sexta-feira, 19 de abril de 2013

O BRASILEIRO É UM POVO FÚTIL?

O paradoxal é que quanto menos se tem acesso ao capitalismo, maior o valor de status dos bens capitalistas.


No relatório de consumo de países emergentes da Credit Suisse, o Brasil é o país com um consumo “discricionário mais prevalente”, o que é uma forma educada de dizer que gastamos mais dinheiro com futilidades do que outros países emergentes. Entre os brasileiros com uma renda de até U$1.000 (PPP), 62% dos participantes disseram que pretendem comprar roupa ou tênis 'de marca' nos próximos 12 meses. A proporção sobre para 74% entre os que ganham mais de U$2.000, mais do que nos demais países emergentes do relatório. Lembrando que, mesmo em paridade de poder de compra, 'roupa de marca' é mais cara aqui que em outros países emergentes.

Não sei dizer se somos mais fúteis. Se somos, não saberia explicar como ficamos assim, mas, a la Rousseau, vou propor uma hipótese de economia política para justificar parte da suposta futilidade nacional.

Todo consumo humano tem um significado que vai além da sua prometida utilidade prática. Quando compramos um sapato, estamos comprando um calçado mas também um símbolo de distinção para com outras pessoas. Thorstein Veblen fala sobre esse consumo distintivo em The Theory of the Leisure Class: “O elemento da distinção e o elemento da eficiência bruta não são separáveis na apreciação de mercadorias feitas pelo consumidor”. Em termos secos e econômicos, pagamos o preço da sinalização do nosso status social. Parte do que uma logomarca faz é comunicar tacitamente o status social do dono.

Mesmo antes de haver Farragamo e Prada, a incrementação supérflua sempre serviu de sinalização do produto. Quanto mais essa incrementação ultrapassa o necessário para que o produto possa ser funcional, maior seu status. Vá em qualquer museu histórico e repare como que de utensílios a estruturas, qualquer objeto tem formas e detalhes que vão além da sua função primária. Ou pense nos relógios que são fabricados com mais técnica e detalhes do que um indivíduo precisa para saber as horas a qualquer momento. Antes da revolução industrial, a incrementação de um produto exigia alto grau de tempo e esforço.

Tudo mudou com o progresso capitalista dos últimos 200 anos. Desde a revolução industrial, são as máquinas, não os seres humanos, que conseguem realizar maior incrementação e precisão técnica. Nos países em que os pobres têm amplo acesso ao capitalismo, a produção em massa populariza a incrementação industrial, desmanchando sua propriedade sinalizadora.

Na margem, essa popularização da produção industrial separa do preço a incrementação e a precisão técnica. A produção de um relógio incrementado e tecnicamente preciso fica mais barata que um relógio produzido de modo mais artesanal. Ter um smartphone ou um tênis Nike não serve para sinalizar status nas ruas de Londres ou nos cafés de Paris.

Nesses cenários, produtos menos industriais e mais artesanais ganham em valor de sinalização. Dedicar tempo de trabalho pessoal para a criação de um bem que pode ser produzido industrialmente parece um desperdício. Mas é um desperdício de trabalho que substitui o desperdício da incrementação. De maneira que, diz Veblen, até as “imperfeições e irregularidades nas linhas do artigo artesanal” ganham valor de status.

O Brasil não está dentro do mesmo capitalismo global. Nossos produtos industrializados continuam sendo bastante caros. Por um lado, porque tributamos a industrialização – você é penalizado se quiser aumentar sua produtividade empregando máquinas. Por outro lado, sufocamos a importação com barreiras de exclusão comercial e com uma burocracia indecifrável.

Enquanto a diminuição dos custos da incrementação industrial diminui radicalmente seu valor sinalizador lá fora, aqui dentro ela continua sendo custosa. O que não é sinal de distinção em outros países passa a ser sinal de distinção dentro do Brasil.

Acabamos sendo um país que gasta mais com futilidades não porque os brasileiros são necessariamente tão mais fúteis, mas em parte porque nosso consumo de status se dá por meio de futilidades industrializadas, principalmente pela juventude.

O adolescente gringo sinaliza status andando de tênis de lona; o adolescente brasileiro sinaliza status andando de tênis cheio de amortecedores. O gringo sinaliza status bebendo um café artesanal; o brasileiro, comendo um sanduíche industrial. O gringo usa uma camisa de tricot; o brasileiro usa uma polo de marca. O gringo sinaliza status andando de bicicleta; o brasileiro, andando de carro com adesivos e aerofólios. O gringo sinaliza status saindo à noite para ver uma apresentação musical independente; o brasileiro, saindo para ouvir música industrial com um DJ. O gringo planeja passar as férias em Costa Rica ou na Indonésia; o brasileiro planeja pasar férias em Las Vegas ou na Disney.

Um alemão hipster continua sinalizando tanto status quanto um brasileiro playboy. Nos dois casos, o desperdício funcional continua a ser sinal de status, mas em Berlim se desperdiça menos na incrementação industrial, e mais na mão de obra: consumo ambientalista, localista, zen, fair trade etc são todas formas de sinalizar status com desperdício funcional.

O paradoxal é que quanto menos se tem acesso ao capitalismo, maior o valor de status dos bens capitalistas. No Brasil, esse encarecimento político afeta de modo desproporcional pobres e ricos, porque os pobres são excluídos do capitalismo a que o rico tem acesso. Quando o capital é escasso, futilidade é desperdiçar capital. Quando a mão de obra é escassa, futilidade é desperdiçar mão de obra.

A vantagem é que o hipster vai rir da sua própria hipsterice com mais facilidade que o playboy brasileiro consegue rir de si mesmo. Vide Portlandia:

Publicado primeiramente no blog do autor, Capitalismo para os pobres e no site do Instituto Ordem Livre. Diogo Costa é presidente do Instituto Ordem Livre.

COLO DE MÃE É MELHOR

O sistema escolar brasileiro está falido. É uma máquina de produção de analfabetos funcionais, onde é mais frequente deseducar-se que aprender.

Uma boa definição de loucura é repetir a mesma ação esperando resultados diferentes. Esta é, todavia, a especialidade de nossos governantes.

O ensino brasileiro estava muito ruim. Aumentaram o ano letivo, passando de 180 para 200 dias. Ficou péssimo. A nova solução, como sempre, é mais do mesmo! As crianças agora serão arrancadas por lei dos braços da mãe na tenra idade de 4 aninhos, para serem jogadas nos depósitos de crianças que hoje passam por escolas, onde aprenderão a escrever errado, inserir receita de miojo na prova e mesmo assim passar de ano até se ver em uma faculdade, ainda analfabetas funcionais.

Diz-se que o Estado finge que paga, o professor finge que leciona e os alunos fingem que aprendem. Já é péssimo que isso seja, em grande medida, verdade. Há professores heroicos, que fazem do magistério um sacerdócio. Mas não são nem poderiam ser a maioria, e raros são os que mantêm o entusiasmo, ano após ano, perdendo a saúde, sem remuneração condigna, sujeitos a alunos cada vez menos educados, logo menos capazes de aprender... ou de se comportar em sala.

E a solução proposta para os alunos que não passam de ano é que sejam passados – pois outra coisa não é a tal “progressão continuada” senão uma obrigação de aprovar o analfabeto e empurrá-lo para a série seguinte, em que evidentemente aprenderá ainda menos por não ter aprendido o que deveria ter vindo antes, a base para a próxima matéria.

O sistema escolar brasileiro está falido. É uma máquina de produção de analfabetos funcionais, onde é mais frequente deseducar-se que aprender – aliás, o Bonde das Maravilhas, último horror do funk carioca, surgiu numa escola...

E essa triste palhaçada agora há de começar aos 4 anos de idade!

Quando meus filhos eram pequenos, algumas vezes perguntaram à mulher da minha vida em que creche eles estariam. A resposta era sempre a mesma: “Creche?! Eles têm Mãe!” Dava até para ouvir o “M” maiúsculo. A indignação dela é compreensível: a educação da criança compete primordialmente à mãe e ao pai. Em alguns casos – como quando a mãe se vê forçada a trabalhar fora ainda na primeira infância dos filhos –, é necessário que uma criança seja posta em uma “escolinha” antes de aprender a ler, mas é sempre um sacrifício. Melhor seria se estivesse com a mãe, e o ideal seria que estivesse com a mãe e o pai.

Mais valeria fechar o MEC e oferecer bolsas para os mais pobres em escolas particulares. Em vez disso, vão é arrancar as criancinhas de 4 anos do colo da mãe. Loucura. Por: Carlos Ramalhete é professor. Publicado no jornal Gazeta do Povo.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

JOVENS DELINQUENTES

Na noite de terça-feira passada (dia 9), em São Paulo, Victor Hugo Deppman, estudante de 19 anos, foi assassinado. As câmeras mostram que ele entregou seu celular, e o assaltante o matou sem razão, com um tiro na cabeça.

O criminoso se entregou à polícia declarando que faltavam dois dias para ele completar 18 anos. Com isso, pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), aos 20 anos e 11 meses no máximo, ele voltará a circular. A gente não pode nem deixar anotado o nome do assassino, para mantê-lo afastado de nossas vidas futuras: por ele ser menor, seu anonimato é preservado.

É assim que protegemos o futuro do criminoso, para que, uma vez regenerado pela mágica de três anos de internação (alguém acredita?), ele possa facilmente reintegrar a sociedade e ser um cidadão exemplar, nosso vizinho.

Obviamente, nos últimos dias, multiplicaram-se os pedidos de revisão do próprio ECA. Marcos Augusto Gonçalves (na Folha de segunda) observou que, na boca dos políticos, esses pedidos escondem décadas de descaso em matéria de segurança pública. Concordo. Mas, como não sou político, não vou deixar de discutir, mais uma vez, o estatuto do menor.

Por exemplo, sou a favor de baixar a maioridade penal, drasticamente, como acontece no Reino Unido, no Canadá, na Austrália, na Índia, nos Estados Unidos etc. --sendo que, na maioria desses lugares, o juiz tem a autonomia para decidir por qual crime um menor de 12 ou dez anos será, eventualmente, julgado como adulto.

Hélio Schwartsman (na página 2 da Folha de sexta passada) aconselhou prudência: seria melhor não "legislar sob forte impacto emocional" e, sobretudo agora, confiar apenas nas "considerações racionais". Ele quase me convenceu, mas...

1) Penso isso há muito tempo.

2) Se deixássemos de agir sob impacto emocional, nunca nada mudaria. Por exemplo, o conselho de esperar para que as emoções esfriem é o argumento dos fabricantes de armas a cada vez que, nos EUA, um exterminador invade uma escola e o Congresso propõe leis de controle das armas. Os fabricantes de armas querem que esperemos para quê? Pois é, para que a gente se esqueça e se desmobilize.

3) Conheço só uma consideração racional a favor da maioridade penal aos 18 anos, e ela não é boa: o córtex pré-frontal (zona do cérebro que controla os impulsos) não está totalmente desenvolvido na infância e na adolescência.

