quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O BUNDESBANK QUER SEU OURO DE VOLTA - MAS SEM PRESSA

Há quase duas semanas, o Bundesbank (o Banco Central da Alemanha) surpreendeu os mercados de todo o mundo ao anunciar que irá repatriar uma considerável porção de suas reservas de ouro que estão na França e nos EUA. Para muitos, tal anúncio, vindo do segundo maior detentor de ouro de todo o mundo, foi um sinal de que está havendo uma crescente, embora ainda clandestina, desconfiança entre os próprios bancos centrais, possivelmente estimulada por suas divergentes políticas monetárias. 



Os alemães fizeram de tudo para arrefecer o alarmismo gerado por seu anúncio, enfatizando uma miríade de razões logísticas, práticas e históricas que deveriam servir para mostrar que seu anúncio, na verdade, era rotineiro. No entanto, o tamanho, o escopo e o momento desta medida fazem com que seja difícil não crer que haja outros motivos de cunho mais estratégico.

Sendo anunciada durante uma época de suposta cooperação entre os bancos centrais de todo o mundo, a decisão alemã de repatriar bilhões de dólares em barras de ouro estava fadada a gerar algum susto. No momento, o Banco Central alemão possui oficialmente 3.396 toneladas de ouro em seu balancete. Deste valor, 1.500 toneladas estão no Federal Reserve de Nova York e 374 toneladas estão em Paris. A Alemanha anunciou que irá repatriar 674 toneladas de ouro — 300 do Fed de Nova York (avaliadas em US$17,9 bilhões) e todas as 374 toneladas de Paris (avaliadas em US$22,3 bilhões). 

Em tese, repatriar tal volume de ouro deveria ser uma operação relativamente simples. De Paris, o ouro poderia ser transportado de trem ou de caminhões para Frankfurt. Dos EUA, utilizando alguns aviões militares ou navios. No entanto, tão logo o anúncio foi feito, o Bundesbank afirmou que plano é fazer essa repatriação aos poucos, ao longo dos próximos sete anos. Ou seja, as 674 toneladas de ouro só serão totalmente reavidas em 2020. Trata-se de um adiamento inexplicável. Em específico, as 300 toneladas que estão no Fed de Nova York reflete apenas 5% das mais de 6.700 toneladas mantidas em seus cofres. É bastante esquisito que o Fed necessite de tanto tempo para entregar algo que deveria ser uma retirada corriqueira e manejável. Isso só confirmou as suspeitas de que o ouro, na prática, não existe mais. 

Paralelamente, junto com a declaração do Bundesbank há um pdf cujo slide número 14, sob o título "Armazenamento no Federal Reserve Bank de Nova York", parece muito mais uma fotomontagem do que ouro genuíno. A óbvia intenção da foto é fazer acreditar que aquele ouro é o estoque pertencente ao Bundesbank. Isso entrega todo o jogo: é tudo uma pura manobra de relações públicas.

Embora alguns medalhões financeiros, como o presidente do Fed Ben Bernanke, tenham dito que ouro "não é dinheiro", e investidores respeitados como Warren Buffet tenham descrito o ouro como uma "relíquia bárbara", qualquer anúncio envolvendo grandes movimentações de ouro geram forte impacto emocional. Tal reação é justificada?

Após a Segunda Guerra Mundial, a ameaça de uma repentina invasão soviética convenceu várias nações europeias ocidentais a diversificar a localização de seu portfólio de ouro, enviando o metal particularmente para os EUA e o Reino Unido. Hoje, a Alemanha mantém apenas 31% de seu estoque de ouro nos cofres do Bundesbank. Do restante, 45% está no Federal Reserve Bank de Nova York, 11% está no Banco Central da França (Banque de France) em Paris, e 13% está no Banco Central da Inglaterra (Bank of England) em Londres. Mas agora que a ameaça militar russa já se dissipou, os alemães corretamente reavaliaram a conveniência dessa distribuição.

Durante décadas, os bancos centrais mantiveram grande sigilo sobre seus estoques de ouro. Apesar disso, ainda hoje, são poucas as pessoas que duvidam dos valores dos estoques publicados nos balancetes dos bancos centrais. No entanto, quando o assunto é a quem exatamente pertence o ouro mantido nos cofres dos bancos centrais e de alguns bancos comerciais, as perguntas tornam-se bem mais sérias. Para o espanto de vários cidadãos alemães e observadores internacionais, o Bundesbank admitiu alguns anos atrás que havia décadas que ele não efetuava uma auditoria do seu estoque de ouro. 


Os países desenvolvidos adotaram uma forma de economia keynesiana que criou um mundo inundado de dinheiro fiduciário desvalorizado, o qual está lastreado em uma aparentemente insuportável montanha de dívida pública. Em tal mundo, é compreensível que os cidadãos alemães sintam que o ouro de seu país deveria estar em casa. Tal sentimento tem potencial para se espalhar. O partido CDA (Christen-Democratisch Appèl; Apelo Cristão-Democrático) da Holanda já pediu que as 612 toneladas de ouro do país sejam repatriadas dos EUA, do Reino Unido e do Canadá.


É legítimo imaginar se tais sentimentos irão se espalhar e revelar que há uma escassez de ouro físico naqueles cofres até então tidos como confiáveis. Adicionalmente, em um mundo em que a confiança nos bancos centrais está desaparecendo rapidamente, os próprios bancos centrais estão se tornando cada vez mais desconfiados uns dos outros.

Ao mesmo tempo, os bancos centrais dos países em desenvolvimento, particularmente os da China e do Sudeste Asiático, estão comprando e acumulando ouro velozmente, assim como também o estão fazendo países como Rússia, Turquia e Ucrânia. A China já é hoje o maior produtor mundial de ouro, mas ela não apenas retém toda a sua produção, como também compra ouro continuamente no mercado aberto. Isso já ocorreu até mesmo em momentos em que nenhum outro grande banco central estava vendendo quantias significativas de ouro. A desastrosa investida feita pelo Banco Central da Inglaterra no início da década de 2000, quando ele vendeu centenas de toneladas de ouro a um preço menor que $300 por onça, sem dúvida é um fator controlador.

A relutância dos bancos centrais em abrir mão do ouro alheio que está sob sua custódia, fato esse que foi apenas ressaltado pela repatriação exigida pela Alemanha, está em profundo contraste com as políticas destes mesmos bancos centrais durante as décadas de 1970 e 1980, quando todos eles fizeram esforços de maneira concertada para desmonetizar o ouro, algo que só podia ser feito por meio da venda efetiva de grandes quantidades de ouro. Será que esta mudança de postura reflete uma crescente e mútua desconfiança na moeda fiduciária por parte de investidores sofisticados, que agora estão acumulando ouro?

Mesmo a repatriação de uma pequena fatia do ouro alemão, especialmente se tal medida for copiada por outras nações como a Holanda, deve ser vista com grande preocupação. Hoje, nenhum banco central ousaria, sem nenhum motivo, perturbar o equilíbrio de todo o sistema dos bancos centrais. Se o Bundesbank ousou fazer isso, então é porque ele sabe de algo. À medida que as economias keynesianas vão desandando rumo ao desastre financeiro, qualquer aumento na repatriação do ouro dos bancos centrais é um indicativo de que há um genuíno temor acometendo aqueles que detêm as verdadeiras informações privilegiadas — os próprios bancos centrais.

John Browne é consultor econômico sênior da Euro Pacific Capital, Inc., corretora de Peter Schiff. Formado na Harvard Business School, John tem experiência de 37 anos no mundo financeiro e empresarial, tendo trabalhado no Morgan Stanley & Co, no Barclays e no Citigroup, além de ter participado do conselho diretor de vários bancos e corporações internacionais.

QUAL O CAMINHO?

O Brasil já passou por várias situações aqui em Davos, no Fórum Econômico Mundial. Já foi o destaque da semana, nos tempos do Plano Real e em alguns anos do governo Lula. O próprio ex-presidente já foi a grande estrela de Davos, mas em anos de baixo crescimento já houve até quem sugerisse que se retirasse a letra B do acrônimo BRICS, deixando para a Rússia, Índia, China e agora a África do Sul as glórias de liderarem os mercados emergentes. Mas este ano está diferente, não há uma compreensão exata da situação do Brasil. 


O fato é que não somos o foco de nenhum painel, ninguém está muito preocupado com o país. Mas também ninguém tem a coragem de dizer que o Brasil não tem importância. Houve até uma ou outra voz em painéis sobre a América Latina que garantiu que o Brasil sempre será o país do futuro, incapaz de realizar a promessa. Mas esse pensamento não reflete uma tendência. 

A declaração da diretora-geral do FMI Christine Lagarde de que tem dúvidas sobre a capacidade de crescimento do Brasil reflete a sensação generalizada. Todos querem entender para onde está indo o país. Ontem, num painel coordenado pela BBC, o presidente do Banco Central Alexandre Tombini foi questionado sobre o intervencionismo do governo Dilma Rousseff, culpado pela falta de investimentos dos últimos anos. 

Tombini garantiu que o país está preparando um ambiente favorável aos investidores, tanto estrangeiros quanto nacionais. Confrontado com o crescimento pobre do PIB brasileiro nos últimos dois anos, o presidente do Banco Central garantiu que as medidas que estão sendo tomadas nos últimos meses, como redução das tarifas de energia elétrica, redução de encargos em folhas salariais, redução de impostos para estimular o consumo, tudo prepara um ambiente favorável aos investimentos, para garantir um crescimento mais robusto a partir deste ano. 

