segunda-feira, 20 de maio de 2013

DEVOTOS DE UM VIGARISTA


Longe de ampliar o horizonte dos problemas filosóficos, o que Karl Marx fez foi restringi-lo com um dogmatismo acachapante, instituindo aquilo que Eric Voegelin caracterizou como “proibição de perguntar”.



A Folha de S. Paulo (v. http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1234518-intelectuais-brasileiros-explicam-porque-ainda-e-importante-ler-marx.shtml) perguntou a quatro dos seus mais típicos mentores por que é ainda importante ler Karl Marx. Nenhum deles deu a resposta certa: porque ninguém pode ignorar, sem grave risco, as idéias que mataram mais seres humanos do que todos os terremotos, furacões, epidemias e desastres aéreos do último século, mais duas guerras mundiais. Infringindo a regra elementar do próprio Karl Marx, de que a verdadeira substância de uma idéia é a sua prática e não a sua mera formulação conceitual, três deles mostraram enxergar o marxismo como pura teoria, separada da ação que exerceu no mundo, e incorreram assim no delito de “formalismo burguês”, o mais abominável para um cérebro marxista. Eu não tomaria aulas de marxismo com esses sujeitos nem se eles me pagassem.
O quarto, prof. Delfim Neto, na ânsia de redimir-se ante a intelectualidade esquerdista do pecado de ter servido à ditadura militar, caprichou no hiperbolismo e atribuiu a Karl Marx o dom da eternidade, que numa perspectiva marxista não faz o menor sentido.

O prof. José Arthur Gianotti recomendou reler Karl Marx cuidadosamente, porque “sua concepção da história foi adulterada, por ter sido colada, sem os cuidados necessários, a um darwinismo respingado de religiosidade.” Adulterada? Colada? Nenhum dos continuadores de Karl Marx revelou tanta dívida intelectual para com Charles Darwin quanto o próprio Karl Marx, que declarou sua filosofia nada mais que a interpretação darwinista da História e só não dedicou O Capital ao autor de A Origem das Espécies porque este não permitiu. Quanto à tonalidade religiosa, ou pseudo-religiosa, ela é mais do que notável nos Manuscritos de 1944 e ressoa em cada linha das verberações proféticas anticapitalistas espalhadas ao longo de toda a obra de Marx. O prof. Gianotti é que quer separar artificialmente aquilo que nasceu junto. “Reler cuidadosamente”? Não é preciso. Bastaria ter lido.

Mas o mais cômico dos quatro foi o sr. Leandro Konder, que intelectualmente já saiu do mundo dos vivos há três décadas e não precisaria ter abandonado seu estado de animação suspensa para confirmar, na Folha, aquilo que ele já provou centenas de vezes: sua prodigiosa incultura, seu total desconhecimento dos assuntos em que opina.

Disse ele: “Os grandes pensadores são grandes porque abordam problemas vastíssimos e o fazem com muita originalidade. A perspectiva burguesa, conservadora, evita discuti-los. E é isso o que caracteriza seu conservadorismo.”
Os conhecimentos que não só ele pessoalmente, mas toda a corriola de mentecaptos marxistas deste país tem daquilo que ele chama “perspectiva burguesa” podem ser avaliados pelo Dicionário Crítico do Pensamento da Direita, em que 104 dessas criaturas ridículas se encheram de dinheiro público para dar um show de ignorância como nunca se viu no mundo. Leia em http://www.olavodecarvalho.org/textos/naosabendo.htm e depois volte aqui.

Essa gente simplesmente não estuda os pensadores que parecem antipáticos ao seu partido. Adivinha ou cria suas idéias à distância, partindo de fofocas, piadas, fantasias preconcebidas e lendas urbanas que constituem, no seu ambiente mental sufocantemente provinciano, a única bibliografia requerida para quem deseje pontificar a respeito. Fazem isso até comigo, que tenho uma obra publicada relativamente escassa, por que não o fariam com os autores de muitas dezenas de volumes, como Leibniz, Husserl, Voegelin ou o nosso Mário Ferreira dos Santos?

A um boboca que desconhece tudo aquilo que despreza, é forçoso que o horizonte de problemas pensado por Karl Marx pareça, em comparação com o nada, “vastíssimo”. Mas Karl Marx, em verdade, pensou num único problema: a luta de classes. Todos os outros conceitos da sua filosofia foram recebidos prontos, como os de dialética, de alienação ou de comunismo, ou são apenas afirmados sem nenhuma discussão crítica, como o próprio “materialismo dialético”, ou derivam da luta de classes por mero automatismo, como os de ideologia, superestrutura etc. Longe de ampliar o horizonte dos problemas filosóficos, o que Karl Marx fez foi restringi-lo com um dogmatismo acachapante, instituindo aquilo que Eric Voegelin caracterizou como “proibição de perguntar”. Já nem falo dos grandes problemas clássicos como o fundamento do ser, o sentido da existência, o bem e o mal, etc. Nem o próprio conceito de “valor”, essencial na sua economia, ele discute. Postula-o no começo de O Capital e segue adiante, sem notar que disse uma tremenda asneira.

Comparado ao de Leibniz, de Aristóteles ou de Platão (ou mesmo ao de um Eric Voegelin, de um Max Weber, de um Christopher Dawson ou de um Pitirim Sorokin), o horizonte de problemas de Karl Marx é deploravelmente pobre. Sua cultura literária é a de um professor de ginásio, seus conhecimentos de história da pintura, da arquitetura e da música praticamente nulos, suas noções de teologia não fazem inveja a nenhum seminarista. Pergunto-me, por exemplo, qual a relevância do pensamento de Karl Marx para as ciências biológicas, para a física, para as matemáticas. Zero. A breve incursão do seu amigo Engels nesses domínios foi um vexame espetacular.

Em matéria de ética, então, o tratamento que Marx dá ao problema da felicidade humana é decerto o mais besta, o mais grosseiro de todos os tempos: tomemos o dinheiro da burguesia e todos serão felizes. Enfeitado o quanto seja, o argumento é esse. Só por esse detalhe o homem já mereceria o adjetivo com que o resumiu Eric Voegelin: “Vigarista”. 
Por: Olavo de Carvalho  Do site Midia sem mascara

domingo, 19 de maio de 2013

O PROCESSO DE SELEÇÃO QUE OCORRE NO MERCADO - E O QUE É NECESSÁRIO PARA VENCER

Costuma-se falar, em um sentido metafórico, das forças automáticas e anônimas que influenciam o "mecanismo" do mercado. Ao empregar tais metáforas, as pessoas estão propensas a desconsiderar o fato de que os únicos fatores que dirigem o mercado e influenciam a formação de preços são as ações intencionais dos homens. Não há nenhum automatismo; existem apenas homens conscientes e que, deliberadamente, visam a atingir os objetivos que escolheram.


O mercado é um corpo social; é o corpo social por excelência. Todos agem por conta própria; mas as ações de cada um procuram satisfazer tanto as suas próprias necessidades como também as necessidades de outras pessoas. Ao agir, todos servem seus concidadãos. Por outro lado, todos são por eles servidos. Cada um é ao mesmo tempo um meio e um fim; um fim último em si mesmo e um meio para que outras pessoas possam atingir seus próprios fins.

Todos os homens são livres; ninguém tem de se submeter a um déspota. O indivíduo, por vontade própria, se integra num sistema de cooperação. O mercado o orienta e lhe indica a melhor maneira de promover o seu próprio bem estar, bem como o das demais pessoas. O mercado comanda tudo; por si só coloca em ordem todo o sistema social, dando-lhe sentido e significado.

O mercado não é um local, uma coisa, uma entidade coletiva. O mercado é um processo, impulsionado pela interação das ações dos vários indivíduos que cooperam sob o regime da divisão do trabalho.

A reiteração de atos individuais de troca vai dando origem ao mercado, à medida que a divisão de trabalho evolui numa sociedade baseada na propriedade privada. Tais trocas só podem ser efetuadas se cada uma das partes atribuir maior valor ao que recebe do que ao que renuncia.

O mercado é um processo coerente e indivisível. É um entrelaçamento indissolúvel de ações e reações, de avanços e recuos. Entretanto, a insuficiência de nossa capacidade mental nos obriga a dividi-lo em partes e a analisar separadamente cada uma delas. Ao recorrer a tais divisões artificiais, não devemos esquecer que a aparente existência autônoma dessas partes é um artifício de nossa mente. São apenas partes, isto é, não podem ser concebidas como independentes da estrutura geral do todo.

O processo de seleção que ocorre no mercado é impulsionado pela combinação de esforços de todos os participantes da economia de mercado. Motivado pelo desejo de diminuir tanto quanto possível o seu próprio desconforto, cada indivíduo procura, por um lado, colocar-se numa posição que lhe permita contribuir ao máximo para que as demais pessoas tenham a maior satisfação possível e, por outro lado, tirar o melhor proveito dos serviços por elas oferecidos.

Em outras palavras: cada indivíduo tenta vender no mercado mais caro e comprar no mercado mais barato. A resultante desses esforços é não apenas a estrutura de preços, mas também a estrutura social, a atribuição de tarefas específicas aos vários indivíduos.

