas receberão o sinal de que precisam pensar bem antes de comprar qualquer coisa. Em resposta ao controle dos preços, as empresas não estarão dispostas a fornecer mais gelo, lanternas, pilhas e o resto dos produtos ao mercado. As pessoas ainda pagam mais caro por alguns bens que estão em falta. Eles podem não pagar muito mais em dinheiro, mas acabarão “pagando” ao ficar em longas filas. 

A lei da demanda é uma das ideias mais importantes das ciências sociais. É um princípio simples, com uma ampla variedade de aplicações. Ele nos ajuda a compreender os mercados através de bens como os tomates, serviços como os dos encanadores ou dos paisagistas, e mesmo coisas que não são tão “econômicas” assim, como a justiça e os riscos. Ela é também a lei que ignoramos em nosso próprio risco: ao formularem políticas que não levam em conta a lei da demanda, os políticos costumam utilizar “curas” políticas, como as leis de salário mínimo e o controle de preços, acabam sendo piores do que os problemas que desejam solucionar. 
Por: Art Carden Publicado originalmente na revista The Freeman

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

ERRO 404

Na chamada de um post recente, intitulado “As mentiras de Yoani Sánchez em 2012”, Yohandry anunciou o propósito de “narrar as falácias desta mulher, uma traiçoeira criação midiática”, com a finalidade de esclarecer “meus colegas de todo o mundo”, “alertando quem ainda possa estar confuso”. Yohandry Fontana provavelmente não existe. O nome de guerra serve como assinatura de um blog oficial, que surgiu como reação ao de Yoani para reproduzir as sentenças de propaganda e os insultos políticos fabricados pelo regime castrista. O curioso, quase onírico, é que Cuba é um país virtualmente sem internet: o blogueiro inventado pelo poder escreve para “colegas” internautas “de todo o mundo”, mas não para os cubanos comuns residentes na ilha. O totalitarismo dos Castro subsiste num espaço-tempo anterior às redes sociais. O cenário é radicalmente diverso na China, onde um regime totalitário tenta provar que pode sobreviver à revolução da informação.


Quando visitou o país, o criador do Facebook, Marck Zuckerberg, foi saudado pelo banner viral “Bem-vindo à China, fundador do website Erro 404”, difundido pelos blogueiros chineses. Fruto da eficácia negativa do Grande Firewall da China (GFC), a mensagem “Erro 404” alerta que o servidor não encontrou o endereço solicitado, repete-se em escala descomunal nas telas de computadores e celulares do país. O Escudo Dourado, nome oficial do GFC, encomendado pelo Ministério da Segurança Pública, começou a operar em 2003. As ambições do projeto ultrapassam largamente a simples censura: trata-se de avançar rumo à implantação de uma gigantesca base de dados analítica de textos e imagens publicados pelos usuários da rede virtual com tecnologias que abrangem reconhecimento facial e de voz.

Totalitarismo é algo bem diferente de autoritarismo. O segundo ampara-se, exclusivamente, na força e se contenta em calar, prender ou eliminar opositores. O primeiro também se ampara na força, mas nutre a pretensão de persuadir a sociedade a acreditar no seu enredo sobre a História — ou seja, numa narrativa que o torna depositário de uma legitimidade transcedental. George Orwell explicou isso: “O Estado totalitário é, efetivamente, uma teocracia e sua casta dirigente, a fim de conservar sua posição, deve ser vista como infalível. Mas como, na prática, ninguém é infalível, torna-se frequentemente necessário rearranjar os eventos passados de modo a mostrar que este ou aquele erro não ocorreu ou que este ou aquele triunfo imaginário realmente aconteceu.” Eis o motivo pelo qual a política do totalitarismo demanda o controle sobre a linguagem empregada pelas pessoas. Não é trivial exercer tal controle na era da internet.

Os totalitarismos do século XX detinham o monopólio dos grandes meios de comunicação da época: o rádio, o cinema, a televisão. Os regimes de Stalin, Mussolini e Hitler tinham consciência do valor político das mídias de massa e empenharam-se no seu desenvolvimento tecnológico e no aprimoramento técnico e artístico das mensagens que difundiam. Contudo, as redes sociais da internet são intrinsecamente distintas das mídias eletrônicas tradicionais, pois todos os participantes podem operar como emissores de mensagens. Na China, o Twitter é proibido, mas serviços nacionais similares contam com mais de 200 milhões de usuários. Por meio deles, dezenas de milhares de microblogueiros formam a vanguarda da dissidência política, organizando protestos de rua e denunciando a corrupção oficial.