No entanto, persistem entre os empresários sensações de insegurança com relação ao futuro do país num governo que dá sinais de ser mais intervencionista do que incentivador dos investimentos privados. A mesma redução de tarifa de energia elétrica dada como medida favorável aos investimentos pode ser usada como exemplo de intervenção governamental que deu prejuízos às companhias de energia que aderiram ao plano imposto. 

A ponto de a estatal Eletrobrás estar prestes a ser extinta justamente pelos prejuízos que teve que assumir com a medida imposta pelo governo. A proximidade do governo brasileiro com a Venezuela de Chávez é outro ponto que chama a atenção dos empresários internacionais, que querem entender até onde vai a simpatia do governo brasileiro pelos métodos bolivarianos espalhados pela região. 

Esse paradoxo de uma região onde a democracia predomina ser dominada politicamente por governos de características autoritárias, quando não puras ditaduras, se reflete na comissão que reúne países da América Latina e do Caribe, que passará a ser presidida por ninguém menos que o ditador cubano Raul Castro. Será ele o porta-voz da região nas negociações com a União Europeia que serão realizadas este fim de semana no Chile. 

A América Latina era até há bem pouco tempo dividida em dois grupos, os países capitalistas onde estão Peru, Chile, Colômbia, e os da órbita chavista, entre os quais Equador, Bolívia e até mesmo a Argentina. O Brasil, sempre colocado entre os de economia aberta, desta vez ficou no meio termo em um painel sobre a América Latina, como se com um capitalismo de Estado cada vez mais presente, e a sistemática intervenção do governo nas questões econômicas, já não fosse mais possível identificar-se imediatamente o país com o capitalismo liberal, com o capital privado tendo papel preponderante no processo econômico. 

O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, garantiu que o governo vê um papel importante do capital privado nas obras de infraestrutura que precisam ser feitas no país. Pelo ambiente arredio revelado aqui em Davos, vão ser necessários atos concretos, mais que declarações oficiais, para convencer o empresariado de que não estamos nos transformando em uma Argentina. Por: Merval Pereira

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

UM ABISMO DIANTE DE NÓS

A ação da procuradora-geral da República em exercício contra o Código Florestal atenta contra a democracia


A Procuradora-Geral da República em exercício aproveitou sua interinidade para propor ao Supremo Tribunal Federal três Adins (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) contra 23 dispositivos do novo Código Florestal, pedindo, aliás, suspensão de sua vigência enquanto estiver pendente o julgamento.

Talvez seja a primeira vez que um diploma legal sofre uma arguição de constitucionalidade em tal extensão. Se reconhecida a condição alegada, cairá por terra todo um código debatido e votado livremente nas duas Casas do Congresso, após dez anos de discussão no lugar institucional próprio e, enfim, sancionado com alguns vetos pelo Poder Executivo. E com ele cairá também, de forma irremediável, o modo democrático de funcionamento do Estado brasileiro. É disso que se trata.

A votação do Código Florestal foi um episódio especial e raro na vida do Parlamento brasileiro e no modo como se fazem as leis. O processo lento permitiu que todas as visões da matéria fossem amplamente defendidas, com total transparência. Ao final, os legisladores sabiam exatamente o que estavam votando. Entre todas as visões em disputa, algumas prevaleceram e outras foram rejeitadas.

Tudo foi feito sob a luz da imprensa livre. Venceu o ambientalismo republicano, que produziu a legislação ambiental mais restritiva e protetora da natureza de que se tem notícia em todo o mundo. Instituições de preservação, como a reserva legal e a proteção das margens dos cursos d'água, que só existem no Brasil, foram sacramentadas. Tudo às expensas do proprietário: benefícios sociais e custos privados!

A sociedade democrática pressupõe pluralidade de visões de mundo e de valores. Os conflitos resultantes dessa pluralidade não se resolvem pela imposição autocrática nem pelos meios da burocracia do Estado. Têm de ser resolvidos exclusivamente no espaço da política ou estaremos vivendo em regime autoritário.

Apenas os agentes eleitos pelo povo soberano podem dar a última palavra nessa matéria. Só a eles o povo delegou, por meio de eleições livres, esse poder.

No Brasil, estamos vivendo uma situação perigosa. Como já advertiu publicamente o desembargador Rogério Medeiros Garcia de Lima, "personagens não eleitas intentam governar os destinos da comunidade". E disse ainda: "O Poder Judiciário não pode servir de trampolim para o exercício arbitrário e ilegítimo do poder político por quem não foi eleito". Concordo com todas as letras. Estamos sob o risco de uma judicialização totalitária.

Em relação a todos os dispositivos arguidos, havia claramente duas posições opostas no Congresso. Uma visão foi amplamente vencedora, em virtude dos votos de quem tinha autoridade legítima e exclusiva para fazê-lo.

A arguição da procuradora adota, sem nenhum disfarce, todos os pontos de vista vencidos, querendo mudar, por meio de instituições não eleitas, o resultado do jogo democrático. Torna vencido o vencedor e vencedor o vencido.

A prevalecer essa distorção, estará abolido o modo de funcionamento democrático do Estado brasileiro. O Congresso não será mais necessário. Nem o controle do Executivo, por meio do poder de veto. Tudo será resolvido por instituições que não estão sob os limites do controle social e democrático.

Não se trata aqui, portanto, de uma mera discussão de tecnicidades jurídicas sobre a lei ambiental. Trata-se de definir onde se decidem, no Brasil, as visões de mundo e de valores: se no campo político e democrático do Parlamento, com a participação da sociedade, ou nos palácios da burocracia judicial.

Ao assumir integralmente pontos de vista políticos manifestados e derrotados numa votação parlamentar, sob a desculpa de contrariar vaguezas da Constituição, a procuradora da República nos arremessou a um questionamento: a vida social, de agora em diante, não deverá mais ser regulada nos espaços democráticos?

A sociedade brasileira precisa despertar para esse grande abismo que se abre diante de nós.
Por: Kátia Abreu Folha de SP

FALTOU LIDERANÇA NA BOATE

Numa entrada e saída de 4 metros de largura, 7 pessoas conseguem sair por vez, ao ritmo de 21 pessoas por segundo, lentamente. 

Em sessenta segundos são 21x60, 1260 pessoas por minuto. 

Portanto, não foram as 260 pessoas a mais a causa do desastre. Mesmo diminuindo pela metade, em dois minutos sairia todo mundo. 

Faça o teste você mesmo. Cronometre quanto tempo você leva para andar 80 metros. 

Tanto é que os 5 membros da Banda, os que estavam mais longe da porta, saíram tranquilos, na base do "com licença, com licença", que é muito, mais muito mais demorado. 

O que faltou foi liderança e responsabilidade social. E o líder natural naquele momento era o chefe da banda, único com o microfone e de posse de um meio de comunicação. 

Ele tinha o poder de avisar a todos para ficarem calmos e saírem lentamente. 

"Atenção pessoal, todos levantem as mãos para cima assim, e virem de costas para mim. Repito. 

Agora vão saindo lentamente porque temos um probleminha, e precisamos de espaço para resolvê-lo. 

Todos de costas para mim com mãos levantadas, os da frente saindo primeiro. Temos bastante tempo para sair deste local." 

Levantar as mãos reduz a possibilidade do empurra-empurra e o uso de força. 

Mas nenhum jornal sequer comentou a falta de capacidade de liderança, por não saberem o básico da matéria. 

Líder é o que tem em seu poder os meios de comunicação, mesmo que não o seja. 

O chefe da Banda e os demais integrantes agiram como capitães que abandonam os seus barcos em primeiro lugar. 

E muitos morreram porque não sabiam do problema, quem sabia ficou mudo e saiu de mansinho. 

"Eu só percebi o que estava ocorrendo 5 minutos depois que a música parou, e falei ué, algo está acontecendo?" 

5 minutos muito preciosos, e todos os jovens ficaram parados, por falta dos líderes do momento. 

Pior, o guitarista voltou na contramão para buscar a guitarra, atrapalhando uns 200 que queriam sair. 

Mas a manchete do Estadão foi Donos da Boate foram presos, omitindo que dois integrantes da banda, também o foram, que seria o óbvio. 

Novamente, a imprensa solta seu vitriol sobre a ganância, o fato de os seguranças tentarem exigir pagamento dos primeiros que saíram voando, que o extintor não funcionava, (nem poderia pois o fogo era no teto, e quem o usou, o vocalista, não sabia como usar), que não havia alvará, (foi pedido mas a burocracia demora). 

São os "Donos" sempre os culpados, e nunca quem realmente causou o problema, e como goleiros, os donos deveriam ter evitado o erro dos outros. 

Honestamente, eu nem teria pensado em colocar no Contrato de Locação, "proibido soltar fogos de artifício no salão, jogar ácido nos olhos dos presentes, dar tiros na plateia" , e assim por diante. 

Soltar "fogos" de artifício dentro de um salão faz parte do bom senso. 

O Ministério da Saúde recomenda "não estourar foguetes próximos às residências e sempre usar um equipamento de proteção, como cabos com mais de cinco metros de comprimento". 

Nem passa pela cabeça do próprio governo que alguém soltaria fogos ao lado de 1200 pessoas, em ambiente fechado. 

Novamente culpam os "donos", e não quem por imprudência colocou fogos para aparecer, em vez de cantar bem para aparecer, que deveria ser sempre o objetivo principal. 
Por: Stephen Kanitz

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

SANTA MARIA E A GUERRA DO VIETNÃ

Em 1967 a Guerra do Vietnam envolvia um contingente cada vez maior de soldados americanos. A necessidade de atendimento aos feridos graves, entre eles as vítimas de queimadura e intoxicação, demandavam recursos materiais e humanos cada vez mais complexos. Os EUA construíram, na cidade litorânea de Da Nang, um hospital militar com o objetivo de atender suas tropas. Nesta época não existia propriamente a especialidade hoje conhecida como Terapia Intensiva. Foi com espanto que os médicos militares começaram a atender um número cada vez maior de pacientes vítimas de intoxicação em função do chamado “agente laranja” e outras substâncias químicas utilizadas para desfolhamento de florestas e localização dos esconderijos inimigos. As pessoas apresentavam como quadro clínico uma síndrome que envolvia, entre outros sinais e sintomas, acúmulo de líquidos nos pulmões e diminuição da capacidade de oxigenação do sangue.