A economia de mercado, em princípio, não respeita fronteiras políticas. Seu âmbito é mundial. O mercado torna as pessoas ricas ou pobres, determina quem dirigirá as grandes indústrias e quem limpará o chão, fixa quantas pessoas trabalharão nas minas de cobre e quantas no setor de entretenimento. Nenhuma dessas decisões é definitiva: são revogáveis a qualquer momento. O processo de seleção, além de não parar nunca, segue inexoravelmente adiante, ajustando o aparato social de produção às mudanças na oferta e procura. Revê, incessantemente, suas decisões prévias e força todo mundo a se submeter a um reexame de seu caso. Ninguém pode considerar sua posição como assegurada e não existe nenhum direito que garanta uma posição conquistada no passado. Ninguém pode eximir-se da lei do mercado, da soberania do consumidor.

A propriedade dos meios de produção não é um privilégio: é uma responsabilidade social. Os capitalistas e os proprietários de terras são compelidos a utilizar sua propriedade de maneira a satisfazer, da melhor forma, os consumidores. Se forem lentos e ineptos no cumprimento de seus deveres, sofrem prejuízos. Se não aprendem a lição e não mudam o seu comportamento, perdem sua fortuna. Nenhum investimento é seguro para sempre. Quem não utilizar sua propriedade para servir o consumidor da maneira mais eficiente está condenado ao fracasso. Não há lugar para as pessoas que querem usufruir suas fortunas na ociosidade e na imprudência. O proprietário deve procurar investir seus recursos de maneira a não diminuir o principal e a renda.

No tempo dos privilégios de casta e das barreiras comerciais, havia rendas que não dependiam do mercado. Os príncipes e os membros da nobreza viviam à custa de escravos e servos humildes que eram obrigados a trabalhar de graça, a pagar dízimos e tributos. A propriedade da terra só podia ser adquirida por conquista ou por generosidade do conquistador. Só podia ser perdida por abjuração do doador ou para outro conquistador. Mesmo mais tarde, quando os nobres e seus vassalos começaram a vender seus excedentes de produção no mercado, não podiam ser desalojados pela competição de pessoas mais eficientes. 

A concorrência só podia existir de forma muito limitada. A aquisição de grandes extensões rurais era reservada aos nobres; a de propriedades urbanas, aos burgueses do município, a de pequenas propriedades agrícolas, aos camponeses. No campo das artes e ofícios, a competição era restringida pelas guildas. Os consumidores não podiam satisfazer seus desejos de forma mais econômica, uma vez que o controle de preços proibia os vendedores de oferecer preços menores. Os compradores ficavam à mercê de seus fornecedores. Se estes produtores privilegiados se recusassem a empregar as matérias-primas mais adequadas e os métodos de produção mais eficientes, os consumidores se viam forçados a suportar as consequências dessa teimosia e desse conservadorismo.

Aquele proprietário de terras que vivia em perfeita autossuficiência, dos frutos de sua própria atividade agrícola, era independente do mercado. Mas o agricultor moderno que compra equipamentos, fertilizantes, sementes, mão de obra, assim como outros fatores de produção, e vende produtos agrícolas, está sujeito às leis do mercado. Sua renda depende dos consumidores e ele terá de adaptar suas operações aos desejos dos consumidores.

A função selecionadora do mercado também funciona em relação ao trabalho. O trabalhador é atraído por aquele tipo de trabalho no qual espera ganhar mais. Da mesma forma que os fatores materiais de produção, o fator trabalho também é alocado para aquelas atividades nas quais serve melhor ao consumidor. Prevalece a tendência de não desperdiçar qualquer quantidade de trabalho na satisfação de uma demanda menos urgente, se uma demanda mais urgente não foi ainda satisfeita. Como todos os outros estratos da sociedade, o trabalhador também está sujeito à supremacia dos consumidores. Se desobedecer, será penalizado por uma redução nos seus ganhos.

A seleção feita pelo mercado não instaura ordens sociais, castas ou classes, no sentido marxista do termo. Empreendedores e promotores não formam uma classe social integrada. Todo indivíduo tem liberdade para se tornar um promotor, se estiver disposto a depender da sua própria capacidade de antecipar, melhor do que seus concidadãos, as futuras condições do mercado, e se a sua disposição de agir por conta própria e sob sua responsabilidade for aprovada pelos consumidores. 

É enfrentando espontaneamente as situações, aceitando o desafio ao qual o mercado submete todo aquele que deseja tornar-se um empresário ou permanecer nesta posição eminente, que se ascende à condição de empreendedor. Todos têm a possibilidade de tentar sua sorte. Quem quiser iniciar um negócio não precisa esperar que alguém o convide ou o encoraje. Deve lançar-se por conta própria e deve saber como conseguir os meios necessários.

Diz-se com frequência que, nas condições de um capitalismo "tardio" ou "maduro", não é mais possível, a quem não tenha dinheiro, galgar a escada da riqueza e atingir a posição de empresário. Ninguém jamais tentou demonstrar esta tese. Pelo contrário, desde que ela foi enunciada, a competição dos grupos empresariais e capitalistas mudou consideravelmente. Uma grande parte dos antigos empresários e seus herdeiros foram eliminados e outras pessoas, novos empresários, tomaram os seus lugares. É indiscutivelmente verdadeiro que, nos últimos anos, foram intencionalmente implantadas instituições que, se não forem logo abolidas, tornarão impossível o funcionamento do processo de seleção do mercado.

Os consumidores escolhem os líderes da indústria e do comércio exclusivamente pela capacidade por estes demonstrada de ajustar a produção às necessidades dos próprios consumidores. Nenhuma outra característica ou mérito lhes interessa. Querem um fabricante de sapatos que fabrique sapatos bons e baratos. Não pretendem confiar a direção do negócio de calçados a pessoas amáveis, de boas maneiras, que tenham dons artísticos, sejam cultas ou possuam quaisquer outros talentos e virtudes. Um homem de negócios bem-sucedido, frequentemente, é desprovido daqueles atributos que contribuem para o sucesso pessoal em outras esferas da vida.

É muito frequente, hoje em dia, condenar os capitalistas e os empreendedores. O homem comum tem uma tendência a zombar das pessoas que são mais prósperas que ele. Pensa que, se essas pessoas são mais ricas, é simplesmente porque são menos escrupulosas, e que, se ele não fosse tão respeitador das leis da moralidade e da decência, também seria rico.

Ora, não há dúvida de que, nas condições criadas pelo intervencionismo, muitas pessoas enriquecem pelo suborno e pela corrupção. Em alguns países, o intervencionismo já solapou a supremacia do mercado a tal ponto, que é mais vantajoso para o homem de negócios recorrerem à ajuda de alguém no governo do que depender de sua capacidade de melhor satisfazer os desejos dos consumidores. Mas não é a isso que se referem os críticos mais populares da riqueza alheia. Tais críticos sustentam que a maneira pela qual se adquire riqueza numa genuína economia de mercado é condenável de um ponto de vista ético.

Contra tais argumentos, é necessário enfatizar que, na medida em que o funcionamento do mercado não seja sabotado pela interferência do governo, pelo protecionismo, por privilégios estatais e por outros fatores de coerção, o sucesso nos negócios é a prova de serviços prestados aos consumidores.

Um homem pobre não é necessariamente inferior ao próspero empresário; ele pode destacar-se por suas realizações científicas, literárias ou artísticas, ou por sua liderança cívica. Mas, no sistema social de produção, ele é inferior. O gênio criador pode ter razões para desdenhar o sucesso comercial; pode ser até que tivesse êxito nos negócios, se não tivesse preferido outras coisas. Mas os funcionários e operários que alardeiam sua superioridade moral iludem-se a si mesmos e encontram consolo nessa ilusão. Não querem admitir que foram postos à prova por seus concidadãos, os consumidores, e não foram aprovados.

Também se afirma frequentemente que o fracasso do homem pobre no processo de competição é causado por sua falta de instrução. Só pode haver igualdade de oportunidade, costuma-se dizer, quando a educação, em qualquer grau, se torna acessível a todos. Prevalece hoje a tendência de reduzir as diferenças entre as pessoas a diferenças de educação, negando-se a existência de diferenças inatas como a inteligência, a força de vontade e o caráter. Geralmente não se percebe que a educação nunca pode ser mais do que uma doutrinação de teorias e ideias já conhecidas. A educação, qualquer que seja o seu benefício, é transmissão de doutrinas e valores tradicionais. É, por necessidade, conservadora; produz imitação e rotina, e não aperfeiçoamento e progresso. Os inovadores e os gênios criadores não se formam nas escolas. Eles são precisamente aqueles homens que questionam o que a escola lhes ensinou.

Para ser bem-sucedido nos negócios, um homem não precisa ter um diploma de administração de empresas. Essas escolas treinam os subalternos para trabalhos rotineiros. Certamente não formam empreendedores. Não é possível ensinar uma pessoa a ser empresário. Um homem se torna empreendedor ao perceber oportunidades e preencher vazios. O julgamento penetrante, a capacidade de previsão e a energia que a função empresarial requer não se aprendem na escola. Os homens de negócio mais bem-sucedidos foram frequentemente ignorantes, se considerarmos os critérios escolásticos do corpo docente. Mas estavam à altura de sua função social de ajustar a produção à demanda mais urgente. Em razão desse mérito, são escolhidos pelos consumidores para liderar a atividade econômica.

Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

sábado, 18 de maio de 2013

OS CANALHAS DA HUMANIDADE

Que sorte, Brasil: nas livrarias há uma nova edição das "Reflexões sobre a Revolução na França" (Top Books), o clássico de Edmund Burke que praticamente inaugurou o conservadorismo moderno. Digo "nova edição" porque existia uma antiga, da Universidade de Brasília, que li e não gostei.


Essa nova, pelo contrário, tem tradução competente de Eduardo Francisco Alves e permite revisitar os argumentos centrais de Burke, não apenas contra a Revolução Francesa mas contra o pensamento utópico e suas consequências potencialmente destrutivas.

Deixarei esses argumentos para um próximo artigo. Hoje, fico com Jean-Jacques Rousseau. Nas "Reflexões", Rousseau é tratado com uma dureza exemplar: o "filósofo da vaidade", dirá Burke. Alguém que era capaz de proclamar em público o seu amor pela humanidade --mas, em privado, não hesitara em abandonar os filhos na roda dos enjeitados.

Durante décadas, acadêmicos sofisticados nunca perdoaram essa crítica pouco sofisticada de Burke. Conheço alguns. A filosofia de Rousseau é uma coisa, dizem eles; sua relação com os filhos, outra. Nenhum intelectual deve ser julgado à luz da sua conduta privada.

Concordo. Até certo ponto. Anos atrás, ao ler a autobiografia que o grande cronista inglês Auberon Waugh escreveu ("Will This Do?", Carroll & Graf, 288 págs.), encontrei um retrato demolidor sobre o pai, o inultrapassável Evelyn Waugh.

Uma passagem do livro ficou célebre: acontece quando, depois da Segunda Guerra Mundial e com a Inglaterra a viver os horrores do racionamento de comida, o pai Evelyn come na frente dos filhos esfaimados todas as bananas disponíveis na mesa de jantar.

Era a primeira vez em anos que as crianças viam bananas. E foi a última vez que Auberon levou a sério o moralismo do pai.

Entendo a desilusão do filho. Mas eu não sou filho de Evelyn Waugh. Sou leitor. E, como leitor, não existe qualquer abismo entre a crueldade privada e a sua colérica persona
pública.

Nos diários de Evelyn Waugh, os filhos só existem como objeto de desprezo ou coisa pior. E, sobre os romances, o óbvio: Evelyn Waugh nunca enganou. O seu desprezo sarcástico pela Humanidade (com maiúscula) é a medida de toda a obra.

Minha náusea é só com os que enganam: intelectuais que gostam de dar sermões humanistas ao público lacrimejante (como nas peças de Arthur Miller) e depois esquecem os seus filhos com síndrome de Down em instituições psiquiátricas, rasurando o fato das suas respectivas memórias (idem Arthur Miller).

Essa hipocrisia repugnava igualmente Burke. Não apenas por motivos éticos. Também por motivos políticos: o problema com os "filósofos da vaidade" não está simplesmente na dissonância entre o que dizem e o que fazem.

O problema está na forma como, recusando pensar politicamente a partir do seu "pequeno pelotão" (uma ideia que Burke recolheu em Adam Smith), eles fogem para grandes categorias abstratas (a humanidade, a igualdade, a raça, o proletariado etc.) e infligem transformações radicais e violentas sobre a exata realidade da qual fugiram.

Em rigor, Burke não estava preocupado com os pobres filhos de Rousseau. O que ele não podia tolerar era que a atividade política pudesse ser dirigida por alguém que, em nome da sua própria vaidade, trocara as circunstâncias reais por puras fantasias dogmáticas.

Só canalhas amam a Humanidade (com maiúscula). E só grandes homens são capazes de exercer a sua humanidade (com minúscula). Homens como o anônimo Manuel Condez, 60, um ex-bancário que ajudou o filho com paralisia cerebral a terminar o curso universitário.

Conta o jornalista Jairo Marques, em excelente matéria para esta Folha no último domingo: "O pai assistiu a todas as aulas, anotou as lições dadas pelos professores, auxiliou o filho na feitura das provas escrevendo no papel aquilo que ele lhe soprava".

E quando homenagearam o pai no dia em que o filho Marco, 26, recebeu o diploma, o pai respondeu: "Não fiz nada demais".

Não fez nada demais: entregava mais depressa os destinos de um governo a esse homem do que a grande parte dos meus colegas literatos. Por: João Pereira Coutinho Folha de SP

LUGARES COMUNS QUE SUBSTITUEM O RACIOCÍNIO CRÍTICO



Se algum dia criarem um concurso para aquelas palavras que se passam por pensamento profundo e crítico, "diversidade" e "pluralidade" facilmente iriam para a final e teriam um embate duríssimo.


A beleza destas duas palavras mágicas e encantadoras é que você não necessita de nenhuma nódoa de evidência empírica e nem de nenhum processo de encadeamento lógico para recitar rapsódias sobre os supostos benefícios da diversidade e do pluralismo. A própria ideia de querer testar estes belos termos em relação a algo tão feio quanto a realidade é em si vista como um ato sórdido.

Diversidade e pluralidade são termos que, justamente por englobarem de tudo, dispensam seus promovedores de explicar especificamente o que defendem. Há diversidade e pluralidade de gênero, de cor, de preferências sexuais, de renda, de inteligência, de etnia etc. Sendo assim, perguntar se aquelas instituições que promovem a diversidade 24 horas por dia e sete dias por semanas apresentam melhores resultados do que as instituições que não dão a mínima para estes "pré-requisitos" fará apenas com que você seja visto como um reacionário insensível, malicioso, racista, misógino e homofóbico. 

Citar evidências empíricas que mostram que aquelas localidades obcecadas com pluralidade e diversidade geram relações ruins entre as pessoas forçadas a conviver sob o mesmo ambiente é se arriscar a ser rotulado e marginalizado. O livre pensamento e a liberdade de expressão não são livres.

A moda agora ao redor do mundo é afirmar que os governos devem promover a diversidade e a pluralidade — o que na prática significa que alguns grupos organizados têm mais direitos do que outros, o que por sua vez significa a abolição da ideia de "igualdade perante a lei".

Neste cenário, algumas perguntas se fazem necessárias. Como é possível que um país racialmente homogêneo como o Japão consiga apresentar uma educação de alta qualidade sem ter de recorrer ao essencial ingrediente da diversidade e do pluralismo, uma necessidade "premente" segundo os sociólogos da atualidade?

Inversamente, por que a Índia, uma das mais plurais e diversas nações da terra, apresenta um histórico de intolerância e de violência letal entre seus diversos grupos de pessoas pior do que aquele observado no sul dos EUA durante a vigência da segregação racial?

O simples ato de fazer tais perguntas já é garantia de ser acusado de recorrer a táticas desonestas e de possuir motivações torpes demais para serem dignificadas com uma resposta. Não que os genuínos defensores da pluralidade tenham alguma resposta, é claro.

Dentre os candidatos que disputam a segunda colocação no torneio dos lugares comuns que tornam o pensamento algo obsoleto está o termo "socialmente excluído" e todas as suas variáveis.

Pessoas que não se encaixam nos pré-requisitos básicos exigidos por determinados objetivos e funções, desde admissão em uma universidade a um empréstimo bancário, passando por empregos em cargos que exigem diversas habilidades, são tidas como pessoas socialmente excluídas cuja ascensão social lhes foi "negada pela sociedade". Donde surgem as desculpas de que tais pessoas estão moralmente eximidas de seguirem uma vida pautada pelas mesmas regras aplicáveis ao restante da população — como, por exemplo, não recorrerem à criminalidade.

Tanto o 'pluralismo' quanto a 'exclusão social' devem ser corrigidos por políticas públicas, como por exemplo as cotas. Segundo os teóricos, tais políticas equalizariam as "oportunidades de acesso". O problema é que os defensores dessa tese sempre refugam quando instados a explicar por que uma igual oportunidade de acesso seria sinônimo de igual probabilidade de sucesso.

Há um exemplo interessante disso na própria política. Peguemos um estado americano conhecido mundialmente: a Califórnia. Trata-se de um estado majoritariamente progressista. Neste estado, eleitores conservadores e eleitores progressistas têm exatamente a mesma oportunidade de votar. No entanto, as chances de um candidato conservador ser eleito na Califórnia são muito menores do que as chances de um candidato progressista. Será que os progressistas defenderiam cotas e uma lei de "igual oportunidade de acesso" para políticos conservadores na Califórnia?

Similarmente, todas as pessoas podem tentar adentrar uma universidade, pedir um empréstimo bancário ou disputar um determinado emprego. Se todas essas solicitações forem julgadas pelos mesmos critérios, então todos tiveram uma igual oportunidade de acesso. Se aquele sujeito com pouquíssimas qualificações intelectuais não conseguiu o emprego na multinacional ou o ingresso em uma universidade, ou se um sujeito de histórico creditício duvidoso não conseguiu o empréstimo bancário, isso não significa que lhe foi negada a mesma oportunidade de acesso. Simplesmente nunca houve uma igual probabilidade de sucesso.

A 'diversidade' e a 'exclusão social' geram um terceiro lugar comum: 'redistribuição de renda' — ou, sua variável próxima, 'justiça social'.