Tudo bem, se aceitarmos essa consideração, deveríamos aumentar seriamente a maioridade penal, pois o córtex pré-frontal se desenvolve até os 25 anos ou além. Além disso, deveríamos julgar como menores todos os adultos impulsivos, que nunca desenvolveram um córtex pré-frontal "satisfatório".

4) As outras "considerações racionais" (que deveriam prevalecer sobre o impacto das emoções) são apenas disfarces de emoções especificamente modernas que, à força de serem compartilhadas, se tornaram chavões ideológicos.

Três deles são corolários de nossa "infantolatria", ou seja, da paixão narcisista que nos faz venerar crianças e jovens porque, graças a eles, esperamos continuar presentes no mundo depois de nossa morte.

Primeiro, queremos que as crianças nos apareçam como querubins felizes como nós nunca fomos e nunca seremos. Por isso, preferimos imaginar que os jovens sejam naturalmente bons. Quando eles forem maus, atribuímos a culpa à sociedade e a nós mesmos. Portanto, não podemos puni-los, mas devemos, isso sim, nos punir.

Tendo a pensar o contrário: as crianças podem ser simpáticas, mas são más (briguentas, possessivas, invejosas, mentirosas, ingratas etc.); às vezes, elas melhoram crescendo, ou seja, a cultura pode civilizá-las (ou piorá-las, claro).

Segundo, adoramos acreditar que sempre podemos mudar (para melhor, claro): apostamos que a liberdade do indivíduo permita qualquer reviravolta --até a salvação eterna pelo arrependimento na hora da morte. A possibilidade de os criminosos (ainda mais jovens) se redimirem confirma nossa crença querida.

Terceiro, acreditamos também na fábula da reciprocidade amorosa: quem ama será amado. Se forem bem tratados e se sentirem amados e respeitados, os jovens se emendarão. É só confiar neles, deixá-los impunes e lhes oferecer castiçais de prata, como o padre que presenteia Jean Valjean.

Meus amigos, "Les Misérables" é lindo e comovedor, mas é um romance, ok? Na outra noite, no bairro do Belém, teria sido melhor que aparecesse Javert. Por: Contardo Calligaris Folha de SP


LEGISLAÇÃO E DIREITO EM UMA SOCIEDADE LIVRE


Libertários e liberais clássicos há muito vêm tentando explicar quais tipos de leis deveriam existir em uma sociedade livre. O problema é que temos frequentemente negligenciado o estudo sobre qual tipo de sistema jurídico é o mais apropriado para o desenvolvimento de um ordenamento jurídico apropriado.

Historicamente, no direito consuetudinário inglês, no direito romano e na Lex mercatoria, as leis eram formadas majoritariamente por milhares de decisões judiciais descentralizadas. Nestes sistemas descentralizados, as leis evoluíam à medida que juízes, arbitradores ou outros juristas iam descobrindo princípios jurídicos — baseando-se em princípios previamente descobertos — aplicáveis a situações factuais específicas. A lei escrita, também chamada de lei centralizada, desempenhava um papel relativamente pequeno. Hoje, no entanto, leis aprovadas pelo legislativo estão se tornando as fontes primárias do direito, e todo o arcabouço jurídico tende a ser considerado como sendo sinônimo de legislação. Porém, não se pode esperar que sistemas baseados em leis escritas desenvolvam um sistema jurídico compatível com uma sociedade livre.

A certeza, o que inclui a clareza e a estabilidade do arcabouço jurídico, é necessária para que possa haver um planejamento voltado para o futuro. É comum imaginar que a certeza aumentará se o arcabouço jurídico for escrito e enunciado por uma legislatura, como ocorre, por exemplo, nos códigos civis dos modernos sistemas de direito civil.

Como o falecido justeórico italiano Bruno Leoni demonstrou, há mais certeza em um sistema jurídico descentralizado do que em um sistema centralizado e baseado em leis escritas. Quando o poder legiferante tem o poder de alterar as leis diariamente, é impossível ter alguma certeza sobre quais regras serão aplicáveis amanhã. Por outro lado, decisões judiciais são muito menos capazes de reduzir a segurança jurídica do que a legislação.

Isto porque o arranjo do direito consuetudinário — ou juízes descentralizados — é fundamentalmente diferente de um arranjo formado legisladores em três aspectos. Primeiro, juízes podem tomar decisões apenas quando instados pelas partes interessadas. Segundo, a decisão jurídica é menos abrangente do que a legislação porque ela afeta primariamente as partes em litígio, e apenas ocasionalmente afeta terceiros ou outros sem ligação com as partes litigantes. Terceiro, a arbitrariedade de um juiz é limitada pela necessidade de se referir a precedentes similares. 

A segurança jurídica é, portanto, mais alcançável em um sistema descentralizado de decisões judiciais — como o direito consuetudinário, o direito romano, ou direito consuetudinário — do que em sistemas centralizados de criação de leis, nos quais a legislação é a fonte primária da imposição do ordenamento jurídico.

Efeitos negativos da incerteza

Legislações tendem a interferir em acordos que os tribunais normalmente teriam impingido por conta própria. Desse modo, fazem com que as partes contratantes tenham menos certeza de que o contrato será integralmente cumprido. Assim, indivíduos tendem a confiar cada vez menos nos contratos, o que os leva a desenvolver alternativas mais custosas. Eles irão estruturar empresas, transacionar e incorrer em processos produtivos de maneira diferente daquela que originalmente fariam.

Outro efeito pernicioso da crescente incerteza criada por um sistema baseado em leis criadas por um legislativo é o aumento da preferência temporal das pessoas. Quando os indivíduos estão mais voltados para o presente do que para o futuro, diz-se que sua preferência temporal é alta. Quando eles estão mais voltados para o futuro, sua preferência temporal é baixa. Indivíduos invariavelmente demonstram uma preferência maior por ter um bem hoje a ter este mesmo bem apenas no futuro, tudo o mais constante. Quando as preferências temporais são baixas, os indivíduos estão mais dispostos a abrir mão de benefícios imediatos, como o consumo, e investir seu tempo e capital em processos produtivos mais longos, mais demorados e mais indiretos, os quais produzem mais e melhores produtos para consumo ou para possibilitar novas produções. Qualquer aumento artificial na taxa de preferência temporal tende a empobrecer a sociedade, pois estimula o consumismo presente e desestimula a produção e os investimentos de longo prazo. E é exatamente isso o que um sistema baseado em leis criadas por um legislativo faz. Tal sistema gera uma crescente incerteza, o que causa um aumento nas taxas de preferência temporal. Afinal, se o futuro é menos certo, então ele é relativamente menos valioso comparado ao presente.

Além de empobrecer materialmente a sociedade, taxas altas de preferência temporal também levam ao aumento da criminalidade. À medida que uma pessoa se torna mais imediatista, mais voltada para o presente, gratificações instantâneas (como aquelas decorrentes de medidas criminosas) se tornam relativamente mais atrativas, e a punição futura — e incerta — se torna um fator menos impeditivo.

Planejamento central e cálculo econômico

Ludwig von Mises demonstrou que, sem um sistema descentralizado baseado na propriedade privada, é impossível haver preços de livre mercado, os quais são essenciais para o cálculo econômico. Como Leoni explicou, a crítica de Mises ao socialismo também se aplica a um poder legiferante tentando "planejar centralizadamente" as leis de uma sociedade. A impossibilidade do socialismo é apenas um caso especial da incapacidade geral de planejadores centrais de coletar e assimilar todas as informações que estão amplamente dispersas pela sociedade. O caráter disperso e descentralizado do conhecimento e da informação em uma sociedade simplesmente faz com que seja praticamente impossível para estes legisladores centralizados planejar racionalmente as leis de toda uma sociedade.

A inevitável ignorância dos legisladores também os torna menos capazes de realmente representar a vontade geral da população, e os deixa mais propensos a ser influenciados por grupos de interesse e lobistas. Por causa deste estado de ignorância, eles não têm uma maneira confiável de se nortear para saber quais leis aprovar, o que os torna uma presa fácil para estes grupos de interesses. Isso propicia a criação de leis que beneficiam alguns poucos à custa de vários outros. No longo prazo, poucos se beneficiarão à custa de absolutamente todo o resto da sociedade.

Por outro lado, sistemas de decisões judiciais descentralizadas, como o direito consuetudinário, são análogos a um livre mercado, pois há neles uma ordem natural, não planejada por decretos governamentais. Ademais, como enfatizou Richard Epstein, dado que, para os lobistas, alterar uma legislação ou uma regulação é mais fácil do que convencer um juiz a alterar todo o corpo de regras produzido pelo direito consuetudinário, juízes são também menos propensos a serem alvos dos grupos de interesse do que legisladores.

A proliferação de leis

Devido à sistemática ignorância que os legisladores enfrentam, a legislação muitas vezes desorganiza toda a delicada ordem econômica, social e jurídica de uma sociedade, levando a consequências indesejadas e inesperadas. Ato contínuo, e invariavelmente, por causa de uma propaganda governamental bem feita, combinada com a apatia e ignorância pública, essas inevitáveis falhas da legislação são imputadas não ao intervencionismo governamental, mas à liberdade e à desregulada conduta humana, levando a legislações ainda mais intrusivas.

Essa contínua efusão de leis artificiais gera vários efeitos insidiosos. À medida que determinados grupos de interesse têm êxito, outros grupos rivais são criados para defender seus próprios interesses. Rapidamente, uma guerra jurídica de todos contra todos começa a surgir. Assim, em vez da cooperação, a sociedade é levada ao conflito.

Além disso, quando há muitas leis expressas em uma linguagem arcaica, vaga e complexa, como é comum hoje em dia, é impossível um cidadão não violar a lei em determinado momento, mesmo sem saber que a está violando — situação essa tornada ainda mais perversa em decorrência da regra de que "o desconhecimento da lei não é desculpa para infringi-la". ["Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece", art. 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro].

Praticamente todo mundo já violou uma norma tributária, uma regulação empreendedorial, uma lei extorsiva, o estatuto do desarmamento, a lei seca, a alfândega, as portarias da Receita federal ou pelo menos o Código de Trânsito. Quando somos todos transgressores da lei, a lei se torna desacreditada e, o que é pior, o governo pode seletiva e arbitrariamente impor qualquer lei que lhe seja conveniente contra qualquer "encrenqueiro".

Adicionalmente, como outro teórico italiano, Giovanni Sartori, apontou, quando a legislação é vista como sendo a fonte primária do direito e das leis, os cidadãos se tornam cada vez mais acostumados a seguir ordens, e consequentemente se tornam mais dóceis, mais servis e menos independentes. Quando as pessoas perdem o seu espírito rebelde, fica mais fácil e mais irresistível para o governo se tornar tirânico.

Por causa dos perigos de uma legislação, várias garantias constitucionais deveriam acompanhar sua aplicação. Os requisitos de maioria absoluta e de um referendo são uma forma de limitar o poder legiferante. Outra forma seria fazer com todas as legislações fossem constitucionalmente limitadas a apenas substituir o parecer de um determinado tribunal por um novo parecer. Sendo assim, se houvesse um determinado caso cujo parecer emitido apresentasse um raciocínio ou resultado escandaloso, a legislatura poderia reescrever a lamentável opinião de uma forma melhor e aprovar isso em lei, como se fosse a corte quem houvesse emitido aquele parecer reescrito. O parecer reescrito assumiria então o status de precedente judicial, ao menos para aquela corte.