À sombra do “Erro 404”, desenvolve-se um infindável jogo de gato e rato entre o GFC e os internautas. Na esfera da tecnologia, o desafio de circundar a censura estimula a invenção de softwares de codificação e a criação de rotas alternativas para acesso a servidores bloqueados. Na esfera da linguagem, ilude-se o Grande Irmão pelo emprego do método da analogia e pelo uso em profusão de metáforas, alegorias, parábolas e termos homófonos. A ironia é uma companheira inseparável dos microblogueiros subversivos: segundo eles, sites e blogs não são “suprimidos”, mas “harmonizados”, numa referência à meta declarada do regime de produzir uma “Sociedade Socialista Harmoniosa”.

Ai Weiwei saltou a etapa da ironia, entregando-se ao sarcasmo. O artista plástico, consultor dos arquitetos que projetaram o estádio olímpico Ninho do Pássaro, tornou-se um dos mais notórios dissidentes chineses. Multado, encarcerado e espancado, ele não se “harmonizou”. Meses atrás, postou no Youtube um vídeo em que aparece dançando no “estilo Gangnam” e usando algemas. Antes disso, diante da instalação de 15 câmeras para o monitoramento policial de seus movimentos, conectou à internet a “weiweicam”, uma câmera que filma sem parar o cenário de seu quarto. “Acho que eles não sabem como lidar com alguém como eu e meio que desistiram de me gerenciar”, sugeriu em entrevista recente. O escárnio fere o totalitarismo ainda mais que a acusação racional ou a denúncia moral.

Na opinião de Weiwei, a democracia chegará à China na década de 2020. Entre os analistas ocidentais, vulgarizou-se o precário paralelo com a Coreia do Sul e Taiwan, que transitaram para a democracia no compasso da modernização econômica, da urbanização e da consolidação de uma classe média cosmopolita. De acordo com essa linha otimista de interpretação, a própria elite dirigente chinesa administrará uma transição política gradual, dissolvendo aos poucos os grilhões do sistema totalitário.

Tudo é possível. O certo é que não há precedentes adequados para orientar a análise. Entre as inúmeras singularidades históricas da China, a mais relevante encontra-se justamente na universalização das redes sociais ao abrigo de um Estado totalitário. O poder de Mao Tsetung não foi abalado pela maior crise de fome do século XX. Em contraste, o “Erro 404” tem o potencial de arrasar a fortaleza de seus sucessores.
Por: Demétrio Magnoli O Estadão

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

OS "CRIMES CONTRA AS GERAÇÕES FUTURAS"





É preciso ter muito cuidado com os intelectuais em geral, mas com os de esquerda em particular.

É sabido, por este exemplo, que a esquerda (intelectual) é contra a pena de morte em relação aos crimes de sangue, incluindo os assassinos em série; mas, por outro lado, é a favor da pena de morte para as pessoas que negam o aquecimento global. E o mais interessante é o conceito escatológico de “crimes contra as gerações futuras” que justifica a pena de morte para os negacionistas do apocalipse “aquecimentista”.

Para a esquerda, a noção de “probabilidade” é irrelevante. A esquerda tem certezas. Trata-se de uma fé imanente, porque só a fé tem certezas. Por exemplo, neste texto de Galopim de Carvalho:

“Posteriormente a esta crise de frio, a temperatura do planeta subiu para os níveis atuais e vai continuar a subir, agora potenciada pelas emissões antropogênicas do dióxido de carbono e dos outros gases com efeito de estufa.”

Este “vai continuar a subir”, do Galopim, é uma certeza, e não uma probabilidade. É uma fé. Ou melhor: é umafézada. Se fosse uma probabilidade, o “vai continuar a subir” seria objeto de discussão científica; mas tratando-se de uma certeza, transforma-se em dogma que pode justificar, para alguns, a pena de morte para os hereges. Não se trata de ciência: em vez disso, é uma espécie de religião.

