sábado, 21 de dezembro de 2013

IBGE PRODUZ PEÇA DE PROPAGANDA ELEITORAL

Antecipando-se à campanha eleitoral de 2014, instituto transforma o estudo dos indicadores sociais numa defesa escancarada da Era Lula e do Programa Bolsa-Família.

O corte justamente a partir de 2002 tem claramente um viés político, como se a melhoria de indicadores sociais – algo de evolução lenta e precisão difícil – fosse regida pelo calendário das urnas.

A edição brasileira do jornal “El País”, que começou mais governista do que diário oficial, estreou com uma vergonhosa entrevista da presidente Dilma Rousseff, no dia 26 de novembro, da qual só se salva a foto de autoria de Uly Martín, por sinal, de arquivo. Com um olhar desafiador, a presidente forma um círculo com o dedo médio sobre o polegar e, como se fora um Justo Veríssimo de saias, manda o povo brasileiro para aquele lugar impublicável. Mas essa foto “punk” nada tem a ver com a entrevista “pink”, em que o diretor do “El País”, Javier Moreno, de forma rastejante, faz o papel de assessor de imprensa e, como se fosse mero lacaio do Planalto, não só chama Dilma Rousseff de “presidenta” e tece loas aos governos petistas, como se esforça por tornar compreensível a própria Dilma, ao traduzi-la para o vernáculo.

É claro que, mesmo para o “El País”, um dos mais conceituados jornais do mundo, não é fácil bajular a presidente Dilma Rousseff a ponto de torná-la inteligível. Depois dos primeiros dois terços de entrevista, o editor vai perdendo o fôlego de copidesque e a verdadeira Dilma se revela. Ao tratar da espionagem norte-americana, Dilma se confunde com a nação e se declara soberana: “Uma relação como a do Brasil e dos Estados Unidos, que os dois países querem que seja estratégica, não pode ter como característica uma violação nem dos direitos civis da minha população nem da minha soberania”. Parece pouca coisa, mas é inadmissível a presidente acreditar que a soberania prevista na Constituição é imanente à sua pessoa e não à nação. Um adulto alfabetizado que não sabe disso não pode nem mesmo ser síndico de prédio, pois corre o risco de burlar a soberania das assembleias de condôminos.

Bastante à vontade diante do vexatório papel do “El País”, Dilma Rousseff, depois de vender as maravilhas de seu governo ao jornal espanhol, fez uma revelação na entrevista: “Esta semana resolveram reavaliar o PIB. E o PIB do ano passado, que era 0,9%, passou para 1,5%. Nós sabíamos que não era 0,9%, que estava subestimado o PIB. Isso acontece com outros países também. Os Estados Unidos sempre revisam seu PIB. Agora nós neste ano vamos crescer bem mais do que 1,5% – resta saber quanto acima”. Tão logo a declaração de Dilma foi publicada, a imprensa correu atrás da confirmação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão responsável pela apuração e consolidação do PIB. Na ocasião, o IBGE não quis adiantar os números da revisão e limitou-se a informar que no dia 3 de dezembro iria divulgar, além dos resultados do terceiro trimestre, eventuais revisões no PIB, que, em 2012, teve uma redução de 0,3%, o pior resultado desde 2009.

Como Brasília ainda não é Buenos Aires, muito menos Caracas, os índices declarados por Dilma Rousseff ao “El País” não se confirmaram, numa prova de que os órgãos do governo ainda têm alguma autonomia técnica. Na terça-feira, 3, o IBGE anunciou que houve, de fato, uma revisão do PIB, mas seu crescimento não foi de 1,5%, como havia dito a presidente, e, sim, de 1%, apenas um décimo porcentual a mais do que o índice de 0,9% anteriormente constatado. Já a expansão do PIB no segundo trimestre foi mais expressiva após a revisão, passando de 1,5% para 1,8%. Além disso, o IBGE anunciou que está fazendo alterações na metodologia de cálculo do PIB e que as revisões definitivas devem ser divulgadas no final de 2014 (ano eleitoral) ou no início de 2015 (ano da inevitável quebradeira pós-Copa).

