segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A FALÁCIA DA REFORMA AGRÁRIA

O tema da reforma agrária dividiu o país durante décadas. Desde os anos 1940 foi um dos assuntos dominantes do debate político e considerada indispensável para o desenvolvimento nacional. Diziam que a divisão das grandes propriedades era essencial para a industrialização, pois ampliaria, com base nas pequenas propriedades, o fornecimento de gêneros alimentícios para as cidades, diminuindo o custo de reprodução da força de trabalho e acabando com a carestia.


Por outro lado, o campo se transformaria em mercado consumidor das mercadorias industrializadas. Ou seja, o abastecimento dos centros urbanos, que estavam crescendo rapidamente, e o pleno desenvolvimento da indústria dependiam da reforma agrária. Sem ela não teríamos um forte setor industrial e a carestia seria permanente nos centros urbanos, além da manutenção da miséria nas áreas agrícolas. E, desenhando um retrato ainda mais apocalíptico, havia uma vertente política da tese: sem a efetivação da reforma agrária, o país nunca alcançaria a plena democracia, pois os grandes proprietários de terra dominavam a vida política nacional e impediam a surgimento de uma sociedade livre. Era repetido como um mantra: o Brasil estava fadado ao fracasso e não teria futuro, caso não houvesse uma reforma agrária.

Os anos se passaram e o caminho do país foi absolutamente distinto. A reforma agrária não ocorreu. O que houve foram distribuições homeopáticas de terra segundo o interesse político dos governos desde 1985, quando foi, inclusive, criado um ministério com este fim. Enquanto os olhos do país estavam voltados para a necessidade de partilhar as grandes propriedades – marca anticapitalista de um país que não admira o lucro e muito menos o sucesso – o Centro-Oeste foi sendo ocupado (e parte da Amazônia), além da revolução tecnológica ocorrida nas áreas já cultivadas do Sul-Sudeste.

O deslocamento de agricultores, capitais e experiência produtiva especialmente para o Centro-Oeste ocorreu sem ter o Estado como elemento propulsor. Foram agricultores com seus próprios recursos que migraram principalmente do Sul para a região. Como é sabido, falava-se desde os anos 30 em marcha para o Oeste, mas nada de prático foi feito. E, quando o Estado resolveu fazer algo, sempre acabou em desastre, como a batalha da borracha, nos anos 1940, ou, trinta anos depois, com as agrovilas, na Amazônia.

O épico deslocamento de agricultores do Sul para o Centro-Oeste até hoje não mereceu dos historiadores um estudo detalhado. De um lado, devido aos preconceitos ideológicos; de outro, pela escassez ou desconhecimento das fontes históricas. Como todo processo de desbravamento não ficou imune às contradições – e isto não ocorreu apenas no Brasil. Foram registrados sérios problemas em relação ao meio ambiente e aos direitos humanos, em grande parte devido à precariedade da presença das instituições estatais na região.

Com a falência do modelo econômico da ditadura, em 1979, e a falta de perspectiva segura para a economia, o que só ocorrerá uma década e meia depois, com o Plano Real, as atenções do debate político ficaram concentradas no tema da reforma agrária, mas de forma abstrata. O centro das discussões era o futuro dos setores secundário e terciário da economia. O campo só fazia parte do debate como o polo atrasado e que necessitava urgentemente de reformas. Contudo, a realidade era muito distinta: estava ocorrendo uma revolução, um fabuloso crescimento da produção, que iria mudar a realidade do país na década seguinte.

Entretanto, no Parlamento, os agricultores não tinham uma representação à altura da sua importância econômica. Alguns que falavam em seu nome ficaram notabilizados pela truculência, reforçando os estereótipos construídos pelos seus adversários. É o que Karl Marx chamou de classe em si e não para si. Os agricultores, na esfera política, não conseguiam (e isto se mantém até os dias atuais) ter uma presença de classe, com uma representação moderna, que defendesse seus interesses e estabelecendo alianças com outros setores da sociedade. Pelo contrário, sempre estiveram, politicamente falando, correndo atrás do prejuízo e buscando alguma solução menos ruim, quando de algum projeto governamental prejudicial à sua atividade.

Hoje, o Brasil é uma potência agrícola, boa parte do saldo positivo da balança comercial é devido à agricultura, a maior parte da população vive no meio urbano, a carestia é coisa do passado, a industrialização acabou (mesmo com percalços) sendo um sucesso, o país alcançou a plena democracia e não foi necessária a reforma agrária. A tese que engessou o debate político brasileiro durante décadas não passou de uma falácia.
Por: Marco Antonio Villa


domingo, 17 de fevereiro de 2013

A LUTA DO PAPA

Paulo VI chegou a afirmar que a Igreja parecia estar em processo de autodemolição. No Brasil, a Teologia da Libertação esvaziou as igrejas e levou à fundação do PT.

A surpreendente renúncia anunciada de Bento XVI, como se poderia prever, suscitou toda sorte de comentário absurdo. De especulações sobre o motivo – que o próprio Papa declarou ser sua saúde – a delírios que só fazem expor a ignorância de quem os profere, vimos de tudo. Cabe, assim, apontar as circunstâncias da guerra interna da Igreja, para que se possa perceber com mais clareza a dureza do múnus pontifical.

Nos anos 60, imediatamente antes da revolução de costumes que varreu o Ocidente, os bispos da Igreja se reuniram em um concílio, dito Concílio Vaticano II. Um grupo de bispos oriundos do Norte europeu (especialmente Alemanha, Holanda, Bélgica e Áustria), soberbamente organizados, virou de pernas para o ar a organização do concílio, desprezando os documentos preparatórios e conseguindo aprovar – contra a oposição liderada, entre outros, pelo arcebispo de Diamantina (MG), dom Geraldo Sigaud – documentos finais um pouco confusos, que poderiam propiciar a pessoas mal-intencionadas uma leitura heterodoxa.

E foi o que aconteceu. Durante o pontificado de Paulo VI (1963-1978), o “espírito do Concílio” foi usado como desculpa para negar, dos púlpitos, não só o que a Igreja sempre pregara, mas até mesmo os próprios textos conciliares. Paulo VI chegou a afirmar que a Igreja parecia estar em processo de autodemolição. No Brasil, a Teologia da Libertação esvaziou as igrejas e levou à fundação do PT.

Conferências episcopais inteiras estão em cisma material, desobedecendo abertamente às ordens papais. Nesses territórios, mesmo os bons clérigos se veem forçados a ceder à heterodoxia e desobedecer ao Papa, sob pena de ostracismo. Em algumas, como a austríaca, a situação é gravíssima. Em outras, como a CNBB brasileira, é apenas grave. Para que se tenha uma noção do nível da desobediência daqui, basta mostrar que, pela legislação canônica, é proibido aos padres usar roupas comuns (como as dos leigos) em vez da batina, e leigos não podem distribuir a Eucaristia nas missas dominicais.

Essa situação começou a se reverter graças ao imbatível carisma de João Paulo II, auxiliado pelo sempre fiel cardeal Ratzinger. Quando aquele faleceu, este subiu ao papado para continuar a obra da restauração da Igreja contra os inimigos internos, ainda extremamente poderosos.

O que João Paulo II e Bento XVI vieram pregando é o óbvio: a doutrina da Igreja não mudou nem poderia mudar. A luta contra os inimigos nela infiltrados, portanto, continua. Que Deus ajude o próximo Papa a libertar a Igreja de seus inimigos! Por: POR CARLOS RAMALHETE Publicado no jornal Gazeta do Povo.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

COMO FUNCIONA A BUROCRACIA ESTATAL


Uma das mais importantes leis sociológicas existentes é a "Lei de Ferro da Oligarquia": toda e qualquer área do empreendimento humano, todo e qualquer tipo de organização, sempre será liderada por uma relativamente pequena elite. Essa condição prevalece em todos os campos, seja em uma empresa, em um sindicato, no governo, em uma organização de caridade ou em um clube de xadrez. Em cada área, as pessoas mais interessadas e capazes, aquelas mais adaptáveis ou mais bem ajustadas para a atividade, irão constituir a elite destacada.

Recorrentemente, tentativas utópicas de se formar instituições ou sociedades isentas da Lei de Ferro sempre acabaram sendo vitimadas por essa mesma lei: as comunidades utópicas, os kibbutz em Israel, a "democracia participativa" durante a era da Nova Esquerda no final dos anos 1960, ou aquele vasto "experimento laboratorial" (como costumava ser chamado) que constituiu a União Soviética. O que deveria ser almejado não é o absurdo e antinatural objetivo de erradicar tais elites, mas sim, para utilizar a expressão de Pareto, fazê-las "circular". Essas elites circulam ou se tornam arraigadas e fortificadas?

O mercado versus o governo

A economia de livre mercado fornece um exemplo sem paralelos dessa contínua e saudável circulação das elites. Em uma economia de mercado dinâmica, as elites que não conseguirem acompanhar seus concorrentes, que não conseguirem satisfazer as demandas dos consumidores da melhor maneira possível, serão rapidamente derrubadas, dando lugar a novas elites que se estabelecerão e farão um melhor trabalho. Ludwig von Mises escrevia seguidamente sobre o quão inapropriado era os esquerdistas se referirem a determinados magnatas como "o Rei do Aço" ou "o Rei dos Automóveis", pois os consumidores frequentemente destronavam esses supostos monarcas. Há inúmeros exemplos ao longo da história de várias grandes empresas que não foram capazes de compreender a importância de um novo produto ou de recentes transformações na economia, o que as fez perder mercado para pequenas empresas recém-criadas. Apenas para citar um exemplo mundialmente famoso, a incapacidade da antiga "monopolista" do setor de fotografias, a Eastman-Kodak, em captar a enorme significância, após a Segunda Guerra Mundial, tanto da fotografia instantânea quanto da xerografia, o que abriu espaço para concorrentes novos e mais alertas às mudanças.

