sábado, 13 de julho de 2013

O BRASILEIRO FOI ÀS RUAS E GOSTOU - MAS CONTINUA SEM ENTENDER NADA


Após mais de duas semanas de protestos diários nas ruas, já é possível fazer uma análise mais acurada das motivações das pessoas envolvidas nas manifestações. 

Até o momento, há dois grupos envolvidos. Um grupo é formado por pessoas que fazem reivindicações as mais diversas e opostas possíveis: há desde libertários pedindo redução de impostos, livre concorrência e desregulamentações a grupos comunistas pedindo a estatização geral do transporte público. Há grupos que fecham estradas pedindo a construção de viadutos, a instalação de lombadas eletrônicas e o barateamento do sistema de transportes, e há grupos que fecham avenidas exigindo maiores salários para professores e médicos, e mais recursos direcionados para a saúde e a educação. Há estudantes universitários pedindo mais bolsas e um maior valor para as bolsas, e há professores universitários querendo que seus salários sejam equiparados aos dos professores das "universidades de ponta". Há alienados que manifestam apenas pelo prazer de segurar um cartaz e gritar refrãos bacanas e há espertalhões que utilizam estes alienados para aumentar o coro em prol de suas reivindicações.

A esmagadora maioria clama pelo "fim da corrupção" e por mais e melhores serviços públicos, o que inclui "transporte público, gratuito e de qualidade", o que é equivalente a um círculo triangular. E, até o momento, a vitória tem estado majoritariamente do lado estatista: os governadores do Rio Grande do Sul (Tarso Genro, do PT) e de Goiás (Marconi Perillo, do PSDB) acabam de anunciar o passe livre estudantil, o que significa que os pobres agora pagarão pelo transporte de universitários. Já o senador Renan Calheiros, ávido por melhorar sua reputação perante a esquerda estudantil, foi ainda mais longe e aprovou em regime de urgência a votação da proposta de passe livre estudantil para simplesmente todo o país. Basta o Senado aprovar e a estrovenga estará implementada. O PLS 248/2013 "assegura gratuidade no sistema de transporte público coletivo local a estudantes do ensino fundamental, médio ou superior regularmente matriculados e com frequência comprovada em instituição pública ou privada."

Antes disso, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado já havia aprovado uma PEC que classifica o transporte como um "direito social".

O outro grupo é formado por arruaceiros — que são formados por marginais oriundos de todas as partes do país — que estão ali apenas pelo prazer de vandalizar e destruir propriedade privada. O ocorrido na quarta-feira passada em Belo Horizonte foi sintomático: várias concessionárias de veículos foram saqueadas, incendiadas e completamente depredadas, levando a uma perda total de estoques. Uma revendedora de motos foi invadida e, não conseguindo roubar as motos, os arruaceiros optaram por incendiá-las nas ruas. (Veja as imagens a partir do marco 2:00). Em Porto Alegre, além de dois prédios públicos, dois prédios residenciais, nove agências bancárias e 21 lojas foram depredadas e saqueadas, e 20 contêineres de lixo foram virados e incendiados. Atos semelhantes ocorreram nas manifestações de todas as capitais do país.

Quanto a este segundo grupo, não há nenhuma controvérsia sobre o que deve ser feito. Dado que o governo existe e dado que ele é uma instituição que detém o monopólio da violência, então sua função precípua é utilizar esta violência para defender o indivíduo e a propriedade privada de ataques violentos. Logo, a polícia deve ser completamente liberada para ministrar punição instantânea a estes arruaceiros. Mas isso não irá ocorrer porque nossa Constituição socialista não considera que danos à propriedade privada sejam crimes sequer dignos de encarceramento. No Brasil, se você vandalizar um carro ou destruir uma agência bancária ou uma concessionária de veículos o máximo que irá lhe ocorrer será a prestação de serviços comunitários ou o pagamento de algumas cestas básicas. Já a depredação de patrimônio público recebe uma punição mais severa e o arruaceiro de fato pode ir para a cadeia. Tal inversão de valores é digna de países de mentalidade coletivista. A devoção à inviolabilidade da pessoa e da propriedade privada não faz parte do nosso sistema de valores.

Os motivos das manifestações

Mas a intenção deste artigo não é se concentrar nos arruaceiros, mas sim nos motivos que levaram as pessoas às ruas para fazer reivindicações. E o fato é que quem acompanha nossos artigos sobre a economia brasileira aqui no IMB não deveria estar surpreso com as reivindicações, mesmo com aquelas que involuntariamente clamam por mais estado. Tudo está ocorrendo exatamente como explica a teoria dos ciclos econômicos.

Há duas grandes motivações que estão levando as pessoas às ruas: uma é de cunho econômico e a outra é de cunho emocional. Só que ambas são interligadas.

O período que vai de 2007 até meados de 2011 foi mágico para a economia brasileira. Mesmo a recessão de 2009 — que foi curta pelos motivos explicados aqui — não abalou em nada a confiança do brasileiro de que o futuro finalmente havia chegado, que o país deixaria de ser uma eterna promessa, e que o gigante finalmente estava desperto. 

Ledo engano. Tudo não passava de um truque possibilitado pela expansão artificial do crédito, algo com o qual o brasileiro ainda não estava acostumado. A expansão artificial do crédito não gera prosperidade, mas sim uma enganosa aparência de pujança.

No nosso atual sistema monetário e bancário, quando uma pessoa ou empresa pega empréstimo, os bancos criam dinheiro do nada (na verdade, meros dígitos eletrônicos), emprestam este dinheiro e cobram juros sobre eles. Ou seja, todo esse processo de expansão de crédito nada mais é do que um mecanismo que aumenta a quantidade de dinheiro na economia. Esse aumento da quantidade de dinheiro na economia faz com que, no primeiro momento, haja uma grande sensação de prosperidade. A renda nominal aumenta, os investimentos aumentam, o consumo aumenta e o desemprego cai.

A sensação vivenciada pelas pessoas durante essa fase de prosperidade artificial é maravilhosa: a renda nominal das pessoas cresce anualmente; investidores se animam ao ver que o valor de suas ações cresce diariamente; as indústrias de bens de consumo conseguem vender tudo que põem no mercado e a preços crescentes; os estoques das empresas são prontamente vendidos; apartamentos são vendidos ainda na planta; novos empreendimentos são continuamente iniciados; carros zero são vendidos aceleradamente; novos restaurantes e novas lojas são inaugurados diariamente; os preços e os lucros sobem mensalmente; trabalhadores encontram empregos a salários nominais cada vez maiores; restaurantes estão sempre cheios e com longas listas de espera apenas para arrumarem uma mesa; trabalhadores e seus sindicatos veem o quão desesperadoramente empresários estão demandando seus serviços em um ambiente de pleno emprego, aumentos salariais e (nos países mais ricos) imigração; líderes políticos se beneficiam daquilo que parece ser uma economia excepcionalmente boa, a qual eles venderão ao eleitorado como resultado direto de sua liderança e de suas boas políticas econômicas; burocratas responsáveis pelo orçamento do governo ficam impressionados ao descobrir que, a cada ano, a receita está aumentando em cifras de dois dígitos.

Porém, tal arranjo não pode durar. Há um enorme descoordenação entre o comportamento dos consumidores e dos investidores. Os consumidores seguem consumindo sem a necessidade de poupar, pois a quantidade de dinheiro na economia aumenta continuamente, o que torna desnecessária qualquer abstenção do consumo. E os investidores seguem aumentando seus investimentos, os quais são totalmente financiados pela criação artificial de dinheiro virtual feita pelos bancos e não pela poupança genuína dos cidadãos. Tal arranjo é completamente instável. Trata-se apenas de uma ilusão de que todos podem obter o que quiserem sem qualquer sacrifício prévio.

No Brasil, os indivíduos intensificaram seu endividamento para poder consumir, na crença de que a expansão do crédito continuaria farta e que sua renda futura continuaria aumentando, o que facilitaria a quitação destas dívidas. Já as empresas embarcaram em investimentos de longo prazo estimuladas tanto pela expansão monetária coordenada pelo Banco Central (o que fez com que os investimentos se tornassem mais financeiramente viáveis) quanto pela expectativa de que o aumento futuro da renda possibilitaria o consumo dos produtos criados pelos seus investimentos. 

No entanto, este aumento do endividamento também trouxe um aumento nos calotes, o que deixou os bancos mais cautelosos em continuarem expandindo o crédito. E os bancos estarem mais cautelosos significa menor expansão da quantidade de dinheiro na economia (como mostram os gráficos deste artigo). Consequentemente, a taxa de crescimento da quantidade de dinheiro na economia brasileira começou a desacelerar, o que levou a uma estagnação da renda nominal das pessoas. Isso fez com que o modelo de crescimento baseado na simples expansão do crédito se esgotasse.