Essa limitação à capacidade legiferante impediria a promulgação de enormes e fraudulentos esquemas legislativos. Caso o "parecer substituto" se afastasse dos fatos de um caso particular, este seria apenas uma opinião, sem força vinculante.

Provisões que automaticamente revogam uma lei que não tenha sido reescrita depois de alguns anos também são úteis. Outra medida preventiva seria o direito absoluto de julgamento por júri em todos os casos, cível ou criminal. Desta forma, o governo não poderia escapar da obrigatoriedade de um júri ao simplesmente rotular sanções genuinamente criminais de "cíveis". Esta medida deveria ser combinada com a exigência de que o júri seja informado de seu direito de julgar tanto a validade da lei quanto a responsabilidade ou culpa do réu.

O papel dos códigos e dos comentaristas

Os Códigos (codificação jurídica) são essenciais para o desenvolvimento, sistematização e promulgação do sistema jurídico. Os códigos civis modernos dos sistemas de direito civil são um exemplo de codificações impressionantes e úteis que se desenvolveram sob o sistema descentralizado do direito romano. No entanto, os perigos da legislação também aconselham que a codificação não seja legislada. Não há razão para que os códigos não sejam escritos por particulares. Com efeito, o tratado Commentaries on the Laws of England, de Sir William Blackstone, era privado e foi extremamente bem sucedido na codificação do direito; e há hoje nos EUA tratados privados bem sucedidos, como os Restatments of the Law. Os códigos seriam muito mais racionais e sistemáticos (e menores) se eles não tivessem que levar em conta um enorme e interveniente corpo de lei — se pudessem se concentrar primordialmente nos desenvolvimentos do direito consuetudinário.

É claro que tanto as codificações das jurisprudências privadas quanto das oficiais podem cometer erros. No entanto, se o código é privado, os juízes podem ignorar os lapsos de raciocínio do codificador. Isto possui o benefício extra de dar um incentivo aos codificadores privados a não incorrerem em raciocínios desonestos ou em algum tipo planejamento social. Se um codificador quer que seu trabalho seja utilizado e reconhecido, quando ele for organizar e apresentar o ordenamento jurídico, ele irá tentar descrevê-lo com precisão e provavelmente será explícito ao recomendar que os juízes adotem certas mudanças em suas decisões futuras.

Tanto o direito romano quanto o direito consuetudinário foram corrompidos pelo sistema de leis atual, que é imensamente inferior. A primazia da legislação deve ser abandonada, e devemos retornar ao sistema descentralizado em que as leis são descobertas e construídas. Estudiosos que codificam leis que evoluíram naturalmente têm uma função vital a exercer, mas eles não devem pedir o aval governamental para seus esforços acadêmicos.

Naturalmente, o formato de um sistema jurídico não garante que apenas leis justas serão adotadas. Devemos estar sempre vigilantes, exortando que a liberdade individual seja sempre respeitada, pelo legislador ou pelo juiz.

Stephan Kinsella advogado especialista na área de patentes, é autor/editor de vários livros e artigos sobre leis de propriedade intelectual, direito internacional e outros tópicos jurídicos.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

UM GRITO DE SOCORRO

Faz um mês, pouco mais, escrevi artigo cujo título diz quase tudo: "O endividamento das Santas Casas"; pelos dados conhecidos essas entidades, da mais alta benemerência, caminhavam para o cemitério e a causa desse desastre humano e social era simples e sabida: o SUS _ Serviço Único de Saúde pagava 65% dos custos dos serviços médicos ou farmacêuticos prestados pelas Santas Casas e hospitais filantrópicos, de modo que, dia a dia, mês a mês, ano a ano, aquelas instituições acumulavam prejuízos; e não era preciso ser gênio para antever o desfecho inelutável.


Passaram-se 40 dias e dois dos maiores jornais do país estamparam em suas colunas notícia original: no dia seguinte, com exceção do Pronto Socorro, as Santas Casas e os hospitais filantrópicos suspenderiam, por 24 horas, todos os seus serviços para divulgar a todos os segmentos sociais sua real situação, morrendo dia a dia, até que ocorresse o inevitável. Um dos maiores jornais de São Paulo, onde se localiza grande parte dos leitos destinados à faixa humana, 46 mil em um universo de 154 mil, noticiou singelamente, "as mais de 2 mil Santas Casas e hospitais filantrópicos do país deram ontem um prazo de 60 dias para o governo federal reajustar os valores de tabela de procedimentos do SUS, sob o risco de reduzirem o atendimento ou até mesmo fecharem postos". Como se vê, não foi uma ameaça, mas um patético grito de socorro!

Mas há um dado que é dramático, 56% das Santas Casas e dos hospitais filantrópicos se localizam em cidades com até 30 mil habitantes, o que importa em dizer que as populações destas áreas ficarão ao desamparo na medida em que se consuma a calamidade iminente. Outros dados são altamente ilustrativos, como os preços que o SUS paga em relação aos pagos pelos planos de saúde, mas quero fugir dessas comparações e em lugar delas e por todas, repetirei uma só frase: "as Santas Casas e os hospitais filantrópicos acumulam um déficit de R$ 5 bilhões por ano". Não há necessidade de dizer mais.

Ainda a propósito do endividamento, o provedor da Santa Casa de São Paulo, a maior do país, com 100% de atendimento pelo SUS, declarou que há cerca de dois anos já havia sinais de colapso com a ameaça de fechar o seu Pronto Socorro; a dívida acumulada então era de R$ 120 milhões; hoje, "a dívida já está na casa dos R$ 250 milhões. Não temos mais fôlego!".

Não tenho mais nada a dizer, a não ser que escrevi o artigo com tristeza. Corrijo, ou melhor, tenho um adendo. A senhora presidente criou mais um ministério e poderá criar mais outro, e estando empenhada em aumentar o número de "partidos" que a apoiam, e já possuía dezessete em trinta e tantos, para ganhar mais uns minutos no rádio e na televisão, ela que, vezes por dia, usa esse incomparável meio de comunicação falando sobre tudo, mas, obviamente, a serviço de sua reeleição. Pois tudo isso pode virar em água de barrela, se não for dado um basta, de verdade, no que vem acontecendo no setor da saúde pública, sob uma regência macabra.
Por: Paulo Brossard Zero Hora

A REVOLUÇÃO DA EMPREGADA

O conto de fadas do oprimido continua. Agora, as empregadas domésticas foram libertadas da escravidão. Mas esse capítulo ainda promete fortes emoções. Uma legião de advogados espertos já está de prontidão para o primeiro bote trabalhista num desses “senhores feudais” de Ipanema ou Leblon. Aí a burguesia vai ver o que é bom. Patrões perderão as calças para cozinheiras demitidas sem justa causa. E o Brasil progressista irá ao delírio. Babás levarão uma baba ao provar — com seus advogados — que naquela sexta-feira chuvosa estouraram o período da jornada sem ganhar hora extra. Com a PEC das domésticas, cada lar brasileiro assistirá à revanche do povo contra as elites.

A apoteose cívica em torno da empregada lembra o clima da Constituinte em 1987. A Carta promulgada por Ulisses Guimarães com “ódio e nojo à ditadura” removia o entulho autoritário, e trazia o entulho progressista. Até limite de taxa de juros enfiaram na Constituição — entre outras bondades autoritárias e/ou lunáticas. A partir dali, deu-se no Brasil o milagre da multiplicação de municípios, com a interminável criação de prefeituras e câmaras de vereadores sangrando os cofres públicos. Tudo em nome da descentralização democrática.

Agora o país comemora a Lei Áurea das domésticas, com ódio e nojo aos patrões. Eles tiveram sorte, porque não apareceu nenhum revolucionário propondo guilhotina em caso de atraso do 13º. Os escravocratas do século 21 — como os patrões foram chamados pelos libertadores das empregadas — garantiram nos últimos anos à classe das domésticas aumentos salariais bem acima da inflação (e de todas as outras categorias). Mas não interessa. Os progressistas querem direitos civis, querem que os patrões paguem encargos. A consequência será simples: para pagar os encargos, os patrões não darão mais reajustes acima da inflação. Através do FGTS, por exemplo, o dinheiro se desviará das mãos da empregada para as mãos do governo — onde será corrigido abaixo da inflação, a julgar pelas médias recentes.

O fim da escravidão aboliu o bom senso, e conseguirá trazer perdas para patrões e empregados, democraticamente. Mas os populistas serão felizes para sempre.

Já se pode antever a excitação no Primeiro de Maio, com a “presidenta” mulher e faxineira indo às lágrimas em cadeia obrigatória de rádio e TV. Mais uma pantomima social que a nação engolirá sorridente e orgulhosa. Na vida real, evidentemente, a nova Lei Áurea vai dar um tranco no mercado, com patrões temerosos de contratar mensalistas — não só pelos custos inflados, como pelos altos riscos de indenizações pesadas (as casuais e as tramadas). Muitos recorrerão a diaristas e outros improvisos para fazer frente aos serviços da casa. E o enorme contingente das empregadas domésticas que só sabem ser empregadas domésticas, diante da crescente dificuldade de se fixar no emprego “seguro” que a Constituição progressista lhe trouxe, terá que perguntar a Dilma e aos humanistas como ganhar a vida.

O governo popular não está preocupado com isso. Se o contingente das alforriadas sem-teto crescer muito rápido, isso se resolve com uma injeçãozinha a mais no Bolsa Família (o Bolsa Casa de Família). País rico é país que dá dinheiro de graça. Enquanto a Europa acorda dolorosamente desse sonho dourado, com saudades de Margaret Thatcher, o Brasil fabrica um pleno emprego pendurando parte da população numa mesada estatal. São os filhos profissionais do Brasil, que não precisam se emancipar nem procurar trabalho. É claro que isso vai explodir um dia, mas a próxima eleição (pelo menos) está garantida.

A festa da propaganda populista não tem hora para acabar. O Ministério da Educação, por exemplo, está bancando uma grande campanha nas principais mídias nacionais sobre o sistema de cotas para negros no ensino público. A peça traz a encenação de um jovem humilde, que conta ter conseguido vaga na universidade por ser afro-descendente. É o governo popular torrando o dinheiro do contribuinte para apregoar a sua própria bondade. Só um país apoplético pode consumir numa boa essa propaganda política travestida de utilidade pública.

É esse país que baba de orgulho diante da PEC das domésticas, jurando que está assistindo a uma revolução trabalhista. É típico das sociedades culturalmente débeis acharem que legislar sobre tudo é passaporte civilizatório. É um país que não acredita nos seus acordos, no que é instituído a partir da responsabilidade individual, do bom senso e dos bons costumes. É preciso cutucar Getúlio Vargas no túmulo, para empreender uma formidável marcha à ré progressista — que servirá para entulhar de vez a Justiça, porque as crianças só confiam no que está nos livros guardados por mamãe Dilma. Pobres órfãos. 