Aparentemente, todas as pessoas têm direito a receber uma "fatia justa" da prosperidade da sociedade, não importa se elas trabalharam 16 horas por dia para ajudar a criar essa prosperidade ou se não fizeram nada mais do que viver na mendicância ou recorrer ao crime. No final, tudo indica que devemos alguma coisa a estas pessoas pelo simples fato de elas nos agraciarem com sua existência. Tudo indica que elas "têm o direito" de viver à custa dos pagadores de impostos, mesmo que sintamos que poderíamos viver muito bem sem elas.

No outro extremo da escala da renda, os ricos supostamente devem pagar sua "fatia justa" em altos impostos. Mas para nenhum dos dois extremos da escala da renda há uma definição concreta do que é uma "fatia justa". Há um determinado número ou uma proporção exata? Nunca se soube. 'Justiça social' e 'redistribuição de renda' são apenas sinônimos políticos para "mais poder arbitrário para o governo", cuidadosamente adornado por uma retórica sonoramente moralista. 

A intelligentsia vem há décadas promovendo a ideia de que não deve haver nenhum estigma em se aceitar auxílios do governo. Viver à custa dos pagadores de impostos é retratado como um "direito", ou, mais ponderadamente, como parte de um "contrato social".

É claro que você não se lembra de ter assinado qualquer contrato desse tipo, mas tal lugar comum soa poético e pomposo. Ademais, e isso é o que interessa, ele rende muitos votos entre os ingênuos, e este é exatamente o objetivo de políticos que defendem assistencialismo.

Por fim, "acessível" é outro termo popular que substitui toda e qualquer necessidade de pensamento crítico. Dizer que todo mundo tem direito a "moradia acessível" é bem diferente de dizer que todo e qualquer indivíduo deve poder decidir qual tipo de casa quer ter.

Programas governamentais que distribuem "moradias a preços acessíveis" nada mais são do que programas que dão a algumas pessoas o poder de não apenas decidir qual imóvel elas querem ter como também o de obrigar outras pessoas — os pagadores de impostos, os donos dos imóveis etc. — a absorver uma fatia do custo desta decisão, uma decisão da qual elas nunca foram convidadas a participar.

E, ainda assim, a crença de que pessoas que preferem que as decisões econômicas sejam feitas voluntariamente por indivíduos no mercado não são tão compassivas quanto aquelas pessoas que preferem que tais decisões sejam tomadas coletivamente por políticos nunca é vista como uma crença que deveria ser comprovada por fatos.

Mas, por outro lado, isso não é algo recente. A crença na compaixão superior dos políticos é um fenômeno mundial que data ainda do século XVIII. E, em todas as épocas e em todos os locais, nunca houve nenhum esforço genuíno dos progressistas para verificarem se esta pressuposição crucial é sustentada por fatos.

A realidade econômica, no entanto, é que o governo fazer, por meio de decretos, com que várias coisas sejam mais "acessíveis" de modo algum aumenta a quantidade de riqueza na sociedade. Colocar o governo para redistribuir propriedade e determinar seu "valor justo" não faz com que a sociedade seja mais rica do que seria caso os preços dos imóveis fossem "proibitivos". Ao contrário: tais políticas, que nada mais são do que controles de preços e redistribuição de propriedade, reduzem os incentivos para se produzir.

Nada do que aqui foi dito é uma ciência obscura e inacessível. Porém, se você é do tipo que jamais se põe a pensar criticamente e se contenta com a mera repetição de lugares comuns, então não importa se você é um gênio ou um deficiente mental. Palavras fáceis que impedem as pessoas de pensar criticamente reduzem até mesmo o mais reconhecido gênio ao nível de um completo idiota.


Thomas Sowell , um dos mais influentes economistas americanos, é membro sênior da Hoover Institution da Universidade de Stanford.  Seu website: www.tsowell.com.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

NOTÍCIAS ATRASSADAS

Um dos princípios mais básicos da ciência histórica é que a divulgação dos fatos produz novos fatos. Quem tem nas mãos o poder de divulgar não resistirá por muito tempo à tentação de controlar o teor dos fatos divulgados para dirigir, por esse meio, a produção dos fatos subseqüentes.


Meses atrás citei aqui o livro chinês dos Trinta e Seis Estratagemas, que me permito repetir: “Todo fenômeno é no começo um germe, depois termina por se tornar uma realidade que todo mundo pode constatar. O sábio pensa no longo prazo. Eis por que ele presta muita atenção aos germes. A maioria dos homens tem a visão curta. Espera que o problema se torne evidente, para só então atacá-lo.”

Sim, a visão da maioria é naturalmente curta, mas hoje em dia existem instrumentos aprimorados e eficientíssimos para encurtá-la mais ainda. O principal deles é, sem a menor dúvida, a autoridade da grande mídia. Se você espera que os fatos estourem nas manchetes ou sejam alardeados no noticiário das oito, fique ciente de que isso só acontecerá quando tiverem crescido até dimensões catastróficas e já nada se puder fazer para escapar às suas conseqüências. Por desgraça, deixar sob suspeita qualquer informação até que apareça no New York Times ou na CNN é considerado, nos círculos bem-pensantes, uma prova de realismo e de maturidade, quase uma obrigação moral. O resultado é invariavelmente patético: faz apenas uns dias que aquelas respeitabilíssimas instituições noticiaram pela primeira vez o escândalo de Benghazi, do qual os observadores atentos já sabiam desde vários meses: a secretária de Estado Hillary Clinton bloqueou qualquer ação militar em defesa dos funcionários americanos da Embaixada na Líbia atacados por terroristas em 11 de setembro de 2012, depois maquiou os relatórios do serviço secreto para negar que tivesse havido alguma operação terrorista e lançar a culpa de tudo num ridículo filminho do Youtube.

Os grandes jornais e canais de TV da América também noticiaram esta semana a condenação do médico Kermit Gosnell à prisão perpétua, por matar bebês que haviam escapado vivos de operações de aborto. Pintaram o doutor com cores repugnantes que bem o retratam, mas enfatizaram de tal modo a feiúra do personagem que acabaram por deixar no leitor a impressão de que se tratava de um caso excepcional, de uma anomalia isolada. No entanto, quem raspe a superfície do noticiário descobrirá não só que crimes do mesmo tipo são prática comum em muitas clínicas de aborto, mas que a Planned Parenthood, o mais poderoso lobbyabortista dos EUA, os defende e ensina, discretamente mas não em total segredo, como procedimentos normais e até éticos (v. http://www.wnd.com/2013/05/more-horror-babies-heads-twisted-off-neck/?cat_orig=health). Quantos Kermits Gosnells beneficiaram-se assim da circunstância feliz de que um só pagou por todos, encobrindo os demais sob a proteção do noticiário deformado?

Mutatis mutandis, até hoje a grande mídia americana não pensou em investigar por que raios o governo Obama autorizou, sem razão plausível e contra as mais óbvias precauções de segurança, que fossem divulgados os nomes dos soldados que participaram do cerco a Bin Laden, propiciando assim que fossem localizados e assassinados, e depois ainda montou um simulacro cínico de homenagem póstuma, proibindo que o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo fosse mencionado na oração fúnebre e encarregando de pronunciá-la um religioso muçulmano – sim, logo um muçulmano – que se incumbiu singelamente de cuspir na memória dos heróis, chamando-os, alto e bom som, de “infiéis a Allah”. Significativamente, na mesma semana o Pentágono anunciou, com ares de quem não dissesse nada de mais, que qualquer soldado que abra o bico para falar da religião cristã numa instalação militar poderá ser submetido a côrte marcial.

É verdade que, quase ao mesmo tempo, todos os órgãos da mídia elegante informaram honestamente ao público que, durante a campanha eleitoral de 2012, o governo usou da Receita Federal (Internal Revenue) para investigar, pressionar e atemorizar organizações conservadoras, especialmente ligadas ao Tea Party. Depoimentos de pessoas que sofreram esse tipo de pressão já circulavam na internet fazia tempo, sem que ninguém nos altos círculos jornalísticos se lembrasse de mandar um repórter entrevistá-las para tirar o caso a limpo. Por que então de repente, e só agora, o episódio se tornou digno de figurar nas manchetes? Foi só porque o próprio governo, temendo investigações e um escândalo maior ainda, se encarregou de confessar o delito, na esperança de que as vítimas se contentassem com um pedido de desculpas e deixassem o assunto morrer (o que não aconteceu). O cérebro da massa leitora e telespectadora pode ser, o quanto se queira, letárgico de nascença, mas decerto ele se tornaria um pouco mais esperto se o aparato inteiro da mídia moderna não se encarregasse de mantê-lo sob anestesia até o momento em que despertá-lo já não pareça implicar maiores riscos para os queridinhos da elite jornalística.

Em princípio, e por sua mais alta vocação, o jornalismo é o irmão menor da ciência histórica. Seus métodos são os mesmos – coleta de documentos e testemunhos, avaliação, interpretação, confronto de hipóteses e redação das conclusões --, apenas praticados em diferentes escalas de tempo e de exigência crítica.