Essa nova doença ficou conhecida como “Pulmão de Da Nang” e hoje, nós intensivistas, a chamamos de SARA – Síndrome de Angústia Respiratória do Adulto.

Fiz esta breve introdução para dizer que é isto que pode acontecer com os sobreviventes do incêndio de Santa Maria. Mais; gostaria que ficasse muito claro a todos que este tipo de “coisa” não pode ser atendido (numa situação que envolve um número de pacientes tão grandes) com segurança em nenhuma capital brasileira. Isto ocorre porque simplesmente não há unidades de terapia intensiva em número suficiente nem respiradores artificiais para atender tanta gente.

Em meio a tanto desespero não há um só político ou autoridade da saúde com honestidade suficiente para dizer aquilo que escrevi acima. Há pelo menos quatro décadas assistimos gerações e mais gerações de secretários e ministros da saúde insistindo na ideia de medicina comunitária e prevenção. Pois bem, pergunto agora: o que nós, médicos intensivistas, devemos fazer com as pessoas que sobreviveram ao incêndio de Santa Maria? Encaminhá-las para postos de saúde? Não se constrói um hospital público em Porto Alegre desde 1970! Pelo contrário; vários foram à falência e fecharam!

Que o Brasil inteiro saiba que é MENTIRA a afirmação das autoridades de que Porto Alegre tem leitos de UTI suficientes para atender toda essa gente! A secretaria estadual da saúde pode, se necessário, comprar leitos na rede privada mas mesmo assim é muita sorte haver algum disponível. Com relação aos responsáveis por esta tragédia, deixo aqui a minha opinião – foi o poder público corrupto, negligente e incompetente, quem MATOU todos estes jovens!

É esse tipo de gente que quer entupir o o Brasil com médicos de Cuba e do Paraguai, que manda médicos para o Haiti e que insiste em saúde “comunitária”, que agora aparece na televisão chorando e abraçando os pais das pessoas que morreram.

Termino aqui; como em toda situação de guerra, a primeira vítima de Santa Maria, assim como em Da Nang, foi a verdade – jamais esqueçam isto !

Milton Pires
Médico Intensivista
Porto Alegre – RS.

COMO O ESTADO DEFORMA A ÉTICA E INTRODUZ DOIS PARÂMETROS DE MORALIDADE

A velha lei cristã que nos ensina a tratar com respeito, cortesia e amabilidade as pessoas é uma regra irredutível de conduta individual, uma regra que não possui flexibilidade ou brechas que permitam interpretações deturpadas. Trata-se de um axioma básico para que toda a cooperação social e coexistência humana seja pacífica e produtiva. Com efeito, trata-se de um alicerce indispensável para toda e qualquer civilização que queira prosperar. 

No entanto, é inegável que estejamos, de maneira inconsciente e gradativa, solapando a rigidez deste alicerce. E tal procedimento já vem ocorrendo há várias décadas, de modo que hoje aquele outrora robusto alicerce se tornou apenas um pequeno toco não mais capaz de sustentar com vigor as relações inter-humanas e a toda a vida social. 

É verdade que a lei do amor ao próximo ainda fundamenta grande parte de nossas relações individuais diretas. Dentro de nossas famílias, praticamos — ou ao menos nos esforçamos para praticar — este mandamento. Em nossas relações diretas com nossos parentes próximos e até mesmo com nossos vizinhos, nos esforçamos para não infligir nenhum dano sobre eles e suas famílias. Uma relação amistosa e cordial ainda é algo mais frequente do que uma relação maliciosa e destrutiva. Em todas as nossas interações sociais, sejam elas associações econômicas ou quaisquer outras relações casuais, basicamente respeitamos os direitos e a liberdade de nosso semelhante.

Mas tudo isso se altera quando entra em cena o estado. Ou, colocando de outra forma, tudo isso se altera quando vemos no estado uma ferramenta legítima para a imposição e a consecução de nossas demandas. Com o estado, somos indivíduos transfigurados. Somos outros. Com este organismo político, não há espaço para a lei do amor ao próximo; não há espaço para a cortesia, para o respeito e para a amabilidade. Quando agimos utilizando o estado para atender às nossas demandas políticas, agimos de uma maneira que um indivíduo minimamente escrupuloso jamais sonharia em agir em suas relações inter-humanas diretas. Não há espaço para a cortesia e para o respeito ao próximo quando fazemos do estado o sistema canalizador de nossas demandas políticas.

Considere os seguintes exemplos. 

Como indivíduos, não pensamos em extrair, por meio da violência ou da ameaça de violência, nenhuma fatia da riqueza ou da renda do nosso vizinho. Porém, em nossa vida política, estranhamente passamos a nos sentir livres e moralmente desimpedidos para 1) extrair boa parte de sua renda por meio de altas alíquotas de impostos e 2) controlar sua riqueza — e a maneira como ele a investe — por meio de uma multiplicidade de regulamentações econômicas.

Como pais, não pensamos em coagir nosso vizinho para que ele contribua para a educação de nossos filhos. Porém, como membros de um organismo político, recorremos à tributação com o intuito de coagi-lo a financiar a educação de nossos filhos, de modo que eles tenham "educação pública, gratuita e de qualidade". De quebra, isso faz com que nos sintamos "liberados" das nossas obrigações morais e pessoais para com nossos próprios filhos. Alguém que quisesse propositalmente criar uma sociedade de pais indolentes e negligentes dificilmente teria uma ideia melhor.

Como seres humanos, não pensamos em surrupiar nosso vizinho de toda a sua poupança e aposentadoria. Porém, como seres políticos, defendemos que o valor delas seja brutalmente reduzido por políticas governamentais de inflação monetária, de crédito fácil e de empréstimos subsidiados para pessoas e empresas de que gostamos. Como indivíduos, não pensamos em encarecer artificialmente aqueles produtos que nosso vizinho mais pobre consegue comprar. Como membros do corpo político, consideramos pefeitamente normal obrigá-lo a pagar mais caro por meio políticas governamentais de desvalorização cambial e de imposição de tarifas de importação, as quais visam a proteger aquelas empresas ineficientes pelas quais temos alguma preferência.

Como pessoas caridosas, jamais pensaríamos em atacar a herança de uma viúva e de seus órfãos, e jamais pensaríamos em coagi-los para que eles nos colocassem como co-herdeiros. Como membros do corpo político, podemos obrigá-los a repassar metade de sua herança para nós.

Como indivíduos empreendedores, não cogitamos obrigar nossos concidadãos que vivem em outras partes do país a nos auxiliar em nossos empreendimentos locais; como participantes do sistema político, obrigamo-los a nos ajudar a alcançar nossos objetivos econômicos por meio de subsídios, repasses obrigatórios e outras contribuições governamentais.

Dois parâmetros distintos de moralidade

Se homens malvados e violentos passassem a assediar nosso vizinho com o intuito de extorquir uma parte de (ou toda a) sua renda, ou simplesmente se pusessem a oprimi-lo de alguma forma, nós corajosamente sairíamos em sua defesa. Se ele porventura ferisse ou até mesmo matasse um de seus agressores, iríamos absolvê-lo de qualquer acusação criminosa por ter agido em legítima defesa.

No entanto, se este mesmo vizinho, por ter se recusado a ter seus bens confiscados pelo estado por não ter pagado devidamente seus impostos, viesse a ferir ou até mesmo a assassinar em legítima defesa um "representante do estado" que foi à sua propriedade para confiscá-la, iríamos condená-lo por ter se recusado a abrir mão de parte de sua riqueza e por consequentemente ter privado o governo de utilizá-la para financiar aqueles programas de que gostamos. E com toda a nossa fúria e desejo de vingança, defenderíamos que ele fosse jogado em uma penitenciária e por lá ficasse "por um bom tempo".

Utilizamos dois padrões distintos de moralidade para mensurar nossos feitos e atitudes. Somos rápidos e severos para condenar os delitos que nosso vizinho comete. Mas somos incapazes de julgar com a mesma severidade nossas próprias ações quando estas são efetuadas por meio do sistema político.

Condenamos um vizinho quando este comete fraude, roubo, esbulho, usurpação, sequestro ou assassinato contra nossos semelhantes. No entanto, somos incapazes de fazermos um auto-julgamento quando defendemos que o governo confisque a riqueza alheia por meio de impostos, sequestre aqueles indivíduos que não "pagaram devidamente" esses impostos, assassine aqueles indivíduos que oferecerem resistência a este sequestro, reduza a poupança e o poder de compra população por meio da impressão de dinheiro (falsificação), estatize ou assuma forçosamente o controle majoritário empresas privadas, e usurpe por meio de regulamentações e burocracias o direito de indivíduos exercerem atividades econômicas que concorram com as empresas favoritas do governo.

Duas almas em nosso peito

Condenamos um indivíduo por desconsiderar suas promessas, seus acordos e seus contratos, e nos esforçamos para fazê-lo cumprir suas obrigações contratuais por meio de ações judiciais e de outros meios legais ao nosso dispor. Mas prontamente condescendemos com práticas governamentais que desprezam promessas e até mesmo os mais básicos mandamentos éticos. Podemos até mesmo chegar ao cúmulo de nos simpatizarmos com políticas explicitamente ilegais e condenar aqueles que são prejudicados por elas e que agiram em legítima defesa para se proteger.