No entanto, os preços continuaram subindo, tanto em decorrência de toda a expansão monetária que já havia ocorrido quanto pela súbita desvalorização da taxa de câmbio ocorrida em 2012 e intensificada agora em 2013, o que tornou as importações mais caras e as exportações mais atraentes. Uma combinação entre menos importações e mais exportações reduz a oferta de bens no mercado interno, o que gera uma pressão nos preços destes bens.

Esse arranjo que combina renda nominal estagnada, preços em contínua ascensão e endividamento (e inadimplência) em alta está gerando não apenas uma enorme sensação de aperto financeiro nos brasileiros, como também trouxe uma grande frustração a estas pessoas. Aquela economia que outrora parecia invejável e rumo a um futuro auspicioso repentinamente estagnou-se, perdeu todo o seu brilho e, agora sem essa camuflagem, explicitou toda a sua realidade: infraestrutura caótica, serviços públicos marfinenses, inflação de preços sempre acima da meta do Banco Central (meta esta que já é alta até mesmo entre países em desenvolvimento), endividamento crescente, renda estagnada e famílias cujos salários mal chegam ao final do mês.
Um perfeito exemplo de como uma expansão econômica artificial mexe com o psicológico e com o senso de realidade das pessoas nos foi fornecido por esta capa da revista IstoÉ, de 6 de janeiro de 2010, na qual o hebdomadário dizia que já éramos uma potência:

Segundo a reportagem:

"O Brasil está conseguindo o raro feito de extrair opiniões quase unânimes mundo afora. São poucos, pouquíssimos, os economistas que ousam discordar de que o País entrou em um ciclo de desenvolvimento sustentado. E mais: são ainda mais raros aqueles que duvidam da capacidade de o Brasil se tornar uma das maiores potências econômicas do planeta em um par de dezena de anos."

Dentre os "poucos, pouquíssimos, economistas que ousam discordar de que o País entrou em um ciclo de desenvolvimento sustentado" certamente estão os economistas deste site, que ainda em 2010 alertavam que tudo era infundado.

É claro que, após ter sido bombardeado por inúmeras notícias como essa durante quase 3 anos, é natural que o brasileiro médio hoje se sinta deprimido, e até mesmo revoltado, ao constatar que foi enganado e que a economia pujante que lhe haviam prometido nada mais era do que um conto de fadas. Ludwig von Mises explicou bem este componente emocional em suas obras. As pessoas se acostumam a um padrão de vida crescente durante a fase da expansão econômica artificial e, mais tarde, quando a nova realidade se impõe avassaladoramente, elas se recusam a aceitar que tudo não havia passado de uma gostosa mentira, pois imaginavam que aquela fase próspera realmente representava um novo e definitivo padrão. Os países da Europa mediterrânea estão vivenciando o mesmo fenômeno.

Aturar corrupção, uma infraestrutura caótica e serviços públicos moçambicanos é relativamente fácil quando se está com a renda crescendo mais que os preços e com a capacidade de consumo em alta. Porém, tão logo esses indicadores se invertem e o endividamento teima em não cair, a depressiva realidade se impõe e resta ao cidadão ir protestar nas ruas clamando por medidas que arrefeçam sua situação. Ninguém vai às ruas protestar contra a corrupção ou para exigir melhorias na saúde, na educação e nos demais serviços públicos quando a economia está com bons indicadores, a capacidade de consumo está em alta e o dinheiro chega até o final do mês. No entanto, basta esses indicadores piorarem, que todo o esforço de mobilização se torna mais fácil. Ou será que alguém acredita que Collor caiu por causa de um Fiat Elba?

A verdade é que o povo brasileiro queria crédito farto a juros baixos para comprar imóveis, carros, motos, televisores e outros eletrodomésticos. Conseguiu. Queria que o governo expandisse continuamente seus gastos para, dentre outras coisas, aumentar as contratações para o setor público, que é o objetivo de vida de vários integrantes da classe média. Conseguiu. Queria que o governo protegesse a indústria nacional e seus empregos aumentando as alíquotas de importação de praticamente todos os produtos estrangeiros (chegando ao ponto deorganizar operações ao estilo da Stasi nos aeroportos, abrindo malas e confiscando até mesmo as roupas que os brasileiros compravam no exterior). Conseguiu. Aceitou que o governo utilizasse o BNDES para conceder empréstimos subsidiados para grandes empresas, as quais iriam se transformar em "campeãs mundiais". E defendeu quando o governo obrigou todas as grandes empresas do país a produzir utilizando uma determinada porcentagem de insumos fabricados no Brasil, o que deu a estes fabricantes a capacidade de aumentar seus preços sem sofrer concorrência.

O povo aprovou tudo isso, mas estranhamente não quer arcar com as consequências destas políticas, que são o aumento da inflação e do endividamento, a estagnação da renda, e a perpetuação da ineficiência. E não apenas não quer arcar, como está pedindo mais ação justamente do ente que causou tudo isso. Trata-se de um exemplo clássico de um povo que não sabe estabelecer uma relação de causa e efeito.

Conclusão

Como já explicou o economista Gary North, a maioria dos protestos de rua tem uma mesma característica: uma hora eles acabam. É impossível manter protestos maciços como estes que estamos vivenciando por um longo período de tempo. Ou os manifestantes se cansam e perdem a motivação, ou as autoridades se tornam mais bem organizadas e passam a reprimir com mais vigor. Mas há também uma pequena chance de as coisas irem para o lado oposto. Logo, quando demonstrações como essa começam a ocorrer, ou elas se enfraquecem e desaparecem ou elas se agravam e acabam derrubando o governo.

Para o governo, a melhor estratégia é continuar prometendo reformas. Se o povo engolir as promessas, as manifestações irão acabar. Mas essa estratégia é um tanto arriscada, pois pode ser que as manifestações ganhem novos adeptos, se espalhem por todo o país e cheguem a um ponto em que a própria legitimidade do governo é colocada em xeque. Neste ponto, como é de praxe na América Latina, pode ocorrer um golpe de estado. O governo é derrubado e uma junta militar assume o controle.

Uma coisa boa que poderia advir destes protestos seria se eles solapassem a confiança e a esperança que o povo brasileiro deposita no estado. Se eles erodissem a santidade do governo, se eles explicitassem a incompetência do governo e fizessem com que as pessoas finalmente entendessem a verdadeira natureza do governo, já teriam feito algo positivo. Qualquer coisa que enfraqueça a crença no estado, e que não recorra à violência, é positiva. Se uma geração de jovens entender que não deve depositar no governo suas esperanças de uma vida melhor, então as manifestações terão gerado resultados positivos. Para que isso ocorra, é essencial que grupos pró-liberdade e pró- livre mercado se aproveitem desta oportunidade para difundir a mensagem de que menos governo e menos burocracia geram mais liberdade e mais prosperidade. Isso sim poderia gerar efeitos positivos.

Mas não tenho muitas esperanças quanto a isso. No geral, estes manifestantes são impermeáveis à lógica e estão defendendo apenas mais espoliação e mais verbas para políticos e sindicatos, ainda que não entendam que é isso que eles estão fazendo.

O fato é que, com a renda estagnada, com a inflação de preços em teimosa alta, com o endividamento e a inadimplência em níveis inauditos, e com o real se esfacelando perante o euro e o dólar, encarecendo sobremaneira as importações de insumos básicos e diminuindo nosso padrão de vida — exatamente como queriam o Banco Central e o Ministério da Fazenda —, há um risco real de o caldo entornar e a situação ficar realmente fora do controle. 

Estamos vivenciando exatamente aquilo que ocorre quando se entrega o comando da economia a pessoas que não têm a capacidade de gerenciar nem sequer uma carroça de pipoca. A democracia e o apelo das massas — exatamente o arranjo que todo mundo venera — levaram a isso. Não há por que reclamar e nem há o que se estranhar.

Por: Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

EXPLICANDO O QUE É UM GOVERNO PARA UM FORASTEIRO



Perambulando despreocupadamente por sua vizinhança, um homem pacato se depara com um curioso e inofensivo alienígena que está visitando nosso planeta para observar melhor o progresso de nossa espécie. Abaixo, uma transcrição do diálogo entre o humano (H) e o alienígena (A).

H: Nossa, um alienígena!

A: Sim, mas não se assuste. Estou aqui apenas para observar. Viajei por todo o espaço para vir aqui à Terra com o objetivo de estudar como a espécie humana está progredindo.

H: Ah, legal! Ei, sendo assim, vou tentar levar você até nosso líder. Quer?

A: Seu o quê?