Mas, além do dever nominal de informar, a mídia tem também outras funções. Um dos princípios mais básicos da ciência histórica é que a divulgação dos fatos produz novos fatos. Quem tem nas mãos o poder de divulgar não resistirá por muito tempo à tentação de controlar o teor dos fatos divulgados para dirigir, por esse meio, a produção dos fatos subseqüentes. A transformação geral da grande mídia em instrumento de controle e de engenharia social é, ela própria, um desses fatos geradores, e decerto o mais decisivo das últimas décadas. Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.


LUGARES COMUNS QUE SUBSTIUEM O RACIOCÍNIO CRÍTICO

Se algum dia criarem um concurso para aquelas palavras que se passam por pensamento profundo e crítico, "diversidade" e "pluralidade" facilmente iriam para a final e teriam um embate duríssimo.

A beleza destas duas palavras mágicas e encantadoras é que você não necessita de nenhuma nódoa de evidência e de nenhum processo de encadeamento lógico quando você quer recitar rapsódias sobre os supostos benefícios da diversidade e do pluralismo. A própria ideia de querer testar estes belos termos em relação a algo tão feio quanto a realidade é em si vista como um ato sórdido.

Diversidade e pluralidade são termos que, justamente por englobarem de tudo, dispensam seus promovedores de explicar especificamente o que defendem. Há diversidade e pluralidade de gênero, de cor, de preferências sexuais, de renda, de inteligência, de etnia etc. Sendo assim, perguntar se aquelas instituições que promovem a diversidade 24 horas por dia e sete dias por semanas apresentam melhores resultados do que as instituições que não dão a mínima para estes "pré-requisitos" fará apenas com que você seja visto como um reacionário insensível, malicioso, racista, misógino e homofóbico. 

Citar evidências empíricas que mostram que aquelas localidades obcecadas com pluralidade e diversidade geram relações ruins entre as pessoas forçadas a conviver sob o mesmo ambiente é se arriscar a ser rotulado e marginalizado. O livre pensamento e a liberdade de expressão não são livres.

A moda agora ao redor do mundo é afirmar que os governos devem promover a diversidade e a pluralidade — o que na prática significa que alguns grupos organizados têm mais direitos do que outros, o que por sua vez significa a abolição da ideia de "igualdade perante a lei".

Neste cenário, algumas perguntas se fazem necessárias. Como é possível que um país racialmente homogêneo como o Japão consiga apresentar uma educação de alta qualidade sem ter de recorrer ao essencial ingrediente da diversidade e do pluralismo, uma necessidade "premente" segundo os sociólogos da atualidade?

Inversamente, por que a Índia, uma das mais plurais e diversas nações da terra, apresenta um histórico de intolerância e de violência letal entre seus diversos grupos de pessoas pior do que aquele observado no sul dos EUA durante a vigência da segregação racial?

O simples ato de fazer tais perguntas já é garantia de ser acusado de recorrer a táticas desonestas e de possuir motivações torpes demais para serem dignificadas com uma resposta. Não que os genuínos defensores da pluralidade tenham alguma resposta, é claro.

Dentre os candidatos que disputam a segunda colocação no torneio dos lugares comuns que tornam o pensamento algo obsoleto está o termo "socialmente excluído" e todas as suas variáveis.

Pessoas que não se encaixam nos pré-requisitos básicos exigidos por determinados objetivos e funções, desde admissão em uma universidade a um empréstimo bancário, passando por empregos em cargos que exigem diversas habilidades, são tidas como pessoas socialmente excluídas cuja ascensão social lhes foi "negada pela sociedade". Donde surgem as desculpas de que tais pessoas estão moralmente eximidas de seguirem uma vida pautada pelas mesmas regras aplicáveis ao restante da população — como, por exemplo, não recorrerem à criminalidade.

Tanto o 'pluralismo' quanto a 'exclusão social' devem ser corrigidos por políticas públicas, como por exemplo as cotas. Segundo os teóricos, tais políticas equalizariam as "oportunidades de acesso". O problema é que os defensores dessa tese sempre refugam quando instados a explicar por que uma igual oportunidade de acesso seria sinônimo de igual probabilidade de sucesso.

Há um exemplo interessante disso na própria política. Peguemos um estado americano conhecido mundialmente: a Califórnia. Trata-se de um estado majoritariamente progressista. Neste estado, eleitores conservadores e eleitores progressistas têm exatamente a mesma oportunidade de votar. No entanto, as chances de um candidato conservador ser eleito na Califórnia são muito menores do que as chances de um candidato progressista. Será que os progressistas defenderiam cotas e uma lei de "igual oportunidade de acesso" para políticos conservadores na Califórnia?

Similarmente, todas as pessoas podem tentar adentrar uma universidade, pedir um empréstimo bancário ou disputar um determinado emprego. Se todas essas solicitações forem julgadas pelos mesmos critérios, então todos tiveram uma igual oportunidade de acesso. Se aquele sujeito com pouquíssimas qualificações intelectuais não conseguiu o emprego na multinacional ou o ingresso em uma universidade, ou se um sujeito de histórico creditício duvidoso não conseguiu o empréstimo bancário, isso não significa que lhe foi negada a mesma oportunidade de acesso. Simplesmente nunca houve uma igual probabilidade de sucesso.

A 'diversidade' e a 'exclusão social' geram um terceiro lugar comum: 'redistribuição de renda' — ou, sua variável próxima, 'justiça social'.

Aparentemente, todas as pessoas têm direito a receber uma "fatia justa" da prosperidade da sociedade, não importa se elas trabalharam 16 horas por dia para ajudar a criar essa prosperidade ou se não fizeram nada mais do que viver na mendicância ou recorrer ao crime. No final, tudo indica que devemos alguma coisa a estas pessoas pelo simples fato de elas nos agraciarem com sua existência. Tudo indica que elas "têm o direito" de viver à custa dos pagadores de impostos, mesmo que sintamos que poderíamos viver muito bem sem elas.

No outro extremo da escala da renda, os ricos supostamente devem pagar sua "fatia justa" em altos impostos. Mas para nenhum dos dois extremos da escala da renda há uma definição concreta do que é uma "fatia justa". Há um determinado número ou uma proporção exata? Nunca se soube. 'Justiça social' e 'redistribuição de renda' são apenas sinônimos políticos para "mais poder arbitrário para o governo", cuidadosamente adornado por uma retórica sonoramente moralista. 

A intelligentsia vem há décadas promovendo a ideia de que não deve haver nenhum estigma em se aceitar auxílios do governo. Viver à custa dos pagadores de impostos é retratado como um "direito", ou, mais ponderadamente, como parte de um "contrato social".

É claro que você não se lembra de ter assinado qualquer contrato desse tipo, mas tal lugar comum soa poético e pomposo. Ademais, e isso é o que interessa, ele rende muitos votos entre os ingênuos, e este é exatamente o objetivo de políticos que defendem assistencialismo.

Por fim, "acessível" é outro termo popular que substitui toda e qualquer necessidade de pensamento crítico. Dizer que todo mundo tem direito a "moradia acessível" é bem diferente de dizer que todo e qualquer indivíduo deve poder decidir qual tipo de casa quer ter.

Programas governamentais que distribuem "moradias a preços acessíveis" nada mais são do que programas que dão a algumas pessoas o poder de não apenas decidir qual imóvel elas querem ter como também o de obrigar outras pessoas — os pagadores de impostos, os donos dos imóveis etc. — a absorver uma fatia do custo desta decisão, uma decisão da qual elas nunca foram convidadas a participar.

E, ainda assim, a crença de que pessoas que preferem que as decisões econômicas sejam feitas voluntariamente por indivíduos no mercado não são tão compassivas quanto aquelas pessoas que preferem que tais decisões sejam tomadas coletivamente por políticos nunca é vista como uma crença que deveria ser comprovada por fatos.

Mas, por outro lado, isso não é algo recente. A crença na compaixão superior dos políticos é um fenômeno mundial que data ainda do século XVIII. E, em todas as épocas e em todos os locais, nunca houve nenhum esforço genuíno dos progressistas para verificarem se esta pressuposição crucial é sustentada por fatos.

A realidade econômica, no entanto, é que o governo fazer, por meio de decretos, com que várias coisas sejam mais "acessíveis" de modo algum aumenta a quantidade de riqueza na sociedade. Colocar o governo para redistribuir propriedade e determinar seu "valor justo" não faz com que a sociedade seja mais rica do que seria caso os preços dos imóveis fossem "proibitivos". Ao contrário: tais políticas, que nada mais são do que controles de preços e redistribuição de propriedade, reduzem os incentivos para se produzir.

Nada do que aqui foi dito é uma ciência obscura e inacessível. Porém, se você é do tipo que jamais se põe a pensar criticamente e se contenta com a mera repetição de lugares comuns, então não importa se você é um gênio ou um deficiente mental. Palavras fáceis que impedem as pessoas de pensar criticamente reduzem até mesmo o mais reconhecido gênio ao nível de um completo idiota.

Thomas Sowell , um dos mais influentes economistas americanos, é membro sênior da Hoover Institution da Universidade de Stanford.  Seu website: www.tsowell.com.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

A HIPERINFLAÇÃO MAIS NEGLIGENCIADA DA HISTÓRIA

Ao contrário do que afirma a maioria dos historiadores, a hiperinflação ocorrida na Alemanha no período 1922-23, na qual a taxa mensal de inflação de preços chegou a um pico de 29.500% no mês de outubro de 1923, não foi a mais alta da história. 