A realidade é que temos duas almas em nosso peito: uma que procura fazer o que é moral e eticamente certo, e outra que renega a própria existência de padrões morais e éticos. A humanidade já pagou, está pagando e ainda irá pagar um enorme preço por ter rejeitado os mais básicos princípios cristãos do respeito, da cortesia e do amor ao próximo na esfera da ação política, a qual só faz crescer. O preço foi, é e será pago na forma de escravidão, guerras e crescentes tensões sociais.


Hans F. Sennholz  (1922-2007) foi o primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados Unidos.  Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956 a 1992, tendo sido contratado assim que chegou.  Após ter se aposentado, tornou-se presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997.  Foi um scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G. Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade.

Tradução de Leandro Roque

APRIORISMO

Explicando o verdadeiro significado do apriorismo


O ponto mais polêmico e controverso de toda a teoria econômica e filosófica desenvolvida por Ludwig von Mises é, sem dúvida, a sua afirmação de que existe uma teoria apriorística para a ação humana, isto é, que a ação humana pode ser explicada por um escopo de proposições desenvolvidas a priori, proposições que fornecem uma compreensão verdadeira sobre a realidade, e cuja veracidade pode ser confirmada independente de experimentos.

Sendo assim, vale a pena esclarecer uma questão central desta teoria: o significado de "experiência" e a questão de até que ponto proposições que explicam a ação humana (proposições praxeológicas) são derivadas da experiência humana.

Mises utilizou as expressões "experiência", "empírico", "empirismo" etc. de acordo com a maneira como a filosofia convencional do início do século XX entendia essas expressões. As raízes dessa compreensão remetem aos filósofos do século XVIII, como David Hume na Escócia e Etienne de Condillac na França, que haviam radicalizado as noções escolásticas do empirismo. A filosofia ocidental, de Aristóteles a John Locke, havia enfatizado a existência de duas fontes de conhecimento humano: a razão e a informação coletada por meio dos sentidos humanos. Hume e Condillac eliminaram a razão do menu, alegando que todo o conhecimento científico de todas as coisas era baseado na "experiência"; ou seja, era mediado por meio dos sentidos.

Como de praxe, havia algumas ambiguidades envolvidas (especialmente no caso de Hume), mas, de qualquer forma, foi essa radical interpretação sensualista dos escritos de Hume e de Condillac que provocou uma reação racionalista. O objetivo dos novos racionalistas era defender a tese de que a razão era uma fonte de conhecimento, desta forma corrigindo a unilateralidade dos empiristas. Um dos mais famosos grupos destes novos racionalistas era a chamada escola do Idealismo Alemão, a qual era formada especificamente por Immanuel Kant, J.G. Fichte, G.F.W. Hegel e Arthur Schopenhauer.

Estes filósofos se distinguiam entre si não apenas por meio de suas ideias, mas também por meio de inovações terminológicas. Kant, em específico, criou um arsenal de novas expressões. Por exemplo, proposições não-tautológicas sobre o mundo material derivadas da razão pura — tais como "nenhum objeto tangível pode ser todo verde e todo vermelho ao mesmo tempo" — eram, na linguagem de Kant, "juízos sintéticos a priori".

Quando Mises alegou que a ciência econômica era uma ciência apriorística, sua intenção não foi afirmar que não havia absolutamente nenhuma evidência empírica para as leis expressadas por esta ciência. Mises de modo algum acreditava que a ciência econômica se baseava nas hipóteses fictícias criadas por uma comunidade de intelectuais acadêmicos e nem que o "apriorismo" significa a lealdade destes acadêmicos à sua fé comum. Tampouco quis Mises dizer que a análise econômica dependia de algum arranjo arbitrário de hipóteses que não estava sujeito à verificação ou à falseabilidade, de modo que a ciência econômica seria "apriorística" no sentido de um mero trocadilho tautológico.

Para Mises, a ciência econômica definitivamente é sobre fatos averiguáveis. A questão, no entanto, é que tais fatos não podem ser conhecidos por meio da visão, da audição, do olfato ou do toque. E proposições sobre estes fatos não podem, portanto, ser verificadas ou refutadas pela evidência dos sentidos.

Os fatos da ciência econômica e da ciência da ação humana (praxeologia) não podem de modo algum ser entendidos por meio dos sentidos. Eles podem ser conhecidos e entendidos somente por meio de um ato de auto-reflexão a respeito das imperceptíveis características estruturais da ação humana.

Por exemplo, Mises repetidas vezes mencionou duas características bastante básicas da ação humana: seres humanos fazem escolhas e seres humanos utilizam meios para alcançar determinados fins. Parece difícil negar que estas características da ação humana de fato existam. Nós, de alguma forma, "sabemos que" todas as ações humanas, em qualquer momento e em qualquer lugar, envolvem escolhas; envolvem o uso de meios escolhidos pelo indivíduo para alcançar fins escolhidos pelo indivíduo.

Mas como sabemos disso? Podemos ver, ouvir, cheirar ou tocar escolhas? Imagine que estejamos observando um homem saindo da porta de sua casa e indo até um carro. Será que realmente estamos vendo esse homem fazer escolhas? É claro que não. O que realmente estamos vendo é um corpo se movendo de A para B.[1] Não estamos vendo a sucessão de escolhas que levaram esse homem a fazer movimentos que o levassem de A para B. É apenas porque sabemos que a escolha humana existe, e sabemos disso por meio de um ato de auto-reflexão sobre as características invisíveis da ação humana, que podemos (corretamente) interpretar o fato observado como sendo resultante de uma sequência de escolhas. 

Em suma, características visíveis do comportamento humano, tais como a posição relativa de um corpo humano no espaço e no tempo, não são autoexplicativas. Elas só podem ser corretamente entendidas em conjunto com aquilo que sabemos a respeito de determinadas características "apriorísticas" e invisíveis da ação humana.

Este problema também está ligado à correta compreensão dos meios da ação. Não é possível identificar se algo é um alimento, um remédio ou uma arma apenas ao se olhar para o objeto físico. Um coco, por exemplo, pode ser um alimento em um contexto e uma arma em outro contexto. Pílulas para dormir podem ser utilizadas tanto como remédio quanto como veneno, dependendo da quantidade ingerida. Pense também no exemplo de palavras e frases. As características físicas da nossa linguagem — os ruídos que fazemos quando falamos — não são de modo algum representativas da linguagem. Linguagem não tem nada a ver com ruídos aleatórios. Palavras e frases não são meros ruídos, mas sim ruídos bem definidos e com significados também bem definidos. Um mesmo ruído pode ser totalmente destituído de sentido em um contexto (por exemplo, palavras em inglês direcionadas para um macaco), mas totalmente significativas em outro (palavras em inglês direcionadas para um escocês).

Vamos agora, de um outro ponto de vista, enfatizar a impropriedade de uma abordagem puramente empírica para o estudo da ação humana. Considere o aspecto psicológico de se aprender mais a respeito de algumas amplas categorias de meios de ação — tais como alimentos, remédios, armas, linguagem. É possível argumentar que, na primeira vez que aprendemos algo sobre eles, o aprendizado sempre se dá em conjunção com um objeto físico concreto. Sendo assim, podemos aprender sobre a natureza de um remédio utilizando uma pílula concreta que ingerimos para aliviar uma dor concreta; ou podemos aprender sobre a natureza da linguagem por meio de uma conversação concreta feita em um idioma concreto. Porém, mesmo quando aprendemos pela primeira vez o que é um remédio ou o que é uma linguagem, não vivenciamos isso por meio de nossos sentidos, mas sim por meio de uma reflexão sobre as intenções por trás do uso daquela pílula ou daquele idioma. Mesmo nesses primeiros encontros, é somente ao interpretarmos o uso do objeto físico (a pílula ingerida, as palavras pronunciadas) como um meio para se alcançar uma categoria de fins (saúde, comunicação), que compreendemos do que se trata a categoria de meios "remédio" e "idioma". Assim, ainda que possamos ter aprendido sobre a natureza de determinados meios de ação em conjunção com um objeto físico concreto, não é pelo estudo das características físicas do objeto que aprendemos sobre a natureza daquele meio.

Para resumir: sempre que tentarmos explicar o comportamento humano — seja como causa de outras coisas, seja como um efeito de outras coisas —, temos de recorrer a constatações sobre determinados fatos que não podem ser analisados por meio de nossos sentidos. Foi por isso que Mises afirmou que "todas as investigações históricas e todas as descrições das condições sociais pressupõem conceitos teóricos e proposições teóricas". Estas proposições teóricas envolvem (1) as características invariantes da ação humana (sua "natureza") e (2) a natureza dos meios de ação. As concretas manifestações físicas da ação e os meios utilizados nesta ação entram em jogo somente na medida em que afetam a conveniência da ação concreta e dos outros meios concretos que poderiam ser utilizados para a consumação de um propósito. Por exemplo, a o dinheiro é um objeto físico utilizado com a intenção de se efetuar trocas indiretas; porém, de um ponto de vista praxeológico, qualquer objeto utilizado como dinheiro só é interessante na medida em que ele é mais conveniente do que outro objeto para se efetuar trocas indiretas.

Em suma, a análise praxeológica está voltada tanto para os objetos visíveis quanto para as escolhas e intenções invisíveis. Mas ela está primordialmente preocupada com escolhas e intenções, e lida apenas incidentalmente com os objetos visíveis. E o conhecimento que possuímos sobre escolhas e intenções é derivado de outras fontes que não os sentidos humanos. A análise praxeológica, portanto, não é de forma alguma conhecimento empírico; não é empírico no mesmo sentido no qual o conhecimento que ganhamos por meio da observação, da audição, do olfato e do tato é empírico. 