H: Nosso líder. A pessoa que está no comando.

A: A pessoa que está no comando de quê?

H: Ora, no comando de tudo.

A: Vocês têm uma pessoa que está no comando de tudo?

H: Não, não, essa pessoa está no comando apenas do governo.

A: O que é o governo?

H: Bom, o governo é uma entidade que cria regras para nós obedecermos. Ele nos diz o que podemos e o que não podemos fazer.

A: Então o governo é muito sábio? Ele cria regras sábias e sensatas para vocês seguirem?

H: Bem… digamos que na maioria das vezes sim, mas o problema é que algumas de suas regras são completamente idiotas.

A: E vocês ignoram estas regras que são completamente idiotas?

H: Não, não podemos fazer isso. Temos de obedecer todas as regras, mesmo que elas sejam estúpidas e discordemos delas. O governo pune qualquer um que desobedeça suas regras.

A: Então vocês são escravos do governo?

H: Não, não, não. Não é bem assim. O governo trabalha para nós, o povo. Ele serve a nós. Nós somos os chefes do governo.

A: Ele diz a vocês o que fazerem, ele pune vocês com violência caso desobedeçam, e ainda assim vocês é que são os chefes dele?

H: Sim...

A: Mas existem coisas que o governo faz e que vocês não gostam, certo?

H: Bom, sim... Nem tudo o que o governo faz é popular. Por exemplo, quando ele toma uma quantidade excessiva do nosso dinheiro, ou quando ele usa esse dinheiro para privilegiar determinados grupos de pessoas, ou quando ele prende inocentes, ou quando ele mata inocentes, ou quando é flagrado fazendo corrupção. Não gostamos quando isso acontece.

A: É muita coisa.... O que é corrupção?

H: É quando o governo utiliza nosso dinheiro para fins ilícitos, visando ao seu proveito próprio. Ele pega nosso dinheiro e não dá nada em troca. É praticamente como se fosse um roubo.

A: Hum... Vocês dão dinheiro para o governo?

H: Sim. Bom, na verdade, nós não "damos". Ele toma da gente. E usa esse dinheiro para financiar absolutamente tudo o que ele faz.

A: Mas você havia dito que vocês são o chefe do governo. Como pode o governo tomar dinheiro de seus chefes?

H: Porque ele nos obriga a dar dinheiro a ele.

A: E se vocês não quiserem dar?

H: Aí ele nos prende.

A: E se você resistir à prisão?

H: Aí ele pode nos matar.

A: Isso está meio confuso para mim. Acho que ainda estou sob o efeito da minha longa viagem... Você humanos por acaso já chegaram ao estágio em que, de uma forma geral, consideram que roubar, escravizar e matar sejam atitudes ruins?

H: Ah, sim, todos nós pensamos assim. Não roubar. Não agredir. Não matar.

A: Mas vocês dão dinheiro para o governo e ele não apenas rouba esse dinheiro, como também o utiliza para privilegiar, prender e matar pessoas?

H: Bom, sim, mas o governo também faz coisas boas com nosso dinheiro.

A: E por que vocês não param de pagar pelas coisas de que não gostam e pagam apenas pelas coisas de que gostam?

H: Não, não podemos fazer isso. Você não pode simplesmente decidir que não irá mais pagar impostos, pois as regras dizem que todo mundo tem de pagar impostos.

A: Mas as regras foram feitos pelo governo, não foram?

H: Sim.

A: Então o governo criou uma regra dizendo que todo mundo tem de dar dinheiro para ele? Então todo mundo paga impostos porque se não pagarem o governo irá puni-las utilizando de violência?

H: Bom, sim, mas a maioria das pessoas não liga de pagar impostos; a maioria se sente obrigada a pagar impostos e a se submeter às leis do governo, pois é para o bem da sociedade. A sociedade precisa de governo, e isso significa que todos nós temos de pagar impostos.

A: Ok, então deixe-me ver se entendi corretamente. O governo cria as regras e vocês se sentem obrigados a seguir estas regras, mas aquelas de que vocês não gostam. O governo também diz a vocês o que vocês devem fazer, e ameaça punir vocês caso não façam o que ele ordenou. E ele também usa parte do dinheiro que tomou de vocês — utilizando de ameaça de violência — para pagar por coisas que vocês não gostam e que na realidade pensam ser imorais, como roubo, assassinatos e privilégios.

H: Bom, sim, mas nós podemos pedir a ele que nos dê apenas ordens sensatas, e que pare de tomar nosso dinheiro para utilizá-lo em coisas ruins. Nós temos a permissão para pedir ao governo para que ele nos dê apenas as ordens que queremos que ele nos dê.

A: Só de curiosidade, vocês não têm medo desta coisa, não? Pelo que visualizo, o governo é um monstro enorme capaz de esmagar você pelo simples fato de você tê-lo desobedecido. É isso?

H: Não, o governo não é um monstro.

A: Ok, então o que é o governo? Você poderia me descrevê-lo em mais detalhes?

H: Na verdade, o governo não é bem o tipo de coisa que você pode descrever em detalhes.

A: Bom, então talvez você possa me levar até ele. Onde fica o governo?

H: Você se refere ao prédio?

A: O governo é um prédio?

H: Não, mas os políticos que controlam o governo ficam dentro de prédios. É nesses prédios que eles trabalham.

A: Então o governo é um grupo destes políticos?

H: É... de certa forma.

A: Ok, mas de qual espécie são estes políticos?

H: Bom, eles são... humanos.

A: Igual a você?!

H: Sim...

A: Então políticos são humanos e eles são o governo. Você é humano, mas você não é o governo.

H: Não.

A: Então são os políticos que estão por trás de tudo. São eles que dão ordens a vocês, são eles que obrigam vocês a fazerem coisas contra suas vontades, e são eles que tomam seu dinheiro usando de ameaças de violência. No entanto, muito embora vocês todos sejam humanos, vocês não podem dar ordens a eles e tomar o dinheiro deles?

H: Não. Eles nos mandariam para a cadeia se fizéssemos isso. Mas olha só, você está tendo uma ideia errada. Políticos não podem simplesmente sair fazendo tudo o que eles quiserem. Tipo, um político não pode simplesmente me abordar na rua e me obrigar a dar dinheiro para ele. Eles não podem fazer isso. Políticos só podem fazer esse tipo de coisa se estiverem no seu trabalho, se estiverem trabalhando para o governo.

A: Ah, então políticos não são o governo. Eles apenas trabalham para o governo.

H: Correto.

A: Ok, então o governo não é nenhum monstro enorme. E também não é um prédio. E tampouco são os políticos. O governo é algo mais. E ele emprega políticos que são apenas humanos normais, mas que têm o poder de dar ordens gerais e de tomar o dinheiro de todo mundo. Como um humano comum se torna um político?

H: Bom, esta é a coisa mais sensacional a respeito de nosso governo. Temos uma democracia, e isso significa que são as pessoas que de fato detêm o poder, pois somos nós que decidimos quem entre nós poderá ser um político. Somos nós que votamos. E se um político começar a fazer coisas de que não gostamos, podemos simplesmente substituí-lo por outra pessoa na próxima eleição.

A: Então aqueles que são escolhidos para serem políticos somente podem dar ordens e tomar o dinheiro das outras pessoas durante um pequeno período de tempo. Após esse período, eles voltam a ser humanos normais?

H: Exatamente.

A: Isso me parece uma posição muito poderosa para se conceder a alguém. Mas se vocês podem escolher os humanos que serão os políticos, suponho então que os políticos sejam sempre os mais sábios, mais honestos, mais afetuosos e mais respeitados humanos entre vocês.

H: Bem, não, na verdade não. Eu diria que os políticos não são exatamente conhecidos por serem honestos, sábios e afetuosos. E eles certamente não estão dentre os mais respeitáveis de nós humanos. Pensando bem, quase todos os políticos são safados e mentirosos; meros desonestos ávidos por poder.

A: Aqueles que vocês escolhem?

H: É. Eles estão sempre fazendo coisas de que não gostamos. Eles usam o dinheiro do contribuinte para se enriquecerem a si próprios e seus amigos, e eles nunca cumprem as promessas que fizeram aos eleitores. Eles frequentemente são flagrados roubando, mentindo e aceitando propinas, e eles quase sempre fazem tudo aquilo que os grandes empresários, que são os grandes doadores de suas campanhas, querem. Sim, eles estão sempre fazendo coisas erradas. Elas são totalmente corruptos. São um bando de vigaristas mentirosos.

A: Mas você disse que a maioria dos humanos sabe que roubar e agredir são coisas erradas. E você também disse que vocês, o povo, têm o poder porque podem mudar quem está no comando. Então por que vocês não simplesmente tiram os mentirosos e ladrões e os substituem por pessoas comuns? 