Se o prezado leitor escravocrata enjoou da comida de sua empregada, melhor consultar seu advogado. O socialismo chegou à cozinha — e o tempero agora é assunto de Estado. 

Por: Guilherme Fiúza O Globo – 13/04/2013

terça-feira, 16 de abril de 2013

PRISÃO DE MENSALEIROS REFUNDA A REPÚBLICA

O epílogo do processo do mensalão é o começo do fim dos 'homens-pulhas' e a abertura da política para quem quer servir ao Brasil

O julgamento do mensalão está chegando à sua etapa decisiva. O processo, na verdade, começou quando da instalação da CPMI dos Correios, em maio de 2005. A brilhante produção do relator Osmar Serraglio e das sub-relatorias permitiu, depois de muitos meses de trabalho e inúmeras pressões vindas do Executivo, aprovar, numa sessão muito conturbada, devido à ação dos petistas, seu relatório em abril de 2006. Foi, sem sombra de dúvidas, a mais importante e eficiente CPMI da história do Congresso.

Juntamente com o trabalho dos congressistas, foi aberta em Minas Gerais investigação pelo Ministério Público Federal para apurar as denúncias, pois dois braços do mensalão, o publicitário e o financeiro, tinham lá sua base inicial. A somatória dos dois excelentes trabalhos permitiu que, em agosto de 2007, o inquérito 2.245 fosse aceito pelo STF e se transformasse na Ação Penal 470. Deve ser recordado que não foi nada fácil o recebimento do inquérito. Foram 4 sessões de muito debate, porém o STF não se curvou. Registre-se o triste papel do ministro Ricardo Lewandowski, que, em um restaurante de Brasília, após a última sessão, foi visto falando ao celular, muito nervoso, que não tinha sido possível amaciar (a expressão é dele) as acusações contra José Dirceu. Falava com quem? Por que tinha de dar justificativa?

A terceira — e mais longa — batalha do processo foi o trabalho desenvolvido entre agosto de 2007 até julho de 2012 para a confecção da Ação Penal 470. Foram dezenas e dezenas de depoimentos, documentos, laudos, registrados em milhares de páginas organizadas em mais de duas centenas de volumes. Deve ser destacado o importante papel do Ministério Público Federal, que permitiu apresentar o conjunto das provas e a acusação efetuada com ponderação e argúcia pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Mas, é óbvio, nunca é demais ressaltar o papel central em todo este processo do relator, o ministro Joaquim Barbosa. Não é exagero afirmar que, se não fosse a sua determinação — apesar de tantas dificuldades —, os trabalhos não teriam chegado a bom termo. Deve ser lembrada ainda a lamentável (e fracassada) tentativa de chantagem contra o ministro Gilmar Mendes efetuada pelo ex-presidente Lula.

Em 2 de agosto de 2012, finalmente, teve início a quarta batalha, o julgamento propriamente dito. Foram 53 sessões. Centenas de horas de debates. Com toda transparência, o Brasil assistiu a um julgamento único na nossa história. Não foi fácil chegar ao final dos trabalhos com a condenação de 25 réus. Algumas sessões foram memoráveis, especialmente no momento da condenação do núcleo político liderado por José Dirceu, sentenciado por formação de quadrilha — considerado o chefe — e nove vezes por corrupção ativa, além de mais três membros da liderança petista.

A quinta — e última — batalha é a que estamos assistindo. Depois da publicação do acordão e com os recursos apresentados pelos advogados, inócuos, pois não foram apresentadas novas provas que pudessem justificar alguma mudança nos votos dos ministros, teremos finalmente o cumprimento das sentenças. Mas, até lá, serão semanas tensas. Já vimos várias tentativas de desmoralização do STF. A entrevista do quadrilheiro e corrupto José Dirceu, condenado a dez anos e dez meses de prisão, acusando o ministro Luiz Fux de traidor, foi apenas uma delas. Os advogados de defesa, pagos a peso de ouro, vão tentar várias manobras, mas dificilmente obterão algum êxito. Outra tentativa de desmoralização foi a designação dos condenados José Genoíno e João Paulo Cunha para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. É neste momento que cresce a importância dos dois ministros mais antigos do STF: Celso de Mello e Marco Aurélio. Devem servir de escudo contra a tentativa golpista do petismo de pressionar os ministros mais jovens da Corte para conseguir, através de algum subterfúgio, a revisão das penas.

A sociedade não pode silenciar. Muito menos perder o foco. É no STF que está sendo jogada a sorte do estado democrático de direito. Os mensaleiros golpistas sabem que perderam, mas os democratas ainda não perceberam que ganharam. No momento que os condenados ao regime fechado estiveram adentrando o presídio, a democracia brasileira vai estar obtendo umas das suas maiores vitórias. Era muito difícil, quase impossível, encontrar alguém que, no início do processo, imaginasse a condenação dos mensaleiros. E mais, que eles fossem (como irão) cumprir suas penas. A satisfação não advém de nenhum desejo de vingança. Longe disso. É sentimento de justiça. Quando José Dirceu estiver cruzando o portão de entrada do presídio — certamente com um batalhão de jornalistas aguardando sua chegada — isto deverá servir de exemplo para todos aqueles que continuam desrespeitando a legalidade, como se estivessem acima das leis, cometendo atos que violam o interesse público, a ética e a cidadania.

Estamos há mais de cem anos procurando homens públicos republicanos. Não é tarefa fácil. Euclides da Cunha, em 1909, numa carta ao seu cunhado, escreveu que "a atmosfera moral é magnífica para batráquios". E continuou: "Não imaginas como andam propícios os tempos a todas as mediocridades. Estamos no período hilariante dos grandes homens-pulhas, dos Pachecos empavesados e dos Acácios triunfantes". A confirmação das sentenças e o cumprimento das penas podem ser o começo do fim dos "homens-pulhas" e a abertura da política para aqueles que desejam servir ao Brasil. Iniciaremos a refundação da República. Por: Marco Antonio Villa O Globo

O DESFECHO DA ELEIÇÃO FRAUDADA TORNOU IRREVERSÍVEL A AGONIA DO CHAVISMO

O candidato Nicolás Maduro resolveu transformar o chefe em múmia tarde demais: o processo de decomposição já começara. O motorista de ônibus que virou piloto de país vai descobrir em pouco tempo que também a tentativa de mumificação do regime tropeçou no péssimo estado de conservação do cadáver. O resultado da eleição deste domingo avisa que o chavismo poderá até continuar wuechavismo vagando no poder mais algum tempo. Mas a revolução bolivariana, como constatou nosso Reynaldo-BH no post publicado na seção Feira Livre, já apodrece numa urna de vidro.


Hugo Chávez vivia anunciando a chegada iminente do socialismo do século 21. Foi por ter recorrido a métodos do século 19 que o sucessor trapalhão ganhou a eleição. A oposição só perdeu para a fraude, para a coação ostensiva e para a boca-de-urna criminosa. Ainda que a apuração traduzisse a verdade, os 49,07 % do total de votos atribuídos a Henrique Capriles bastariam para informar que Maduro precipitou a agonia da ditadura envergonhada instituída a partir de 1999. Raríssimas vezes os vencedores oficiais de uma eleição tiveram de engolir, com sorrisos de aeromoça, tantas e tão contundentes derrotas.

A avassaladora máquina de propaganda, a transformação do leviatã estatal num onipresente e onipotente pai-patrão, a ampliação obscena da fábrica federal de insultos e calúnias, a compra de gratidão com dinheiro do petróleo ─ nada disso impediu que metade do eleitorado dissesse não ao enviado do espírito santo que no momento se disfarça de passarinho. Não é pouca coisa. E não é tudo. Os estragos provocados pela votação do candidato oposicionista vão muito além da implosão da arrogância dos sacerdotes da seita.

A performance de Capriles também abalou a fé dos devotos do chefe insepulto (até o repertório de milagres estocados por Chávez tem limites), confirmou que os institutos de pesquisa viraram comerciantes de porcentagens, baixou a crista de marqueteiros grávidos de autossuficiência e comprovou que as análises assinadas por jornalistas brasileiros são tão confiáveis quanto as previsões de Guido Mantega. Fora o resto. Vai ser divertido acompanhar as acrobacias da turma no esforço para justificar o fiasco. O que tem a dizer João Santana, por exemplo?

O ministro de Venda de Nuvens encurtou o expediente em Brasília para conferir dimensões amazônicas a um triunfo já decretado pelos institutos de pesquisa. Entrou na campanha com mais de 70% dos votos. Saiu com 20 pontos a menos. Se é que existiram, no mundo real, milhões de votos sumiram em duas semanas no buraco escavado por ideias de jerico. Foi o alquimista que enxerga uma rainha em Dilma Rousseff quem aconselhou Maduro a confundir-se com Chávez, empoleirar-se na urna de vidro e entrar para a história como inventor do velório-comício. Deu no que deu.

O desfecho do confronto reiterou que a oposição venezuelana aprendeu com os erros do passado e avança pelo caminho certo. Pela segunda vez em poucos meses, evitou disputas internas mesquinhas para unir-se em torno de um político capaz de expressar a essência do pensamento dos antichavistas. Um em cada dois venezuelanos entendeu que Capriles falava por ele. No Brasil, 45 milhões de eleitores procuram há anos um candidato que se oponha ao lulopetismo sem medo e sem mesuras. Mas a oposição oficial só interrompe as férias que já duram dez anos para trocar sopapos e desaforos no quintal ou a sala de jantar.

Um ano e meio antes da eleição presidencial, pesquisas espertas já garantiram a Dilma Rousseff um segundo mandato. Em vez de mirar-se no exemplo da Venezuela, mandar às favas os especialistas em engorda de popularidade e partir para a luta, os pajés do PSDB, do PPS e do DEM perdem com ciumeiras de colegial o tempo que deveriam ocupar com a desmontagem das fantasias forjadas pelo governo mais bisonho do Brasil republicano.

Antes de exibir a combatividade que sempre lhe faltou, a oposição oficial terá de reencontrar a vergonha perdida há mais de 10 anos. E descobrir o que é altivez. Por: Augusto Nunes

CONQUISTADOS SOCIAIS


"Antigamente havia muito mais trabalho", disse Emily Mbongwa, a mulher de 52 anos fotografada em 2010 para o NY Times. A Sra. Emily mora em Newcastle, África do Sul. Para tomar conta de cinco crianças, das 6h às 18h, de segunda a sexta, ela ganha 70 dólares por mês.

A Sra. Emily ganhava mais com seu emprego antigo, na manufatura têxtil. Mas esse emprego não existe mais. Em 2010, várias fábricas foram fechadas na África do Sul porque pagavam salários em torno de 154 dólares. O salário mínimo era de 244 dólares. Aquelas mulheres estavam fora da lei.

A imposição do salário mínimo não foi bem recebida. Quando a polícia chegou para fechar uma fábrica em Newcastle, relata o NY Times, as mulheres trabalhando na fábrica — as supostas beneficiárias da repressão — subiram em cima das mesas de corte e das tábuas de engomar para clamar contra. "Por quê? Por quê?", gritava Nokuthula Masango, de 25 anos, depois que as autoridades levaram embora carrinhos de tecido colorido.