Por sua natureza, o governo não está sujeito aos mecanismos de lucros e prejuízos do livre mercado, isto é, à soberania dos consumidores. Mesmo uma organização sem fins lucrativos, embora não esteja buscando maximizar seus lucros, ao menos tem de ser eficiente o bastante para evitar prejuízos severos e uma consequente falência. Ademais, embora tais organizações voluntárias não tenham necessariamente de satisfazer os usuários dos seus bens ou serviços, como ocorreria em um mercado lucrativo, elas ao menos têm de satisfazer os princípios e demandas de seus doadores. Por outro lado, o governo é a única organização dentre todas as organizações que obtém suas receitas por meio da coerção dos cidadãos. Consequentemente, o governo não tem de se preocupar com prejuízos ou risco de falência; ele não precisa servir a ninguém senão a ele próprio. O único limite que restringe um governo é o risco — bastante amplo, é verdade — de os cidadãos se revoltarem e se recusarem a obedecer às suas ordens (inclusive o pagamento de impostos). Fora essa revolução, no entanto, há pouco ou nada que possa ser feito para se limitar um governo ou para restringir o encastelamento ou o crescimento de sua elite. (Os extraordinários eventos ocorridos em Moscou e em outros países da União Soviética entre 1989 e 1991 foram um glorioso exemplo desse limite à tirania sendo alcançado).

O governo, em suma, está particularmente sujeito aos bem conhecidos malefícios gerados por uma arrogante,mesquinha, tacanha, ineficiente, morosa e sempre crescente "burocracia". Os socialistas, mesmo durante o aparente apogeu da União Soviética, frequentemente se preocupavam com o problema da burocracia, e tentaram em vão separar o governo do seu aspecto burocrático. Mas Mises, de maneira vigorosa e direta, já havia demonstrado em sua clássica obra Burocracia que tais esperanças eram inúteis. A burocracia, com todos os seus evidentes malefícios, anda de mãos dadas com um governo. 

Uma empresa lucrativa poupa e investe seu dinheiro, sempre buscando obter lucros e evitar prejuízos; a maneira como ela irá utilizar esses fundos poupados é flexível, dependendo sempre de como serão suas decisões, as quais estarão sempre visando ao lucro. Já as agências burocráticas recebem seus fundos diretamente do orçamento do governo. É o governo quem aloca o dinheiro para cada setor da burocracia. Sendo assim, uma estrita, precisa e minuciosa obediência às regras estipuladas pela burocracia se torna vital para que cada burocrata e sub-burocrata possam demonstrar que eles utilizaram os fundos exatamente da maneira designada pelo Congresso ou pelo Executivo, e que não os embolsaram ou desviou para gastos em outras áreas não autorizadas. Não há autonomia; não há como fazer alocações mais eficientes. Não há um sistema de preços e um mecanismo de lucros e prejuízos guiando as decisões da burocracia.

Mises aponta uma diferença crucial entre o gerenciamento burocrático e o gerenciamento que visa ao lucro. Os gastos e os produtos empreendedoriais são calibrados de acordo com as valorações dos consumidores, cujos julgamentos, nas palavras de Mises, "são transmitidos e solidificados por um fenômeno impessoal: os preços de mercado". Ademais, os julgamentos dos consumidores incidem sobre bens e serviços, e não sobre os produtores em si. "O vínculo vendedor-comprador, bem como a relação empregador-empregado, em uma relação empreendedorial que visa ao lucro", declarou Mises, "é um arranjo do qual ambos os lados se beneficiam". Por outro lado, no governo, uma organização burocrática, o que a nação "obtém em decorrência das despesas, dos serviços prestados, não pode ser avaliado em termos monetários, por mais importante e valoroso que tal 'produto' seja." Em vez disso, afirma Mises, "a avaliação depende dos critérios do governo" — ou seja, das decisões pessoais e arbitrárias. Mises acrescenta que "o vínculo entre superior e subordinado é pessoal. O subordinado depende do julgamento que o superior fará de sua personalidade, e não do seu trabalho." Em suma, na burocracia estatal, não há apreço pela realidade.

Segundo a análise de Mises para a diferença entre sucursais estatais e privadas, em uma sucursal estatal,

Não é por causa da meticulosidade que as regulamentações administrativas determinam quanto pode ser gasto por cada agência ou aparato estatal em coisas como limpeza, reparo de móveis e equipamentos, iluminação e sistema de ar condicionado. Em uma grande empresa privada, tais coisas podem ser deixadas, sem hesitação, aos critérios do administrador local. Ele não irá gastar mais do que o necessário porque ele está utilizando, de certo modo, seu próprio dinheiro. Se ele desperdiçar o dinheiro da empresa, ele colocará em risco os lucros daquela sucursal e estará assim indiretamente prejudicando seus próprios interesses. Por outro lado, a situação é diferente para o chefe local de uma agência estatal. Ao gastar mais dinheiro, ele poderá aprimorar os resultados de seu departamento. A parcimônia terá de ser imposta a ele por controle governamental. E isso quase nunca funciona.

Em uma empresa privada que opera concorrencialmente no mercado, os desejos e objetivos dos administradores estão atados aos objetivos lucrativos dos proprietários. Como explica Mises, o administrador de uma sucursal tem de garantir que sua divisão irá contribuir para os lucros da empresa. Por outro lado, uma vez abolido esse regimento dos lucros e prejuízos — isto é, movendo-se para o âmbito estatal —, os desejos e objetivos dos administradores, limitados somente pelas ordens e pelo orçamento da legislatura central ou do comitê de planejamento, passarão a falar mais alto. E esses desejos e objetivos, guiados somente pela ambígua rubrica do "interesse público", significam na verdade aumentar a renda e o prestígio do burocrata-chefe daquela divisão. Em uma burocracia restringida por regulamentos, essa renda e status inevitavelmente vão depender de quantos sub-burocratas estão subordinados ao burocrata principal. Quanto mais sub-burocratas estiverem sob o comando de um alto burocrata, maior será a renda e o prestígio desse burocrata.

Como consequência, todos os departamentos e agências estatais irão se engalfinhar em seguidas contendas, cada um tentando aumentar suas funções e seu número de empregados, além de tentar se apossar das funções de outras agências. Portanto, ao passo que a tendência natural de empresas e instituições que operam no livre mercado é ser a mais eficiente possível em atender às demandas dos consumidores, a tendência natural da burocracia estatal é crescer, crescer e crescer, e tudo à custa dos espoliados, extorquidos e ignorantes pagadores de impostos.

Se o lema da economia de mercado é o lucro, o lema da burocracia é o crescimento. Como esses respectivos objetivos devem ser alcançados? A maneira de se obter lucro em uma economia de mercado é superando seus concorrentes no dinâmico e continuamente volátil processo de satisfazer as demandas dos consumidores da melhor forma possível: criar restaurantes self-service em vez de restaurantes à la carte, notebooks em vez de computadores, ou mesmo inventar fotocopiadoras e máquinas fotográficas digitais. Em outras palavras, produzir bens ou serviços concretos, pelos quais os consumidores estarão dispostos a pagar. Por outro lado, para conseguir seu crescimento, o chefe da burocracia estatal terá de convencer a legislatura ou o comitê de planejamento de que seus serviços serão, de alguma maneira indefinida, benéficos ao "interesse público" ou ao "bem-estar da população como um todo".

Dado que o cidadão é obrigado a pagar impostos, não somente não há nenhum incentivo ou motivo para que o burocrata seja eficiente, como também não há como um burocrata possa, mesmo que ele fosse dotado das melhores intenções do mundo, descobrir o que os consumidores querem e como ele pode satisfazer suas demandas. No geral, investidores não têm a permissão de se aventurar em uma concorrência contra um serviço estatal. Consequentemente, os consumidores terão simplesmente de permitir que os burocratas lhes ofertem seus serviços, queiram eles ou não.

Ao construir e operar uma barragem, por exemplo, o governo está fadado a ser ineficiente, a subsidiar alguns cidadãos à custa de outros, a alocar recursos inadequadamente e, no geral, a comportar-se como um navio à deriva no mar, sem uma bússola e sem um leme, tentando fornecer serviços sem estar sendo guiado pelo mecanismo de lucros e prejuízos. Ademais, para alguns cidadãos, a represa pode não representar benefício algum; no jargão dos economistas, para algumas pessoas, a represa, em vez de ser um "bem" será um "mal". Assim, para ambientalistas que são filosoficamente contra represas, ou para agricultores e populações ribeirinhas cujas propriedades serão confiscadas e inundadas pelo governo, este "serviço" é claramente negativo. O que dizer de seus direitos e propriedades? Logo, a ação governamental não somente está fadada a ser ineficiente e coerciva contra os pagadores de impostos, como também não passa de um mero esquema de redistribuição de renda para alguns grupos à custa de outros.

O principal grupo beneficiado pelos burocratas, obviamente, são os próprios burocratas. Toda a sua renda é extraída coercivamente dos pagadores de impostos. Burocratas não pagam impostos; suas supostas "contribuições" tributárias são uma mera ficção contábil. Se uma quadrilha rouba dinheiro de um indivíduo e fica com 10% para si e repassa os 90% restantes para terceiros, não se pode dizer que estes estão pagando 10% de imposto. Eles não ganharam seu dinheiro voluntariamente no mercado, ofertando serviços desejados pelos consumidores; apenas receberam uma fatia do dinheiro alheio que foi espoliado pela quadrilha, a qual determinou autonomamente como o butim seria dividido. 