H: Bom, a verdade é que nós não escolhemos os vigaristas mentirosos para votar neles. Eles simplesmente se revelam assim quando chegam ao governo. Mas nós temos de ter um governo porque alguns humanos são maldosos e podem matar ou roubar ou escravizar outros humanos. A civilização simplesmente não poderia viver sem governo.

A: Tá, então deixe-me novamente ver se entendi. Dado que vocês estão preocupados com um pequeno número de humanos malvados que estão dispostos a matar, escravizar e roubar, vocês pensam ser necessário para a sua sobrevivência ter um sistema no qual alguns dos humanos entre vocês, por um pequeno período de tempo, passam a se chamar de governo, adquirem o poder de dar ordens a todos os outros humanos como se estes fossem escravos, e passam a roubar e a usar de violência porque, se eles não fizerem isso, outras pessoas poderiam fazer? E vocês tentam eleger pessoas boas e honestas para serem políticos, mas o que realmente acontece é que as pessoas que vocês elegem se revelam corruptas, maldosas, vigaristas e mentirosas. Este é o seu sistema?

H: É... é bem assim que funciona o nosso governo.

Por: Graham Wright é ativista libertário e dono do blog Man Against The State.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

SAUDADES DO BARÃO

Seria bom aproveitar as próximas eleições e, pela primeira vez, transformar a política externa em tema eleitoral

AS TRAPALHADAS na condução da crise de Honduras sintetizam de forma cristalina a ação do Itamaraty nos últimos sete anos. É um misto de voluntarismo com irresponsabilidade. Algumas vezes, Celso Amorim mais parece um líder estudantil do que ministro das Relações Exteriores.
O Brasil não tem nenhuma vinculação histórica com a América Central.
Contudo, o governo brasileiro insistiu em ter participação direta na crise hondurenha. Queria demonstrar liderança regional numa área historicamente de influência norte-americana.
Como uma espécie de recado do “cara” para Barack Obama, comunicando que o Brasil era a nova potência da região. Potência sem “marines”, mas com muita retórica e bazófia.
Claro que tinha tudo para dar errado, como se, em um filme de faroeste, John Wayne fosse substituído por Oscarito.
A aventura alcançou o ápice quando Zelaya chegou à embaixada brasileira. Minutos depois, recebeu a adesão de centenas de seguidores. Logo o local virou um acampamento. A tradição latino-americana se impôs. Muitos discursos, acusações, traições e atos de valentia sem nenhuma consequência prática. E tudo isso na embaixada brasileira, território nacional.
Quando o governo hondurenho cercou o prédio, o ato foi considerado autoritário. Imagine o que faria Fidel Castro se um líder anticastrista entrasse na embaixada brasileira em Havana e de lá insuflasse a população cubana à rebelião…
Celso Amorim declarou diversas vezes que lá em Honduras estava sendo jogada a sorte da democracia na América. Não era possível transigir com princípios democráticos e legais.
Era necessário não retroceder.
Estranhamente, essa determinação não é aplicada na América do Sul.
Mais ainda quando nossos vizinhos agem deliberadamente contra os interesses brasileiros, violando tratados, leis e contratos.
Tivemos o caso das refinarias da Petrobras na Bolívia, que foram tomadas abusivamente pelo governo local. Tivemos a insistência paraguaia impondo a revisão do tratado de Itaipu 15 anos antes do seu término. Tivemos as sucessivas violações do tratado do Mercosul realizadas pela Argentina e as abusivas medidas adotadas pelo governo equatoriano contra empresa brasileira.
A tudo isso o governo Lula assistiu passivamente. Não moveu um dedo.
Pelo contrário, concordou com as arbitrariedades, desmoralizou as gestões anteriores do Itamaraty e, assim, abriu caminho para que amanhã um governo resolva, de moto próprio, descumprir um tratado ou acordo.
A simpatia política com os governos chamados bolivarianos e subserviência a eles chegou ao ponto da absoluta irresponsabilidade.
A Colômbia, que tem tentado estabelecer uma política de cooperação com o governo Lula para melhorar a fiscalização da fronteira, é sistematicamente tratada com hostilidade, inclusive nos fóruns regionais.
Já a Venezuela, que disputa claramente espaço político com o Brasil e que não perde uma oportunidade para debilitar os interesses brasileiros na região (como durante a encampação das refinarias da Petrobras na Bolívia), é tratada como aliada, mesmo tendo uma política externa agressiva, sustentada por fabulosas compras de modernos armamentos. E, como o que está ruim pode piorar, a Venezuela vai entrar no Mercosul.
A diplomacia brasileira tentou por todos os meios ter presença diretiva em vários organismos internacionais e no Conselho de Segurança da ONU.
Como necessitava de votos, considerou natural ignorar graves violações dos direitos humanos em vários países (como o genocídio de Darfur), apoiou ditadores (como Muammar Gaddafi) e até fez campanha para um aspirante a diretor-geral da Unesco notabilizado por declarações de cunho antissemita. Mesmo assim, os candidatos brasileiros foram derrotados, e a estratégia fracassou.
O presidente Lula transformou o Itamaraty em uma espécie de Íbis, clube de futebol pernambucano celebrizado pelo número de derrotas.
O Brasil precisa ter papel relevante nos organismos e nas negociações internacionais. Disso ninguém discorda. Mas a maturidade econômica do país não condiz com uma política externa inconsequente. Não é com base em aventureirismo que o país vai ser respeitado. E muito menos servindo de cavalo de troia de bufões latino-americanos.
Um dos grandes desafios para o século 21 brasileiro é a construção de uma política externa global, que enfrente os desafios da nova ordem internacional. Um bom caminho para dar início a essa discussão é aproveitar a próxima eleição e, pela primeira vez, transformar a política externa em tema eleitoral. Por: Marco Antonio Villa

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A CAMISA DO FELICIANO

Nesses tempos sombrios de crise, somos obrigados a falar muito e por isso sempre acabamos falando demais. Precisamos de mais clareza, mas, como dizem por aí, a democracia é o regime do barulho, e no barulho o mais fácil é gritar "palavras de ordem", muito mais fácil para temperamentos que gozam em assembleias. Não é o meu caso, (in)felizmente.


No dia 29 de junho, aconteceu em São Paulo a Marcha para Jesus. Nela, o conhecido pastor e deputado Feliciano usava uma camisa na qual estava escrito "eu represento vocês".

Claro, de primeira, entendemos que ele quer dizer que representa os evangélicos que ali estavam. Não tenho tanta certeza: tenho amigos e conhecidos que são evangélicos e estão muito longe do que Feliciano diz representar. Não podemos jogar todos os evangélicos no mesmo "saco".

Mas me interessa hoje outra coisa: ele diz ser representante dos conservadores no Brasil. O conceito é complexo e pouco afeito a espíritos que gostam de falar para multidões. Mas é urgente dizer que Feliciano não representa o pensamento conservador no Brasil. Vou dar um exemplo "clichê" em seguida. Antes, vamos esclarecer uma coisa.

A tradição "liberal-conservative", como se diz comumente em inglês, se caracteriza por uma sólida literatura quase desconhecida entre nós: David Hume (sua moral), Adam Smith, Edmund Burke, Alexis de Tocqueville, Friedrich Hayek, T.S. Eliot, Michael Oakeshott, Isaiah Berlin, Russell Kirk, Theodore Dalrymple, John Gray, Gertrude Himmelfarb, Thomas Sowell, Phyllis Schafler, Roger Scruton, entre outros.

Não é à toa que matérias como a da "Ilustrada" do domingo 30 de junho falam que a Flip (poderia ter falado de qualquer outra atividade intelectual no país) é de esquerda: quase ninguém conhece a bibliografia "liberal-conservative" entre nós, porque a esquerda mantém uma poderosa reserva de mercado na vida intelectual pública no país, inclusive tornando um inferno a vida na universidade para jovens interessados neste tipo de bibliografia.

Esta reserva de mercado intelectual e ideológica inviabiliza pesquisas e trabalhos mesmo em sala de aula. Isso faz dos jovens intelectuais interessados nessa tradição uns fantasmas invisíveis, verdadeiras almas penadas, sem corpo institucional para atuarem. Mesmos os centros financiados por bancos investem apenas na bibliografia de esquerda.

Como toda visão política, os conservadores são diferentes entre si e nem sempre convivem bem com seus pares, principalmente quando saímos do livro e vamos para política partidária. Imagine alguém de uma esquerda "islandesa" sendo obrigado a engolir Pol Pot em seu clube intelectual.