O mais extraordinário é que o Galopim constrói, em primeiro lugar, um discurso acerca das variações térmicas do planeta ao longo de centenas de milhares de anos — ou seja, ele parte de uma certeza acerca do passado —, reconhecendo que as temperaturas globais estão sujeitas a mudanças que não dependem do homem. Mas nem reconhecendo que as mudanças climáticas foram, no passado, imprevisíveis e independentes do homem, ele não deixa de ter a certeza de que a temperatura “vai continuar a subir” por culpa do homem. Trata-se de um novo tipo de “pecado original” que fundamenta uma nova religião imanente e escatológica.

Em ciência, mesmo que os dados do passado — as estatísticas — estejam corretos, em princípio nada nos garante que exista uma probabilidade de 100% — a tal “certeza” — de que os mesmos fenômenos verificados pela estatística ocorrerão no futuro. Embora o universo tenha sido concebido com grande estabilidade física, a ponto de ser possível a construção de leis (da natureza) por parte da ciência, essa estabilidade física não é total nem absoluta, e por isso nada nos garante que todos os dados da natureza já tenham sido descobertos pelo Homem, por um lado, e por outro lado, nada nos garante a 100% que as próprias leis da ciência não tenham que ser alteradas no futuro.

Segundo cálculos efetuados por eminentes matemáticos, a probabilidade de o planeta Terra deixar de orbitar o Sol e passar a orbitar uma outra estrela do universo não é de zero. Ou seja, não existe a certeza de que o planeta Terra não possa ser sujeito a um salto quântico e passe para a órbita da estrela Sírius, por exemplo. E no entanto, Galopim tem a certeza de que “a temperatura do planeta vai continuar a subir por culpa do Homem”, enquanto outros intelectuais concebem os “crimes contra as gerações futuras” que justificam a pena de morte.

Por: Orlando Braga

A VITÓRIA DOS DESPREPARADOS

Enquanto os investimentos desabam e o Produto Interno Bruto (PIB) rateia, continuam a aparecer notícias sobre o desempenho problemático das concessões de infraestrutura aprovadas desde 2007. A infraestrutura de transportes não se expande, deixando de ampliar a capacidade de produção interna e fazer a produtividade geral crescer. E a conta vai para os usuários e para o crescimento econômico futuro.


De acordo com o ex-ministro Delfim Netto, um interlocutor da presidente Dilma Rousseff, as intenções do governo parecem ser as melhores possíveis. Imagino mesmo que, nas reflexões sobre o travesseiro, a presidente deseja que se cobrem as tarifas mais baixas possíveis e que as concessões sejam implementadas pelas melhores empresas da praça. Mas o fato é que em todas as concessões rodoviárias de 2007 para cá, em que houve mudança do modelo pré-Lula, o desempenho está abaixo da crítica.

Imaginemos uma concessão rodoviária em cujo leilão só se candidatem concessionários preparados ou não oportunistas. Diante do edital, esses candidatos prepararão propostas da melhor qualidade e estabelecerão a tarifa mínima possível em função dos parâmetros do negócio e das oportunidades alternativas disponíveis no Brasil e no mundo. É assim que o sistema de mercado funciona: vence o que oferecer a menor tarifa possível, de acordo com as hipóteses de cada um. Se o governo fincar pé na menor tarifa imaginável – algo abaixo do razoável, como vem acontecendo – o resultado é simplesmente o leilão fracassar, sem qualquer vencedor. O mesmo raciocínio pode ser feito substituindo tarifa por taxa de retorno, já que uma implica a outra. Nesse caso, o governo teria de repensar seu modelo ou enfrentar a opinião pública, que clama por mudanças relevantes na infraestrutura.Tudo bem que agora se façam leilões pela menor tarifa, em vez da outorga máxima. Mas existe um defeito fundamental no atual modelo, que está na raiz dos resultados ruins. Trata-se da busca não da menor tarifa possível, mas da menor tarifa imaginável nos negócios – ou da menor taxa de retorno imaginável. A presidente pode estar pensando na primeira mas, na prática, a ação governamental busca a segunda. E há uma distância enorme entre as duas posições. Essa exigência está condicionando todo o processo de implementação das concessões e dificilmente produzirá uma concessão que se considere razoável.