Manipulando índices econômicos
Um dia antes desse anúncio do IBGE, o ministro da Fazenda, Guido Mantega (provavelmente um dos piores titulares que já passaram pela pasta na história do Brasil), fez a seguinte declaração: “O crescimento do PIB no terceiro trimestre [deste ano] sobre o terceiro trimestre de 2012 está projetado em 2,5 por cento”. Essa afirmação do ministro reforça a tentativa de ingerência política no cálculo do PIB já manifestada por sua chefe ao “El País”. A definição do PIB pelo IBGE é coisa séria. O cálculo do PIB não é apenas uma descrição matemática dos fatos econômicos – dele decorrem consequências políticas e jurídicas. O repasse de verbas para Estados e municípios, por exemplo, depende de critérios que envolvem renda per capita, que, por sua vez, envolve o PIB.

Portanto, o desejável é que nem a presidente da República nem o seu ministro da Fazenda metam o bedelho no cálculo do PIB. Quando Guido Mantega antecipa um novo crescimento do PIB no trimestre, antes mesmo que ele tenha sido oficialmente anunciado, fica a impressão de que o ministro da Fazenda determinou ao IBGE que lhe produza um PIB de encomenda e que suas especulações antecipadas a respeito do assunto são uma tentativa de disfarçar a ingerência política nos índices econômicos. O mercado não gostou das declarações da presidente Dilma Rousseff sobre a revisão e crescimento do PIB. E com razão: nos países bolivarianos da América Latina, especialmente na Argentina de Cristina Kirchner e na Venezuela de Chávez & Maduro, os índices econômicos, inclusive a inflação, são claramente manipulados para satisfazer objetivos políticos.

O Brasil provavelmente não chegará a tanto, mas seus órgãos técnicos não estão totalmente imunes a desvirtuamentos políticos. Prova disso é a “Síntese dos Indicadores Sociais 2013”, divulgada na semana passada pelo IBGE. Essa série de estudos teve início ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, por recomendação da ONU. Na sessão de 29 de fevereiro de 1997, a Comissão de Estatística da ONU aprovou a adoção, por parte dos países-membros, de um conjunto de indicadores sociais para compor uma base de dados nacionais mínima, capaz de possibilitar o acompanhamento técnico de programas sociais. Surgia, assim, a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, publicada pela primeira vez em 1999, ainda no governo tucano, e elaborada a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que abrange todo o território nacional.

O IBGE cruza os dados dessa fonte básica de informação com dados de suas outras pesquisas sobre emprego, orçamentos familiares e situação dos municípios, por exemplo. E também recorre a dados externos, sobretudo do MEC e do Ministério da Saúde. O resultado é praticamente um livro, majoritariamente composto por gráficos e tabelas, mas também recheado de análises e comentários técnicos. A Síntese dos Indicadores Sociais de 2013 do IBGE tem 266 páginas e traz indicadores sociais sobre aspectos demográficos da população brasileira, como taxas de mortalidade e fecundidade, arranjos familiares, domicílios, educação, saúde, trabalho e rendimento. Também trata de grupos populacionais específicos, como crianças, jovens, idosos e mulheres, e aborda desigualdades raciais e de gênero, já mencionadas na recomendação da ONU sobre os indicadores sociais mínimos.