O pensamento "liberal-conservative" se caracteriza por defender a sociedade de livre mercado, a propriedade privada, a liberdade de expressão e religiosa, pluralismo moral, a democracia representativa com "corpos médios" locais atuantes, uma educação meritocrática, emancipação feminina, tributação alta para grandes heranças, desoneração da classe trabalhadora, profissionais liberais e pequenos e médios empresários, Estado mínimo necessário (inclusive porque isso diminui a corrupção), saúde eficaz para a população.

E, não esqueçamos: opção liberal quanto à vida moral, cada um faz o que quiser na vida privada contanto que respeite a lei, e esta deve levar em conta esta liberdade privada.

Simplesmente não existe opção partidária no Brasil para quem pensa dessa forma. Por exemplo, dizer que os conservadores queimam bandeiras do movimento negro é uma piada. Isso deve fazer Joaquim Nabuco tremer em seu túmulo, já que ele, conservador, foi um dos principais intelectuais e defensores da abolição da escravatura no Brasil.

E aí voltamos à camisa do Feliciano. Ele não representa os conservadores no Brasil, a começar porque é alguém que mistura religião com política.

Deixe-me esclarecer uma coisa (vou usar um tema "clichê"): sou conservador e sou contra o projeto da cura gay e a favor do casamento gay.

E aí, esquerda: vamos conversar? Vamos parar de se xingar e sentar numa távola redonda e discutir o Brasil? Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

A ECONOMIA ESTÁ PARANDO

Nossa economia está parando. Tudo indica que vamos repetir a trajetória do ano passado, quando projeções mais otimistas deram lugar a uma forte decepção. Como todos sabem, a expectativa de um primeiro trimestre forte foi frustrada por um crescimento de apenas 0,6% em relação ao PIB do último trimestre de 2012. Alguns, mais otimistas, rolaram suas projeções de recuperação para o segundo trimestre. Entretanto, tudo indica que o número a ser divulgado será pouco maior do que o primeiro trimestre, talvez algo como 0,8%, o que levaria a uma projeção para o ano de apenas 2,1% como temos na MB. Os números do mercado estão convergindo para a mesma magnitude.


Na nossa percepção, e como já coloquei em colunas anteriores, a forte aceleração da inflação de alimentos é que começou a alterar a trajetória da economia. Com os preços da comida subindo a uma taxa anual entre 14% e 19%, colocou-se uma pressão forte sobre os orçamentos da imensa maioria das famílias brasileiras, o que acabou por diminuir o espaço para outras compras, reduzindo o consumo. Todos os dados do varejo disponíveis até agora mostram uma forte desaceleração nas vendas, que deve continuar, uma vez que o índice de confiança do consumidor, elaborado pela FGV, apresentou em junho uma variação anual negativa da ordem de 10%.

Ao mesmo tempo, a mesma pressão inflacionária levou o Banco Central a iniciar uma elevação das taxas de juros que, na nossa avaliação, deve ir para a faixa de 9,5% até o final do ano. Naturalmente, a alta de juros desestimula adicionalmente todos os componentes da demanda interna. Também o setor externo tem mostrado uma forte piora no saldo comercial, com consequente ampliação do déficit em conta corrente. Esta situação, aliada à valorização do dólar lá fora, resultou numa depreciação da nossa moeda que, até o momento em que esta coluna está sendo escrita, andava na casa de R$ 2,25 por dólar.

Os movimentos de juros e câmbio resultam numa dupla pressão sobre a atividade. A brusca elevação dos juros de mercado resultou numa perda de capital para muitos poupadores e numa indução a uma menor expansão de crédito pelo sistema bancário, uma vez que os riscos se elevaram bastante. Neste momento, acredito que a capacidade dos bancos públicos de continuarem a tentar compensar a cautela do setor privado está limitada pela evidente pressão sobre seus balanços. Ao mesmo tempo, a desvalorização do real piorou os balanços das empresas que tenham algum passivo externo.

Também por aí, o risco de crédito se eleva, reforçando a observação acima. A desvalorização cambial também pressiona a inflação pelo repasse aos preços domésticos dos maiores custos de importação. Por exemplo, o índice de preços de commodities em reais calculados pelo Banco Central (ICB) elevou-se 5,3% em junho. Estes dados sugerem que a atividade deverá continuar enfraquecendo. Por exemplo, o indicador de estoques calculado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) está subindo há quatro meses; o estoque médio de automóveis na rede de concessionárias já é de 53 dias, bem maior do que os 25/26 dias considerados normais.

Adicionalmente, o número de recuperações judiciais calculado pela Serasa já é o maior desde 2007. Sobre este pano de fundo, grandes acontecimentos políticos e sociais começaram a ocorrer, elevando as incertezas. Embora ainda não esteja pronta uma análise mais acabada sobre esses eventos, creio que podemos listar algumas consequências: - O partido no poder não tem mais o monopólio das ruas. - Existe uma insatisfação forte e difusa em parte significativa da população. -A tranqüilidade da reeleição evaporou-se e a sucessão transformou- se numa história ainda por ser escrita. - A resposta do governo tem sido desorganizada e bastante inconsistente, na política e na economia.

Na economia, ao lado de um discurso de restrição fiscal, continuamos vendo a continuidade de "velhos" projetos, como a entrega de R$ 15 bilhões para a Valec, parte do esforço de vender o projeto do trem- bala. Ao mesmo tempo, decide-se pela emissão de R$ 23 bilhões em títulos para a Caixa Econômica e o BNDES, para atingir vários fins, incluindo o de pagamento de dividendos que elevem o superávit primário do governo federal. A propósito, em várias entrevistas, o sr. Secretário do Tesouro Nacional insiste que todo batalhão está marchando errado e que apenas o seu passo é o correto. Incrível!

Este padrão de resposta sugere que a incerteza vai continuar elevada, que investimentos serão postergados, que os leilões de concessão terão menos brilho (talvez à exceção do petróleo) e que o crescimento do ano será ainda menor que o atualmente projetado. A volatilidade se manterá elevada e 2014 promete mais do mesmo. P.S.: Começou a ser escrito na semana que passou o último capítulo da história do Grupo X. Qualquer que seja seu desfecho, é certo que assistimos ao fim de uma era, a dos grandes campeões nacionais. Não apenas, mas também por isto, terminou a era do "nunca antes nesse país" e a do "momento mágico". A realidade que se desdobra para nós é bem mais árdua.
Por: José Roberto Mendonça de Barros O Estadão

terça-feira, 9 de julho de 2013

TEMPOS DIFÍCEIS

Já se disse tudo, ou quase tudo, sobre os atos públicos em curso. Para quem acompanha as transformações das sociedades contemporâneas não surpreende a forma repentina e espontânea das manifestações.


Em artigo publicado nesta coluna, há dois meses, resumi estudos de Manuel Castells e de Moisés Naím sobre as demonstrações na Islândia, na Tunísia, no Egito, na Espanha, na Itália e nos Estados Unidos. As causas e os estopins que provocaram os protestos variaram: em uns, a crise econômico-social deu ânimo à reação das massas; em outros, o desemprego elevado e a opressão política foram os motivos subjacentes aos protestos.

Tampouco as consequências foram idênticas. Em algumas sociedades onde havia o propósito específico de derrubar governos autoritários, o movimento conseguiu contagiar a sociedade inteira, obtendo sucesso. Resolver uma crise econômico-social profunda, como nos países europeus, torna-se mais difícil. Em certas circunstâncias, consegue-se até mesmo alterar instituições políticas, como na Islândia. Em todos os casos mencionados, os protestos afetaram a conjuntura política e, quando não vitoriosos em seus propósitos imediatos, acentuaram afalta de legitimidade do sistema de poder.

Os fatos que desencadeiam esses protestos são variáveis e não necessariamente se prendem à tradicional motivação da luta de classes. Mesmo em movimentos anteriores, como a "revolução de maio" em Paris (1968), que se originou do protesto estudantil "por um mundo melhor", tratava-se mais de uma reação de jovens que alcançou setores médios da sociedade, sobretudo os ligados às áreas da cultura, do entretenimento, da comunicação social e do ensino, embora tivesse apoiado depois as reivindicações sindicais. Algo do mesmo tipo se deu na luta pelas Diretas-Já. Embora antecedida pelas greves operárias, ela também se desenvolveu a partir de setores médios e mesmo altos da sociedade, aparecendo como um movimento "de todos". Não há, portanto, por que estranhar ou desqualificar as mobilizações atuais por serem movidas por jovens, sobretudo das classes médias e médias altas, nem, muito menos, de só por isso considerá-las como vindas "da direita".