A presença de concorrentes despreparados – para não dizer oportunistas – pode alterar esse quadro, pois estes podem aceitar taxas de retorno (tarifas) irrealistas – e assim vencer os demais -, na expectativa de obter algum “refresco” mais adiante sob alguma forma, como o mero descumprimento de compromissos de investimento. No final, o serviço fica precário, mas o governo, que sempre teme o desgaste político de anunciar o fracasso, pode apregoar que conseguiu aprovar uma concessão. Só que garantia de resultado para valer, com satisfação máxima do usuário, nem pensar.

Imaginando um edital bem feito de uma licitação, há fases que, idealmente, devem ser transpostas antes do leilão em si. A primeira é a pré-qualificação, para separar o joio do trigo. A segunda é a proposta técnica e a terceira é o plano de negócios, que às vezes são chamadas conjuntamente de plano de negócios. É aqui que os proponentes explicam direitinho como vão por em prática aquilo que o governo especificou como missão no respectivo edital. Só aqui pode se fazer um julgamento adequado sobre se os pré-selecionados entenderam bem a tarefa a ser executada, e se estão realmente em condições de implementá-la.

A última tarefa é o leilão em si. Ainda que pareça se justificar pela maior agilidade que imprime ao processo, a prática de “inversão de fases”, que vem sendo adotada desde algum tempo e coloca a última fase à frente das demais, se afigura como mais uma prática destinada a facilitar a atuação dos despreparados.

Se uma proposta ganha pelo menor preço porque ela não incluiu elementos importantes daquilo que o governo quer e assim reduziu seus custos, esta deve ser impugnada administrativamente. Só que, mais uma vez, o governo teme a reação dos órgãos de controle à rejeição da proposta de menor preço. Se o interesse do usuário e os ganhos macroeconômicos são prioritários, é obviamente preferível um processo mais demorado, mas que chegue onde se quer, e essa é a arma com que o Executivo deve enfrentar os demais poderes.

É chocante, assim, o anúncio de que, a partir de agora, além da inversão de fases, os planos de negócios não serão mais exigidos dos concorrentes (!?), nem mesmo para ganhar o leilão, para evitar contestações judiciais. Trata-se da crônica de um desastre anunciado. Com tantos equívocos, ou as empresas preparadas passam a adotar as manhas e artimanhas dos oportunistas, como induz o governo ao alterar as regras, ou então assistirão passivamente à vitória dos concorrentes despreparados.

Quem perde sempre é o usuário, que vai pagar pela concessão e não vai levar. E o governo obtém uma vitória de pirro. Baixa o preço, mas não consegue levar transformações ou qualquer melhoria à rodovia e, mais cedo ou mais tarde, cairá na armadilha de ter que assinar aditivos para “reequilibrar” um contrato que sequer tinha a salvaguarda de um plano de negócios. Por: Raul Velloso

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

OBCECADOS PELA MEGALOMANIA

A seguinte entrevista com Hans-Hermann Hoppe foi publicada no semanário alemão Junge Freiheit no dia 2 de novembro de 2012, e foi conduzida por Moritz Schwarz.


Professor Hoppe, em sua coleção de ensaios 'Der Wettbewerb der Gauner'("A Competição dos Escroques"), o senhor escreve que '99% dos cidadãos, caso perguntados se o estado seria necessário, responderiam que sim'. Confesso que eu também! Por que estou errado?

Todos nós, desde a infância, fomos moldados pelo estado ou por instituições licenciadas pelo estado — pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e universidade, todas elas com currículos estipulados pelo estado. Fomos condicionados desde crianças a ver o estado como uma instituição necessária e salvadora. Sendo assim, esse resultado por você citado não deveria ser nada surpreendente. 

No entanto, se eu lhe perguntasse se você julga ser indispensável haver uma instituição que possua o poder supremo de decisão sobre todo e qualquer conflito, inclusive aqueles em que ela também está envolvida, você certamente diria que não — a menos, é claro, que você esperasse estar no comando dessa instituição.

Hum ... correto.