Consequentemente, a existência de uma burocracia estatal cria na sociedade duas grandes classes conflitantes: os pagadores líquidos de impostos e os consumidores líquidos de impostos. Quanto maior a dimensão dos impostos e do governo, maior será o inevitável conflito de classes criado na sociedade. Como explicou o brilhante John C. Calhoun em seu livro Disquisition on Government:

Portanto, o inevitável resultado desta iníqua ação fiscal do governo será a divisão da sociedade em duas grandes classes: uma formada por aqueles que, na realidade, pagam os impostos — e, obviamente, arcam exclusivamente com o fardo de sustentar o governo —, e a outra formada por aqueles que recebem sua renda por meio do confisco da renda alheia, e que são, com efeito, sustentados pelo governo. Em poucas palavras, o resultado será a divisão da sociedade em pagadores de impostos e consumidores de impostos.

Porém, o efeito disso será que ambas as classes terão relações antagonistas no que diz respeito à ação fiscal do governo e a todas as políticas por ele criadas. Pois quanto maiores forem os impostos e os gastos governamentais, maiores serão os ganhos de um e maiores serão as perdas de outro, e vice versa. E, por conseguinte, quanto mais o governo se empenhar em uma política de aumentar impostos e gastos, mais ele será apoiado por um grupo e resistido pelo outro.

O efeito, portanto, de qualquer aumento de impostos será o de enriquecer e fortalecer um grupo [os consumidores líquidos de impostos] e empobrecer e enfraquecer o outro [os pagadores líquidos de impostos].

Sendo assim, resta a pergunta: como os burocratas conseguem alcançar seu objetivo prioritário, qual seja, aumentar o número de funcionários públicos subalternos e com isso aumentarem suas próprias rendas? Apenas se persuadirem a legislatura ou a opinião pública de que sua agência estatal em específico é digna de um aumento em seu orçamento. Porém, como seria possível fazerem isso, uma vez que tal agência não vende seus serviços no mercado e, mais ainda, suas atividades são necessariamente redistributivas e prejudicam, em vez de beneficiar, a maioria dos consumidores? A resposta é que os burocratas têm de "criar um consentimento", isto é, eles têm de falsamente persuadir o público ou a legislatura de que suas atividades representam um luminoso benefício, e não um enorme prejuízo, para os pagadores de impostos. E, pra criar esse consentimento, é necessário utilizar ou empregar intelectuais — a classe formadora de opinião da sociedade — para persuadir o público ou a legislatura de que a burocracia é uma bênção universal. E se estes intelectuais, ou propagandistas, forem eles próprios empregados do estado, então isso será duplamente insultuoso para os pagadores de impostos: pois agora eles serão forçados a pagar por sua própria e deliberada enganação.

É intrigante que os esquerdistas invariavelmente vituperem os anúncios publicitários feitos pelo mercado, dizendo que são enganosos, estridentes e que "incentivam" artificialmente o consumo, sendo que a publicidade é justamente o método indispensável por meio do qual informações vitais são transmitidas para os consumidores — sobre a natureza e a qualidade do produto, e sobre seu preço e local de oferta. Incrivelmente, os esquerdistas nunca direcionam essa sua crítica para justamente aquela área onde ela mais se aplica: as propagandas de exaltação do estado, as relações públicas e as tolices baratas e vulgares difundidas pelo governo. A diferença é que, no mercado, todas as propagandas são rapidamente submetidas a um teste prático: será que essa televisão funciona? Será que esse aparelho elétrico é realmente bom? Por outro lado, para o governo, não existe esse teste direto junto ao consumidor: não há maneira de o cidadão ou o eleitor descobrirem rapidamente como uma determinada política realmente funcionou. Além disso, em eleições, ao eleitor não são apresentados programas específicos para ele escolher: ele tem necessariamente de escolher um pacote inteiro criado por um burocrata, o qual irá durar X número de anos e fará com que o eleitor fique preso a este pacote por aquele período de tempo. E dado que não há como testar diretamente as políticas propostas, torna-se possível entender por que o moderno processo democrático é incapaz de discutir questões políticas, preferindo concentrar-se meramente na demagogia televisiva, a qual é de mais fácil digestão e surte muito mais efeito.

A estrutura e os objetivos da burocracia

A burocracia é necessariamente hierárquica — primeiro por causa da Lei de Ferro da Oligarquia, e segundo porque a burocracia se expande ao multiplicar camadas subalternas. Uma vez que, sem um mercado, não há como testar genuinamente os "méritos" dos serviços prestados pelo governo aos consumidores, em uma burocracia amarrada por regulamentos, o tempo de serviço passa a ser adotado, com grande júbilo, como um substituto para o mérito. Aumentar o tempo de serviço, portanto, leva a promoções a cargos superiores, ao passo que a expansão do orçamento do governo leva a uma multiplicação dos cargos abaixo de você, o que gera um aumento do seu salário e do seu poder. O crescimento da burocracia ocorre, portanto, pela multiplicação dos níveis da burocracia.

A teoria da burocracia estatal hierárquica é que a informação é coletada nos postos mais baixos da organização e, a cada posto sucessivamente superior, o chefe escolhe as informações mais importantes coletadas por seus subordinados, separa o joio do trigo, e passa a informação selecionada para seus superiores. O problema é que favores burocráticos, especialmente nos mais altos escalões, só geram novas gentilezas caso o subordinado saiba agradar aos seus superiores.

Todas as atividades humanas, bem como todas as instituições, tendem a recompensar aqueles que se mostram mais proficientes em adotar o melhor caminho para o sucesso naquela atividade. No mercado, empreendedores bem sucedidos serão aqueles que souberem antecipar e atender mais corretamente as demandas dos consumidores. Já o sucesso na burocracia, ao contrário, depende de o indivíduo se mostrar competente em (a) fazer uma eficaz propaganda pessoal de si próprio para persuadir seus superiores de que possui grandes méritos; e, portanto, em (b) entender que a maneira de ascender na carreira é dizendo aos seus superiores exatamente aquilo que eles querem ouvir. Logo, quanto maior o posto hierárquico da burocracia, maior o número de pessoas subservientes e dispostas a fazer tarefas para você. Consequentemente, cada superior frequentemente será menos informado do que os burocratas dos escalões mais baixos.

A explicação padrão quanto ao porquê de o governo crescer é que, à medida que o tempo passo, há mais trabalho para o governo realizar; por conseguinte, a "demanda" do povo por mais governo cresce. Muito mais correta, no entanto, é a explicação de que no mundo da burocracia funciona uma espécie de Lei de Say invertida, na qual a oferta — ou melhor, os ofertantes de "serviços" estatais, a burocracia — constitui ela própria a "demanda" por seus serviços, e que ela consegue manipular perfeitamente seus superiores, ou a legislatura, fazendo com que eles lhe forneçam cada vez mais recursos oriundos de impostos. 

Daí surgiu a hilariantemente satírica, porém extremamente perceptiva, descrição da "Lei de Parkinson" da burocracia. O professor Parkinson afirmou que, em uma burocracia estatal, "não é necessário haver nenhuma relação entre o trabalho a ser feito e o tamanho da equipe para a qual ele deve ser designado." O contínuo aumento no total dos funcionários públicos "seria praticamente o mesmo caso o volume de trabalho aumentasse, diminuísse ou até mesmo desaparecesse." Parkinson identificou duas fundamentais forças "axiomáticas" responsáveis por esse crescimento: (1) "Um burocrata quer multiplicar seus subordinados, e não seus rivais"; e (2) "Burocratas criam serviços uns para os outros."

Parkinson começa seu "modelo" descrevendo um burocrata que se sente estafado por estar trabalhando demais. O burocrata poderia perfeitamente pedir demissão, mas isso seria impensável, pois ele perderia seu direito a uma magnânima pensão. Pedir para um novo colega recém-promovido dividir com ele sua carga de trabalho é igualmente impensável, pois assim seu prestígio ficaria reduzido; pior ainda, ele estaria promovendo um perigoso rival, o qual passaria a disputar com ele o cargo de seu chefe quando este se aposentasse. Ele poderia pedir a contratação de um assistente, mas isso seria perigoso, pois o novato poderia se revelar competente e conquistar o mesmo status que o seu. Logo, sua escolha mais sensata será pedir a contratação de dois assistentes, os quais iriam então competir entre si por seu favor e atenção; em pouco tempo, ambos os assistentes irão reclamar de carga de trabalho excessiva, e cada um deles irá pedir a contratação de dois novos assistentes. O burocrata original agora terá a satisfação de ter seis homens subordinados diretamente a ele, o que significa que ele já está pronto para uma promoção e um consequente aumento substancial no seu salário.

Mas e quanto ao trabalho a ser feito? A quantidade original de trabalho não foi agora dividida entre sete pessoas? Sendo assim, não seria correto dizer que cada homem estará agora absurda e manifestamente ocioso, com pouco trabalho para fazer? Não — e eis aqui um dos cintilantes vislumbres de Parkinson quanto à teoria da burocracia —, pois um aspecto da Lei de Parkinson é que "o trabalho se expande de modo a preencher todo o tempo disponível para sua realização". Ou, como Parkinson também coloca, "A tarefa a ser feita aumenta em importância e complexidade em uma proporção direta ao tempo a ser gasto para realizá-la."

