terça-feira, 29 de janeiro de 2013

SANTA MARIA E A GUERRA DO VIETNÃ

Em 1967 a Guerra do Vietnam envolvia um contingente cada vez maior de soldados americanos. A necessidade de atendimento aos feridos graves, entre eles as vítimas de queimadura e intoxicação, demandavam recursos materiais e humanos cada vez mais complexos. Os EUA construíram, na cidade litorânea de Da Nang, um hospital militar com o objetivo de atender suas tropas. Nesta época não existia propriamente a especialidade hoje conhecida como Terapia Intensiva. Foi com espanto que os médicos militares começaram a atender um número cada vez maior de pacientes vítimas de intoxicação em função do chamado “agente laranja” e outras substâncias químicas utilizadas para desfolhamento de florestas e localização dos esconderijos inimigos. As pessoas apresentavam como quadro clínico uma síndrome que envolvia, entre outros sinais e sintomas, acúmulo de líquidos nos pulmões e diminuição da capacidade de oxigenação do sangue.

Essa nova doença ficou conhecida como “Pulmão de Da Nang” e hoje, nós intensivistas, a chamamos de SARA – Síndrome de Angústia Respiratória do Adulto.

Fiz esta breve introdução para dizer que é isto que pode acontecer com os sobreviventes do incêndio de Santa Maria. Mais; gostaria que ficasse muito claro a todos que este tipo de “coisa” não pode ser atendido (numa situação que envolve um número de pacientes tão grandes) com segurança em nenhuma capital brasileira. Isto ocorre porque simplesmente não há unidades de terapia intensiva em número suficiente nem respiradores artificiais para atender tanta gente.

Em meio a tanto desespero não há um só político ou autoridade da saúde com honestidade suficiente para dizer aquilo que escrevi acima. Há pelo menos quatro décadas assistimos gerações e mais gerações de secretários e ministros da saúde insistindo na ideia de medicina comunitária e prevenção. Pois bem, pergunto agora: o que nós, médicos intensivistas, devemos fazer com as pessoas que sobreviveram ao incêndio de Santa Maria? Encaminhá-las para postos de saúde? Não se constrói um hospital público em Porto Alegre desde 1970! Pelo contrário; vários foram à falência e fecharam!

Que o Brasil inteiro saiba que é MENTIRA a afirmação das autoridades de que Porto Alegre tem leitos de UTI suficientes para atender toda essa gente! A secretaria estadual da saúde pode, se necessário, comprar leitos na rede privada mas mesmo assim é muita sorte haver algum disponível. Com relação aos responsáveis por esta tragédia, deixo aqui a minha opinião – foi o poder público corrupto, negligente e incompetente, quem MATOU todos estes jovens!

É esse tipo de gente que quer entupir o o Brasil com médicos de Cuba e do Paraguai, que manda médicos para o Haiti e que insiste em saúde “comunitária”, que agora aparece na televisão chorando e abraçando os pais das pessoas que morreram.

Termino aqui; como em toda situação de guerra, a primeira vítima de Santa Maria, assim como em Da Nang, foi a verdade – jamais esqueçam isto !

Milton Pires
Médico Intensivista
Porto Alegre – RS.

Um comentário:

Alfredo Benatto disse...

O Sr. Milton Pires , médico intensivista está coberto de razão em afirmar a necessidade de que se tenha mais UTIs equipadas e em quantidades suficientes para atender a toda a população, de crianças a idosos que virem a necessitar deste tipo de atendimento.

Deve ser feita, entretanto, uma ressalva quanto aos comparativos e afirmações feitas pelo Sr. Milton, comparando alhos com bugalhos, a fim de dar prioridade as suas ansiedades e ideologia.

Ele, como médico que é, sabe muito bem que 80% das doenças dos brasileiros podem ser tratadas com um bom serviço de saúde pública sim.

Devemos pensar. Temos as equipes de saúde da família nos serviços públicos de saúde municipais, financiados pelos governos municipais, estaduais e federal, mediante repasse de recursos em quantidade suficiente para que bons serviços sejam prestados, porém como tudo por aqui a gestão deixa a desejar, ou seja, se as equipes de saúde da família forem em quantidade e qualidade suficiente para determinada população, ordenada em uma rede de referência e contrarreferência que caminhe da menor complexidade no atendimento para a maior (incluindo UTIs, como as referendadas pelo Sr. Milton) as coisas não ficaram numa discussão menor de um modelo em detrimento de outro.

Assim pode-se receber bem os médicos cubanos e paraguaios e recebermos bem, também, os médicos americanos, japoneses, holandeses, etc.

Enfim, saúde pública é e sempre será uma área de muita disputa e muito conflito, como o que aqui foi apresentado nestes comentários pelo Sr. Milton, médico intensivista que com propriedade solicita um incremento nas quantidades e qualidade das UTIs e de suas equipes Brasil afora.

Alfredo Benatto
Sanitarista