É claro. Porque tão logo você entende que tal instituição não irá se limitar a apenas mediar conflitos, uma vez que ela também pode criá-los, então você será também capaz de perceber que ela logicamente sempre irá resolver esses conflitos em benefício próprio. Tendo entendido isso, eu, de minha parte, garanto passaria a viver receoso pela segurança de minha vida e de minha propriedade.

No entanto, é exatamente isso, este poder supremo sobre decisões judiciais, que é a característica específicadessa instituição chamada estado. O estado detém o monopólio supremo da aplicação da lei e da justiça, e é inevitável que ele utilize esse monopólio para proveito próprio.

Correto, mas, por outro lado, o estado se baseia em um contrato social, o qual fornece ao indivíduo proteção e espaço para suas realizações pessoais — coisas que, sem o estado, ele não teria. Sem o estado, tudo seria uma contínua batalha contínua e violenta de todos contra todos.

Não, o estado é qualquer coisa, menos o resultado de um contrato! Nenhum indivíduo dotado de uma mínima quantidade de bom senso iria concordar com tal contrato. (Ver aqui e aqui). Tenho vários contratos em minha pasta de arquivos, mas não há nenhum igual a esse. O estado é resultado da força agressiva e da subjugação. Ele surgiu, cresceu e se expandiu sem nenhuma fundação contratual, exatamente como uma quadrilha mafiosa que prática extorsão em troca de "proteção". 

E, no que diz respeito à "batalha contínua e violenta de todos contra todos", isso é um mito. É claro que, em "seu" território, um escroque extorsionário protege suas vítimas da agressão de outros escroques; mas ele faz isso apenas para que ele próprio possa conduzir sua extorsão mais lucrativamente. Outra coisa: são os estados que são os responsáveis pelas mortes de centenas de milhões de pessoas, além de toda a incomensurável destruição ocorrida apenas no século XX. Comparadas a isso, as vítimas de crimes privados são praticamente irrisórias. 

E você realmente acredita que os conflitos entre os habitantes da região da tríplice fronteira [França, Alemanha e Suíça] perto da Basileia, que estão convivendo em uma condição de anarquia (não há um supraestado governando a interação diária dos cidadãos destes três países), são mais numerosos do que os conflitos entre os habitantes de Dortmund ou Düsseldorf, que são cidadãos de um mesmo estado [Alemanha]? Não que eu saiba.

Por que, na sua visão, a democracia é apenas uma "competição de escroques"?

Todas as formas mais desenvolvidas de religião proíbem cobiçar a propriedade alheia. Esta proibição é a base de todo e qualquer processo de cooperação social. Em uma democracia, por outro lado, qualquer pessoa pode cobiçar a (e de fato se apropriar da) propriedade de terceiros, agindo de acordo com este seu desejo — a única precondição é que ela consiga acesso aos corredores do poder. 

Assim, sob condições democráticas, todas as pessoas se tornam uma ameaça em potencial. Qualquer um pode expressar abertamente seu desejo pela propriedade alheia. O que antes era considerado imoral e era adequadamente suprimido, agora passa a ser considerado um sentimento legítimo. Todos agora podem cobiçar abertamente a propriedade de outros em nome da democracia; e todos podem agir de acordo com esse desejo pela propriedade alheia, desde que ele já tenha conseguido entrar no governo. Assim, em uma democracia, qualquer um pode legalmente se tornar uma ameaça.

O que tende a acontecer é que aqueles membros da sociedade que tentarão o acesso aos corredores do poder e ascender às mais altas posições na hierarquia política são justamente aqueles que não possuem inibições morais para se apropriar indevidamente da propriedade de terceiros. Consequentemente, sob condições democráticas, o popular — embora imoral e anti-social — desejo pela propriedade de outro homem é sistematicamente fortalecido. Toda e qualquer exigência passa a ser legítima, desde que seja proclamada publicamente. Em nome da "liberdade de expressão", todos são livres para exigir a tomada e a consequente redistribuição da propriedade alheia. Tudo pode ser dito e reivindicado, e tudo passa a ser de todos. Nem mesmo o mais aparentemente seguro direito de propriedade está isento das demandas redistributivas. 