O mais plausível é que haja uma mistura de motivos, desde os ligados à má qualidade de vida nas cidades (transportes deficientes, insegurança, criminalidade), que afetam a maioria, até os processos que atingem especialmente os mais pobres, como dificuldade de acesso à educação e à saúde e, sobretudo, baixa qualidade de serviços públicos nos bairros onde moram e dos transportes urbanos. Na linguagem atual das mas, é "padrão Fifa"para uns e padrão burocrático-governamental para a maioria. Portanto, desigualdade social. E, no contexto, um grito parado no ar contra a corrupção - as preferências dos manifestantes por Joaquim Barbosa (ministro presidente do Supremo Tribunal Federal) não significam outra coisa. O estopim foi o custo e a deficiência dos transportes públicos, com o complemento sempre presente da reação policial acima do razoável. Mas se a fagulha provocou fogo foi porque havia muita palha no paiol.

A novidade, em comparação com o que ocorreu no passado brasileiro (nisso nosso movimento se assemelha aos europeus e norte-africanos), é que a mobilização se deu pela internet, pelos twitters e pelos celulares, sem intermediação de partidos ou organizações e, consequentemente, sem líderes ostensivos, sem manifestos, panfletos, tribunas ou tribunos. Correlatamente, os alvos dos protestos são difusos e não põem em causa de imediato o poder constituído nem visam questões macroeconômicas, o que não quer dizer que esses aspectos não permeiem a irritação popular.

Complicador de natureza imediatamente política foi o modo como as autoridades federais reagiram. Um movimento que era "local" - mexendo mais com os prefeitos e governadores - se tornou nacional a partir do momento em que a presidenta chamou a si a questão e a qualificou primordialmente, no dizer de Joaquim Barbosa, como uma questão de falta de legitimidade. A tal ponto que o Planalto pensou em convocar uma Constituinte e agora, diante da impossibilidade constitucional disso, pensa resolver o impasse por meio de plebiscito. Impasse, portanto, que não veio das ruas.

A partir daí o enredo virou outro: o da relação entre Congresso Nacional, Poder Executivo e Judiciário e a disputa para ver quem encaminha a solução do impasse institucional, ou seja, quem e como se faz uma "reforma eleitoral e partidária". Assunto importante c complexo, que, se apenas desviasse a atenção das ruas para os palácios do Planalto Central e não desnudasse a fragilidade destes, talvez fosse bom golpe de marketing. Mas, não. Os titubeios do Executivo e as manobras no Congresso não resolvem a carestia, a baixa qualidade dos empregos criados, o encolhimento das indústrias, os gargalos na infraestrutura, as barbeiragens na energia, e assim por diante.

O foco nos aspectos políticos da crise - sem que se negue a importância deles - antes agrava do que soluciona o "mal-estar", criado pelos "malfeitos" na política econômica e na gestão do governo. O afunilamento de tudo numa crise institucional (que, embora em germe, não amadurecera na consciência das pessoas) pode aumentar a crise, em lugar de superá-la.

A ver. Tudo dependerá da condução política do processo em curso e da paciência das pessoas diante de suas carências práticas, às quais o governo federal preferiu não dirigir preferencialmente a atenção. E dependerá também da evolução da conjuntura econômica. Esta revela a cada passo as insuficiências advindas do mau manejo da gestão pública e da falta de uma estratégia econômica condizente com os desafios de um mundo globalizado. Por: Fernando Henrique Cardoso O Globo

segunda-feira, 8 de julho de 2013

ALGUÉM E NINGUÉM

Mais que um simples escândalo literário e editorial, a FLIP deste ano é um delito de malversação de dinheiro público do Governo do Estado do Rio de Janeiro, da Embratel, da Petrobrás e da Eletrobrás.

Tentando justificar a ausência de escritores liberais e conservadores na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) deste ano, assim se pronunciaram os seus mais destacados representantes:

Miguel Conde, curador: “Não acho que escritores associados à direita sejam numerosos. Tenho até dificuldade em pensar em nomes.”

Sérgio Miceli, membro da principal mesa de debates : “Bons pensadores à direita são peça rara no país.”

Milton Hatoum, conferencista encarregado da palestra de abertura : “De escritor importante no Brasil, não me lembro de nenhum de direita.”

Dada a relevância dos personagens, não creio exagerar ao supor que suas opiniões e seu nível de cultura exemplificam a média dos participantes, excetuada a hipótese, hedionda mas plausível, de que ela vá daí para baixo.

Nesse sentido, a FLIP é a mais espetacular amostra viva da completa destruição da alta cultura no país, substituída pela tagarelice autopromocional de usurpadores e carreiristas barbaramente incultos e infinitamente presunçosos, cuja sobrevivência no cenário intelectual só se deve a três fatores: (1) proteção governamental, (2) interbadalação mafiosa, (3) sistemática e preventiva exclusão dos adversários reais e possíveis.

O fator 3 vem sendo aplicado com tal perseverança, que acabou por moldar a cabeça dos seus mesmos praticantes. Primeiro eles se recusam a falar de um autor, depois concluem, do seu próprio silêncio, que ele não existe. Sua regra áurea é o argumentum ad ignorantiam: “Tudo aquilo que eu não sei ou que esqueci é inexistente, nulo ou irrelevante.”

Os três citados mostraram mais ignorância da cultura brasileira do que se poderia tolerar – mas não aprovar – em alunos de ginásio.

Não vou discutir com esses palhaços. Vou fornecer ao leitor um breve mostruário daquilo que eles, tomando a sua própria ignorância como medida da realidade, dizem ser inexistente ou quase.

Eis aqui, colhidos a esmo, uns poucos nomes de escritores e outros intelectuais brasileiros de ontem e de hoje, todos mais que consagrados (muitos internacionalmente), tidos como “de direita” seja por eles próprios, seja por seus detratores esquerdistas:

Afonso d’Escragnolle Taunay

Alberto Oliva

Ângelo Monteiro

Antônio Olinto

Antônio Paim

Arthur César Ferreira Reis

Augusto Frederico Schmidt

Bruno Garschagen

Bruno Tolentino

Carlos Lacerda

Cornélio Penna

Demétrio Magnoli

Denis Rosenfield

Diogo Mainardi

Dora Ferreira da Silva

Eduardo Gianetti da Fonseca

Eduardo Prado

Eugênio Gudin

Gerardo Mello Mourão

Gilberto de Mello Kujawski

Gilberto Freyre

Gustavo Corção

Heitor de Paola

Heraldo Barbuy

Ignácio da Silva Telles

Irineu Strenger

Ives Gandra da Silva Martins

João Camilo de Oliveira Torres

João de Scantimburgo

Joaquim Nabuco

Jorge Caldeira

José Américo de Almeida

José Guilherme Merquior

José Osvaldo de Meira Penna

Josué Montello

Júlio de Mesquita Filho

Leonardo Prota

Leonel Franca (Pe.)

Lúcio Cardoso

Luís Viana Filho

Luiz Felipe Pondé

Machado de Assis

Manuel Bandeira

Maria José de Queiroz

Mário Ferreira dos Santos

Mário Guerreiro

Mário Vieira de Mello

Maurílio Penido (Pe.)

Miguel Reale

Milton Campos

Nelson Rodrigues

Nicolas Boer

Octavio de Faria

Oliveira Lima

Oliveira Vianna

Otto Maria Carpeaux (primeira fase)

Paulo Francis (segunda fase)

Paulo Mercadante

Paulo Ricardo de Azevedo (Pe.)

Pedro Calmon

Percival Puggina

Plínio Barreto

Rachel de Queiroz

Reinaldo Azevedo

Renato Cirell Czerna

Ricardo Velez Rodriguez

Roberto Campos

Roberto Fendt Júnior

Rodrigo Gurgel

Romano Galeffi

Roque Spencer Maciel de Barros

Ruy Barbosa

Vicente Ferreira da Silva

Vilém Flusser

Wilson Martins.

Faço a lista no improviso e de memória, porque tenho alguma e porque estudei. Os anões da FLIP não sabem nada, não são intelectuais exceto no sentido muito elástico e gramsciano do termo, isto é, agentes de organizações de esquerda encarregados de “ocupar espaços” na mídia, nas universidades e no movimento editorial e ali abrir vagas para seus parceiros de militância, vetando o acesso de candidatos politicamente indesejáveis. O establishmentesquerdista recompensa-os generosamente ao ponto de induzir cada um à ilusão de que é mesmo, como diria Léon Bloy, “aquilo que se convencionou chamar de alguém” -- e de que tudo o mais é um vasto ninguém.

Mais que um simples escândalo literário e editorial, a FLIP deste ano é um delito de malversação de dinheiro público do Governo do Estado do Rio de Janeiro, da Embratel, da Petrobrás e da Eletrobrás. Pessoas que desconhecem a cultura brasileira não têm nenhum direito de representá-la e de ser subsidiadas para isso pelos já tão espoliados e exaustos contribuintes. A FLIP não é um acontecimento da esfera intelectual, é só mais um episódio banal da corrupção avassaladora que tomou conta deste país.