O problema do desemprego na África do Sul não começou em 2010. Durante o apartheid, negros eram impedidos de casar com brancos, frequentar as mesmas escolas que os brancos e, é claro, impedidos de ter os mesmos empregos que os brancos. Essa última imposição foi conquistada com medidas de salário mínimo. "O salário mínimo dmiminui o custo da discriminação", explica o economista Walter Williams:

Durante a era de aparhteid da África do Sul, seus sindicatos racistas estavam entre os principais apoiadores do salário mínimo para os negros. O Conselho de Salários da África do sul dizia, "o método seria estabelecer uma taxa mínima para uma ocupação ou ofício tão alta que nenhum Nativo seria provavelmente empregado."

Durante o apartheid, a Sra. Emily não aprendeu a ler, escrever nem recebeu treinamento profissional qualificado. Dizia que pelo menos na fábrica ela era "tratada com respeito". Era melhor que ter que suportar os xingamentos racistas dos filhos da família onde, antes da fábrica, ela trabalhava como doméstica das 6h às 21h.

"Transferência de aprendizagem" é o nome dado a um dos desafios da pedagogia moderna. Ao aprendermos determinado conceito ou raciocínio no contexto X, não fazemos automaticamente a aplicação do mesmo conceito ou raciocínio quando nos apresentam o contexto Y. Há um século, a psicologia vem mostrando exemplos dessa dificuldade humana. Aprender Latim não melhora o desempenho acadêmico em outras áreas, resolver um quebra-cabeças não melhora muito a capacidade de resolver outros quebra-cabeças visualmente diferentes mas logicamente semelhantes. É como se nossa mente aprendesse a calcular a área de uma mesa retangular, mas continuasse sem saber calcular a área de um campo de futebol. Ou, como dizia Millôr Fernandes, o xadrez funciona como "um jogo chinês que aumenta a capacidade de jogar xadrez."

A economia é cheia de problemas de transferência de aprendizagem, inclusive nas suas proposições mais fundamentais. Por exemplo, quando o preço da energia sobe, as pessoas usam mais ou menos o ar condicionado? Ou quando se aumenta o pedágio, as pessoas vão dirigir mais ou menos na estrada?

E quando o governo aumenta o preço da contratação de trabalhadores? Vão ser contratados mais ou menos trabalhadores? Não precisa cursar economia para ver que a questão é apenas mais uma aplicação da lei de oferta e demanda. Então por que meus amigos socialistas chamam o aumento do preço da energia ou do pedágio de "exploração", mas chamam a PEC das Domésticas de "conquista social".

A pior consequência da PEC das domésticas não é mandar os homens para a cozinha, como sugeriu a capa "classe média revoltada" da Veja. É mandar as domésticas embora. O que aconteceu na África do Sul está acontecendo no Brasil:

Meu patrão teve que me mandar embora por causa das horas extras, já que eu trabalhava doze horas por dia. Ele disse que não teria condições de pagar — disse Maria, que cuidava da esposa do patrão, portadora de Alzheimer.

Maria Aparecida dos Santos é uma mulher de 65 anos que viu sua renda desaparecer três dias depois da aprovação da Emenda. O patrão preferiu contratar uma empresa: "O serviço terceirizado sai pela metade do preço, não tem aviso prévio nem FGTS." De fato, há muitas mulheres que se beneficiarão da lei, mas apenas à custa das mais vulneráveis. O Sindicato das Empregadas domésticas do Rio diz que está atendendo agora 50 pessoas por dia, quando antes atendia 30. Ao aumentar o custo de contratação de empregadas domésticas, a Proposta de Emenda Constitucional 66/2012 está, à margem, efetivando a exclusão trabalhista de empregadas domésticas.

Medidas que prometem poder aos pobres podem acabar por deixá-los ainda mais frágeis. Pensem na relação da Dona Maria Aparecida com seu patrão. Digam-me, quando ele esteve com mais poder sobre ela, antes ou depois da PEC? Exclusão trabalhista aumenta as chances dos trabalhadores terem que aceitar piores condições e rejeitar a formalidade para poderem pagar as contas.

A mesma exclusão trabalhista decorre do resto das nossas conquistas sociais. O Brasil lidera o ranking de 25 países, da consultoria UHY, que mede o peso dos impostos sobre a contratação de funcionários. Para um salário anual de 30 mil dólares, o empregado brasileiro custa 17.267 dólares a mais para seu empregador. Ou seja, 57,56% do seu salário são apenas impostos. Nossos amigos de sigla impõem custos menores. Na China, os impostos tomam 30,88% do salário; na Rússia, 21,06% e na Índia, 3,67%. Alguém ainda tem dúvidas de por que empresas preferem abrir e contratar trabalhadores no leste asiático?

Mas, mais uma vez, a transferência de aprendizagem parece desafiar muitos brasileiros. Achamos que aumentar o preço do trabalho do pobre por meio de encargos e impostos equivale a aumentar o valor do trabalho do pobre por meio de capital e produtividade.

O Brasil não precisou passar por uma ditadura racial para fazer com os pobres o que o apartheid fazia com os negros.

Diogo Costa é presidente do Instituto Ordem Livre e professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG. Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute e para a Atlas Economic Research Foundation em Washington DC. Seus artigos já apareceram em publicações diversas, como O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Diogo é Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis e Mestre em Ciência Política pela Columbia University de Nova York. Seu blog: http://www.capitalismoparaospobres.com

segunda-feira, 15 de abril de 2013

SAPO FERVIDO

Querido leitor, hoje vamos falar sobre a metáfora do sapo fervido. 

De acordo com ela, se você retirar um sapo de uma lagoa com uma panela, trazendo junto um pouco da água na qual ele vive e colocar em cima de um fogão em chamas, ele será fervido e morrerá sem perceber que a água esquentou. 

No início, parecia o mesmo habitat. Depois, a água começou a ficar quentinha, provocando um clima de conforto e relaxamento. 

Voltemos à mesma situação, só que agora jogue o sapo dentro da panela quando a água estiver bem quente. Aqui, o sapo vai reagir e saltará instantaneamente para fora da panela. 

O que a metáfora do sapo fervido pode trazer de ensinamento para cada um de nós? Muitas vezes nas empresas isso também poderá acontecer. Executivos podem ser fervidos junto com o clima da organização e não estão se apercebendo disso. Diretores de grandes organizações e, principalmente, proprietários de micro, pequenas e médias empresas às vezes estão cozinhando junto com seus empreendimentos, tendo certeza de que estão fazendo a coisa certa. 

Isso pode acontecer quando, igual ao sapo, nos conformamos numa situação mínima de conforto, ou melhor, numa situação mínima de sobrevivência. E a desculpa para não crescerem geralmente é atribuída aos outros. Como concorrentes e mercado.

Não há uma regra ou dica para perceber que está sendo fervido vivo. Talvez uma boa forma para enxergar a situação da empresa é olhá-la pelo melhor ângulo, ou seja, estando fora dela. Talvez outra forma seja saber como está o clima interno, pesquisa de clima, pesquisa de satisfação de clientes. Participar de seminários, feiras, congressos, voltar ao banco da escola, renovar seu diploma com uma especialização, são todos meios de enxergar a empresa de modo diferente. 

Agora, para enxergá-la pelo lado de fora é preciso realmente sair, distanciar-se da operação e pensá-la estrategicamente, definindo a estrada e não cuidando apenas da qualidade de sua pavimentação. Para muitas pessoas, pensar dá trabalho e eles preferem a zona de conforto, porém, as consequências podem ser até quebrar a empresa. Pesquisas mostram que recomeçar outra ou sentir-se desnorteado é muito, muito mais trabalhoso.

É assim como o mundo me parece hoje. Por: Beto Colombo

COMO O GOVERNO GERA MÃO-DE-OBRA PARA O TRÁFICO DE DROGAS


Sempre que você encarece artificialmente o custo de um bem, a tendência é que a demanda legal por esse bem diminua acentuadamente. Como consequência, esse bem será empregado em outras atividades até então pouco atrativas.

Em termos práticos, se o governo encarece artificialmente o custo da mão-de-obra menos produtiva — por meio de encargos sociais e trabalhistas elevados, salário mínimo oneroso e tributação pesada sobre as receitas e os lucros das empresas —, a tendência é que esta mão-de-obra pouco produtiva seja menos demandada por empreendimentos legais e, consequentemente, seja canalizada para mercados mais desregulados — e quase sempre ilegais.

O mesmo ocorre quando o estado dificulta o empreendedorismo dos mais pobres, que não têm como arcar com a burocracia, com as licenças, com as regulamentações e com as inúmeras outras exigências impostas pelo estado que obstaculizam qualquer ato empreendedorial. Tais pessoas são atraídas para aqueles mercados em que as imposições estatais são menores — para não dizer nulas — e a possibilidade de lucros, mais altas.

Dado que o governo bloqueou todos os métodos legais para o indivíduo sair da pobreza, recorrer a uma atividade ilícita torna-se uma opção viável para aqueles que não sofrem de restrições morais.

Um setor que atrai a imensa fatia desta mão-de-obra pouco produtiva e destas pessoas de espírito empreendedorial, mas que não têm dinheiro, é o mercado das drogas. Se você mora nos subúrbios e não há opções legais para ascender socialmente — porque o governo criou várias imposições —, uma das maneiras mais fáceis e rápidas de enriquecer é se tornando um traficante.

Por quê?

Porque as regulamentações, as burocracias e os impostos do governo não se aplicam ao mercado das drogas. Não há leis de salário mínimo, não há exigências burocráticas, não há taxas de licenciamento, não há um Ministério do Trabalho dando batidas e impondo requerimentos. Principalmente, não há imposto de renda. 

Por se tratar de um mercado criminalizado pelo governo, as margens de lucro são enormes, pois elas embutem todo o risco empreendedorial — o risco de ter sua carga confiscada pelo governo e ter sua mão-de-obra encarcerada. Essas altas margens de lucro, que possibilitam altos salários, são um atrativo irresistível para aquelas pessoas desiludidas que não conseguiram trabalhar nem empreender legalmente por causa das restrições estatais. Nos subúrbios, é difícil resistir a essa tentação do enriquecimento fácil. Jovens sem perspectivas e que não conseguem empregos legais são facilmente contratados pelos barões do tráfico, pois a burocracia exigida para se contratar esse tipo de mão-de-obra é nula. Adicionalmente, o fato de o salário neste mercado ser integral, sem deduções previdenciárias e sem imposto retido na fonte, garante uma oferta contínua e crescente de mão-de-obra para o setor.

Da mesma maneira, pessoas de espírito empreendedorial também se aventurarão no mercado das drogas porque poderão reter para si todos os lucros auferidos, que não estão sujeitos a imposto de renda. Além disso, um chefão do tráfico não tem de se preocupar com greves e outras exigências trabalhistas. Também não há o risco de ele ser levado à Justiça do Trabalho por ter pedido hora extra.

Este é o tipo de empreendedorismo que floresce naqueles subúrbios em que não há perspectivas econômicas e não há possibilidades de ascender na vida por meios legais, pois o governo bloqueou todas as avenidas legítimas que retiram as pessoas da pobreza. O empreendimento criminal voltado para o mercado de drogas é atraente porque opera como se estivesse em um paraíso fiscal.