Calendário das urnas no IBGE
A despeito desse esmero técnico, a “Síntese dos Indicadores Sociais 2013” não consegue esconder seu viés político. Na introdução do documento, o IBGE afirma: “Entre 2002 e 2012, a sociedade brasileira passou por mudanças que produziram impactos significativos sobre as condições de vida da população. Por um lado, o dinamismo do mercado de trabalho se traduziu no crescimento da população ocupada e na formalização das relações de trabalho, onde um contingente maior de trabalhadores passou a contar com uma série de direitos e benefícios vinculados à posse da carteira de trabalho. Da mesma forma, o crescimento real do rendimento do trabalho ampliou não apenas o acesso de mais trabalhadores ao mercado de consumo, como também reduziu os diferenciais de rendimento de trabalho”. O IBGE destaca, ainda, “o papel desempenhado pelo salário mínimo, cuja valorização neste período permitiu a ampliação do poder de compra dos trabalhadores”.

O que primeiro chama a atenção nesse texto é o período a que se refere – “entre 2002 e 2012” –, que remete justamente aos dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva e à primeira metade do governo Dilma, ou seja, aos governos do PT. Alguém pode imaginar que a escolha do período não passa de uma coincidência, por se tratar de um decênio. Mas a “Síntese dos Indicadores Sociais” não é decenal como o Censo, portanto, seria mais natural estabelecer comparações com suas edições anteriores, como a de 2012, a de 2010, a de 2009, a de 2007, etc. Se fosse para falar de decênio, então que se usassem os referenciais exatos: década de 1990, década de 2000 etc. O corte justamente a partir de 2002 tem claramente um viés político, como se a melhoria de indicadores sociais – algo de evolução lenta e precisão difícil – fosse regida pelo calendário das urnas.

Compulsando virtualmente edições anteriores da “Síntese dos Indicadores Sociais”, constata-se que esse tipo de reflexão, em moldes claramente políticos, tem tudo para ser inédito. As primeiras “Sínteses”, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, eram sóbrios conjuntos de tabelas acompanhados de notas técnicas. Posteriormente, no governo Lula, elas foram transformadas em livros, com análises mais rebuscadas. Mas as introduções das “Sínteses” dos anos anteriores são estritamente técnicas: elas explicam a importância dos bancos de dados estatísticos para os Estados nacionais, baseando-se na recomendação da ONU, e discutem aspectos históricos ou metodológicos desse gênero de estudos. Já a introdução da “Síntese dos Indicadores Sociais 2013” é uma anomalia. Creio que, como se trata da última edição desse estudo antes das eleições de 2014, o IBGE foi obrigado a antecipar o horário eleitoral gratuito, transformando a “Síntese 2013” numa peça de propaganda política.

Um crime de lesa-ciência
Quando afirma que, “entre 2002 e 2012, a sociedade brasileira passou por mudanças que produziram impactos significativos sobre as condições de vida da população”, o IBGE simplesmente está cometendo crime de lesa-ciência. O impacto mais significativo sobre as condições de vida da população brasileira – especialmente sobre as condições de vida da população mais pobre – continua sendo o fim da inflação. Que não ocorreu entre 2002 e 2012 e, sim, em 1994, com a adoção do Plano Real, liderado pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda do presidente Itamar Franco. Nada corroía mais o poder aquisitivo do trabalhador do que a inflação desenfreada. A inflação reduzia a vida das famílias pobres a uma luta diária pela sobrevivência. Não era possível pensar nada a longo prazo. Tudo se resumia a disputar preços com remarcadores nos supermercados.
Dilma Rousseff: politizando até os indicadores técnicos, como o PIB

O IBGE vai mais longe e não se peja de fazer propaganda explícita do Programa Bolsa-Família, criado pelo então presidente Lula, que confessadamente se inspirou no Programa Renda Cidadã do governador de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB. Eis o que afirma o IBGE, como se a “Síntese 2013” fosse para ser lida no horário eleitoral gratuito: “A criação, ampliação e consolidação de um conjunto de políticas de transferência de renda voltadas para segmentos da população historicamente excluídos de medidas protetivas por parte do Estado contribuiu também para a redução nos indicadores de desigualdade de rendimento, acesso a programas e serviços de saúde na área de atenção básica e frequência escolar. A ampliação do ensino obrigatório para crianças de 4 a 17 anos de idade, prevista na legislação vigente, renova os desafios de superação dos gargalos reconhecidos, como o acesso à educação infantil e ao ensino médio”.