Pior: em decorrência da existência de eleições em massa, aqueles membros da sociedade com pouca ou nenhuma inibição em relação ao confisco da propriedade de terceiros — ou seja, amorais vulgares que possuem enorme talento em agregar uma turba de seguidores adeptos de demandas populares moralmente desinibidas e mutuamente incompatíveis (demagogos eficientes) — terão as maiores chances de entrar no aparato governamental e ascender até o topo da linha de comando. Daí, uma situação naturalmente ruim se torna ainda pior.

Ao dizer que políticos são parasitas preguiçosos o senhor não teme ser repreendido por estar reclamando em um nível semelhante ao utilizado pelo tablóide Bild?

E daí? Até o início do século XX, era difícil apontar um importante pensador político que não se referisse desdenhosamente à democracia. A palavra-chave utilizada para descrever a democracia era "multidão desorganizada", ou "oclocracia", ou mesmo "governo da turba".

As críticas mais populistas que fazem hoje à democracia, desde aquelas contidas na Bild até as do motorista de táxi, são boas, mas não são fundamentadas o bastante. Tampouco vão tão longe quanto deveriam. É claro que políticos são parasitas: eles vivem do dinheiro que extraem das outras pessoas sob a ameaça de violência — o que é chamado de "tributação". Mas, infelizmente, os políticos não são preguiçosos. Seria ótimo se tudo o que eles fizessem fosse farrear e esbanjar o dinheiro que pilharam das pessoas produtivas. Mas o que ocorre é justamente o contrário: eles são megalomaníacos obsessivos e obcecados em fazer tudo aquilo que consideram ser o certo — o que se resume a impor inúmeras dificuldades para suas vítimas (nós, os genuínos trabalhadores) por meio da criação de milhares de leis e regulamentações.

A democracia é apenas uma das possíveis variedades de organização do estado. Há alguma outra forma de existência do estado que seria mais aceitável para o senhor?

Em um estado monarquista, todos os indivíduos sabem quem é o soberano e quem são os súditos, de modo que tenderá a haver resistência contra qualquer tentativa de aumento do poder estatal. Em um estado democrático, essa distinção se torna indistinta, o que facilita em muito a expansão do poder do estado — quem está fora do aparato estatal hoje poderá entrar nele amanhã.

Um momento: é exatamente para isso que existem tribunais, leis e constituições: para limitar e controlar o estado — tanto o executivo quando o legislativo.

A máfia também possui sua divisão de poderes. A máfia possui seu "executivo", seu "legislativo" e seu "judiciário". É só você assistir novamente a "O Poderoso Chefão" para ver como estes três poderes funcionavam sempre em prol da própria expansão organizada do "empreendimento".

O que o senhor acha dos novos movimentos de ataque ao estado que têm surgido na internet, como os do movimento "Occupy" ou os "Piratas", que demandam transparência e participação mas tudo sem condenar diretamente o estado e a democracia em sua totalidade?

O movimento 'Occupy' é formado por ignorantes econômicos incapazes de entender que todos os truques sujos feitos pelos bancos, os quais eles corretamente deploram, só são possíveis porque existe um Banco Central capaz de imprimir dinheiro para socorrê-los e que, por isso, atua como um "emprestador de última instância"; e que a atual crise financeira não é, portanto, uma crise do capitalismo, mas sim uma crise do intervencionismo e do estatismo. O Banco Central é uma agência reguladora que existe para proteger o sistema bancário, blindá-lo de qualquer tipo de concorrência ou imprevisto, e socorrê-lo sempre que fizer operações insensatas. O movimento 'Occupy' em momento algum atacou isso, que é a raiz de toda a crise.

Já os 'Piratas', com sua demanda por uma renda básica incondicional, já estão bem avançados no inexorável destino de se tornar mais um partido que defende "cerveja de graça para todos". Eles possuem apenas um ponto que pode torná-los muito populares, bem como garantir-lhes a inimizade de inimigos poderosos, como as indústrias cinematográfica, musical e farmacêutica: a crítica aos 'direitos de propriedade intelectual'. Porém, mesmo neste quesito, eles são medrosos e ignorantes. A única coisa que eles têm de fazer é ir ao Google e digitar Stephan Kinsella. E então eles entenderiam que a Propriedade Intelectual não tem nada a ver com propriedade, mas sim com privilégios concedidos pelo estado. 