Sim, trata-se de um mercado violento. Como não há leis e os tribunais estatais não reconhecem os contratos verbais feitos no submundo, os indivíduos deste mercado sempre recorrem à justiça com as próprias mãos. Não há outra maneira de impor o cumprimento de contratos. Os gastos com segurança pessoal também são altos. Os custos marginais de se eliminar fisicamente um concorrente são baixos e os benefícios, extremamente altos. Você assume o mercado do seu concorrente eliminado e, como consequência, seus lucros se tornam ainda mais elevados.

Mas tudo isso também é consequência direta da proibição das drogas. O governo, ao tornar ilegal tal mercado, faz com que seus integrantes não possam recorrer aos meios legais para fazer cumprir seus contratos. E como empresas de arbitramento também estão proibidas de fazer tal serviço, a única opção que resta é recorrer à violência. Todas essas proibições servem apenas para elevar os lucros de quem opera neste mercado e, consequentemente, a atratividade deste mercado para a mão-de-obra mais despreparada e menos produtiva.

Se não houvesse uma guerra às drogas, se as drogas não fossem criminalizadas, se elas fossem legais, não haveria todas essas oportunidades irresistíveis. E sem essas oportunidades artificialmente criadas pela proibição estatal, e, principalmente, sem os impedimentos burocráticos, trabalhistas e tributários criados pelo governo no mercado legal, estes empreendedores dos subúrbios canalizariam sua criatividade, seu trabalho duro, sua iniciativa e seu empreendedorismo para outras atividades mais benéficas para a sociedade; vidas e recursos não seriam direcionados para esta atividade contraproducente que é o mercado de drogas.

Foi o governo quem criou este mercado paralelo, foi o governo quem dificultou ao máximo que as pessoas dos subúrbios ascendessem por meios legais, e é o governo a fonte desta criminalidade específica do mercado das drogas; e mais governo não será a solução. Mais intervenção governamental poderá apenas perpetuar a pobreza e a fonte de mão-de-obra para o tráfico de drogas.

Por fim, para agravar a situação, o governo atua em outra ponta que faz com que a mão-de-obra para o mercado das drogas se torne crescentemente especializada: o sistema penitenciário. 

Como consequência de toda esta criminalidade criada pelo governo, vários integrantes do tráfico de drogas — mais especificamente, os "peixes pequenos" — são capturados e enviados para penitenciárias. Deixando de lado toda a questão dos custos de se gerir estas enormes excrescências burocráticas que são as penitenciárias federais e estaduais, vamos nos concentrar nos resultados. O que são as prisões atuais se não genuínas universidades do crime? 

Um garoto pobre que vendia drogas e que foi capturado pela polícia e enviado a uma penitenciária, o que acontecerá a ele? Entrará em contato com todos os tipos de criminosos, todos eles mais experientes. Esse convívio prolongado fará com que o garoto adquira malícia, aperfeiçoe suas habilidades criminais e ganha mais intimidade com o mundo do crime. 

Ao sair da cadeia, após anos de imersão com os especialistas, ele será um pós-graduado em criminalidade. Ele agora estará a par de todos os truques das ruas; conhecerá todas as "manhas" da criminalidade.

Traficantes jovens que cumprem pena não são reabilitados. Também não são necessariamente punidos. Ao saírem da cadeia, eles são vistos como heróis por seus pares; eles se tornam um modelo para seus amigos. Eles cumpriram pena, saíram ilesos e, por isso, adquirem mais respeito. Estarão prontos e ainda mais preparados para ascender na carreira criminosa. Graças ao governo e a todas as suas proibições.

Peter Schiff é o presidente da Euro Pacific Capital e autor dos livros The Little Book of Bull Moves in Bear Markets, Crash Proof: How to Profit from the Coming Economic Collapse e How an Economy Grows and Why It Crashes. Ficou famoso por ter previsto com grande acurácia o atual cataclisma econômico. Veja o vídeo. Veja também sua palestra definitiva sobre a crise americana -- com legendas em português 

Tradução de Leandro Roque

domingo, 14 de abril de 2013

JUSTIÇA, CORRUPÇÃO E IMPUNIDADE

Não há quem não fique indignado com as constantes denúncias de corrupção em todas as esferas do Executivo e do Legislativo. A cada mês ficamos horrorizados com o descaso e o desperdício de milhões de reais. Como não é possível ao cidadão acompanhar o desenrolar de um processo (e são tantos!), logo tudo cai no esquecimento e não ficamos sabendo da decisão final (isto quando o processo não é anulado e retorna à estaca zero). O denunciado sempre consegue encontrar alguma brecha legal e acaba sendo inocentado. E isto se repete a cada ano. Não há indignação que resista a tanta impunidade.

E aí é que mora o problema central do Brasil. Não é possível dizer que as instituições democrática estão consolidadas com tantos casos de corrupção e o péssimo funcionamento dos três poderes. Agir como Poliana é jogar água no moinho daqueles que desprezam a democracia. E sabemos que temos uma tradição autoritária.

Apesar dos pesares, o Executivo e o Legislativo são transparentes, recebem uma cobertura jornalística que devassa os escândalos. Os acusados se transformam, em um período limitado, em inimigos públicos. Viram motivo de chacotas. Nada de efetivo acontece, é verdade. Porém, o momento de catarse coletiva ocorre. E o Judiciário? Age para cumprir a sua função precípua? Recebe cobertura paulatina da imprensa? Ou insinua usar o seu poder para que não sejam lançadas luzes — com o perdão da redundância — sobre o seu poder?

É no Judiciário que está o cerne da questão. Caso cumprisse o disposto na Constituição e na legislação ordinária, certamente não assistiríamos a este triste espetáculo da impunidade. Pela sua omissão virou o poder da injustiça. É, dos três poderes, o mais importante. E tem a tarefa mais difícil, a de resolver todo santo dia a aplicação da justiça.

O Supremo Tribunal Federal, por ser a instância máxima da Justiça, deveria dar o exemplo. Mas não é o que ocorre. A estranha relação entre os escritórios de advocacia e os ministros do STF deixa no ar uma certa suspeição. E no caso da Corte Suprema não pode existir qualquer tipo de questionamento ético. Os ministros devem pautar sua vida profissional pelo absoluto distanciamento com outros interesses que não sejam o do exercício do cargo. Não é admissível que um ministro (por que não ser denominado juiz?) tenha empreendimentos educacionais, ou mantenha um escritório de advocacia, ou, ainda, tenha parentes (esposa, filhos, cunhados, genros, noras) que participem diretamente ou indiretamente de ações junto àquela Corte.

O padrão de excelência jurídica foi decaindo ao longo dos anos. É muito difícil encontrar no STF algum Pedro Lessa, Adauto Lúcio Cardoso ou Hermes Lima. Os ministros que lá estão são pálidos, juridicamente falando, com uma ou outra exceção. Cometem erros históricos primários. Seria melhor que as sessões televisivas daquela Corte fossem proibidas para o bem dos próprios ministros.

Mas o problema do Judiciário é muito maior do que o STF. Nos estados, a situação é mais calamitosa. Famílias poderosas exercem influência nefasta. O filhotismo crassa sem nenhum pudor. E o que não se vê é a aplicação da justiça. Não pode ser usada como justificativa a falta de recursos. Desde a Constituição de 1988, o Judiciário tem um orçamento fabuloso. O problema é que o dinheiro é mal gasto.

O Judiciário preocupa-se com o cerimonial, o rito burocrático e todas as formalidades, mas esquece do principal: aplicar a justiça. O poder é lento e caro. E pior: é incompreensível ao cidadão comum. Ninguém entende como um acusado de desvio de milhões de reais continua solto, o processo se arrasta por anos e anos e, quando é condenado, ele não cumpre a pena. Ninguém entende por que existem tantas formas de recorrer de uma sentença condenatória. Ninguém entende o conceito do que é considerado prova pela Justiça brasileira.

É inadmissível juízes e promotores realizarem congressos patrocinados por empresas que demandam o Judiciário. É inadmissível um ministro do STF comparecer a uma festa de casamento no exterior com despesas pagas (no todo ou parte, isto pouco imaquela Corte. E ainda gazeteou sessões importantes (foram descontadas as faltas?). Se o Brasil fosse um país com instituições em pleno funcionamento, certamente haveria algum tipo de sanção. Sem idealizar a Suprema Corte americana, mas caberia perguntar: como seria recebida por lá uma notícia como essa?

Indo para o outro lado do balcão, cabe indagar o papel dos escritórios de advocacia especializados na defesa de corruptos. E são tantos. É evidente o direito sagrado de defesa. Não é isto que está sendo questionado. Mas causa profunda estranheza que um número restrito de advogados sempre esteja do lado errado, do lado dos corruptos. E cobram honorários fabulosos. Realizam seu trabalho somente para a garantia legal do direito de defesa? Será? É possível assinar um manifesto pela ética na política e logo em seguida comparecer ao tribunal para defender um político sabidamente corrupto? Este advogado não tem nenhuma crise de consciência?

Há uma crise estrutural no Judiciário. Reformá-lo urgentemente é indispensável para o futuro da democracia. De nada adianta buscar explicações pífias de algum intérprete do Brasil, uma frase que funcione como um bálsamo. Ninguém aguenta mais as velhas (e ineficazes) explicações de que a culpa é da tradição ibérica, da cordialidade brasileira ou do passado escravista. Não temos nenhuma maldição do passado, algo insuperável. Não. O problema é o presente. .

MARCO ANTONIO VILLA é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (SP).

sábado, 13 de abril de 2013

ENTENDENDO A RECESSÃO MUNDIAL DO INÍCIO DO SÉCULO XXI

Artigo originalmente escrito em julho de 2002


O traço singular das crises econômicas desde o início do século XIX é a dificuldade de entrever com precisão a causa ou causas que as deflagram. No passado, as depressões podiam ser imputadas claramente a guerras, revoluções ou catástrofes naturais. A economia capitalista moderna é diferente. Quando tudo parece estar indo bem, inexplicavelmente emergem estranhas convulsões de seu bojo, que não podem ser explicadas por esse ou aquele evento específico. Como não poderia deixar de ser, os estudiosos do assunto aventaram ao longo do tempo inúmeras hipóteses para a compreensão das flutuações econômicas.

Todos conhecem ao menos vagamente a teoria marxista que atribui ao capitalismo contradições imanentes e inexoráveis cada vez mais graves e que, ao fim e ao cabo, levariam à sua superação pelo comunismo. A hipótese de Marx pertence ao gênero das teorias da superprodução, segundo as quais o capitalismo seria tão produtivo que haveria um encalhe de mercadorias em vista da incapacidade das massas para adquiri-las. A outra teoria mais conhecida é a de Keynes, que integra o grupo do subconsumo. Para o inglês, que divisava contradições internas no capitalismo muito parecidas com as de Marx, as crises são o reflexo da insuficiência de poder de compra por parte da população. Os seguidores de Marx e os discípulos de Keynes divergem entre si em detalhes, mas concordam no principal: a economia de mercado é intrinsecamente instável e perversa. É imperativo para a felicidade geral da humanidade que ela seja abolida tout court, conforme os marxistas, ou reformada e estritamente controlada pelo estado, segundo os keynesianos.