Este é o sentido da afirmação de Mises de que a praxeologia (ciência da ação humana) e a ciência econômica são ciências apriorísticas. Estas disciplinas não lidam com nenhum aspecto visivelmente aleatório do comportamento humano, mas sim com as características invariantes no tempo (as naturezas) da ação humana e dos meios da ação. Tais naturezas podem ser analisadas, e até mesmo devem ser analisadas, independentemente da informação que recebemos por meio de nossos sentidos. A validade das proposições praxeológicas (sua veracidade ou falsidade) pode portanto ser avaliada do modo totalmente independente do "histórico empírico".

 Não é possível "ver" uma pessoa fazendo escolhas porque, antes de qualquer coisa, é impossível ver a alternativa da qual a pessoa abriu mão para fazer a ação que a estamos vendo fazer. Sendo assim, materialistas consistentes, como Marx e a maioria de seus seguidores, simplesmente negaram a própria existência da escolha.


Jörg Guido Hülsmann é membro sênior do Mises Institute e autor de Mises: The Last Knight of Liberalism e e The Ethics of Money Production.  Ele leciona na França, na Université d'Angers.

Tradução de Leandro Roque

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

POR QUE NOS TORNAMOS TÃO RICOS? APARENTEMENTE NINGUÉM SABE

No final de março, darei uma palestra no Mises Institute a respeito deste tópico: "Por que somos tão ricos?" Considero esta a mais importante pergunta histórica que pode, de maneira concebível, ser respondida por meio de um apelo a evidências que sejam aceitáveis para historiadores.

O mundo no qual vivemos hoje é irreconhecível quando comparado ao mundo de 1800. Praticamente nada permaneceu igual. Esta evolução foi resultado de uma taxa de crescimento contínua de 2,5% ao ano, de 1800 a 1930, e de 2% ao ano desde 1950. Isso mostra o que pode ser alcançado quando, para utilizar uma linguagem matemática, atingimos uma "taxa de capitalização composta" de crescimento. Ninguém sabe ao certo como foi que conseguimos chegar a um arranjo que permite essa taxa de capitalização composta de crescimento. Exatamente por isso esta é uma pergunta tão crucial.

Uma resposta que já foi aventada, mas que ainda não foi comprovada, é a da professora Deirdre McCloskey, que sugeriu que houve uma mudança na atitude das pessoas em relação ao empreendedorismo e ao sucesso empresarial na Holanda do século XVII. O argumento soa plausível, mas enquanto o terceiro volume do livro da Dra. McCloskey sobre a cultura burguesa não for publicado (ver o primeiro e o segundo), este argumento será meramente uma sugestão.

Ao longo de toda a história humana, de tempos em tempos, um grupo que até então não usufruía nenhuma vantagem específica sobre nenhum outro grupo repentinamente dá um salto para a frente e passa a se sobressair em relação a todos os demais. Ninguém sabe por que isso acontece ou como isso acontece. Mas o fato é que acontece.

Peguemos o exemplo da Holanda. Era um país minúsculo que foi totalmente criado pela engenharia. Por se situarem abaixo do nível do mar, os holandeses criaram diques para barrar o Mar do Norte e manter suas terras secas. O país literalmente cresceu à custa do oceano. Não conheço nenhum outro país que tenha feito isso em toda a história humana. Em 1568, os protestantes se revoltaram contra o controle espanhol do país. Este conflito, a Guerra dos Oitenta Anos, durou mais de uma geração. Os líderes desta revolta eram majoritariamente calvinistas. O calvinismo se difundiu pela cultura holandesa no início do século XVII. Esta foi a grande mudança cultural que ocorreu durante todo este período. De acordo com McCloskey, houve uma mudança de atitude em relação ao empreendedorismo e à riqueza em geral.

Ao mesmo tempo, houve uma quase-revolução na pintura. Os pintores holandeses se tornaram famosos por toda a Europa. E então houve uma expansão do império marítimo holandês. Os holandeses se espalharam por todo o globo. Eles estabeleceram um enorme enclave na América do Norte, na região em que hoje está a cidade de Nova York. Naquela época, a cidade era chamada de Nova Amsterdã. O império holandês se espalhou também para a costa oeste da Índia e depois para a Indonésia. Os britânicos e os holandeses travaram uma guerra em meados do século XVII, quando ambas as nações eram lideradas por calvinistas. Foi uma guerra para delimitar impérios.

No final do século XVII, a Escócia era conhecida apenas pelos rigores de seu clima, por sua paisagem e por sua teologia calvinista. A produção de algodão vinha ocorrendo há séculos, mas a Escócia continuava sendo um país atrasado. E então, sem nenhum aviso, os escoceses começaram a dominar o pensamento europeu. Adam Smith chegou atrasado nesse processo. Antes dele houve Francis Hutcheson. Houve Lord Kames na área do direito. Houve o poderoso intelecto de David Hume. Houve Adam Ferguson na teoria social. O pensamento social nas ilhas britânicas e na América do Norte passou ter uma orientação crescentemente escocesa.

E então, no século XIX, os escoceses começaram a dominar a indústria. Começou com James Watt e sua máquina a vapor. Isso foi expandido, nos anos 1820, para uma nova invenção: as ferrovias com locomotivas a vapor. E então vieram as estradas macadamizadas, assim chamadas em homenagem ao engenheiro escocês John Loudon McAdam. Depois surgiram as ceifadeiras, criadas por Cyrus McCormick, e as siderúrgicas, criadas por Andrew Carnegie. Ambos eram escoceses que viviam nos EUA. Há um excelente livro sobre este processo, escrito por Arthur Herman: How the Scots Invented the Modern World: The True Story of How Western Europe's Poorest Nation Created Our World & Everything in It.

Mais tarde, no início do século XX, os escoceses foram substituídos pelos judeus. Estamos vivendo, como disse um livro recente, no século dos judeus. Nas áreas da ciência, da matemática, da teoria econômica, do entretenimento, do investimento e aparentemente de tudo o mais, exceto na agricultura, os judeus se tornaram dominantes. Sua influência é totalmente desproporcional à sua quantidade.

O problema é que parece não haver nenhuma explicação consistente para essas idas e vindas das pessoas. No caso dos holandeses e dos escoceses, havia de início uma forte dedicação ao calvinismo, mas isso só foi gerar efeitos econômicos muito tempo depois. No caso da Escócia, foram escoceses secularizados que fizeram as grandes contribuições, e não os calvinistas. Um fenômeno similar ocorreu entre os judeus. O processo de liberalização do judaísmo ocorreu no início do século XIX. Os judeus que fizeram grandes contribuições foram judeus seculares. Calvinistas ortodoxos e judeus ortodoxos parecem não possuir nenhuma vantagem específica sobre as outras culturas. Até hoje não encontrei nenhuma explicação para esta sequência: ortodoxia, secularização, sucesso. Mas ela claramente existe, e existe fortemente entre os holandeses, os escoceses, e os judeus.

De certa forma, a Coréia do Sul é outro exemplo. O presbiterianismo tem sido muito forte na Coréia do Sul, tendo começado no início do século XX. Tal religião tem sido uma influência por lá, mas é difícil saber qual exatamente tem sido essa influência. Em 1950, a Coréia do Sul era uma nação extremamente pobre, quase tão pobre quanto uma colônia na África subsaariana. Hoje, a Coréia do Sul é uma das nações mais ricas do mundo. Similarmente, a China também passou por esse tipo de transformação. Mao primeiro transformou os chineses em comunistas ortodoxos, e então tentou reestruturar toda a ordem social em termos do marxismo-leninismo. No entanto, quando Deng Xiaoping liberalizou a agricultura, em 1978, isso gerou uma completa transformação da economia chinesa. A China se tornou o país continental com o mais acelerado e duradouro crescimento da história do homem. Ela era miserável sob a velha ideologia; quando a ideologia foi removida, a taxa de crescimento disparou.

Estes são apenas palpites daquilo que creio ser uma teoria de causalidade econômica. Creio que tem algo a ver com a autodisciplina e com uma orientação mais voltada para o longo prazo, características associadas a uma ideologia revolucionária. O calvinismo era uma ideologia assim. O comunismo também era uma ideologia assim. Ambas alteraram a visão das pessoas em relação a Deus, ao homem, às leis, às causalidades, e ao futuro. Foi assim com o calvinismo; foi assim com o comunismo. E então, quando a ideologia foi abandonada, a visão de mundo continuou a influenciar o comportamento das pessoas. A doutrina a respeito de Deus muda, mas a doutrina a respeito do homem ser um desbravador e a doutrina da orientação para o longo prazo permaneceram praticamente a mesma todo esse tempo. O otimismo associado ao triunfo do reino na história, seja o reino de Deus ou o reino do homem, era assumido pela geração que se seguia ao colapso da ideologia mais velha. O otimismo era conservado e o comprometimento para com a construção do reino era mantido, mas o objetivo final foi alterado: em vez de paraíso na terra, crescimento incessante a taxas compostas. Tal tipo de crescimento cria aquilo que teria sido considerado pelos fundadores das velhas ideologias como sendo o paraíso econômico na terra.

Os homens têm de acreditar que aquilo que eles fazem como indivíduos irá fazer alguma diferença no futuro. Eles têm de acreditar que deixarão algum legado. Eles têm de acreditar em alguma forma de crescimento a taxas compostas. Se eles não acreditarem nisso, então o incentivo para se construir um futuro melhor é mínimo. A filosofia passa a ser: coma, beba e seja feliz, pois amanhã estaremos mortos. Isso sempre leva à estagnação.