A PI permite que o inventor (I) ou o 'primeiro criador' de um produto — um texto, uma figura, uma musica ou qualquer outra coisa — proíba todas as outras pessoas de fazerem uma réplica deste produto; ou, no mínimo, que ele cobre uma licença de uso, mesmo que o replicador (R) esteja utilizando exclusivamente a sua propria propriedade (e não se aposse de nenhuma propriedade de I). Desta forma, I é elevado à condição de co-proprietário da propriedade de R. 

Ou seja, direitos de Propriedade Intelectual não são propriedade, mas sim um ataque à propriedade alheia — e, logo, completamente ilegítimos. Ideias — receitas, fórmulas, declarações, argumentações, algoritmos, teoremas, melodias, padrões, ritmos, imagens etc. — certamente são bens (na medida em que são bons e úteis), mas não são bens escassos. Tão logo as ideias são formuladas e enunciadas, elas se tornam bens não escassos, inexauríveis. Suponha que eu assobie uma melodia ou escreva um poema, e você ouça a melodia ou leia o poema e, ato contínuo, os reproduza ou copie. Ao fazer isso, você não expropriou absolutamente nada de mim. Eu posso assobiar e escrever como antes. Com efeito, o mundo todo pode copiar de mim e, ainda assim, nada me foi tomado. (Se eu não quiser que ninguém copie minhas ideias, tudo que eu tenho de fazer é mantê-las par mim mesmo, sem jamais expressá-las.)

Agora, imagine que eu realmente possua um direito de propriedade sobre minha melodia de tal modo que eu possa proibir você de copiá-la ou até mesmo exigir um royalty de você caso o faça. Primeiro: isso não implica, por sua vez, que eu também tenha de pagar royalties para a pessoa (ou para seus herdeiros) que inventou o assobio e a escrita? Mais ainda: para a pessoa (ou seus herdeiros) que inventou a linguagem e a criação de sons? Quão absurdo é isso?

Segundo: ao impedir que você assobie minha melodia ou recite meu poema, ou ao obrigá-lo a pagar caso faça isso, estou na realidade me transformando em seu proprietário (parcial): proprietário parcial de seu corpo, de suas cordas vocais, de seu papel, de seu lápis etc. porque você não utilizou nada exceto a sua própria propriedade quando me copiou. Se você não mais pode me copiar, então isso significa que eu, o dono da propriedade intelectual, expropriei de você a sua "real" propriedade. Donde se conclui: direitos de propriedade intelectual e direitos de propriedade real são incompatíveis, e a defesa da propriedade intelectual deve ser vista como um dos mais perigosos ataques à ideia de propriedade "real" (sobre bens escassos).

Em "A Competição dos Escroques", o senhor esquematiza um modelo alternativo baseado em uma "sociedade de leis privadas". Como ela funciona?

O conceito básico é simples. A ideia de haver uma agência que seja protetora da propriedade e mantenedora da lei, e, ao mesmo tempo, seja monopolista dessas atividades, é uma contradição. Este monopolista, seja ele um rei ou um presidente eleito, será sempre um 'expropriador protetor da propriedade' e um 'infrator mantenedor da lei' — e sempre irá caracterizar todas as suas ações como visando ao "interesse público".

Para garantir a proteção da propriedade e salvaguardar a lei, é necessário que haja livre concorrência também na área da lei. Outras instituições de fora do estado devem poder ofertar serviços de proteção à propriedade e serviços judiciais. O estado, desta forma, passaria a estar também sujeito às leis privadas, em pé de igualdade com todos os outros cidadãos. Ele não mais poderia sair unilateralmente elevando impostos ou promulgando leis. Seus funcionários teriam de ganhar sua renda da mesma maneira que os cidadãos comuns o fazem: produzindo e ofertando algo que seja voluntariamente demandado por consumidores; bens e serviços que sejam atraentes o suficiente para fazer com que alguns cidadãos estejam dispostos a pagar por eles.

Isso não levaria rapidamente a uma guerra entre essas instituições 'ofertantes'?

Guerras e agressões são atividades extremamente custosas. Estados fazem guerras porque podem, por meio de impostos e da criação de dinheiro, repassar os custos para todos os cidadãos que não estão diretamente envolvidos no esforço de guerra. Em contrapartida, para empresas cujo financiamento é voluntariamente obtido no mercado, fazer uma guerra seria suicídio econômico. 