A maior taxa de hiperinflação mensal da história foi registrada na Hungria, em julho de 1946, e foi 12 ordens de magnitude maior do que esta apresentada pela República de Weimar: 41.900.000.000.000.000% (quase 42 quatrilhões por cento). Para se ter uma ideia mais exata, isso representa uma taxa de inflação diáriade 207%, o que significa que os preços dobravam a cada 15 horas.

Como sempre ocorre com vários dados econômicos e financeiros, esse histórico húngaro simplesmente foi relegado àquilo que George Orwell chamou de "buraco da memória".

O que nos remete a um outro caso de hiperinflação que também foi muito mais virulento do que o sempre citado episódio de Weimar, mas que infelizmente já foi quase que completamente esquecido. Tal episódio ocorreu na Iugoslávia durante a década de 1990 e simplesmente não ficou registrado na consciência do público. Na condição de conselheiro do vice-presidente da Iugoslávia Živko Pregl, de 1990 a junho de 1991, eu havia alertado sobre a iminência deste fenômeno. E foi sem nenhuma surpresa que registrei os eventos decorrentes.

Como tudo ocorreu? De 1971 a 1991, a taxa média de inflação anual da Iugoslávia foi de 76%. Durante este mesmo período, apenas Zaire, Argentina e Brasil superaram esta pavorosa marca. Mas as coisas pioraram — e muito. No dia 7 de janeiro de 1991, o governo federal do primeiro-ministro Ante Markovic descobriu que o parlamento sérvio, sob o controle de Slobodan Milosevic, havia secretamente ordenado ao Banco Nacional Sérvio (um banco central regional) que emitisse dinares equivalentes a US$1,4 bilhão para financiar os amigos de Milosevic.

Esta pilhagem ilegal equivalia a mais da metade de todo o dinheiro que o Banco Nacional da Iugoslávia pretendia criar em 1991. Este golpe sabotou os já hesitantes planos de reforma econômica do governo Markovic, e solidificou a determinação dos líderes da Croácia e da Eslovênia de se separar da República Federal Socialista da Iugoslávia.

Sem os croatas e os eslovenos para espoliar, Milosevic recorreu diretamente à impressora do banco central. E com fúria. Começando em janeiro de 1992, o que restou da Iugoslávia sofreu a segunda maior e a segunda mais longa hiperinflação da história mundial.

A inflação de preços chegou ao ápice em janeiro de 1994, quando a taxa mensal de inflação foi de 313 milhões por cento — quatro ordens de magnitude maior que a hiperinflação de Weimar, mas bem abaixo do recorde húngaro. Uma inflação de preços desta magnitude representa uma taxa diária de 64,6%, o que significa que os preços dobravam a cada 34 horas. 

A hiperinflação iugoslava durou 24 meses, apenas dois meses mais curta do que a hiperinflação soviética do início da década de 1920.

Os resultados foram devastadores. Muito antes da OTAN bombardear a Iugoslávia em 1999, a insensatez monetária de Milosevic já havia destruído a economia. Arruíne uma economia e então comece uma guerra: um antiquíssimo truque de preservação do poder.

Durante o período de 24 meses de hiperinflação, a renda per capita da população despencou mais de 50%. Os cidadãos comuns foram forçados a utilizar e exaurir toda a poupança que mantinham em outras moedas mais fortes. Tendo exaurido essa poupança, as pessoas não mais conseguiam comprar comida no mercado negro (no caso, o livre mercado). Para não morrerem de fome, elas se alinhavam em enormes filas à porta de mercearias estatais à espera de rações de baixa qualidade que eram ofertadas irregularmente. Os mais sortudos recorriam a alguns parentes que viviam no interior do país.

Todos os postos de gasolina de Belgrado ficaram fechados por um longo tempo, com a exceção de um único posto que atendia exclusivamente estrangeiros e funcionários das embaixadas. A população acabou sendo obrigado a, diariamente, gastar uma enorme quantidade de tempo no mercado negro de câmbio, que era a única maneira de conseguir alguma moeda forte com a qual comprar alimentos no mercado paralelo. Era comum trocaram enormes pilhas de dinares praticamente inúteis por uma única cédula de marco alemão ou dólar americano.

Naquilo que se tornou um procedimento padrão de chefes de estado belicosos e sob pressão, Milosevic afirmou que os iugoslavos estavam sendo vítimas de influências externas. Sua tese era a de que a hiperinflação e as subsequentes privações haviam sido causadas pelos embargos impostos pelas Nações Unidas em maio de 1992 e abril de 1993.

Na realidade, a máquina de criar dinheiro de Milosevic foi colocada em rotação máxima para financiar sua máquina de guerra e sua limpeza étnica. Mais de 80% do orçamento da Iugoslávia era destinado às forças armadas e à polícia. Em dezembro de 1993, quase 95% de todos os gastos do governo eram financiados diretamente pela simples impressão de dinares.

A orgia monetária da Iugoslávia só foi interrompida porque a Casa da Moeda simplesmente não mais conseguiu acompanhar a demanda de Milosevic por mais dinheiro. A hiperinflação estava transformando cédulas de 500 bilhões de dinares em meros trocados antes de a tinta das cédulas secar. Felizmente, a capacidade produtiva da impressora se esgotou, e as autoridades não mais conseguiram manter o ritmo das impressões.

No dia 6 de janeiro de 1994, o dinar oficialmente entrou em colapso. O governo então criou um pseudo-Currency Board tendo o marco alemão como moeda de reserva. De início, o sistema funcionou. A inflação caiu de 312 milhões por cento em janeiro para 2.143% em fevereiro e para -6,2% em março. Porém, já no final de 1995, todas as brechas deste pseudo-Currency Board já estavam visíveis para todos, e a inflação voltou. O dinar foi desvalorizado em 62,6% em novembro daquele ano e depois em 57,9% em abril de 1998. E então o câmbio passou a flutuar. Após a guerra do Kosovo e com a saída de Milosevic, e com a eleição de um novo presidente em 2000, as coisas se estabilizaram.

Para ilustrar esta horrenda história, nada mais eficaz do que observar as devastadoras desvalorizações que repetidamente dizimaram o dinar. Entre 1º de janeiro de 1991 e 1º de abril de 1998, o dinar foi oficialmente desvalorizado 18 vezes. Dentre essas 18 vezes, em três ocasiões a desvalorização excedeu 99,99%. Ao todo, nada menos que 22 zeros foram cortados da unidade de conta.

Para se ter uma ideia do impacto sobre a população local, pense no atual valor da sua conta bancária e então desloque a vírgula 22 casas decimais para a esquerda. Agora tente comprar algo com esse valor.

Por: Steve Hanke é professor de Economia Aplicada e co-diretor do Institute for Applied Economics, Global Health, and the Study of Business Enterprise da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, EUA. O Professor Hanke também é membro sênior do Cato Institute em Washington, D.C.; professor eminente da Universitas Pelita Harapan em Jacarta, Indonésia; conselheiro sênior do Instituto Internacional de Pesquisa Monetária da Universidade da China, em Pequim; conselheiro especial do Center for Financial Stability, de Nova York; membro do Comitê Consultivo Internacional do Banco Central do Kuwait; membro do Conselho Consultivo Financeiro dos Emirados Árabes Unidos; e articulista da Revista Globe Asia.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

RIQUEZA É FELICIDADE

Ah, o reino do Butão. Toda a gente conhece: é o país mais feliz do mundo, dizem os sábios. Tudo porque o tiranete local, em 1972, decidiu renunciar ao "Produto Interno Bruto" (que era, digamos, típico de brutos) e passou a calcular a riqueza com a "Felicidade Interna Bruta". Mais importante que a riqueza criada era a sensação de bem-estar dos respectivos súditos.


E esse bem-estar não está dependente de coisas filistinas como o consumo e o vil metal. Riqueza não traz felicidade. Nem sequer paga o que ela gasta, como dizia o saudoso Millôr Fernandes.

A fantasia ficou. E, na mesma década de 1970, o economista Richard Easterlin deu tratamento científico (e empírico) ao fenômeno.

Dizia Easterlin que a riqueza de um país não garante necessariamente felicidade ao seu povo. Isso porque o bem-estar é determinado pelo rendimento relativo, não absoluto. Tradução: sempre que o meu vizinho enriquece, eu gemo um bocadinho.

O país pode ficar cada vez mais rico. Mas isso só irá trazer frustração cada vez maior também. Em termos absolutos (e comparativos), um norueguês não é mais feliz que um etíope.

Nunca comprei o "paradoxo de Easterlin". Muito menos a "Felicidade Interna Bruta" do reino do Butão. Não por motivos "científicos". A minha desconfiança era meramente intuitiva: entre a Etiópia ou a Noruega, eu não hesitaria na escolha.

Pois bem: parece que a ciência vem ao encontro das minhas intuições. O analista financeiro Allister Heath revela no "Telegraph" dois estudos recentes que apontam no mesmo sentido: o "paradoxo de Easterlin" está errado. Riqueza, afinal, é felicidade.

Fui ler os dois estudos. Recomendo.

O primeiro, da Universidade da Pennsylvania, analisou dados de 140 países e chegou a três conclusões.