E aqui entra o segundo aspecto da Lei de Parkinson do crescimento da burocracia: "todo funcionário público cria trabalhos improdutivos para todos os outros". Prossegue Parkinson: "Estes sete burocratas criam tanto trabalho uns para os outros, que no final todos estão completamente ocupados," e o burocrata original, o superior, "estará na realidade trabalhando mais do que nunca." Documentos e papeladas têm de ser enviados e lidos por todos os burocrata, cada qual em sua vez. E cada um deles tem de comentar os documentos e enviar seus comentários para todos os outros. Todos têm de conferir cada documento, bem como as várias emendas propostas. E o burocrata original, o superior, agora estará envolto nos inevitáveis problemas de relacionamento interpessoal entre ele e sua equipe, e entre os próprios membros de sua equipe, coisa que sempre surge nestes ambientes. 

Finalmente, após um longo processo de interação, escreve Parkinson, o burocrata original dá ao documento a mesma resposta que teria escrito caso todos os seus subordinados "jamais tivessem nascido". "Um número muito maior de pessoas", conclui Parkinson, "levou muito mais tempo para produzir o mesmo resultado. Nenhum ficou ocioso. Todos fizeram o seu melhor."

Conclusão

Por que afinal há uma tendência constante de agigantamento do estado, tanto em tamanho quanto em autoritarismo? Porque, do ponto de vista dos burocratas, a vantagem de um estado grande e poderoso é clara, direta e inquestionável, ao passo que para os cidadãos comuns, meros pagadores de impostos cuja atenção dificilmente está voltada para o governo, o custo desse estado, não apenas em termos de dinheiro mas também de liberdade, a qual é perdida quando se concede autoridade a burocratas, é muito vago e nebuloso. São poucos aqueles que realmente têm ideia do quão alto é esse custo.

Consequentemente, dado que os burocratas sabem exatamente o que eles querem, dado que eles trabalham para seu imediato e exclusivo interesse, e dado que os outros cidadãos não têm ideia do quanto estão sendo espoliados — com efeito, sequer prestam atenção a isso —, resta óbvio qual grupo irá prevalecer e dominar o outro.


À medida que as empresas foram sendo submetidas a regulamentações e cargas tributárias cada vez mais altas, sua administração foi se tornando cada vez mais burocrática. Como explicou Mises, "nenhuma empresa que visa ao lucro, por maior que seja, possui a tendência de se tornar burocrática. Isso só irá acontecer caso sua administração se torne mais restringida por interferências governamentais. A tendência a uma rigidez burocrática não é algo inerente à evolução das empresas. Tal rigidez será resultado, isto sim, da interferência governamental sobre o ambiente empreendedorial." Ibid., p.12

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O SISTEMA BANCÁRIO E O ESTADO

O sistema bancário e o estado - por que os banqueiros evitam a atenção pública


Passou a ser aceito pela maioria que os porcos, que eram inequivocamente mais espertos do que os outros animais, deveriam decidir todas as questões políticas da fazenda, embora suas decisões tivessem de ser ratificadas pelo voto da maioria  Orwell, G. (1989 [1945]), A Revolução dos Bichos


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O ponto de partida: o início da civilização

O fundador da dinastia bancária dos Médici, Giovanni di Bicci de' Medici (1360—1429), disse aos seus filhos em seu leito de morte: "Evitem ao máximo a atenção do público". Suas palavras levam à inevitável pergunta: Os banqueiros realmente sabem a verdade sobre o moderno sistema monetário e bancário?

Para desenvolver uma resposta significativa para essa pergunta, na tradição da Escola Austríaca de economia, é necessário começar bem do início, ou seja: com o processo de evolução da civilização.

Por 'processo de evolução da civilização' entende-se o desenvolvimento por meio do qual o homem substitui seu estado de subsistência (isto é, uma existência precária e violenta) pelo arranjo caracterizado pela divisão do trabalho e pela especialização (isto é, cooperação pacífica e produtiva).

Em sua obra magna Ação Humana (1949), Ludwig von Mises (1881—1973) apresenta uma explicação praxeológica para o processo de civilização, a qual nos ajuda a entender o desenrolar de sua evolução.

Se, e na medida em que, pela divisão do trabalho obtém-se maior produtividade do que a obtida pelo trabalho isolado, e se, e na medida em que, o homem seja capaz de perceber este fato, a ação humana tende, naturalmente, para a cooperação e para a associação; o homem torna-se um ser social não por ter de sacrificar seus interesses em favor de um mítico Moloch, a sociedade, mas sim porque pretende melhorar seu próprio bem-estar. A experiência ensina que esta condição — maior produtividade alcançada pela divisão do trabalho — se torna efetiva porque sua causa — a desigualdade inata dos homens e a desigual distribuição geográfica dos fatores naturais de produção — é real. É este fato que nos permite compreender o processo da evolução social.

Para Mises, dois fatores estão no cerne do processo de civilização: (1) É necessário haver uma desigualdade de desejos e habilidades entre as pessoas. Esta é uma condição necessária para que as pessoas queiram buscar a cooperação entre si. (2) O homem tem de reconhecer que a divisão do trabalho possibilita um aumento da produtividade. Sendo assim, Mises pressupõe — como condição necessária — que haja um mínimo de inteligência entre os seres humanos e uma propensão a utilizar essa inteligência na vida prática.

O surgimento do dinheiro - a teoria de Carl Menger para a origem do dinheiro

A desigualdade de habilidade e desejos, em conjunto com a pressuposição de um mínimo de inteligência, leva as pessoas a incorrerem na divisão do trabalho e na especialização. Isto, por sua vez, produz a necessidade de transações interpessoais.

A forma mais primitiva de uma economia de trocas é o escambo. Mas o escambo possui limitações. Por exemplo, sob o escambo, as oportunidades de troca dependem da existência de uma coincidência de desejos entre os agentes que praticam a troca. Cedo ou tarde, as pessoas (pressupondo que haja um mínimo de inteligência) perceberão que utilizar um meio de troca indireto é economicamente benéfico. Utilizar um meio de troca indireto aumenta as oportunidades de transações, dado que a coincidência de desejos deixa de ser um pré-requisito para viabilizar a transação.

O meio de troca indireto que se torna universalmente aceito é chamado de "dinheiro".

Em seu livro Principles of Economics (1871), Carl Menger (1840—1921) desenvolve a teoria de que o dinheiro surge espontaneamente das atividades do mercado, que esse dinheiro criado pelo livre mercado é uma mercadoria (metais preciosos, por exemplo).

Posteriormente, Mises demonstrou com o seu teorema da regressão que, de fato, o dinheiro só pode ter surgido dessa maneira, e por motivos praxeológicos: o dinheiro tem de ter surgido a partir de um mercado; e ele tem de ter sido antes utilizado como uma mercadoria.

Estabelecimentos de armazenagem de dinheiro

O dinheiro é um bem econômico como qualquer outro. Logo, ele será poupado e guardado, como qualquer outro.

As pessoas irão demandar maneiras convenientes de portar e transacionar seu dinheiro.

Dado que os indivíduos inevitavelmente possuem preferências temporais distintas entre si, haverá poupadores (aqueles que mantêm consigo uma quantidade de dinheiro maior do que a que gastam em consumo) e investidores (aqueles que demandam uma quantia de dinheiro maior do que possuem).

É sob este arranjo que dois tipos de empreendimento voltados para o manuseio do dinheiro surgem em um livre mercado: bancos voltados para depósitos (ou armazenamento de dinheiro) e bancos voltados para empréstimos ou concessão de crédito.

Bancos voltados para depósitos oferecem serviços de custódia, proteção, transferência, liquidação e compensação de dinheiro para seus clientes. Por exemplo, indivíduos que estejam portando dinheiro metálico podem, por comodidade ou segurança, depositar este seu dinheiro em um banco de depósito. Em troca, eles recebem um certificado de depósito que poderá ser transacionado como dinheiro. As pessoas que venderem um bem ou serviço a estes depositantes receberão em troca estes certificados e, com isso, poderão trocá-lo pelo dinheiro em espécie que está guardado no banco de depósito.

Já os bancos voltados para a concessão de empréstimos operam adquirindo poupança genuína dos indivíduos. Eles emitem títulos que rendem juros. Os poupadores voluntariamente dão seu dinheiro em troca destes títulos que lhes pagarão uma quantia maior no futuro. Durante este período, o poupador não tem acesso ao dinheiro que emprestou.

A taxa de juros de mercado será determinada pela oferta de dinheiro emprestado pelos poupadores e pela demanda por esse dinheiro, de modo que a taxa de juros de mercado irá refletir a taxa de preferência temporal desta sociedade. Em outras palavras, em um livre mercado, haverá de modo natural uma profissão à qual chamaríamos de "banqueiros": alguns banqueiros irão trabalhar no ramo da armazenagem de dinheiro (bancos de depósito) e outros irão trabalhar no ramo da concessão de crédito (bancos de empréstimos).

Para ficar claro: em um livre mercado, instituições voltadas para depósitos e instituições voltadas para a concessão de crédito seriam entidades legalmente distintas e separadas. Há o banco de depósito e há o banco de crédito.

O incentivo para a agressão

Em um livre mercado, há apenas três maneiras de se adquirir propriedade (ou seja, de forma não-agressora): pela apropriação original de propriedade sem dono (o que na prática denota o princípio do "o primeiro a usar é o proprietário"), pela produção e por contratos voluntários. 

Na realidade, no entanto, as coisas podem ser um tanto diferentes.

Franz Oppenheimer afirmou que "Há duas maneiras fundamentalmente opostas pelas quais um homem, necessitado de sustento, é impelido a obter os meios necessários para satisfazer seus desejos. Estas são o trabalho e o roubo: ou ele utiliza o próprio trabalho ou ele se apropria forçosamente do trabalho de terceiros".