Marx e Keynes diziam que sob certas condições a escassez — a impossibilidade de ter tudo ao mesmo tempo — poderia ser suprimida e os povos ingressariam então no nirvana terrestre da abundância. Bastava superar a propriedade privada dos meios de produção, no caso do alemão, ou reduzir a zero a taxa de juros, conforme o britânico, para que esse feliz estado de coisas substituísse o desnecessário vale de lágrimas de dura labuta que aflige os homens desde a expulsão do paraíso.

Em outras palavras, os dois mais famosos e influentes economistas dos últimos cento e tantos anos acreditavam em Papai Noel e no coelhinho da páscoa. Que sejam justamente esses embusteiros os dois mais famosos e influentes economistas sintetiza muito bem a confusão moral e o descalabro intelectual vigente.

Marx e Keynes não foram homens de ciência, e sim expoentes do grupo mais nefasto de todos os tempos, o dos intelectuais socialistas militantes, que superaram com folga os estragos pretéritos de conquistadores sanguinários como Átila, Tamerlão ou Cortez. Suas teorias acerca dos ciclos são tão desonestas e erradas que já nasceram refutadas. Num debate célebre na época, início do século XIX, o economista francês Jean-Baptiste Say conseguira demonstrar os erros cabais de seu colega inglês Malthus, que formulara uma teoria das crises econômicas que depois viria a ser requentada e enfeitada por Marx e Keynes, cada um a seu modo.

De sorte que, para quem quer compreender o que está ocorrendo com a economia global no presente, deve em primeiro lugar descartar in limine as explicações dos economistas marxistas e keynesianos. No Brasil, terra em que 99% dos economistas têm Marx no coração e Keynes na cabeça, isso significa desprezar quase in totum as análises dos pseudo-especialistas. Tampouco há como levar a sério os palpiteiros baratos e propagandistas vulgares como Veríssimo, Sader e similares. Para entender o que está se passando é preciso recorrer às análises e pesquisas de estudiosos sérios.

Como os chamados monetaristas da Escola de Chicago. Para eles, em resumo, a estabilidade econômica depende da relação entre a quantidade total de dinheiro em circulação e a quantidade total de bens e serviços produzida. Enquanto houver equivalência entre ambas essas magnitudes, de modo que uma terceira magnitude, o nível geral de preços, permaneça estável, tudo irá bem. Os problemas decorrem da queda ou do aumento excessivo da oferta de moeda, gerando deflação ou inflação. Para os monetaristas, a razão principal da grande depressão dos anos 1930 teria sido o mau gerenciamento monetário do Banco Central americano, que permitiu uma queda abrupta da quantidade de dinheiro — deflação — e assistiu a uma quebradeira geral de bancos (cujos depósitos à vista — dinheiro — deixaram de existir) sem nada fazer.

A crítica que se faz aos monetaristas é que eles raciocinam em termos de agregados, ou seja, adotam uma teoria macroeconômica dos ciclos que acaba não diferindo muito da macroeconomia keynesiana, e padece de limitações semelhantes. Ademais, tanto na crise americana atual quanto na corrente estagnação japonesa, velha de dez anos, a teoria monetarista falhou na previsão das crises, pois o nível geral de preços em ambos os casos estava mais ou menos estável, e também na correção delas, pois não houve quebras bancárias e deflação e mesmo assim o problema continuou.

Em defesa dos economistas de Chicago, contudo, deve ser dito que eles ajudaram a humanidade derrotando os keynesianos numa grande batalha teórica nos anos 1960 e 1970 centrada nas origens e causas da galopante inflação de preços da época, bem como que eles em geral criticam ferozmente o intervencionismo econômico do protecionismo, monopólios, subsídios, déficits e controle de preços.

Mas a economia não trata de agregados imaginários, meros entes de razão, e sim de seres humanos, suas ações e escolhas num mundo de escassez, imperfeições e incerteza. Nesse plano mais concreto, chamado de microeconomia, alguns teóricos, como Joseph Schumpeter, foram pesquisar a dinâmica das crises econômicas. Esse grande economista partiu do modelo conhecido como equilíbrio geral walrasiano para concluir que a única variável capaz de perturbar esse equilíbrio e deflagrar as crises seria a inovação tecnológica. A teoria da destruição criativa, como ficou conhecida, é muito interessante, mas peca por assumir os postulados irrealistas e insatisfatórios do equilíbrio geral e por concentrar a inovação em determinados períodos, seguidos de calmarias técnicas, quando se sabe que no mundo real ela está ocorrendo o tempo inteiro.

A teoria articulada por Ludwig von Mises sobre antigos insights da escola monetária inglesa do século XIX e sobre as investigações acerca do capital e do juro feitar por Bohm-Bawerk e Wicksell, e depois desenvolvida por Friedrich Hayek e outros, evita as armadilhas da macroeconomia e da microeconomia walrasiana. Mais ainda: fornece a mais completa ilustração das flutuações econômicas. Passemos a testá-la.

A ênfase é na moeda, como é o caso dos monetaristas, porém a abordagem é primariamente microeconômica, concentrando-se nos efeitos que o advento de moeda-crédito nova provoca nos agentes econômicos. Os economistas austríacos notaram que as crises revelam subitamente que a maior parte dos empresários e investidores erraram em suas estimativas do estado futuro do mercado, de modo que suas expectativas de lucratividade foram frustradas. O erro empresarial é normal (afinal, errar é humano) e acontece o tempo todo, pois o futuro é, por definição, incerto. Mas a singularidade das crises está na enorme quantidade de erros de avaliação simultâneos por parte de empresários experientes e especuladores astutos. Entender a causa desse conjunto de erros é a chave para decifrar o mistério das crises.

Em um mundo em que tudo é heterogêneo, só o dinheiro é homogêneo. A moeda tem a função vital de expressar as razões de troca entre as mais variadas coisas — os preços — numa única unidade de conta apta a permitir o cálculo econômico racional. Os preços monetários transmitem informações aos agentes econômicos sobre a escassez relativa dos fatores de produção e dos bens de consumo; e com base nessas informações, os agentes traçam seus planos e tomam suas decisões. Caso esse delicado mecanismo de transmissão de informações via preços seja danificado, os agentes estarão mais propensos a planejar de acordo com dados fictícios e ilusórios de realidade e, portanto, a tomar decisões erradas.

Para haver investimento, é preciso antes ter havido poupança, a diferença positiva entre o que as pessoas produzem e o que consomem. A poupança agregada reflete uma inclinação geral das pessoas de adiar o consumo no presente em troca de mais consumo no futuro. Se, ao contrário, ocorrer uma preferência generalizada pelo consumo no presente, a poupança agregada é reduzida ou até mesmo substituída pelo consumo do capital existente, o que resultará em consumo futuro declinante e queda do padrão de vida.

Em uma economia de mercado desenvolvida, a poupança chega às mãos dos investidores mediante complexos sistemas de intermediação, e o preço que equilibra a procura e a oferta de poupança existente é o juro. Esse preço é absolutamente fundamental para o cálculo econômico dos empresários, que não investirão em linhas de produção cuja rentabilidade seja menor do que os juros que terão que pagar sobre os recursos tomados. O juro sinaliza a escassez de poupança e informa que não dá para produzir tudo no momento, mas apenas os bens de consumo mais urgentemente desejados pelos consumidores.

Outra informação vital fornecida pela taxa de juros é sobre o tempo a ser consumido no projeto de investimento até que os bens de consumo estejam prontos para serem oferecidos no mercado. Um projeto que consome tempo demais para sua maturação corre o risco de morrer na praia por falta de recursos para mantê-lo, pois até que se comece a vender e lucrar há que pagar os salários dos empregados, os fornecedores de insumos etc.

Se, porém, os bancos decidem emprestar além das suas reservas, eles falsificam dinheiro (pois depósitos sujeitos a cheque criados ex nihilo são dinheiro em circulação), criam uma pseudopoupança e consequentemente a taxa de juros, reduzida artificialmente, deixa de ser um sinal confiável. Os empresários e investidores são induzidos a acreditar que há mais poupança real do que efetivamente existe. Todas as crises são precedidas de períodos de prosperidade febril caracterizada por amplos investimentos em bens de capital e de maturação lenta. Por outro lado, o dinheiro falso bombeado pelos bancos na economia termina por alimentar grandes movimentos especulativos nas bolsas de valores e em outros mercados (como o de imóveis). O estimulante dessa febre ilusória de otimismo eufórico é o crédito artificialmente barato provido pelo sistema financeiro sob o comando dos governos.

A distorção na cadeia produtiva que se segue decorre do fato de que a criação de dinheiro falso não implica que os fatores de produção e bens de consumo também possam se materializar magicamente. Eles continuam limitados e escassos como antes. E como há mais dinheiro comprando as mesmas coisas, os empresários passam a disputar ferozmente entre eles os fatores de produção, cujos preços sobem.

De outro ângulo, a remuneração desses fatores, como os salários dos empregados, começa a ser despendida em bens de consumo, cujos preços tendem a subir. A inflação monetária pode ser contrabalançada por um aumento da produtividade (queda dos preços de alguns bens de consumo pelo aumento da oferta), de modo que o nível geral de preços permaneça relativamente estável, como ocorreu nos anos 1920 e nos anos 1990 nos Estados Unidos. Entretanto, a expansão do crédito fatalmente distorce, além da poupança real, também a alocação de recursos. O aumento da demanda por bens de consumo força os empresários dos setores mais próximos do consumo final a competir com os setores mais distantes pelos fatores de produção. A farra do crédito barato, contudo, gera inflação e estende demais o endividamento dos agentes econômicos, de modo que, mais cedo ou mais tarde, o governo e os bancos são forçados a elevar os juros e restringir a oferta de crédito.

Chega de emprestar; a hora agora é de cobrar as dívidas. O aumento dos juros e dos preços dos fatores subitamente deixa nus com a mão no bolso os empresários do setor de bens de capital. Eles se dão conta de que suas previsões estavam erradas, que não conseguirão recuperar o que investiram. E aí começa o salve-se quem puder do corte de custos e demissões. As crises sempre começam nos setores da estrutura de capital mais afastados do consumo final, como nas indústrias pesadas, e só mais tarde vão derrubando o resto.

A recessão, na ótica da teoria austríaca, é o acerto de contas inevitável com o complexo de decisões erradas tomadas no passado com base no falso sinal dos juros baixos. Os empresários têm que ajustar seus planos ao nível de poupança efetivamente existente. Muitos quebram e são excluídos do rol dos empreendedores. Os assalariados empregados nas indústrias insustentáveis perdem seus empregos e têm que procurar outros em setores mais sólidos. O desemprego sobe dramaticamente. Os investimentos em bens de capital e terra não conversíveis são sacrificados. Não há outro jeito.