Se o Ocidente conseguirá manter seu alto crescimento econômico em face dos desafios impostos pela Ásia é uma das principais perguntas da atualidade. Na Europa Ocidental, parece ter havido uma perda de esperança no futuro. Esse pessimismo ainda não se difundiu pelos EUA, algo que permite ao país manter uma tremenda vantagem. Mas o otimismo é óbvio na China. Isso tem produzido níveis de comprometimento e entrega nunca antes vistos na história chinesa. Os cidadãos de lá realmente acreditam que podem enriquecer, e então passam a trabalhar visando a este fim. Isso gera um extraordinário incentivo para a poupança, para o empreendedorismo, para o trabalho duro, e para o desenvolvimento de novos produtos. A visão de mundo dos cidadãos chineses mais jovens não é a mesma da de seus pais quando estes tinham a mesma idade. Isso fez uma enorme diferença na China.

Não estou convencido de que o sistema educacional do Ocidente ainda mantém aquele velho otimismo que era tão comum décadas atrás. Creio que aquele otimismo está desaparecendo. Isso terá repercussões de longo prazo, majoritariamente negativas, na ordem social ocidental. Ainda há muito otimismo remanescente, mas ele tem de ser alimentado pela geração mais velha, de modo que a geração mais nova se sinta estimulada e impelida a se comprometer e a se entregar.

Se essa mentalidade definhar, o século do Ocidente irá finalmente chegar ao fim.


Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seuwebsite

O GERENCIAMENTO DO DINHEIRO PELO LIVRE MERCADO

Este artigo foi extraído do livro "O que o governo fez com o nosso dinheiro", futuro lançamento do IMB.

O dólar original era alemão

A unidade monetária

Na seção anterior, vimos como o dinheiro surge naturalmente no mercado. Agora, veremos como ele pode ser produzido e gerenciado privadamente. A primeira pergunta a ser feita é: como este dinheiro-mercadoria (no caso, ouro e prata) é utilizado? Mais especificamente, qual é o estoque — ou a oferta — de dinheiro na sociedade e como ele é transacionado?

Em primeiro lugar, bens físicos tangíveis são comercializados em termos de sua massa ou de seu peso. A massa é a unidade característica de uma mercadoria tangível. Sendo assim, o comércio ocorre em termos de unidades como toneladas, libras, onças, grãos, gramas etc.[1] O ouro não é exceção. Como outras mercadorias, o ouro pode ser transacionado em unidades de massa.[2]

É óbvio que o tamanho da unidade comum escolhida para o comércio não faz diferença para o economista. Um país que esteja no sistema métrico pode preferir calcular em gramas; já a Inglaterra ou os Estados Unidos podem preferir trabalhar com grãos ou onças. Todas as unidades de massa são conversíveis entre si: uma libra equivale a dezesseis onças; uma onça equivale a 437,5 grãos ou 28,35 gramas etc.

Supondo que o ouro seja escolhido como dinheiro, o tamanho da unidade de ouro utilizada no cálculo não importa. João pode vender um casaco por uma onça de ouro nos Estados Unidos ou por 28,35 gramas na França. Ambos os preços são idênticos.

Embora tudo isso pareça óbvio demais para ser enfatizado, a realidade é que uma enorme quantidade de miséria ao redor do mundo teria sido evitada caso as pessoas houvessem entendido completamente essas simples verdades. Por exemplo, quase todas as pessoas pensam no dinheiro como se ele fosse uma unidade abstrata de algo que pode ser trocado por outra coisa, com cada moeda estando ligada exclusivamente a um determinado país. Mesmo quando os países estavam no "padrão-ouro", as pessoas continuavam pensando desta forma. A moeda norte-americana era o "dólar", a francesa era o "franco", a alemã, o "marco" etc. Todas estas moedas estavam explicitamente vinculadas ao ouro, mas todas elas eram consideradas soberanas e independentes por seus cidadãos. Exatamente por isso foi fácil para os países "saírem do padrão-ouro". Mas isso não altera uma verdade: todos estes nomes de moedas eram meras denominações para unidades de massa de ouro ou prata.

A "libra esterlina" inglesa era a denominação originalmente dada a uma libra de prata. E o dólar? O dólar surgiu como sendo o nome dado a uma onça de prata cunhada por um conde da Boêmia chamado Schlick, no século XVI. O conde Schlick vivia no Vale do Joachim, ou Joachimsthal em alemão. As moedas do conde ganharam grande reputação por sua uniformidade e pureza, e passaram a ser chamadas por todos de Joachimsthalers. Com o tempo, elas passaram a ser chamadas simplesmente de "thalers" [que significa proveniente "do vale"]. O nome "dólar" surgiu de "thaler".

No livre mercado, portanto, os vários nomes que as unidades podem ter são simplesmente definições de unidades de massa. Até antes de 1933, quando estávamos "no padrão-ouro", as pessoas costumavam dizer que o "preço do ouro" estava "fixado em 20 dólares por onça de ouro". Mas isso era uma forma perigosamente errada de ver a moeda. Na realidade, "o dólar" havia sido definido como sendo o nome dado a 1/20 (aproximadamente) de uma onça de ouro. Era, portanto, errado falar em "taxas de câmbio" entre a moeda corrente de um país em relação às outras moedas de outros países. A "libra esterlina", na prática, não "cambiava" por cinco "dólares".[3] O dólar havia sido definido como 1/20 de uma onça de ouro, e a libra esterlina, na época, era simplesmente o nome dado a 1/4 de uma onça de ouro. Logo, por simples matemática, uma libra esterlina também valia 5/20 de uma onça de ouro. Daí o senso comum de que uma libra esterlina valia 5 dólares.

Claramente, todos estes valores e todo este emaranhado de nomenclaturas eram complicados e enganosos. Como eles surgiram é algo que será mostrado mais adiante no capítulo sobre a interferência do governo na questão monetária. A questão é que, em um mercado genuinamente livre, o ouro simplesmente seria transacionado diretamente em gramas, grãos ou onças, e tais denominações confusas, como dólares, francos, marcos etc., seriam supérfluas. Por conseguinte, nesta seção, trataremos o dinheiro como sendo diretamente transacionável em termos de onças ou gramas.

É certo que o livre mercado irá escolher como sendo a unidade comum aquela grandeza do dinheiro-mercadoria que for a mais conveniente. Se o dinheiro fosse a platina, ela provavelmente seria transacionada em termos de frações de uma onça; se o ferro fosse utilizado como dinheiro, ele seria calculado em libras ou toneladas. Obviamente, o tamanho da unidade não faz diferença para o economista.

O formato da moeda

Se o tamanho da unidade monetária ou o seu nome fazem pouca diferença econômica, o formato do metal monetário também é igualmente irrelevante. Dado que o metal é o dinheiro utilizado, conclui-se que a todo o estoque do metal, contanto que esteja disponível ao homem, constitui o estoque mundial de dinheiro. Não faz muita diferença qual seja o formato em que o metal se encontra em determinado período. Caso o ferro seja o dinheiro, então todo o ferro existente é dinheiro, esteja ele em formato de barras, de minério ou incorporado em um maquinário especializado.[4] O ouro já foi comercializado como dinheiro na forma de pepitas, de pó em sacas, e até mesmo como jóias. Não é de se surpreender que o ouro, ou outras metais, possa ser comercializado em vários formatos, uma vez que a característica que importa é sua massa.

É verdade, no entanto, que alguns formatos são mais convenientes do que outros. Nos últimos séculos, ouro e prata foram fracionados em moedas metálicas para as transações de menor valor, aquelas do dia-a-dia, e em barras para as transações de maior valor. Alguma quantidade foi transformada em jóias e outros ornamentos. Mas isso é importante: qualquer tipo de transformação de um formato para outro custa tempo, esforço e consome vários recursos. Realizar tal trabalho será um empreendimento como qualquer outro, e os preços por esse serviço serão estabelecidos da maneira habitual. A maioria das pessoas concorda que é legítimo que joalheiros façam ornamentos a partir do ouro bruto, mas elas estranhamente rejeitam que o mesmo princípio seja aplicado à manufatura de moedas. Não obstante, no livre mercado, a cunhagem é, em essência, um empreendimento como outro qualquer.

Muitas pessoas acreditavam, na época do padrão-ouro, que as moedas eram, por algum motivo, um dinheiro mais "real" do que o ouro maciço não cunhado e em estado natural (em barras, lingotes ou qualquer outro formato). É verdade que as moedas usufruíam um ágio sobre o ouro em barra, mas isso não se devia a nenhuma misteriosa virtude embutida nas moedas. Isso adivinha do simples fato de que era mais caro cunhar moedas a partir da barra do que fundir moedas de volta ao formato de barra. Por causa dessa diferença, as moedas eram mais valiosas no mercado.

A cunhagem privada

A ideia de cunhagem feita por empresas privadas parece tão estranha nos dias de hoje, que vale a pena uma análise mais minuciosa. Estamos acostumados a pensar na cunhagem de moedas como sendo uma "necessidade de soberania". No entanto, o mundo não mais está vinculado a uma "prerrogativa real", e o conceito de soberania jaz não no governo, mas no povo. Ou é o que dizem.

Como funcionaria a cunhagem privada? Da mesma maneira que qualquer outro empreendimento, como dissemos acima. Cada cunhador ou empresa cunhadora, ao receber clientes com lingotes de ouro, iria fundir estes lingote e produzir moedas nos tamanhos ou formatos que mais agradassem a seus consumidores. O preço deste serviço seria estabelecido pela livre concorrência no mercado.