Primeira: os mais ricos de um país têm maiores níveis de satisfação do que os mais pobres.

Segunda: países com maior PIB per capita apresentam níveis de satisfação maiores do que países com riqueza mais modesta.

Terceira: o nível de satisfação de um povo cresce na exata proporção do seu processo de enriquecimento. E uma subida de 20% no rendimento de um indivíduo que recebe US$ 500 tem o mesmo impacto hedônico que uma subida similar naquele que recebe US$ 5.000. Podemos gemer de inveja com a Mercedes do vizinho. Gememos menos se tivermos uma Volkswagen.

Ruut Veenhoven e Floris Vergunst, por sua vez, introduzem uma observação adicional --e qualitativa: sim, o bem-estar aumenta com a riqueza de um país. Mas esse bem-estar aumenta consideravelmente nos países em que a riqueza aumenta também consideravelmente.

Moral da história?

Chega de paternalismo autoritário e romântico: da próxima vez que alguém disser que riqueza não traz felicidade, o melhor é convidar esse sábio a ir morar para o reino do Butão. E sem Volkswagen. João Pereira Coutinho  Folha de SP

O PT NÃO GOSTA DE DEMOCRACIA

O PT não gosta da democracia. E não é de hoje. Desde sua fundação foi predominante no partido a concepção de que a democracia não passava de mero instrumento para a tomada do poder. Deve ser recordado que o partido votou contra a aprovação da Constituição de 1988 – e alguns dos seus parlamentares não queriam sequer assinar a Carta. Depois, com a conquista das primeiras prefeituras, a democracia passou a significar a possibilidade de ter acesso aos orçamentos municipais. E o PT usou e abusou do dinheiro público, organizando eficazes esquemas de corrupção. O caso mais conhecido – e sombrio – foi o de Santo André, no ABC paulista. Lá montaram um esquema de caixa 2 que serviu, inclusive, para ajudar a financiar a campanha presidencial de Lula em 2002. Deve ser recordado, que auxiliares do prefeito Celso Daniel, assassinado em condições não esclarecidas, hoje ocupam posições importantíssimas no governo (como Gilberto Carvalho e Míriam Belchior).


Antes da vitória eleitoral de 2002, os petistas já gozavam das benesses do capitalismo, controlando fundos de pensão de empresas e bancos estatais; e tendo participação no conselho gestor do milionário Fundo de Amparo ao Trabalhador. Os cifrões foram cada vez mais sendo determinantes para o PT. Mesmo assim, consideravam que a “corrupção companheira” tinha o papel de enfrentar o “poder burguês” e era o único meio de vencê-lo. Em outras palavras, continuavam a menosprezar a democracia e suas instâncias.

Chegaram ao poder em janeiro de 2003. Buscaram uma aliança com o que, no passado, era chamado de burguesia nacional. Mas não tinham mudado em nada sua forma de ação. Basta recordar que ocuparam mais de 20 mil cargos de confiança para o partido. E da noite para o dia teve um enorme crescimento da arrecadação partidária com o desconto obrigatório dos salários dos assessores. Foi a forma petista, muito peculiar, de financiamento público, mas só para o PT, claro.

Não satisfeitos, a liderança partidária – com a ativa participação do presidente Lula – organizou o esquema do mensalão, de compra de uma maioria parlamentar na Câmara dos Deputados. Afinal, para um partido que nunca gostou da democracia era desnecessário buscar o debate. Sendo coerente, através do mensalão foi governando tranquilamente e aprovando tudo o que era do seu interesse.

O exercício do governo permitiu ao PT ter contato com os velhos oligarcas, que também, tão qual os petistas, nunca tiveram qualquer afinidade com a democracia. São aqueles políticos que se locupletaram no exercício de funções públicas e que sempre se colocaram frontalmente contrários ao pleno funcionamento do Estado democrático de Direito. A maior parte deles, inclusive, foram fieis aliados do regime militar. Houve então a fusão diabólica do marxismo cheirando a naftalina com o reacionarismo oligárquico. Rapidamente viram que eram almas gêmeas. E deste enlace nasceu o atual bloco anti-democrático e que pretende se perpetuar para todo o sempre.

As manifestações de desprezo à democracia, só neste ano, foram muito preocupantes. E não foram acidentais. Muito pelo contrário. Seguiram e seguem um plano desenhado pela liderança petista – e ainda com as digitais do sentenciado José Dirceu. Quando Gilberto Carvalho disse, às vésperas do Natal do ano passado, que em 2013 o bicho ia pegar, não era simplesmente uma frase vulgar. Não. O ex-seminarista publicizava a ordem de que qualquer opositor deveria ser destruído. Não importava se fosse um simples cidadão ou algum poder do Estado. Os stalinistas não fazem distinção. Para eles, quem seu opõem às suas determinações, não é adversário, mas inimigo e com esse não se convive, se elimina.

As humilhações sofridas por Yoani Sánchez foram somente o começo. Logo iniciaram a desmoralização do Supremo Tribunal Federal. Atacaram violentamente Joaquim Barbosa e depois centraram fogo no ministro Luiz Fux. Não se conformaram com as condenações. Afinal, o PT está acostumado com os tribunais stalinistas ou com seus homólogos cubanos. E mais, a condenação de Dirceu como quadrilheiro – era o chefe, de acordo com o STF – e corrupto foi considerado uma provocação para o projeto de poder petista. Onde já se viu um tribunal condenar com base em provas, transmitindo ao vivo às sessões e com amplo direito de defesa? Na União Soviética não era assim. Em Cuba não é assim. E farão de tudo – e de tudo para o PT tem um significado o mais amplo possível – para impedir que as condenações sejam cumpridas.

Assim, não foi um ato impensado, de um obscuro deputado, a apresentação de um projeto com o objetivo de emparedar o STF. Absolutamente não. A inspiração foi o artigo 96 da Constituição de 1937, imposta pela ditadura do Estado Novo, honrando a tradição anti-democrática do PT. E o mais grave foi que a Comissão de Constituição e Justiça que aprovou a proposta tem a participação de dois condenados no mensalão e de um procurado pela Interpol, com ordem de prisão em mais de cem países.

A tentativa de criar dificuldades ao surgimento de novos partidos (com reflexos no tempo de rádio e televisão para a próxima eleição) faz parte da mesma estratégia. É a versão macunaímica do bolivarianismo presente na Venezuela, Equador e Bolívia. E os próximos passos deverão ser o controle popular do Judiciário e o controle (os petistas adoram controlar) social da mídia, ambos impostos na Argentina.

O PT tem plena consciência que sua permanência no poder exigirá explicitar cada vez mais sua veia anti-democrática.

Marco Antonio Villa é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (SP)

APEQUENANDO O FUTURO

Um ministério macro, com 39 membros, é o triste retrato de uma política micro, que vai apequenando o futuro de nosso país

Interrogado por jornalista sobre a nomeação do vice-governador de São Paulo para ministro da Micro e Pequena Empresa, respondi que não me parecia houvesse o impedimento que se alega, tendo em vista que ele não é titular de cargo nem exerce função, aliás, nem tem função a exercer; não passa de mera expectativa do poder. Havendo impedimento do presidente (doença, viagem ao exterior) o vice é chamado a assumir a presidência transitoriamente; ocorrendo a vacatura da presidência (renúncia, morte) o, até então, vice assume a presidência como tal até o fim do mandato. Houve tempo em que o vice-presidente presidia o Senado, embora não fosse senador. A propósito, houve entre nós episódio ilustrativo que está na memória de todos. Impedido de assumir a presidência da República, por uma crise que levou o presidente eleito Tancredo Neves a ser hospitalizado e operado na véspera da posse, o vice-presidente José Sarney assumiu a presidência enquanto perdurasse o impedimento do presidente e vindo esse a falecer, o vice-presidente, sem solução de continuidade, deixou de ser vice no exercício da presidência para passar a ser o presidente, em caráter definitivo. Aliás, mutatis mutandis foi o que aconteceu quando do impeachment do presidente Collor e que com seu afastamento Itamar Franco assumiu a presidência por ser o vice-presidente, mas decretado o impeachment com a vacância presidencial passou ele a condição de presidente e exerceu-a até o derradeiro dia do mandato. De modo que me parece simples a situação do atual secretário com galas de Ministro da Micro e Pequena Empresa, em caso de impedimento do atual governador do Estado de São Paulo ou de vacância do cargo, ao atual ministro caberá escolher o rumo e conforme for ele terá de deixar de ser o 39º Ministro da República, ou deixar de ser o vice-governador de seu Estado.

Existe até um precedente. Na fase crepuscular do segundo governo Vargas, curiosamente, o chefe de governo voltou os olhos para o início de seu governo e nele divisou o governador José Américo, que fora Ministro da Viação de 1930 a 1934; passados vinte anos, em 1953, sendo governador da Paraíba, nomeado outra vez, no ministério permaneceu até 1954; ocorrendo então o termo do governo Vargas nas circunstâncias conhecidas, José Américo retornou ao governo do seu Estado. Estas lembranças podem ser interessantes, mas não irrelevantes para a situação.