* * *

Assinalo aqui, de passagem e com imensa tristeza, o recente falecimento de um queridíssimo amigo, o escritor e filósofo Paulo Mercadante, uma das inteligências mais lúcidas e produtivas que este país já conheceu.

Comunista na juventude, Paulo rompeu com o Partido após a denúncia dos crimes de Stálin por Nikita Kruschev em 1956, e formou, com Antônio Paim e outros, o núcleo do que viria a ser a corrente liberal do pensamento brasileiro nas décadas seguintes.

Paulo Mercadante foi o homem mais gentil, bondoso e generoso que conheci, além de autor de pelo menos um clássico indiscutível (A Consciência Conservadora no Brasil) e de notáveis ensaios filosóficos que pairam léguas acima das cabecinhas da FLIP.

Por: Olavo de Carvalho   Publicado no Diário do Comércio.

AS FARC SÃO UM BANDO TERRORISTA?

Meu repúdio ao Foro de São Paulo é o repúdio ao comunismo, à ideologia totalitária, sanguinária por antonomásia: o marxismo, que não tem nada a invejar de seu par: o nacional-SOCIALISMO.


Sim, sem dúvida. Porém, é só isso? Não. Isso é reduzir as FARC. Não ter em conta seu caráter político foi um erro enorme nos últimos 20 anos. Isso inclui o governo Uribe. Se fosse só um bando terrorista há tempo teria sido derrotado.

Primeiro: as FARC fazem parte do Partido Comunista Colombiano (PCC), quer dizer, as FARC são constitutivas de um partido político que advoga por elas e que tem os mesmos objetivos.

Segundo: as FARC-PCC são uma organização de ideologia marxista-leninista. Marxismo e terrorismo não são antagônicos, ao contrário: sem o terrorismo, sem a violência, sem a repressão e a mentira, é impossível aplicar o marxismo.

Terceiro: o mais perigoso das FARC-PCC não é o terrorismo, senão suas pretensões políticas enquadradas em um contexto internacional para a imposição de um regime comunista. Então, se as FARC-PCC resolvem deixar ou entregar as armas, sua meta última continua em pé: o comunismo. Então, quando o ex-presidente Uribe diz que o Foro de São Paulo apóia o terrorismo, se equivoca. O Foro de São Paulo apóia o COMUNISMO: impor regimes comunistas na América Latina.

A grande maioria dos partidos e movimentos que conformam o Foro de São Paulo vivem “condenando a violência”, porém têm em comum a defesa de “princípios” revolucionários. O Polo “Democrático” Alternativo é membro do Foro de São Paulo e não tem braço armado, porém advoga pela “superação” do capitalismo e rumar para um modelo “alternativo”, para assim ter uma economia “solidária” e lindezas desse tipo. Aqui na Colômbia, com ou sem o PCC-FARC, desejam impôr, por bem ou por mal, um regime comunista. Meu repúdio ao Foro de São Paulo é o repúdio ao comunismo, à ideologia totalitária, sanguinária por antonomásia: o marxismo, que não tem nada a invejar de seu par: o nacional-SOCIALISMO.

Tradução: Graça Salgueiro


domingo, 7 de julho de 2013

O PESSIMISMO DE VARGAS LIOSA

Passei meu fim de semana na agradável companhia de Mario Vargas Llosa. Ou nem tão agradável assim. É que seu último livro, "A civilização do espetáculo", é obra de alguém um tanto rabugento. Não posso alegar surpresa, pois já tinha lido a resenha de Jerônimo Teixeira na VEJA, assim como o artigo de João Pereira Coutinho na Folha.

Sem dúvida se trata de um Mario Vargas Llosa mais pessimista, cansado com a degradação cultural de nossa época. David Hume fez um alerta importante, porém: "O hábito de culpar o presente e admirar o passado está profundamente arraigado na natureza". 

Devemos ter cuidado para não exagerar na dose do pessimismo, idealizando um passado inexistente. Como mostram Jerônimo e Coutinho, nem tudo é espetáculo na atualidade. Há coisas muito boas, decentes, refinadas, sofisticadas, sendo produzidas por aí, que apenas não ganham as manchetes e capas de jornais. 

Dito isso, considero o alerta pessimista feito por Vargas Llosa bastante pertinente sim. Entendo perfeitamente sua decepção diante da “pós-modernidade”. O zeitgeist é esse mesmo: vivemos na época em que os idiotas pululam, controlam tudo em nome da “democratização” de todas as áreas e do combate ao “preconceito”.

Mataram os critérios minimamente objetivos de julgamento estético. Tomar consciência do problema, relatado de forma exacerbada pelo Prêmio Nobel, consiste no primeiro passo para se evitar o pior, ou para mantermos um pingo de sanidade individual frente à massificação da “cultura”. Como diz Vargas Llosa:

A ingênua ideia de que, através da educação, se pode transmitir cultura à totalidade da sociedade está destruindo a “alta cultura”, pois a única maneira de conseguir essa democratização universal da cultura é empobrecendo-a, tornando-a cada dia mais superficial.

Na era pós-moderna, tudo é horizontal, não pode mais existir hierarquia. Com isso, a linha divisória que separava superior e inferior desaparece. Não existe mais civilização e primitivismo atrasado, pois tudo se confunde, é errado afirmar a superioridade de um frente ao outro. “A derrocada dessas distinções é agora o fato mais característicos da atualidade cultural”.

Vargas Llosa, velho defensor da democracia liberal e da economia de mercado, tenta evitar o tipo de ataque marxista à “sociedade do espetáculo”, como aquele feito por Guy Debord. Para ele, o fenômeno é cultural antes de tudo, não um epifenômeno da vida econômica e social. Mas o escritor peruano não consegue evitar duras críticas ao mercado globalizado que, ao universalizar tudo, contribui para massificar tudo.

Aqui discordo um pouco, pois a globalização permite o contato com inúmeras culturas diferentes, que ajuda a enriquecer quem está aberto a elas, sem recusar valores minimamente objetivos. Mas o alerta tem seu ponto, e merece ser citado:

A indústria cinematográfica, sobretudo a partir de Hollywood, “globaliza” os filmes, levando-os a todos os países, e, em cada país, a todas as camadas sociais, pois, tal como os discos e a televisão, os filmes são acessíveis a todos, não exigindo, para sua fruição, formação intelectual especializada de tipo nenhum. Esse processo se acelerou com a revolução cibernética, a criação das redes sociais e a universalização da internet.

Esse tipo de fenômeno, segundo Vargas Llosa, representa um sério obstáculo à criação de indivíduos independentes, capazes de julgar por conta própria o que apreciam e admiram. Considero essa visão pessimista demais, ao tratar todos como cães de Pavlov diante da tentação midiática. Mas não dá para negar que muitos sucumbem a isso sim. 

Talvez para a grande maioria, o bom passa a ser confundido com aquilo que é mais vendido, e sucesso passa a significar apenas boas vendas comerciais. “O único valor existente é agora o fixado pelo mercado”, constata o escritor, confundindo-se com um típico crítico de esquerda.

A “civilização do espetáculo” seria marcada pela busca incessante por diversão e distração. Literatura light, fácil, rápida, exigindo o mínimo de esforço intelectual e ao mesmo tempo causando no leitor a impressão de que ele é moderno, de vanguarda, revolucionário. Movimentos de massa que “desindividualizam” o indivíduo, perdido em meio ao clima tribal, como parte da horda primitiva. 

Drogas cada vez mais consumidas na busca por prazeres momentâneos, livrando o indivíduo de preocupação e responsabilidade, reflexão e introspecção, “atividades eminentemente intelectuais que parecem enfadonhas à cultura volúvel e lúdica”.

Proliferação de seitas moderninhas que visam à substituição das antigas e milenares religiões, ofertando conforto imediato e fugas espontâneas às angústias da vida. Humor banal como entretenimento: “Na civilização do espetáculo, o cômico é rei”. A transformação dos próprios intelectuais em “bufões” se quiserem, de alguma maneira, ainda influenciar o rumo das ideias em sua sociedade.

O estímulo exagerado de imagens: “Hoje vivemos a primazia das imagens sobre as ideias”. A superficialidade dos slogans das redes sociais. Políticos que cada vez mais só trabalham sua forma, em vez do conteúdo. A frivolidade valoriza mais a aparência que a essência. Banalização do sexo, transformação do erótico em pornografia vulgarizada. Revista Caras como ícone da modernidade, onde a fofoca sobre os famosos importa mais do que informação de fato. O próprio jornalismo alimentando essas paixões baixas do ser humano, de forma totalmente sensacionalista e mórbida.