A objeção típica a este arranjo é que seria muito trabalhoso mensurar o peso ou avaliar a pureza do ouro em cada transação realizada. Mas absolutamente nada impede os cunhadores privados de estamparem tais informações nas moedas, e garantirem seu peso e sua pureza. Cunhadores privados podem garantir a qualidade de uma moeda com, no mínimo, a mesma eficácia que a Casa da Moeda estatal. Aqueles cunhadores reconhecidos como os mais honestos ganhariam proeminência no mercado. As pessoas utilizariam as moedas daqueles cunhadores que usufruíssem a melhor reputação pela boa qualidade de seu produto. Meros pedaços de metal polido não seriam aceitos como moeda. Como vimos, foi exatamente assim que o "dólar" se tornou notório e conhecido — como uma moeda de prata competitiva e de qualidade.

Os opositores da cunhagem privada dizem que as ocorrências de fraude seriam generalizadas. No entanto, estes mesmos opositores estão dispostos a conceder ao governo o monopólio da cunhagem. Mas, dado que eles estão dispostos a confiar no governo, então, certamente, com a cunhagem privada, elas deveriam ao menos confiar no governo para evitar ou punir as fraudes. Normalmente se pressupõe que a prevenção ou a punição da fraude, do roubo e de outros crimes é a verdadeira justificativa para a existência de um governo. Mas se o governo não é capaz nem de deter um criminoso quando a sua função é a de meramente fiscalizar a cunhagem privada, então qual a esperança de haver uma cunhagem confiável quando a integridade dos agentes do mercado privado é descartada em prol de um monopólio governamental de cunhagem? 

Se o governo não é confiável nem para desmascarar aquele malfeitor que ocasionalmente surgiria no livre mercado de moedas, por que então deveríamos confiar no governo quando este é colocado em uma posição de total controle sobre o dinheiro, podendo depreciá-lo, adulterá-lo, falsificá-lo ou deturpá-lo com plena sanção legal para agir como o único vilão no mercado? Da mesma forma que é uma insanidade dizer que o governo deve socializar toda a propriedade a fim de evitar que alguém roube propriedades, é também ilógico dizer que o governo deve abolir a cunhagem privada e monopolizar esta tarefa com o intuito de evitar fraudes. O raciocínio por trás da abolição e da proibição da cunhagem privada é o mesmo daquela da socialização da propriedade privada.

Ademais, todos os empreendimentos modernos baseiam-se na garantia de padrões. A farmácia vende um frasco de 250 mililitros de remédio; o açougueiro vende um quilo de carne. O consumidor espera que tais medidas sejam acuradas, e elas são. E pense nos vários milhares de produtos especializados e vitais fabricados pelas indústrias, os quais devem seguir padrões e especificações extremamente rigorosos. O comprador de um parafuso de 12,7 milímetros (1/2 polegada) deve obter um parafuso de exatamente 12,7 centímetros, e não um de 9,5 milímetros.

E, ainda assim, não obstante todo este rigor de medidas, tais empreendimentos não faliram. Eles não desapareceram. São poucas as pessoas racionais que defendem que o governo tem de estatizar a indústria de maquinários como parte da sua tarefa de evitar fraude nas medidas indicadas. A economia de mercado moderna é formada por um número infinito de transações intricadas, a maioria delas dependente de padrões de quantidade e qualidade muito precisos. E as fraudes ocorrem em níveis mínimos, e esse mínimo, ao menos em teoria, está sujeito a ação judicial. O mesmo ocorreria caso houvesse a cunhagem privada. Podemos ter a certeza de que os clientes de um cunhador, bem como os concorrentes desse cunhador, estariam intensamente alertas para qualquer possibilidade de fraude no peso ou no grau de pureza de suas moedas.

Os defensores do monopólio estatal da cunhagem alegam que o dinheiro é diferente de todas as outras mercadorias porque a "Lei de Gresham" comprova que "o dinheiro ruim expulsa o dinheiro bom" de circulação. Sendo assim, o livre mercado não é confiável para ofertar ao público um dinheiro de qualidade. Mas essa formulação tem por base a interpretação equivocada da famosa lei de Gresham. A lei de Gresham é válida apenas quando há um controle de preços imposto pelo governo sobre o dinheiro. O que a lei de Gresham realmente diz é que "o dinheiro que está artificialmente sobrevalorizado pelo governo tirará de circulação o dinheiro que está artificialmente subvalorizado".

Suponha, por exemplo, que haja várias moedas de uma onça de ouro em circulação. Após alguns anos de intenso uso, começam a surgir desgastes em algumas dessas moedas, de modo que elas passam a pesar somente 0,9 onça. É óbvio que, no livre mercado, essas moedas desgastadas circulariam valendo 90% do valor das moedas íntegras, de modo que o valor de face das moedas desgastadas teria de ser repudiado.[5] No mínimo, são justamente essas moedas "ruins" que deixariam de ser utilizadas e sairiam de circulação. 

Mas suponha que o governo decrete que todos os cidadãos devem tratar as moedas desgastadas da mesma maneira como tratam as íntegras, e que todos devem aceitá-las igualmente, ao seu valor de face, em suas transações diárias. O que o governo fez neste caso? Impôs um controle de preços coercivo sobre a "taxa de câmbio" entre os dois tipos de moeda. Ao insistir na paridade em vez de permitir que as moedas desgastadas fossem transacionadas a um valor nominal 10% menor, o governo sobrevalorizou artificialmente as moedas desgastadas e subvalorizou as moedas novas. Consequentemente, todos os cidadãos tenderão a utilizar apenas as moedas desgastadas, e entesourarão (ou exportarão) as novas. Portanto, não é no livre mercado que "o dinheiro ruim expulsa o dinheiro bom", mas sim como resultado direto da intervenção governamental no mercado.

Não obstante o infindável assédio dos governos sobre esta atividade, algo que tornou as condições altamente precárias, as moedas privadas ainda assim conseguiram prosperar em vários momentos da história. Em conformidade com a lei que diz que todas as inovações surgem de indivíduos livres e não do estado, as primeiras moedas foram cunhadas por cidadãos privados e ourives. Com efeito, quando o governo começou a monopolizar a cunhagem, as moedas da realeza traziam as garantias de banqueiros privados, os quais, aparentemente, usufruíam muito mais confiança aos olhos do público do que o governo. Moedas de ouro cunhadas privadamente circularam na Califórnia até 1848.[6]



Veja também:



[1] Mesmo aqueles bens que são nominalmente comercializados em termos de volume (fardo, alqueire, etc.) assumem de maneira tácita um padrão de peso por unidade volumétrica.
[2] Uma das virtudes cardeais do ouro como dinheiro é a sua homogeneidade — ao contrário de muitas outras mercadorias, o ouro não possui diferenças em sua qualidade. Uma onça de ouro puro é igual a qualquer outra onça de ouro puro ao redor do mundo.
[3] Na verdade, a libra esterlina era por definição igual a US$4.87, mas estamos utilizando US$5 por uma questão de conveniência nos cálculos.
[4] Enxadas de ferro foram extensamente utilizadas como dinheiro tanto na Ásia quanto na África.
[5] Para lidar com o problema do desgaste, os cunhadores privados poderiam ou estabelecer um tempo limite de garantia do peso estampado em sua face ou concordar em cunhar novamente, seja no peso original ou em um mais baixo. Podemos notar que, em uma economia livre, não haverá aquela padronização compulsória das moedas que predomina quando um monopólio estatal controla o processo de cunhagem.
[6] Para exemplos históricos de cunhagem privada, ver B.W. Barnard. "The Use of Private Tokens for Money in the United States", Quarterly Journal of Economics (1916-17), p. 617-26; Charles A, Conant, The Principles of Money and Banking, Nova York: Harper Bros, 1905, vol. I, p. 127-32; Lysander Spooner, A Letter to Grover Cleveland, Boston: B. R. Tucker, 1886, p.79; e J. Laurence Laughlin, A New Exposition of Money, Credit and Prices, Chicago: University of Chicago Press, 1931, vol. I, p. 47-51. Sobre cunhagem, ver também Ludwig von Mises, Theory of Money and Credit, p. 65-67; e Edwin Cannan, Money, 8th Edition, Londres: Staples Press, 1935, p. 33ss.

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies. 

domingo, 27 de janeiro de 2013

COMO SABER SE O ESTADO É BOM

Só descobriremos se o estado é bom ou não se a iniciativa privada puder competir com ele

Entrevista concedida ao repórter Abdo Jose Bertollo Chequer do jornal A Gazeta, do Espírito Santo. Algumas palavras estão em colchetes para ressaltar algumas ideias mais relevantes que foram omitidas da edição final da reportagem.Filho do ministro da Desburocratização no governo de João Baptista Figueiredo (1979 a 1985), o economista Helio Beltrão é um liberal convicto que continua carregando a bandeira um dia empunhada pelo pai, de quem herdou também o nome. Membro do conselho de administração do Grupo Ultra (controlador de Ipiranga, Texaco e Ultragaz) e presidente do Instituto Mises Brasil (em homenagem ao grande defensor da liberdade econômica Ludwig von Mises), Beltrão é um feroz defensor da liberdade de empreender e um crítico contumaz do peso do Estado brasileiro. "Pagamos impostos absurdos, temos uma burocracia absurda e uma regulamentação absurda". Seus argumentos são apresentados na entrevista que segue. 
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O que é ser um liberal? 

O liberal é uma pessoa que, por conta dos conhecimentos adquiridos, chegou à conclusão de que a livre iniciativa e a liberdade de cada indivíduo de buscar seus ideais de realização são as formas mais eficientes de se alcançar a prosperidade e a felicidade. 

Como se dá a regulação nesse modelo?