A lógica da ação humana nos diz que há — e, com efeito, tem de haver — um incentivo econômico para o indivíduo atacar a propriedade de terceiros. Duas intuições praxeológicas interrelacionadas explicam isso.

Primeiro, sabemos com certeza que é preferível satisfazer uma necessidade ou um desejo mais cedo do que mais tarde; também sabemos com certeza que uma satisfação de desejos a um custo baixo é preferível a uma satisfação de desejos a um custo alto. Em outras palavras, indivíduos tentam alcançar seus objetivos com o mínimo de esforço possível e no mais curto período de tempo.

Segundo, o processo rumo à civilização não extirpa a propensão do homem à agressão. É de se esperar que o indivíduo A irá atacar o indivíduo B sempre que ele puder se dar bem — isto é, se os (esperados) benefícios para A oriundos da agressão a B forem maiores do que os (esperados) custos em que ele terá de incorrer ao praticar tal ação.

É este incentivo econômico de cada indivíduo em atacar a propriedade de terceiros que está no cerne do surgimento daquilo que é tipicamente chamado de "governo".

Um governo pode ser entendido como um monopolista territorial da coerção: uma agência que incorre em violações institucionalizadas dos direitos de propriedade e na exploração — na forma de expropriação, tributação e regulação — dos donos de propriedade privada.

Para responder à pergunta "Os banqueiros realmente sabem a verdade sobre o moderno sistema monetário e bancário?", é necessário analisarmos mais detidamente as várias formas de governo.

Em primeiro lugar, é possível fazer uma distinção entre governos com uma baixa preferência temporal e governos com uma alta preferência temporal. Baixa preferência temporal significa estar mais voltado para o longo prazo; alta preferência temporal significa ser mais imediatista.

Em um lado do espectro está, tomando emprestada a metáfora criminal de Mancur L. Olson (1932—1998), obandido itinerante. O bandido itinerante representa uma forma de governo que possui pouco interesse no bem-estar da sociedade; e, como consequência, seu assalto tipicamente chega a quase 100% da renda da sociedade.

O bandido itinerante não tem de lidar com os danos que sua agressão causa à sociedade (em termos de renda perdida). A preferência temporal do bandido itinerante é, portanto, relativamente alta. Ele extrai o máximo possível de suas vítimas, e não há praticamente nenhum incentivo econômico para que ele restrinja seu roubo.

Do outro lado do espectro está o bandido estacionário. Assim como o bandido itinerante, ele também detém o monopólio da coerção de suas vítimas. No entanto, o bandido estacionário possui um interesse mais abrangenteno bem-estar da sociedade. Ele deseja que suas vítimas sejam produtivas e continuem trabalhando: quanto mais suas vítimas produzirem, mas riqueza haverá para ser apropriada pelo bandido estacionário.

Analisando mais atentamente o bandido estacionário, é possível fazer uma distinção entre um governo em mãos privadas (feudalismo/monarquia) e um governo em mãos públicas (democracia).

O indivíduo que está no comando de um governo em mãos privadas tem o interesse de maximizar o valor presente da renda total que ele pode expropriar de seus governados. Um monarca, por exemplo, detém o monopólio da expropriação de suas vítimas, e sua preferência temporal será, em decorrência de seu abrangente interesse, relativamente baixa.

Em contraposição, o interino que está no comando do governo em mãos públicas tem o interesse de maximizar sua renda atual. Ele sabe que dali a alguns anos não mais estará no poder. Sua preferência temporal, portanto, será relativamente alta.

Um governo em mãos públicas significa que a escolha do interino se dá pelo voto majoritário. Uma maioria de pessoas decide quem irá ser o administrador temporário do governo, que neste caso é uma propriedade pública.

O eleitor médio irá apoiar aqueles políticos que ele julga (correta ou erroneamente) serem capazes de melhorar sua situação econômica. Um eleitor tem todos os incentivos econômicos para agir desta maneira — sem se importar com o fato de que a renda que ele irá obter desta forma advém da expropriação de seus concidadãos.

Já o administrador temporário deste governo, que é propriedade pública, terá todos os incentivos para tentar ganhar a maioria dos eleitores. Ele irá defender políticas de expropriação dos produtores de alta renda (que normalmente são poucos) para redistribuir o espólio para aquelas pessoas menos produtivas ou improdutivas (que normalmente são muitos).

A importante constatação aqui é a seguinte: a propriedade pública do governo irá levar a uma contínua erosão do interesse da maioria das pessoas em produzir riqueza para a sociedade. Em outras palavras, a preferência temporal da sociedade irá aumentar.

O governo gera um sistema bancário fraudulento

O aumento da preferência temporal da sociedade é o principal fator que explica o surgimento de práticas fraudulentas no sistema bancário, as quais são perfeitamente resumidas pela adoção de um papel-moeda fiduciário de curso forçado.

Sabemos que os interinos de um governo em mãos públicas desejam expropriar os recursos do público em geral. Isso pode ser feito mais convenientemente (1) obtendo-se o controle da produção de dinheiro, (2) substituindo o dinheiro metálico por um dinheiro de papel, e (3) criando sempre mais dinheiro por meio da expansão do crédito.

A indústria bancária e os banqueiros são, portanto, aliados naturais do roubo planejado pelo governo. Com efeito, os banqueiros e aqueles que estão no governo irão, e de maneira muito lógica, fazer um conluio para criar um sistema monetário baseado em um papel-moeda puramente fiduciário e de criação totalmente monopolizada por eles.

Os banqueiros percebem que irão auferir receitas adicionais se puderem criar dinheiro digital por meio da expansão do crédito, processo esse em que dinheiro é criado do nada ao se conceder empréstimos em um volume muito superior ao total de dinheiro real que possuem em seus cofres. É assim que funciona um sistema bancário de reservas fracionárias.

Os banqueiros sabem que esta prática de reservas fracionárias é um empreendimento extremamente lucrativo. Sendo assim, tanto os bancos de depósito quanto os bancos de crédito defenderão a fusão de ambas as atividades para um mesmo banco. Ou seja, a mesma instituição poderá, simultaneamente, aceitar depósitos e conceder empréstimos.

Os administradores temporários de um governo em mãos públicas também são totalmente a favor de um sistema bancário de reservas fracionárias. Afinal, sendo os primeiros a receber este dinheiro recém-criado pelos bancos, o governo se torna capaz de obter recursos sem ter produzido nada. Ao agir assim, ele obtém algo em troca de nada. Ele está retirando recursos escassos de toda a sociedade para benefício exclusivo de sua burocracia. Trata-se de uma expropriação.

Tendo monopolizado a lei, será relativamente fácil para o governo declarar que a prática de reservas fracionárias é legal. No entanto, praticar reservas fracionárias é algo um tanto arriscado para um banqueiro. Ele sabe que se o público se tornar ciente desta sua prática — a qual nada mais é do que falsificação de dinheiro —, pode ocorrer uma corrida bancária, o que tornaria seu banco insolvente e forçaria sua liquidação.

Para o governo, quebras bancárias também são totalmente indesejáveis. Além de gerarem severos problemas políticos e econômicos, falências bancárias também — e isso é muito importante — colocam em risco o acesso farto e barato ao dinheiro e ao crédito.

Sendo assim, o governo irá, e com enorme apoio de todos os banqueiros, criar um banco central, o qual não apenas permitirá, como também estimulará com grande afinco, que todos os bancos inflacionem de maneira harmoniosa e combinada a quantidade de dinheiro na economia.

Mesmo após a criação de um banco central, o risco de uma corrida bancária ainda não é totalmente eliminado. É necessário que o banco central adquira o monopólio da produção de dinheiro.

É por isso que, cedo ou tarde, o dinheiro metálico, lastreado em uma commodity como ouro ou prata, será substituído por um dinheiro de papel inconversível (sem nenhum lastro) e de curso forçado; e este dinheiro de papel gozará de privilégios legais (como a obrigatoriedade de se aceito por todos). Para este fim, o governo legalizará a prática bancária de suspender a restituição, isto é, de se recusarem a restituir certificados de depósito em ouro. Ato contínuo, o governo se apropriará do ouro e os cidadãos serão obrigados a utilizar apenas o papel, agora sem nenhum lastro; sem nenhuma conversibilidade.

Corrupção coletiva

É de se pensar: como o governo e os banqueiros fizeram isso e continuam fazendo nada lhes acontece? Por que essa fraudulenta extração de recursos da sociedade via inflação monetária não gera protestos?

Seria falta de conhecimento por parte daqueles que estão do lado perdedor deste regime monetário baseado na falsificação de dinheiro? Ou será que os custos de se revoltar contra um regime puramente fiduciário é proibitivamente alto do ponto de vista do indivíduo?

Uma resposta economicamente sensata — isto é, praxeológica — a esta pergunta pode ser encontrada naquilo que chamo de "corrupção coletiva". Tão logo o governo passa a intervir nas questões monetárias da sociedade, os indivíduos irão desenvolver, de forma crescente, uma propensão a violar a propriedade de terceiros.

Ao se aproveitar da ação coerciva do governo, um indivíduo se torna capaz de colher os benefícios do ataque à propriedade de terceiros. Ao mesmo tempo, ele terá de lidar com apenas uma fração do estrago que esta sua ação impõe à sociedade como um todo.

Ele terá todos os incentivos para agir desta forma. Afinal, caso não o faça, outros o farão. E aí ele estaria do lado perdedor. Ele teria de arcar com as perdas de qualquer oportunidade de violar a propriedade de terceiros da qual abrisse mão.