Quanto menor for a intervenção externa nesse necessário processo de regeneração do organismo econômico, mais rápida será a sua recuperação. A tremenda crise mundial de 1921 foi superada em apenas um ano. Já a crise similar de 1929 se prolongou por mais de dez anos e a convulsão japonesa de 1992 se arrasta até hoje. Isso porque os governos resolveram intervir e só agravaram os problemas. Medidas protecionistas para "preservar empregos", gastos deficitários estatais para "gerar empregos", barateamento do dinheiro com juros zero ou até negativos ("reflação"), controle de preços, subsídios às indústrias periclitantes, seguro-desemprego para sustentar a "demanda efetiva" e medidas do gênero impedem a recuperação e prolongam a recessão, transmutada desnecessariamente em depressão.

A economia de mercado é construída por milhões de contratos entre sujeitos livres, ou seja, pela cooperação voluntária e mutuamente vantajosa para as partes segundo suas valorações pessoais e intransferíveis. A base desse sistema incrivelmente complexo é uma atmosfera geral de confiança (daí "crédito") em que os contratantes cumprirão as obrigações pactuadas. Ao contrário do que pregam os enfadonhos intelectuários socialistas, o capitalismo pressupõe uma moralidade social saudável. O elo que possibilita e liga economicamente todas essas relações privadas é o dinheiro. Ora, se o dinheiro é sujeito à manipulação fraudulenta pelos governos e bancos, violando a regra moral básica de não roubar, a imoralidade é infundida no próprio coração do sistema, corrompendo-o gravemente. A inflação é uma espécie de leucemia econômica, em que o sangue do corpo econômico é deliberadamente envenenado. É claro que mais cedo ou mais tarde os órgãos aparentemente saudáveis começarão a falhar e o paciente descobrirá de repente que está seriamente doente.

A propósito, é abordando o problema do ponto de vista ético que se constata mais facilmente o absurdo das propostas keynesianas para evitar ou curar as depressões. Para Keynes e seus sucessores, o estado se subtrai às regras morais válidas para as criaturas comuns, pois ele não só pode como deve gastar mais do que arrecada (onerando assim o patrimônio de terceiros contra a vontade deles) e falsificar dinheiro em bases permanentes. Essas falcatruas oficiais são conhecidas pelos eufemismos de "política monetária" e "política fiscal". Ora, o estado é uma abstração. O que ontologicamente existe são indivíduos investidos dos poderes de governo. Não pode ser fecundo um sistema social em que vige uma moral para uns e outra inteiramente contrária para outros. A tendência é a imoralidade dos que estão por cima contaminar todo o corpo social, o que de fato tem acontecido sistematicamente.

A inflação é como as drogas. O primeiro passo para curar um viciado em drogas é parar de tomar a substância. Depois virão os sintomas da crise de abstinência que o indivíduo terá que suportar até limpar seu organismo para poder então levar uma vida sã. A medicina keynesiana, todavia, recomenda atulhar o paciente com a mesma droga em que ele se viciou além de outras igualmente nocivas! Não admira que tantos "pacientes" sujeitos a essa terapia charlatanesca tenham chegado perto de bater as botas. O Brasil é um desses pacientes e os charlatães keynesianos fervilham em torno dos candidatos à presidência, os já famosos quatro cavaleiros do apocalipse.

A crise americana do início da década de 2000

Encerrado esse breve esboço teórico das crises econômicas, passemos agora a examinar a atual recessão à luz dessa teoria. Os anos 1990 foram tempos de grande prosperidade nos Estados Unidos, a mais forte economia do mundo. No comando estava o "senhor dos mercados", Alan Greenspan, chefe do Banco Central americano. É curioso que analistas sérios possam ter acreditado que a saúde econômica mundial dependesse da batuta de maestro de um único homem. Dá para crer que a inacreditavelmente intrincada complexidade da economia global pudesse ser conduzida intuitivamente por um super-homem, que quando sentia uma dorzinha ominosa nas articulações baixava os juros e quando ouvia uma misteriosa voz interior os aumentava? Pois é nisso que a mídia dominante quis que se acreditasse. A verdade é bem outra.

Greenspan pisou no acelerador da expansão monetária em meados dos anos 1990, aumentando a quantidade de dinheiro em 10% ao ano e depois em 15% ao ano. Por que fazer isso? Porque politicamente é interessante; os políticos têm horizonte de curto prazo e fazem qualquer negócio para que a economia cresça, mesmo que esse crescimento seja insustentável. Seus sucessores que se virem com a crise.



Gráfico 1: crescimento nominal da quantidade de dinheiro na economia americana (1995-2000)

Essa orgia de dinheiro barato desencadeou os investimentos de longo prazo insustentáveis previstos na teoria austríaca dos ciclos, bem como jogou gasolina nas brasas da especulação desenfreada. As ações da Nasdaq foram à estratosfera, muito embora fosse público e notório que as novas empresas "pontocom" levariam anos, e até décadas, antes que começassem a operar no azul. Greenspan começou a falar em "exuberância irracional" na época, mas era ele quem estava abrindo as comportas da irracionalidade.

Como reza essa teoria, a expansão monetária não pode durar para sempre, sob pena de a inflação destruir a economia. Greenspan então falava em "pouso suave" do nível de atividade econômica, excessivamente aquecido, e aumentou a taxa de juros em 1999, reduzindo o crescimento monetário para menos de 8% anuais. A contração nos setores de bens de capital prevista pelos austríacos já tinha se iniciado quando o pouso suave virou uma aterrissagem forçada assustadora. A bolha da Nasdaq estourou, reduzindo a pó as economias de milhões de investidores. Quase seiscentas empresas "pontocom" faliram. A recessão chegou para valer no ano de 2001 e continua bastante séria até o momento. É claro que a crise nos Estados Unidos afeta o mundo inteiro.



Gráfico 2: taxa anual de crescimento de quantidade de dinheiro na economia americana (1996-2000)

Outro ponto de comprovação da teoria austríaca é a corrente epidemia de fraudes contábeis em grandes empresas e bancos americanos. É óbvio que jamais aconteceu uma assembléia geral de grandes empresários para combinar uma maquiagem contábil generalizada. Essas coisas são feitas no maior segredo. Cada empresa tomou sozinha a decisão de mentir ao público. O fato de que tanta delas tenham feito a mesma coisa ao mesmo tempo reflete o desespero comum de cada um desses conglomerados diante do complexo de estimativas erradas induzidas pela política monetária traiçoeira de Greenspan.

Não se trata aqui de relativizar e desculpar os crimes cometidos por esse pessoal. Um erro não justifica o outro e a desonestidade deles tem de ser punida. Mas não se pode esperar que um sistema imoral gere moralidade. De maneira que a recente declaração de Greenspan contra a "ganância infecciosa" é farisaica e tem por meta tirar o dele da reta. E a grande imprensa mundial engoliu essa isca com a maior sofreguidão, pois, eterna cortesã do estado que é, não poderia admitir que o "senhor dos mercados" não passa de um super-trambiqueiro e fraudador emérito.

Por outro lado, a revelação das fraudes demonstra a superioridade da ordem de mercado, pois não se pode enganá-la por muito tempo. A triagem dos lucros e perdas é implacável, cedo ou tarde os prejuízos produzem seus efeitos. Já as maquiagens contábeis estatais são muito mais difíceis de detectar, muito mais vultosas e onerosas e no fim não dão em punição para os políticos e burocratas. Punição mesmo só para os contribuintes que pagam a conta.

O fato é que a crise está posta e seus desdobramentos para o bem ou para o mal dependerão das ações futuras do governo dos Estados Unidos. Seguir o caminho trilhado por Hoover e Roosevelt nos anos 1930 é receita segura para uma depressão de grandes proporções. Naquele tempo, o governo americano fez tudo o que se poderia imaginar de pior para abortar a recuperação. Instituiu altíssimas tarifas alfandegárias, arruinando o comércio internacional, duplicou os impostos, descarregou subsídios sobre setores ineficientes, desvalorizou o dólar, contraiu déficits fiscais enormes, inflacionou a moeda e interveio no mercado de trabalho. A recessão inicial então se eternizou como uma brutal depressão. Infelizmente, as autoridades americanas não aprenderam a lição do passado, pois estão seguindo trilha semelhante no presente.

Greenspan "reflacionou", voltando a bombear crédito em doses cavalares na economia americana com juros de quase zero. Não adiantou nada, é claro. Bush e o Congresso estão unidos na política de subsídios e no protecionismo, o que vai naturalmente gerar retaliações dos outros países e blocos comerciais. Uma guerra comercial agora seria um desastre, como foi nos anos 1930. Adotando as indefectíveis recomendações dos keynesianos, que nessas horas sempre retiram o velho pangaré da "política fiscal" de suas nauseabundas estrebarias, Bush elevou dramaticamente os gastos públicos americanos, o que gera déficit, que tem que ser financiado via inflação ou endividamento, e a dívida pública americana não é baixa. Estimulados pelo abundante crédito ao consumo e pela ideologia keynesiana da gastança como meio de encorajar a "demanda agregada", os americanos se endividaram muito e estão poupando pouquíssimo. Os investimentos estão muito dependentes de poupança externa, que está melindrada pela crise de credibilidade do mercado americano e ameaça fugir para pousos mais seguros. O déficit comercial está alto e aumentando. De resto, o belicismo do governo Bush pouco contribui para a estabilidade mundial. O cenário é lastimável e alimenta o pessimismo.

Para piorar, os políticos estão fazendo a costumeira demagogia lançando empresários fraudadores aos leões para encobrir sua própria culpa no cartório pela situação atual. Fala-se em regulamentações mais severas e draconianas, o que só pode entravar ainda mais um mercado que, ao contrário do que se pensa, já é excessivamente cerceado por copiosas leis e regulamentos. Tudo isso é fumaça. Fraudar a contabilidade sempre foi crime e já existem rígidos mecanismos de prevenção que falharam porque o estado costuma falhar. É da natureza da burocracia ser ineficiente. Nem se fosse possível designar um policial para seguir como uma sombra todos os contadores do país daria jeito no problema, pois quem garante que os policiais não seriam por sua vez incompetentes ou sujeitos à corrupção? Teria que haver um fiscal do policial do contador, e depois um fiscal do fiscal do policial do contador e assim por diante.

Para não ficar somente na sinistrose, vale lembrar que aparentemente não há no horizonte próximo a ameaça de ideologias insensatas como o nazismo e o comunismo, que nos anos 1930 ainda tinham o frescor da novidade e não tinham sido testados e reprovados pela experiência histórica. A realidade ensinou duras lições aos políticos que se encantaram pelo marxismo e pelo keynesianismo, de modo que prevalece ainda um certo consenso de que a economia de mercado deve prevalecer, mesmo que pesadamente obstruída pelas "políticas públicas".

O que se pode assegurar é que os ciclos econômicos continuarão a se repetir enquanto existir a manipulação política da moeda, e não há sinal de que isso possa mudar no futuro previsível. A arquitetura monetária do capitalismo moderno é um castelo de cartas sujeito a desmoronar parcial ou totalmente a qualquer momento.

Alceu Garcia é o pseudônimo de um cidadão que, cercado de esquerdistas por todos os lados, e já conhecendo o tratamento que eles dão a quem ouse contrariá-los no local de trabalho, tem bons motivos para desejar permanecer incógnito.