Estando também sujeito às leis privadas, o estado terá, assim como todos os outros fornecedores de serviços de segurança, de oferecer aos seus clientes contratos que somente poderão ser alterados por meio de um acordo mútuo, e os quais determinarão especificamente o que deverá ser feito em caso de um conflito entre ele próprio e seus clientes, ou entre ele próprio e os clientes de outros fornecedores de serviços de segurança concorrentes. 

E para isso haverá apenas uma solução aceitável por todos: que nestes tipos de conflitos, não o estado mas sim uma entidade externa e independente dê o veredito — arbitradores e juízes que, por sua vez, estarão concorrendo entre si, e cujo ativo mais importante é sua reputação como mantenedores da lei, e cujas ações e julgamentos podem ser contestados e, se necessário, revisados, assim como ocorre com qualquer outra pessoa.

Quem deveria ser esta entidade externa e independente? E com quais instrumentos de poder ela asseguraria os interesses de um cidadão comum contra seu sócio contratual — a agência privada, a qual, obviamente, é muito mais poderosa?

Nos conflitos locais, em uma pequena cidade ou mesmo em um bairro, estas entidades muito provavelmente serão aquelas pessoas universalmente respeitadas, conhecidas como os "aristocratas naturais" ou mesmo as "elites naturais". Ou então organizações arbitradoras e cortes de apelação, cujos serviços seguradoras e segurados concordaram contratualmente em utilizar desde o início. Aquele, portanto, que não aceitar o veredito do julgamento não apenas estará inadimplente perante a lei, como também irá se tornar um pária no mundo dos negócios. Ninguém irá querer se envolver com ele, e ele imediatamente perderá todos os seus clientes e parceiros comerciais. Isso não é nada utópico. Ao contrário: essa já é a prática usual nas transações internacionais — anárquicas — que ocorrem atualmente.

Logo, eu devolvo a pergunta: como irá o cidadão comum assegurar seus interesses perante um estado monopolista e tributador? Este, sim, é muito mais poderoso que o indivíduo — e é sempre o dono da palavra final!

O senhor compreende o contínuo ceticismo com relação à sua proposição?

É claro que sim, uma vez que a maioria das pessoas nunca ouviu falar destas ideias. Muito menos já se deram ao trabalho de pensar seriamente sobre elas. Apenas não tenho simpatias por aquelas que já saem gritando histericamente quando ouvem essas ideias e imediatamente exigem a condenação de seus proponentes sem que tenham o mais mínimo conhecimento de economia e de filosofia política.

É muito improvável que uma maioria dos cidadãos irá algum dia apoiar um modelo tão estranho e desconhecido. Mas quais partes deles podem ser adotadas a fim de alcançarmos pelo menos alguns aperfeiçoamentos parciais em nosso atual sistema, sem que seja necessário um abandono completo do estado e da democracia?

Há uma solução interina. Ela se chama secessão e descentralização. Estados pequenos têm inevitavelmente de ser libertários — caso contrário as pessoas trabalhadoras e produtivas irão desertar. O desejável, portanto, é termos um mundo formado por milhares de Liechtensteins, Cingapuras e Hong Kongs. Por outro lado, um governo central europeu — e, pior ainda, um governo mundial — com uma política "harmonizada" de impostos e regulamentações representa a mais séria e grave ameaça à liberdade.

Para isso também o senhor provavelmente não terá uma maioria. Sendo assim, como o estado e a democracia irão evoluir no futuro? Onde finalmente iremos terminar?

O modelo assistencialista ocidental, também chamado de 'socialismo light', irá entrar em colapso assim como aconteceu com o socialismo 'clássico' — é claro que não sou capaz de dizer quando exatamente isso acontecerá, se daqui a cinco, dez ou quinze anos. As palavras-chave são: falência do estado, hiperinflação, reforma monetária e violentos conflitos distributivos. E disso surgirá ou um apelo por um 'homem forte', um ditador, ou — torçamos — enormes e intensos movimentos secessionistas.

Hans-Hermann Hoppe é um membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics. Ele recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha. Ele é o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo eThe Economics and Ethics of Private Property.