Um sistema monetário puramente fiduciário, tão logo seja adotado, levará a uma corrupção coletiva na maior escala possível. Como é bem sabido, o governo pode garantir seu apoio ao permitir que uma determinada fatia do público usufrua livremente as receitas fraudulentamente extraídas da sociedade como um todo. Por exemplo, o governo irá oferecer empregos muito bem pagos a uma determinada casta (e, em particular, irá subsidiar intelectuais e formadores de opinião). Ele também irá premiar suas empresas favoritas com contratos em licitações e contratos de fornecimento exclusivo. Empreiteiras, em particular, irão se dar muito bem. Outras pessoas irão simplesmente receber subsídios diretos para ajudar em sua sobrevivência.

Com a crescente distribuição de oferendas e benesses, um crescente número de pessoas e empresas irão se tornar econômica e socialmente dependentes da continuidade (ou até mesmo do crescimento) desta atividade governamental. 

Sendo assim, será natural que a resistência contra novas expansões do governo e do sistema monetário fiduciário — algo que necessariamente significa mais violações dos direitos de propriedade do indivíduo — diminua.

Obviamente, os banqueiros possuem um papel extremamente importante na difusão desta corrupção coletiva. Basta dizer que um crescente número de pessoas terá de investir toda a sua poupança em depósitos e títulos bancários definidos em moeda fiduciária. Afinal, não há outra opção. Ou elas fazem isso, ou toda a sua poupança será dizimada pela inflação.

Mais cedo ou mais tarde, as pessoas irão desenvolver um grande interesse em apoiar a existência de um governo e em defender o sistema monetário fiduciário vigente — utilizando quaisquer meios que julgarem necessários.

Tudo irá terminar em hiperinflação

A corrupção coletiva, tão logo se torna suficientemente dispersa, levará à hiperinflação — isto é, a um aumento acelerado na quantidade de dinheiro na economia, o que levará à erosão, ou até mesmo à total destruição, do poder de compra do dinheiro fiduciário.

É claro que os banqueiros e aqueles que estão no governo têm interesse em evitar a hiperinflação. Eles preferem um tipo de inflação que passe basicamente despercebido, uma forma de inflação que não fugirá do controle.

No entanto, tão logo a corrupção coletiva se torna difundida e o setor bancário e financeiro se torna amplamente importante em termos de financiamento do governo e de servir como um importante repositório de toda a poupança dos indivíduos, o fiel da balança já foi girado para o lado hiperinflação.

Pela praxeologia, podemos saber com certeza que uma expansão monetária irá terminar em depressão. Também sabemos que esforços para se evitar uma depressão por meio do aumento da quantidade de dinheiro irá apenas postergar o dia do acerto final, o que aumentará ainda mais os custos da depressão no futuro.

Como irá a maioria das pessoas reagir a uma iminente depressão? Se eles nutrirem a esperança de que estarão entre os primeiros recebedores do dinheiro recém-criado (o que na realidade é o que ocorre tão logo a corrupção coletiva se torna suficientemente dispersa), então a resposta parece óbvia. A maioria terá a esperança de que irá se beneficiar da impressora monetária eletrônica, e irá preferir que a impressora eletrônica continue trabalhando a deixar que o governo e os bancos deem o calote e vão à falência. Sob tal estrutura de incentivos, o sistema monetário fiduciário acabaria em hiperinflação.

Conclusão

À luz de tudo o que foi dito acima, podemos concluir que: (1) Se e quanto o formato de governo em mãos públicas for adotado, o dinheiro metálico — aquele lastreado em uma commodity — será substituído por um dinheiro de papel fiduciário e de curso forçado. (2) O dinheiro fiduciário leva a uma corrupção coletiva em grande escala. E (3), tão logo a corrupção coletiva se torna suficientemente dispersa, o regime monetário fiduciário será destruído pela hiperinflação.

De tudo isso, conclui-se que, tão logo um sistema monetário fiduciário seja adotado, bancos e banqueiros irão inevitavelmente se juntar — alguns voluntariamente e cientes de tudo; outros, sem maior ciência — àquele vasto empreendimento criminoso que é o estado.

Sendo seres humanos, banqueiros têm interesses próprios, como todos nós. Logo, é de se imaginar que eles saibam bastante sobre o real funcionamento do sistema monetário e bancário. À luz do sombrio histórico monetário pelo qual já passou o mundo, tal conclusão também ajuda muito a explicar as últimas de Giovanni di Bicci de' Medici para seus filhos: "Evitem ao máximo a atenção do público".


Thorsten Polleit  é professor honorário da Frankfurt School of Finance & Management.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

UNIDOS CONTRA A MODERNIZAÇÃO

Só não causa mais estranheza a insólita e ativa aliança entre dirigentes sindicais e parte do empresariado contra a,política de modernização dos, portos, anunciada em dezembro pelo governo e resumida na Medida Provisória (MP) 595, porque seus objetivos são claros: eles não querem mudar nada, pois a modernização acabará com privilégios e garantias especiais. Interessados apenas em si próprios, eles são contra a entrada de novos participantes privados nas operações portuárias e, assim, tentam impedir ou retardar os investimentos necessários para a expansão, a melhoria e o aumento da eficiência dos serviços.

O gargalo representado pelo inadequado serviço dos portos impõe perdas ao País, pois encarece as exportações, mas pode ter efeitos ainda mais nocivos quando utilizado como instrumento de pressão e de ameaça por dirigentes nas suas negociações com as autoridades, como ocorreu com frequência no passado. Esse instrumento está sendo novamente acionado pelo deputado federal Paulinho da Força (PDT-SP), que carrega no nome sua fonte de poder político e sindical – há quase 20 anos é presidente da Força Sindical, a segunda maior central sindical do País –, numa campanha contra a MP 595 na qual tem a companhia de dirigentes empresariais.

“Querem destruir os portos públicos, mas nós estaremos lutando contra”, prometeu Paulinho depois de reunião com o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDBAL), da qual participaram também outros parlamentares e dirigentes sindicais. “O pau vai comer”, garantiu. Segundo ele, se o governo não concordar com modificações de pontos da MP que ele e sua Força Sindical consideram essenciais, “nós vamos paralisar os portos do País e o Brasil ficará parado”. Não exportará nem importará nada, assegurou. E por que a Força Sindical – a maior central sindical do País, Central Única dos Trabalhadores (CUT), anunciará sua posição dentro de alguns dias – é tão violentamente contra a MP 595? Porque não aceita justamente o que ela tem de mais modernizante no que se refere às relações trabalhistas nos portos.

A Lei dos Portos, de 1993, estabeleceu novas formas de contratação de mão de obra portuária, setor antes inteiramente dominado pelos sindicatos, ao criar o Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo). Formado por representantes dos trabalhadores e das empresas, o Ogmo é o organismo responsável pela intermediação da contratação de trabalhadores avulsos. Sua criação foi precedida de grandes disputas entre governo, sindicatos e empresas, mas, por ter preservado o poder sindical nesse campo, a despeito da presença de representantes dos empregadores, acabou sendo aceito por todos.

A MP permite que as novas empresas que, por meio de licitação, passarem a operar terminais de carga nos portos públicos possam contratar livremente os trabalhadores, sem a intermediação do Ogmo. 

Como ainda mantém poder no Ogmo, a Força quer evitar seu esvaziamento, estendendo suas funções às novas empresas. Empresários que já têm operações nos portos, de sua parte, tentam mudar a MP pois, além de permitir a construção e operação de terminais por empresas que não demonstrem ter carga própria suficiente para tornar o empreendimento viável, ela determina que sejam licitados os terminais arrendados até 1993 (quando entrou em vigor a Lei dos Portos) e cujos contratos estão vencidos. Os operadores desses terminais queriam a prorrogação dos contratos por até 50 anos em alguns casos. Por conveniência, aliaram-se à Força.

A posição do governo tem sido coerente. “Podemos melhorar alguns pontos (da medida provisória) e aceitar novos artigos, aperfeiçoar a redação”, disse o ministro-chefe da Secretaria de Portos, Leônidas Cristino. “Mas há pontos importantes que não podemos mudar”, acrescentou. E a livre contratação de mão de obra, a licitação dos terminais com contratos vencidos e a entrada de novos operadores mesmo sem demonstração de carga própria suficiente estão entre eles. Com a instalação, prevista para o dia 20, da comissão mista que discutirá a MP 595, o debate chegará ao Congresso. Editorial do Estadão

"UMA MOEDA DEPRECIADA É BOA PARA A ECONOMIA"

Os bancos centrais atuais estão praticando aquilo que os economistas chamam de "desvalorizações competitivas", cada um se esforçando para depreciar mais sua moeda em relação a todas as outras. A lógica, segundo os governos, é que a depreciação da moeda — e, consequentemente, da taxa de câmbio — estimula a economia (leia-se, o setor exportador).


O problema é que tal raciocínio não faz nenhum sentido.

Se você possui uma determinada moeda, e todos os preços cotados nesta moeda caem, você certamente irá se beneficiar deste arranjo. Você lucraria com ele. Mais ainda: você não teria de pagar nenhum imposto sobre este lucro, pois o lucro não seria na forma de um aumento na sua quantidade de dinheiro; o lucro seria na forma de um aumento na quantidade de bens e serviços que você é capaz de comprar com a mesma quantidade de dinheiro que você possuía antes. Portanto, uma deflação de preços traria um enorme benefício para você.

Agora, se é benéfico para você portar esta moeda em um momento que os preços dos bens e serviços estão caindo, por que seria ruim para o público em geral do seu país portar esta mesma moeda em um momento em que os preços das moedas estrangeiras estão caindo? Quando a sua moeda se torna capaz de comprar uma quantia cada vez maior de moedas estrangeiras à medida que o tempo passa, está havendo uma deflação de preços para os itens que estão sendo comprados: as moedas estrangeiras. Por que seria desvantajoso para a população deste país ter uma moeda que ganha poder de compra em relação às outras? Por que seria ruim ser usuário desta moeda e por que não seria ruim ser usuário das moedas estrangeiras se são justamente os bancos centrais estrangeiros que estão inflacionando suas moedas?