O caso estava anunciado fazia muito, agora ele está consumado. O vice-governador do Estado de São Paulo foi nomeado secretário de Micro e Pequena Empresa, com status do ministro; com isso a senhora presidente acumula mais um elo no extenso rosário de legendas que lhe dão apoio parlamentar, 17 ou 18, salvo engano, e adiciona o que realmente importa, 1 minuto e 39 segundos ao tempo de televisão quando da campanha eleitoral da reeleição. Tudo sob a luz da maior publicidade.

O que me parece relevante é que o provimento de um cargo de ministro da República seja utilizado como moeda de troca, usado por titular do poder Executivo para contar com o apoio de mais um partido e o conforto que lhe possa dar o 18º elo de uma cadeia jamais vista em nosso país e suponho seja qualquer outro.

Este é o efeito da reeleição. Na segunda metade do primeiro ano, a senhora presidente deixa de ser a presidente de todos os brasileiros, para ser a candidata da maioria ou não do eleitorado, usando e abusando dos imensos poderes da presidência, para permanecer na chefia do Estado, a todo o preço, sem excluir o diabo, se é que o diabo tem preço.

Um ministério macro, com 39 membros, é o triste retrato de uma política micro, que vai apequenando o futuro de nosso país. Por: Paulo Brossard Zero Hora

terça-feira, 14 de maio de 2013

IMPOSTOS SOBRE O CONSUMO NÃO SUBSTITUEM A TIRANIA DOS IMPOSTOS SOBRE A RENDA

Embora todos os meses tenhamos de lidar com o monstro "retendo na fonte" uma considerável fatia da nossa renda, é no final do mês de abril que o imposto de renda se torna uma forma de espoliação ainda mais explícita e ainda mais insultuosa para o cidadão, que é obrigado a entregar ao governo — tal qual um cidadão da Alemanha Oriental perante o STASI — um relato minucioso de todas as suas movimentações e fontes de renda. 

A declaração do imposto de renda tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica é um exercício que mostra perfeitamente por que somos duplamente escravos do governo: além de termos de entregar parte da nossa renda para os burocratas, o governo ainda nos força a fazer todo o trabalho de declaração gratuitamente, sob ameaça de encarceramento caso algum detalhe seja esquecido.

Exatamente por isso, é compreensível que alguns economistas pró-livre mercado defendam a abolição de todas as formas de imposto sobre a renda, substituindo essa modalidade de espoliação por um imposto sobre o consumo, algo supostamente menos tirânico. Afinal, com um imposto sobre o consumo, diz o argumento, você pelo menos pode evitar a tributação: basta não consumir determinado produto.

Recentemente, fui perguntado por um jornalista sobre essa questão de uma alternativa aos impostos sobre a renda. Eis a minha resposta.

A alternância de impostos é um dos truques favoritos do governo. Sendo assim, economistas que defendem esta política estão atuando exatamente como o governo deseja. 

Quando incorre neste engodo, o governo se utiliza do prospecto de reduzir um determinado tipo de imposto para ganhar apoio popular para elevar outro tipo de imposto. Frequentemente, ele reduz alguns impostos sobre o consumo com o intuito de elevar outros impostos sobre a renda do cidadão e a receita das empresas [no Brasil, há o truque de reduzir o IPI, a CIDE e o IOF e elevar a COFINS e a CSLL]. Mas há também exemplos da medida inversa: uma redução de impostos sobre a renda do cidadão e a receita das empresas e uma subsequente elevação de impostos que incidem sobre o valor final dos bens de consumo. [Como quando o governo concede uma redução da contribuição para o INSS, ou uma redução das alíquotas do imposto de renda de pessoa jurídica ou alguma outra isenção fiscal para um determinado setor em troca de um aumento do IPI e da CIDE em outros setores].

O segredo para entender o real objetivo desta trapaça é saber que o governo está sempre atrás de mais dinheiro, e ele irá conseguir este dinheiro adicional de um jeito ou de outro. Fazer um zigue-zague entre um método e outro não altera a realidade. Mas é indiscutivelmente um método que pode enganar os mais tolos. E pode também arrancar uma substancial quantia de dinheiro dos grupos afetados durante o período de transição.

Uma maneira particularmente útil de entender esse processo é imaginando um ladrão que promete que irá parar de arrombar a sua casa pela porta da frente se você deixar aberta a porta dos fundos. Quando o estado promete reduzir a tributação da sua renda em troca de um aumento da tributação do seu consumo, ele está agindo de maneira idêntica a este assaltante. A questão não é o método do assalto, mas sim a quantia auferida pelo roubo.

O argumento dos economistas em prol de os impostos incidirem majoritariamente sobre o consumo em vez de sobre a renda dos indivíduos e das empresas se baseia nestas cinco alegações:

1. O imposto sobre o consumo ao menos é voluntário: só paga quem consome

Embora a afirmação seja verdadeira, o fato é que um imposto sobre o consumo é tão coercivo quanto qualquer outro imposto. Com um imposto sobre a renda, se eu tenho uma receita e não pago o imposto sobre ela, posso ser multado e encarcerado. Com um imposto sobre o consumo, se eu consumir um item tributado e o comerciante não pagar o tributo, ele será multado e encarcerado. Em ambos os casos, um cidadão está sendo punido pelo estado.

É verdade que eu posso optar por não consumir aquele item. Mas, pelo mesmo raciocínio, com um imposto sobre a renda, eu posso optar por não ter renda nenhuma.

O fato é que nada é voluntário se eu não posso me eximir de participar. Não existe esse negócio de 'imposto voluntário'. Se existisse, seria chamado por algum outro nome. [No Brasil, país em que o governo é mais avançado, o termo 'contribuição' já é corriqueiro, o que mostra que a população caiu no engodo do governo].

2. Impostos sobre o consumo não oneram a produção.

Falso. Oneram sim. As empresas — principalmente as pequenas, que operam em ambiente concorrencial — não determinam seus próprios preços, o que significa que elas não podem simplesmente repassar integralmente o imposto sobre o consumo para o consumidor. Se elas pudessem aumentar seus preços sem que isso afetasse seus lucros, elas já teriam feito isso; não seria necessário utilizar a desculpa do imposto para encarecer seus produtos.

Quando o governo impõe um novo tributo sobre os produtos de uma empresa, tudo o mais constante, essa empresa terá de absorver em suas operações o custo deste novo imposto. Desta forma, o imposto sobre o consumo é um imposto sobre a produção, sobre os salários, sobre o investimento, sobre a pesquisa e sobre todos os outros aspectos da vida econômica.

3. O imposto sobre o consumo é mais simples e menos oneroso para ser coletado

Supondo que isso seja verdade, por que isso seria algo bom? Um imposto difícil de ser coletado significa que a tentação para se elevá-lo é menor. No que mais, um imposto sobre o consumo pode ser fácil de ser coletado a uma alíquota de 1%. No entanto, substituir o imposto de renda por um imposto nacional sobre o consumo exigiria uma alíquota acima de 20%. Isso jogaria os mercados no caos e criaria da noite para o dia um mercado paralelo em absolutamente todos os bens e serviços, o que daria ao governo uma perfeita desculpa para aumentar maciçamente seu despotismo e seus controles, o que certamente levaria à imposição de um registro compulsório de informações de transações.

4. Um imposto sobre o consumo não tributa a poupança

No geral, isso é verdade. Mas o governo não tem de assumir para si o papel de incitar a população a um determinado padrão de consumo e de poupança. Isso cabe a cada indivíduo decidir para si próprio. Poupar é ótimo quando tal ato reflete uma preferência individual. O mesmo pode ser dito para o consumo. Mas não há como saber a priori qual deve ser a proporção correta entre poupança e consumo.

E vale a pena refletir o seguinte: o grau em que um imposto sobre o consumo desestimula o consumo é o mesmo em que ele reduz as receitas do governo. Como é que um governo ávido por arrecadação vai lidar com esse paradoxo?

5. O imposto sobre o consumo, quaisquer que sejam seus problemas, ao menos não é progressivo.

Muito barulho é feito com essa questão das alíquotas progressivas do imposto de renda, de modo que vários economistas liberais se dizem a favor de uma alíquota única para o imposto de renda. Mas pense desta forma: você preferiria pagar um imposto de renda com uma alíquota única de 40% ou preferiria tentar encontrar brechas em um sistema que possuísse 20 alíquotas diferentes indo de 1% a 39% (tudo o mais constante)? Se você soubesse que pagaria menos sob um sistema progressivo, é este que você iria preferir.

Os defensores do imposto sobre o consumo, principalmente aqueles que alegam defender o livre mercado, devem urgentemente redirecionar suas energias: esqueçam o método da tributação e concentrem-se no nível da tributação. Adotem aquele princípio geral e universal que diz que, quaisquer que sejam os impostos existentes, eles têm de ser reduzidos. Voltando àquela analogia do assaltante de residências, o sistema ideal é aquele que deixaria todas as portas e janelas completamente lacradas.

Defensores da liberdade e do livre mercado não devem querer reformar impostos. Nossa batalha deve se concentrar na redução — e posterior eliminação — de todos eles, começando pelo imposto de renda. Isso não é nada irrealista. Uma abolição do imposto de renda de pessoa física e jurídica deixaria o governo [do Brasil] com a mesma arrecadação total de 2006. Por acaso o governo era tão intoleravelmente pequeno naquela época?



Lew Rockwell é o presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.


Tradução de Leandro Roque