É muito pessimismo para um domingo, eu sei. Nem tudo é assim como diz Vargas Llosa. Mas me parece inegável que ele tem um ponto, e que faz bem em expor seu alerta. Muitas pessoas com maior sensibilidade e independência acabam optando pelo autoexílio, pelo ostracismo autoimposto, pelo silêncio. E isso só deixa mais espaço para os idiotas. 

Por isso considero legítimo o ataque do escritor à “civilização do espetáculo”, uma vez que é sempre bom lembrar que “a vida não só é diversão, mas também drama, dor, mistério e frustração”. Poucos querem ser lembrados disso atualmente, na era do Prozac...
Por: Rodrigo Constantino

PENSAR ESTÁ SE TORNANDO ALGO OBSOLETO

A educação não somente foi negligenciada no sistema educacional atual, como também já foi quase que completamente substituída pela doutrinação ideológica.

Embora seja humanamente impossível responder a todos os e-mails e cartas que os leitores me enviam, muitos deles são bastante interessantes e intelectualmente instigantes, tanto no sentido positivo quanto no sentido negativo.

Por exemplo, um jovem me enviou um e-mail pedindo as fontes em que eu havia me baseado para citar alguns fatos negativos sobre o desarmamento em um artigo recente. É sempre bom checar os fatos — especialmente se você checar os fatos de ambos os lados da questão.

Em contraste, um outro sujeito simplesmente me criticou por tudo o que eu havia dito nesse artigo. Ele não pediu as minhas fontes e nem quis saber se elas existiam; ele simplesmente saiu fazendo afirmações em contrário, como se essas suas assertivas fossem automaticamente corretas pelo simples fato de estarem sendo pronunciadas por ele, algo que, em sua mente, invalidaria automaticamente tudo o que eu havia escrito.

Ele se identificou como médico, e as alegações que ele fez sobre armas eram as mesmas que haviam sido feitas anos atrás em uma revista médica — alegações que já foram inteiramente desacreditadas desde sua publicação. Ele poderia ter aprendido isso caso houvesse me dado a oportunidade de responder às suas provocações, de um modo que nos engajássemos em um debate. Porém, ele próprio deixou claro desde o início que sua carta não tinha o objetivo de gerar um debate, mas sim apenas de me acusar e me denunciar. 

Esse tipo de comportamento se tornou um procedimento padrão no mundo atual.

É sempre surpreendente — e apavorante — constatar quantos assuntos extremamente sérios não são discutidos seriamente hoje em dia; as pessoas simplesmente saem emitindo afirmativas e contra-afirmativas, tudo de maneira generalizada. Seja em debates de internet ou até mesmo em programas de televisão, as pessoas simplesmente tentam calar seu opositor falando mais alto do que ele ou simplesmente recorrendo a frases de efeito de cunho emotivo.

Há inúmeras maneiras de fazer parecer que se está argumentando sem que na realidade se esteja produzindo absolutamente nenhum argumento coerente.

Décadas de educação escolar e universitária simplificada — para não dizer idiotizante — certamente têm algo a ver com a atual situação, mas isso não explica tudo. A educação não somente foi negligenciada no sistema educacional atual, como também já foi quase que completamente substituída pela doutrinação ideológica. A doutrinação que hoje é feita por professores e instituições supostamente educacionais é amplamente baseada na simples vocalização das mesmas pressuposições básicas e não-comprovadas de sempre.

Se as instituições educacionais de hoje — desde escolas a universidades — estivessem tão interessadas em diversidade de ideias quanto estão obcecadas com diversidade racial e sexual, os estudantes ao menos adquiririam experiência ao ver as pressuposições que existem por trás de diferentes visões, e entenderiam a função da lógica e da evidência ao debaterem tais diferenças. No entanto, a realidade é que um estudante pode passar por todo o seu ciclo educacional, desde o jardim de infância até seu doutoramento, sem entrar em contato com absolutamente nenhuma visão de mundo que seja fundamentalmente diferente daquela que prevalece dentro do espectro de opiniões autorizadas e politicamente corretas que domina o nosso sistema educacional.

No que mais, a perspectiva moral da visão ideológica predominante é completamente maniqueísta: as pessoas imbuídas dessas ideias realmente se veem como anjos combatendo todas as forças do mal — seja o assunto em questão o desarmamento, o ambientalismo, o racismo, o homossexualismo, o feminismo ou qualquer outro ismo.

Um monopólio moral é a antítese de um livre mercado de ideias. Um indicativo desta noção de monopólio moral dentre a intelligentsia esquerdista é o fato de que as instituições que estão majoritariamente sob seu controle — escolas, faculdades e universidades — são justamente aqueles que usufruem muito menos liberdade de expressão do que o resto da sociedade.

Por exemplo, ao passo que a defesa e até mesmo a promoção da homossexualidade é comum nos campi universitários — e comparecer a palestras e aulas que fazem tal promoção é frequentemente algo obrigatório nos cursos introdutórios —, qualquer crítica ao comportamento homossexual é imediatamente rotulada de "reacionarismo", "preconceito" e "incitação ao ódio", sujeita a imediata punição.

Enquanto porta-vozes de vários grupos raciais e étnicos são livres para denunciar com veemência "os brancos" por seus pecados passados e presentes, verdadeiros ou imaginários, qualquer estudante branco que similarmente venha a denunciar as transgressões ou os desvarios de grupos não-brancos garantidamente será punido, se não expulso.

Até mesmo estudantes que não defendem ou não promovem absolutamente nada podem ter de pagar um preço caso não concordem com a lavagem cerebral que ocorre nas salas de aula. Recentemente, nos EUA, um aluno da Florida Atlantic University que se recusou a pisotear um papel em que estava escrito a palavra "Jesus", a mando de seu professor, foi suspenso pela universidade. Felizmente, a história veio a público e gerou uma onda de protestos fora do mundo acadêmico.

A atitude deste professor pode ser descartada e ignorada como sendo um caso isolado de extremismo, mas o fato é que o establishment universitário saiu solidamente em sua defesa e atacou implacavelmente o estudante. Tal atitude mostra que a podridão moral que impera na academia vai muito mais além do que um simples professor adepto da doutrinação e da lavagem cerebral.

Estamos hoje vivenciando todo o esplendor do anti-intelectualismo que se espalhou por metástase ao longo de todo o mundo acadêmico. As universidades se tornaram tão dominadas por uma insistência na inviolabilidade de um determinado pensamento grupal, que qualquer professor "forasteiro", que não compactue com a predominância deste pensamento gregário, não mais pode falar a respeito de um determinado assunto sem antes ter sido devidamente credenciado por seus pares. Uma simples pesquisa sobre o tratamento dispensado a acadêmicos que ousam questionar a santidade do aquecimento global mostra bem esse ponto.

Já houve uma época em que um curso universitário era considerado um meio de introduzir as pessoas a uma ampla gama de assuntos que lhes permitiria pensar e falar inteligentemente sobre várias questões que estivessem afetando suas vidas. O pensamento coletivista — que hoje é predominante no meio universitário — rejeita tal ideia, conferindo o monopólio de determinadas questões apenas àquelas pessoas que são reconhecidas como "especialistas" por seus pares.

Este método educacional que recorre à intimidação e à simples repetição de frases de efeito de cunho emocional evidencia a completa falência do sistema educacional. Se professores universitários — teoricamente a nata intelectual da sociedade, pessoas que por vocação e profissão deveriam ser as mais rígidas seguidoras do rigor intelectual — agem assim, como podemos esperar que o restante da população apresente discernimentos mais profundos? 

Para sobreviver e progredir, seres humanos precisam saber pensar. Porém, estamos cada vez mais terceirizando esta função para acadêmicos, que por sua vez pautam o conteúdo da mídia. Tal terceirização de pensamento ajuda a explicar por que há hoje uma escassez de pensamentos originais e significativos. 

O fracasso do sistema educacional vai muito além da ausência de um aprendizado útil. O real fracasso está naquilo que de fato é ensinado — ou melhor, doutrinado — nas salas de aula, algo evidenciado pelos formandos que as universidades cospem para o mundo, seres incapazes de apresentar qualquer resquício de pensamento original. 

Jamais se preocupe em se aprofundar em qualquer assunto: os "especialistas" cujos empregos se resumem a promover a agenda do establishment político e cultural já têm tudo explicado para você.

Por: Thomas Sowell, um dos mais influentes economistas americanos, é membro sênior da Hoover Institution da Universidade de Stanford. Seu website: www.tsowell.com.

Publicado no site do Instituto Ludwig Von Mises Brasil.

Tradução: Leandro Roque