Estamos hoje em uma situação em que os bancos centrais de todo o mundo estão expandindo seu processo de aquisição de títulos da dívida de seus respectivos governos. Eles fazem estas aquisições criando dinheiro do nada. É isso que bancos centrais fazem. Logo, há aquilo que se convencionou chamar de 'corrida para o fundo do poço'. Todos os países estão inflacionando para que seus exportadores não sofram com uma moeda apreciada. Todos os governos hoje são mercantilistas.

No entanto, sabemos que, como indivíduos, utilizar uma moeda que está se valorizando é algo ótimo. O que nos leva à inevitável pergunta: por que é bom para os indivíduos de um país utilizar uma moeda que está se valorizando, mas também é uma boa política ter um banco central expandindo a oferta monetária com o intuito de justamente desvalorizar o valor internacional desta moeda? Parece haver algo errado neste arranjo. Quem o defende parece sofrer de dissonância cognitiva.

O que é bom para um indivíduo honesto é bom para a nação. Se é bom para um indivíduo ter um moeda que está se valorizando, então é bom para toda uma nação ter uma moeda que está se valorizando. Como é possível dizer que é algo bom para os indivíduos utilizarem uma moeda que está se valorizando e, ao mesmo tempo, dizer que o país deveria instruir seu Banco Central a inflacionar a moeda com o intuito de não permitir que ela se valorize?

Vivemos em uma era mercantilista. Aquelas grandes empresas voltadas para a exportação querem ver o valor de suas moedas domésticas caindo continuamente. Todas as empresas voltadas para o setor exportador, de todos os países, querem que isso ocorra. Em outras palavras, elas não querem viver um sistema em que os preços são definidos pelo livre mercado. Elas querem que os bancos centrais de seus países intervenham expandindo a oferta monetária de modo a reduzir o valor internacional de sua moeda doméstica. Sendo assim, por essa lógica, o que é bom para indivíduos passa a ser supostamente ruim para toda a nação. Porém, o que é a 'toda a nação' se não o agregado de todos os indivíduos?

Não há dúvidas de que entramos em uma era de desvalorizações competitivas das moedas domésticas. Historicamente, isto sempre foi chamado de depreciação, mas quando há um livre mercado no setor monetário, o termo depreciação é enganoso. Soa como se, da noite para o dia, os burocratas do governo anunciassem uma alteração na taxa de câmbio. No entanto, o que ocorre é que o mercado estabelece o valor de troca de uma moeda por outra. Se os bancos centrais de duas nações inflacionam suas moedas na mesma proporção, a tendência é que aproximadamente a mesma taxa de câmbio se mantenha ao longo do tempo. Porém, em relação aos bens e serviços, as moedas domésticas estão se desvalorizando.

Sempre que você ouvir alguém dizendo que a moeda do seu país tem de se desvalorizar em relação ao dólar — ou que o dólar tem de encarecer —, você está na presença de um mercantilista. Trata-se de alguém que crê que a inflação monetária — e, portanto, a inflação de preços — é algo bom. Ele pensa assim porque tal medida representa um subsídio ao setor exportador. Porém, deveria ser algo óbvio que, quando partimos da lógica de que aquilo que é bom para o indivíduo é bom para a maioria dos cidadãos do país, uma moeda doméstica em contínua apreciação em relação às moedas estrangeiras é algo positivo. Isso indica que seu banco central não está inflacionando, e que os outros bancos centrais ao redor do mundo é que estão. Significa que seu banco central está sendo mais austero e mantendo a sua moeda mais robusta. E uma moeda robusta é aquela que está se valorizando. Mas não é assim que políticos pensam. E também não é assim que economistas dos bancos centrais pensam.

Somente exportadores não gostam de uma moeda que está se valorizando. E são muito poucas as pessoas de uma economia que trabalham para exportadores.

É minha opinião que os bancos centrais de todo o mundo estão hoje encurralados. Não creio que eles possam retornar a condições semelhantes às de 2007 sem gerar uma enorme recessão. E eu realmente creio que esteja havendo aquilo que parece ser uma corrida ao fundo do poço. Também creio que, antes deste fundo ser alcançado pelos países industrializados, os bancos centrais serão forçados a parar de inflacionar. E será neste momento que os governos começarão a dar o calote em todas as suas promessas: tanto nos títulos da dívida quanto nas questões previdenciárias e de seguridade social. Porém, por algum tempo, a corrida continuará.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seuwebsite

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O SHOW NÃO DEVE CONTINUAR

Foi muito fácil aos governos petistas colher aplausos enquanto gastavam o patrimônio acumulado.

O show a que me refiro é esse, diariamente apresentado ao público pela trupe política que, há mais de uma década, atua no grande palco, coxias e camarins de Brasília. A estas alturas o povo já descobriu que o PT oposicionista, vestido de lírios, com cheiro de madressilvas, era encenação. Apresentava-se como um partido formado por almas imaculadas, concebidas sem pecado, incapazes da mais tênue má intenção. Fiquemos, neste texto, com o PT do governo, o que subiu a rampa do Palácio do Planalto em 1º de janeiro de 2002. Seus roteiristas e atores sabiam que o período precedente serviu apenas para marketing da companhia. O povo só descobriu isso depois.

Nunca fui fã de FHC. Sempre me pareceu que ele, entre outros defeitos, se preocupava demais com o que o PT dizia. Sempre achei que ele deveria fazer como Lula, que não leva o PT a sério. No entanto, a despeito das duríssimas campanhas movidas pela encenação lulopetista, os governos Itamar e Fernando Henrique implantaram e deram continuidade a importantes políticas. A saber: 

a) o Plano Real, que a trupe chamava de estelionato eleitoral; 

b) a Lei de Responsabilidade Fiscal, que chamava de arrocho imposto pelo FMI; 

c) a abertura da economia brasileira, que chamava de globalização neoliberal; 

d) o fim do protecionismo à indústria nacional, que chamava de sucateamento do nosso parque produtivo; 

e) as privatizações, que chamava de venda do nosso patrimônio; 

f) o cumprimento das obrigações com os credores internacionais, que chamava de pagar a dívida com sangue do povo; 

g) a geração de superávit fiscal, que chamava de guardar dinheiro para dar ao FMI; 

h) o Proer, que chamava de dar dinheiro do povo para banqueiro.

Aquelas medidas, entre outras, forneceram a estabilidade, a credibilidade e o lastro fiscal para que o petismo, assumindo o poder em tempo de bonança internacional, apresentasse como obra sua o espetáculo do crescimento e distribuísse à plateia, entre outros, os dois grandes pacotes de bondades que garantiram a eleição de Dilma: bolsa família para os pobres e bolsa Louis Vuitton para os ricos. Esses são os fatos, esse o script produzido com a caligrafia da História. No show, na versão apresentada ao público, Lula e sua trupe fizeram a economia brasileira colher aplausos internacionais, decolando como o 14 bis para o voo ao redor da Torre Eiffel. Ah, a mágica dos palcos! Ah, o lufa-lufa das coxias! Poucos se lembraram de perguntar como a economia passou a crescer sem que se alterasse, em nada, a política econômica que o PT condenava em seus antecessores. Sem mudar uma vírgula, sem ter que pensar nem que usar a caneta?

E agora? Agora, o cenário internacional piorou. A poupança foi dilapidada e as luzes vermelhas estão acessas nos paineis de todos os economistas. A sirene de alarme soa no teatro. Além do desastre continuado em Saúde, Educação, Segurança Pública e Infraestrutura, o Brasil já apresenta problemas seriíssimos em dez áreas fundamentais para o bom funcionamento das atividades produtivas. Há um problema cambial (com o dólar baixo é mais barato importar do que produzir, mas se o dólar subir a inflação aumentará); as exportações diminuem e a indústria passou a decrescer (-2,7% em 2012). Há um problema fiscal (o governo necessitou de escabrosos artifícios contábeis para encenar um pequeno superávit nas contas de 2012). Há um problema na taxa de investimento da economia (um pouco abaixo dos 18%), muito inferior aos 24% sem os quais o 14-bis levanta voo aqui mas tem que pousar logo ali. Há o problema do PIB, que também precisou passar no camarim e receber maquilagem para chegar a ínfimo 1%. Há o problema da dívida pública, que se aproxima dos dois trilhões de reais. Há o problema da inflação, cuja expansão em 2012 foi confessada à plateia como sendo de 5,84% (um número assustador, principalmente se considerarmos que o índice do primeiro mês deste ano chegou a 0,88%. Há o problema da balança comercial, que apresentou, no ano passado, o pior desempenho em 10 anos. Há o problema da infraestrutura insuficiente. E há, sobretudo, o despreparo dos recursos humanos para atuar nos setores dinâmicos da economia, que os empresários têm considerado como o mais alarmante problema que o país enfrentará nos próximos anos.

Foi muito fácil aos governos petistas colher aplausos enquanto gastavam o patrimônio acumulado. Mantiveram-se na ribalta como salvadores da pátria. Fizeram passar por gênios, canastrões como Palocci e Mantega. A exemplo de todos os brasileiros, torço para que o petismo encontre algum farelo de competência em si mesmo e tire o país do fosso para onde o conduz há uma década. Em outras palavras, que pare de fazer teatro e assuma um papel respeitável na história. Este país, senhores, tem 200 milhões de habitantes que não podem ser tomados como plateia de embromadores. Por: POR PERCIVAL PUGGINA

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

VOU-ME EMBORA PRA BRAZUNDANGA

O Brasil é um país fantástico.Nulidades são transformadas em gênios da noite para o dia. Uma eficaz máquina de propaganda faz milagres. Temos ao longo da nossa História diversos exemplos.O mais recente é Dilma Rousseff.