Nenhum liberal concorda com a anarquia [no sentido de falta de regras ou desordem]. Alguns liberais, como eu, acreditam que o mercado é a melhor forma de criar regras e regulamentações, essenciais para a sua operação. Hoje, existe uma crença muito profunda de que só o governo pode prover regulamentação e regras para o funcionamento do mercado, mas isso não é verdade. Por exemplo, todos os aparelhos elétricos e eletrônicos têm um selo ou mais de um. A maioria das empresas que fornecem esses selos, que certificam se esses aparelhos são seguros o não, são privadas. Os varejistas contratam essas empresas e só topam vender os produtos se estes passarem por essa regulamentação.

Veja a questão dos tratados internacionais entre países. Aí envolve governo, mas a resolução de conflitos é feita por tribunais privados, como se fossem as arbitragens. Quem determina as penas e os culpados são tribunais privados. Eles fornecem a segurança jurídica que todos nós liberais queremos. São exemplos de regulamentação privada que, sem dúvida, são mais eficazes que a governamental típica. 

Por quê? 

A teoria econômica diz que toda vez que só há um [órgão] supervisionando e fazendo as regras, este tende a ser capturado pelos regulados. Ou seja, é de se esperar que, por exemplo, no caso da Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações), as empresas que são supervisionadas por ela passem a se infiltrar ou a fazer algum tipo de conchavo com integrantes da Anatel para que elas não sofram as consequências de uma regulamentação que as atinja. Se os consumidores pudessem escolher quem iria defender seus interesses, seria menor o risco de captura. Se você percebesse que a agência regulatória por você escolhida é corrupta, passaria a utilizar outra. 

Os críticos do liberalismo afirmam que a livre concorrência não traz o equilíbrio social e econômico prometido. 

Em parte é verdade, ninguém está dizendo que o mercado é perfeito. Mas repare bem, hoje, um indiano médio vive muito melhor que um inglês há 200 anos. O habitante de um dos países mais pobres de hoje vive melhor que o cidadão do melhor país do início do século XIX. Isso atesta a favor do mercado. Nós nascemos na natureza, temos de construir formas de viver melhor e de conseguir sobreviver. Não é direito adquirido que todos nascerão com direito a tudo. Existem pessoas desassistidas no mundo inteiro e temos que lidar diretamente com esses desassistidos, pode ser ajudando diretamente, via governo ou não. Mas sempre temos de ter a confiança, pelo menos como liberais, que quanto mais liberdade para empreender e agir você tiver, maior a prosperidade. Isso tem lógica, funcionou no passado e melhorou o padrão de vida do indiano, por exemplo, que hoje vive muito melhor que um cidadão há 200 anos na Inglaterra.

Qual deve ser o papel do Estado? 

Em tese, nenhum. Se o estado é bom no que se propõe, qual o motivo de não permitir que isso seja feito de forma voluntária e não obrigatória? Se ele (estado) é um bom provedor de um determinado serviço, seja ele qual for, então não precisa colocar na cadeia quem compita com ele. Eu acho que o estado pode fazer tudo e também pode não fazer nada, mas só descobriremos se o estado é bom ou não se permitirmos que a iniciativa privada possa fazer o mesmo bem ou serviço em igualdade de condições. É preciso também que o estado não use o dinheiro tomado à força da população [impostos] para fazer tal bem ou serviço, o que configura um privilégio gigantesco em relação à iniciativa privada e é, claramente, pouco produtivo. 

E como ficam funções tipicamente de Estado, como Forças Armadas, polícia e Justiça? Como funcionaria uma sociedade ou comunidade com várias justiças, exércitos e polícias? 

Já existem várias justiças e polícias. No Brasil, temos a Justiça estatal e a Justiça arbitral, que é totalmente privada. As duas convivem. Em um enorme número de casos você pode escolher com qual Justiça trabalhar — e não aconteceu nenhum caos, pelo contrário. Já falamos anteriormente dos tribunais privados que tratam de questões envolvendo dois países de maneira muito mais eficiente e barata que os tribunais estatais. Quanto à polícia, é mais ou menos parecido. Há várias empresas de segurança operando no Brasil. Todos os grandes shoppings contratam segurança privada que tem jurisdição para operarem lá dentro e nada disso implica no caos.

Se o indivíduo pudesse escolher a empresa de segurança com a qual ele gostaria de trabalhar, isso traria um incentivo gigantesco para que houvesse melhora do serviço. Hoje, somos obrigados a usar um serviço pago, muito caro aliás, que é péssimo. É péssimo porque não podemos trocar. Por isso, achamos que a rua é terra de ninguém e o sentimento é outro dentro de um shopping, por exemplo. 

Qual é o modelo que vigora hoje no Brasil? 

O Brasil é hoje uma economia mista, com alguma liberdade para operar no mercado e uma quantidade bastante grande de intervenção estatal. Intervenção que não agrega valor, que atrapalha, gera burocracia, desesperança, corrupção, favorecimento a grupos de interesse. Essa mistura é o que a gente tem no Brasil hoje. Acho que o mundo em geral adotou esse modelo, em maior ou menor grau, porque viu que o socialismo puro, abolindo o mercado, não funciona de forma alguma. Mas ao mesmo tempo não queriam adotar o livre mercado. Dessa forma, adotaram uma solução mista, e você continua tendo algum nível de propriedade privada desde que pague impostos absurdos, com uma burocracia absurda e uma regulamentação absurda.

Como o senhor enxerga as intervenções feitas em 2012 pelo governo federal em setores como energético e bancário? Luz e juros mais em conta não são bons para o consumidor e, consequentemente, para a economia? 

Pois é, aparentemente, para quem não entende muito de economia, é bom. As pessoas vão dizer: "é muito bom conseguir baixar por decreto o preço de algum produto essencial". Isso, obviamente, tem um potencial eleitoreiro muito grande. Analisando o caso dos juros, seria fantástico que os bancos cobrassem menos juros. O problema é que os juros bancários embutem uma série de custos que as instituições precisam cobrir antes que tenham lucro. Qualquer empresa tem custo operacional, no caso dos bancos há a inadimplência e uma série de impostos.

Grosso modo, dos 8% ou 9% ao mês cobrados por um banco, você tem como lucro do banco, não lembro todos os números exatamente, uma margem que beira os 2 pontos percentuais, para usar um número qualquer. Se o governo determina, por decreto, que os juros caiam de 8% para 4% [na verdade, obrigaram Caixa e Banco do Brasil a emprestarem a 3%], isso significa que a [receita com os juros] não cobre o custo do banco. Isso significa que em algum momento as instituições terão um rombo que terá de ser coberto com dinheiro público, ou seja, nosso. É uma medida populista, uma lástima que isso ocorra e que as pessoas não se deem conta das consequências dessa medida. 

O liberalismo sai avariado dessa crise econômica? 

Sem dúvida. O (Barack) Obama (presidente dos EUA), desde a sua campanha, já clamava por um estado maior. Ele vem fazendo cada vez mais intervenções e aumentando o tamanho do estado. O abismo fiscal é fruto da última negociação entre republicanos e democratas (meados de 2011), quando ficou claro que Obama não era capaz de gerenciar adequadamente as contas públicas e estava tendo déficits muito maiores e perigosíssimos. Foi feito um acordo (agosto do ano passado) que dizia que, se Obama não conseguisse controlar as despesas, automaticamente entrariam em vigor aumento de impostos e corte nas despesas.

Todos condenam o abismo fiscal como se fosse a pior coisa do mundo, e eu entendo que aumento de impostos é ruim mesmo, mas a parte de corte de custos é muito adequada. A crise foi usada por Obama como desculpa para aumentar o tamanho do estado e segue sendo usada até hoje. Não vejo nenhuma perspectiva para que isso retroceda e que eles voltem a ter um cenário mais organizado para conseguir crescimento. 

Há previsões de que, caso os EUA entrem de fato nesse abismo, a recessão poderia alcançar 4% já em 2013. O FMI fala em queda de 2%. Isso não assusta o senhor? 

Essa premissa está completamente equivocada. Para que o governo gaste, é preciso que alguém deixe de gastar. O dinheiro não nasce em Washington. Ou seja, se o governo deixou de gastar, as pessoas agora podem gastar, investir no crescimento americano, podem fazer a economia girar. Toda vez que o dinheiro é gasto por Washington, ele é gasto de maneira menos eficiente, com coisas que atendem menos as necessidades da economia naquele momento. Quem fez essa assertiva está falando uma grande bobagem econômica.

Seu pai, Hélio Beltrão, foi ministro da Desburocratização (entre 1979 e 1983, governo de João Baptista Figueiredo). Nesse período, ele acabou com, entre outros entraves burocráticos, o reconhecimento de firma que, na prática, ainda existe. O senhor acha que a jornada dele foi inglória? 

Foi muito gloriosa. O que ele conseguiu fazer foi um milagre dada a mentalidade do Brasil da época. Ele ter conseguido brigar com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para constituir os juizados de pequenas causas, e com a Receita Federal para criar o estatuto da micro e pequena empresa, que hoje é o Simples, foram conquistas incríveis. Mas você tem razão que inúmeras outras conquistas não perduraram, caso da eliminação da lei que exigia firma reconhecida. Foi muito glorioso, mas é decepcionante que sigamos com toda essa burocracia e que parte do trabalho dele tenha sido engolida pela fome estatal. Mal comparando, é como se ele tivesse se infiltrado numa máfia para tornar a máfia boa. Não estou dizendo que o estado é uma máfia, mas é como se fosse um grupo que defende seus próprios interesses independentemente do resto. É muito triste, mas sou um filho muito orgulhoso do trabalho do meu pai.

Helio Beltrão é o presidente do Instituto Mises Brasil.