Surgiu no mundo político brasileiro há uma década. Durante o regime militar militou em grupos de luta armada, mas não se destacou entre as lideranças.Fez política no Rio Grande do Sul exercendo funções pouco expressivas. Tentou fazer pós graduação em Economia na Unicamp, mas acabou fracassando,não conseguiu sequer fazer um simples exame de qualificação de mestrado. Mesmo assim,durante anos foi apresentada como "doutora" em Economia.Quis-se aventurar no mundo de negócios, mas também malogrou. Abriu em Porto Alegre uma lojinha de mercadorias populares, conhecidas como "de 1,99". Não deu certo. Teve logo de fechar as portas.

Caminharia para a obscuridade se vivesse num país politicamente sério. Porém, para sorte dela, nasceu no Brasil. E depois de tantos fracassos acabou premiada:virou ministra de Minas e Energia.Lula disse que ficou impressionado porque numa reunião ela compareceu munida de um laptop.Ainda mais: apresentou um enorme volume de dados que, apesar de incompreensíveis, impressionaram favoravelmente o presidente eleito.

Foi nesse cenário, digno de O Homem que Sabia Javanês, que Dilma passou pouco mais de dois anos no Ministério de Minas e Energia. Deixou como marca um absoluto vazio.Nada fez digno de registro.Mas novamente foi promovida. Chegou à chefia da Casa Civil após a queda de José Dirceu, abatido pelo escândalo do mensalão. Cabe novamente a pergunta: por quê? Para o projeto continuísta do PT a figura anódina de Dilma Rousseff caiu como uma luva. Mesmo não deixando em um quinquênio uma marca administrativa um projeto, uma ideia, foi alçada a sucessora de Lula.

Nesse momento, quando foi definida como a futura ocupante da cadeira presidencial, é que foi desenhado o figurino de gestora eficiente, de profunda conhecedora de economia e do Brasil, de uma técnica exemplar,durona,implacável e desinteressada de política.Como deveria ser uma presidente a primeira no imaginário popular.

Deve ser reconhecido que os petistas são eficientes. A tarefa foi dura,muito dura.Dilma passou por uma cirurgia plástica, considerada essencial para, como disseram à época, dar um ar mais sereno e simpático à então candidata. Foi transformada em "mãe do PAC". Acompanhou Lula por todo o País. Para ela e só para ela a campanha eleitoral começou em 2008.Cada ato do governo foi motivo para um evento público, sempre transformado em comício e com ampla cobertura da imprensa. Seu criador foi apresentando homeopaticamente as qualidades da criatura ao eleitorado.Mas a enorme dificuldade de comunicação de Dilma acabou obrigando o criador a ser o seu tradutor, falando em nome dela e violando abertamente a legislação eleitoral.

Com base numa ampla aliança eleitoral e no uso descarado da máquina governamental, venceu a eleição. Foi recebida com enorme boa vontade pela imprensa. A fábula da gestora eficiente, da administradora cuidadosa e da chefe implacável durante meses foi sendo repetida. Seu figurino recebeu o reforço, mais que necessário, de combatente da corrupção.Também,pudera:não há na História republicana nenhum caso de um presidente que em dois anos de mandato tenha sido obrigado a demitir tantos ministros acusados de atos lesivos ao interesse público.

Como esgotamento do modelo de desenvolvimento criado no final do século 20 e um quadro econômico internacional extremamente complexo,a presidente teve de começar a viver no mundo real. E aí a figuração começou a mostrar suas fraquezas. O crescimento do produto interno bruto (PIB) de 7,5% de 2010, que foi um componente importante para a vitória eleitoral, logo não passou de uma recordação. Independentemente da ilusão do índice (em 2009 o crescimento foi negativo: -0,7%),apesar de todos os artifícios utilizados,em 2011 o crescimento foi de apenas 2,7%. Mas para piorar, tudo indica que em 2012 não tenha passado de 1%.Foi o pior biênio dos tempos contemporâneos, só ficando à frente,na América do Sul,do Paraguai. A desindustrialização aprofundou-se de tal forma que em 2012 o setor cresceu negativamente: -2,1%. O saldo da balança comercial caiu 35% em relação à 2011, o pior desempenho dos últimos dez anos,e em janeiro deste ano teve o maior saldo negativo em 24 anos. A inflação dá claros sinais de que está fugindo do controle.E a dívida pública federal disparou: chegou a R$ 2 trilhões.

As promessas eleitorais de 2010 nunca se materializaram.Os milhares de creches desmancharam-se no ar. O programa habitacional ficou notabilizado por acusações de corrupção. As obras de infraestrutura estão atrasadas e superfaturadas. Os bancos e empresas estatais transformaram-se em meros instrumentos políticos a Petrobrás é a mais afetada pelo desvario dilmista.

Não há contabilidade criativa suficiente para esconder o óbvio: o governo Dilma Rousseff é um fracasso.E pusilânime: abre o baú e recoloca velhas propostas como novos instrumentos de política econômica. É uma confissão de que não consegue pensar com originalidade. Nesse ritmo, logo veremos o ministro Guido Mantega anunciar uma grande novidade para combater o aumento dos preços dos alimentos: a criação da Sunab.

Ah, o Brasil ainda vai cumprir seu ideal: ser uma grande Bruzundanga. Lá, na cruel ironia de Lima Barreto, a Constituição estabelecia que o presidente "devia unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total". Por: Marco Antonio Villa O Estado de S Paulo

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O GOVERNO SAI DO SEU LABIRINTO

O governo Dilma passou a depender do capital privado para superar as limitações ao crescimento


Há algum tempo escrevi que o governo do PT não conseguia -na questão das concessões de serviços públicos- sair do labirinto em que estava preso desde a posse de Lula, em 2003. Seus corredores escuros eram formados por questões de ordem política e ideológica e por uma falta de entendimento da dinâmica privada na decisão de seus investimentos. Essas mesmas limitações continuaram a manter a política de concessões no limbo nos primeiros dois anos do governo Dilma.

Mas as condições que cercam esse labirinto mudaram de forma radical em 2012. Nos anos Lula, as concessões de serviços públicos não tinham a importância que têm agora na dinâmica da economia brasileira. Tínhamos então uma grande folga em nossa infraestrutura e a economia crescia empurrada pela explosão de consumo de uma sociedade que descobria -depois de muito tempo- o crédito bancário e a valorização de sua moeda.

Era muito fácil ser radical na questão do monopólio do Estado em áreas críticas da economia nessas circunstâncias.

Mas o governo Dilma, com o aparecimento de gargalos em setores estratégicos de nosso tecido econômico e a estabilização do consumo, passou a depender do capital privado para superar essas limitações ao crescimento. Essa situação não foi percebida com clareza, no início de seu mandato, e a realidade do pibinho de 2012 obrigou a presidente a mudar de posição. Com o aumento do consumo limitado ao crescimento real da renda das famílias e sem a alavancagem criada pelo crédito bancário, o investimento passou a ser elemento necessário para estimular a economia.

Por essa razão, independentemente das questões de natureza política e da clara má vontade de setores importantes do governo em relação ao capital privado em áreas públicas da economia, a presidente Dilma resolveu sair do labirinto e encarar a realidade de hoje do mercado. Nesta semana, em um evento público ligado a questões da infraestrutura, o governo definiu novas regras -mais realistas- para as concessões de rodovias federais a capitais privados.

Foram também liberalizadas as condições para exploração de terminais portuários privados e definido um novo modelo para a concessão da exploração de ferrovias.

Com essa nova posição, avançaremos bastante na expansão das concessões públicas e na criação das condições necessárias para um novo ciclo de investimentos e, mais à frente, para um aumento da oferta de serviços de logística. A experiência brasileira nesse campo é muito rica -em erros e acertos- e o governo pode replicar facilmente o que deu certo nos anos FHC ao se libertar de seu labirinto.

No campo dos acertos eu citaria principalmente a questão do realismo tarifário que permite ao capital privado obter uma taxa de retorno compatível com os riscos e condições de mercado.

Aqui talvez esteja o maior erro dos últimos anos. Os burocratas de Brasília, ao definir taxas de retorno muito baixas (5% ao ano), reduzem o número de concorrentes nos leilões. Apenas empresas de menor porte se apresentam e -especulativamente- tentam comprar uma fatia do mercado. O resultado, como mostram as últimas experiências, são concessões com uma capacidade de investimentos muito pequena, com reflexos claros sobre a qualidade dos serviços prestados.

Aqui estava o maior erro na forma de encarar os leilões de concessão. Para a sociedade em geral -e os usuários de maneira mais restrita-, é muito mais importante ter uma oferta de infraestrutura de qualidade do que economizar alguns reais no pagamento de pedágios.

Vejam os exemplos das estradas privatizadas no Estado de São Paulo. Apesar de erros cometidos na concessão terem levado a valores muito altos de pedágio em algumas delas, a qualidade e a segurança apresentadas aos usuários faz com que esses desvios sejam mais do que compensados.

Dou ao leitor um exemplo: imaginem hoje a rodovia Castelo Branco, em São Paulo, sem suas marginais pedagiadas! As manifestações, inclusive com queima de pneus, que aconteceram quando uma empresa privada assumiu a concessão são apenas memórias de um passado já distante, enterrado pelos benefícios do investimento realizado.Por: Luiz Carlos Mendonça de Barros Folha de SP