Na expressão “historicamente excluídos”, percebe-se Lula falando pela boca do IBGE: “Nunca antes na história deste País...” Pelo menos desde Getúlio Vargas, o Estado brasileiro demonstra grande preocupação com os excluídos. Da carteira de trabalho ao seguro-desemprego, passando por instituições como Cohab (habitação) e Cobal (alimentos), o Estado sempre se preocupou com os pobres. Se essa preocupação dá resultados ou não é outra história, mas que ela existe, não há dúvida. A maioria dos políticos costuma dizer que trabalha para os pobres, pois os ricos não precisam do Estado. E é verdade. Mesmo quando um político pratica corrupção, ele o faz no bojo de obras ou políticas públicas voltadas para os mais pobres. Por incrível que pareça, o único político que fez questão de alardear ter trabalhado para os ricos foi o próprio Lula, ao admitir que os bancos nunca lucraram tanto como em seu governo e ao transformar o BNDES no provedor da Bolsa-Empresário.

Progressiva estatização da mendicância
De acordo com o último relatório de gestão consolidado do Programa Bolsa Família, publicado em março de 2012 e que traz os dados relativos a 2011, em oito anos de existência, “o Bolsa Família expandiu-se, tornando-se um dos programas sociais de maior cobertura na rede de proteção social brasileira”. O ufanismo da frase anterior é justificado pela frase seguinte, também extraída literalmente do relatório oficial do programa: “Saltou de 3,6 milhões de famílias beneficiárias, em 2003, para 13,3 milhões em dezembro de 2011”. Esse número é superior à meta de 12,9 milhões de famílias que havia sido fixada no Plano Plurianual 2008-2011. E o número de famílias beneficiadas pelo Bolsa-Família continua crescendo: no último mês de novembro, segundo dados oficiais do Ministério do Desenvol-vimento Social, foram 13.830.095 famílias beneficiadas, que receberam um total de R$ 2,109 bilhões em benefícios. Somente nos 23 últimos meses, 468.592 famílias foram incorporadas ao programa, ou seja, quase meio milhão de famílias.

Se considerarmos uma média de quatro pessoas por família atendida, chega-se à conclusão de que o Programa Bolsa-Família beneficia, no mínimo, 55 milhões de brasileiros, mais de um quarto da população do País. Notem que esse número é expressivamente superior os 40 milhões de brasileiros que o governo Lula, com a varinha de condão estatística da Fundação Getúlio Vargas, diz ter transformado na “nova classe média” – a maior mentira oficial de toda a história do Brasil, apesar de referenda por uma das maiores universidades do País. Diante desses escandalosos dados oficiais, não há razão para o IBGE se ufanar das políticas de transferência de renda do governo federal, atribuindo a elas “a redução nos indicadores de desigualdade de rendimento, o acesso a programas e serviços de saúde na área de atenção básica e a frequência escolar”. Ao contrário do que diz o IBGE, isso nada tem a ver com redução sustentável da desigualdade – é apenas a progressiva estatização da mendicância.

Na equipe que coordenou a “Síntese dos Indicadores Sociais 2013” do IBGE, não deve haver nenhum economista liberal. Devem ser todos keynesianos ou marxistas, pois a fé no Estado, como salvador da humanidade, está presente a cada linha do documento. Exemplo disso é a análise que o IBGE faz da geração que ele próprio classificou de “nem-nem” – jovens de 15 a 29 anos que nem trabalham nem estudam e somam 19,6% nessa faixa etária. O próprio IBGE destacou esse aspecto da pesquisa, alardeando-o na imprensa. E um dado que provocou verdadeira comoção nos jornais, norteando as manchetes do noticiário sobre a pesquisa, diz respeito às mulheres: “A proporção de mulheres entre os que não estudavam e não trabalhavam foi crescente com a idade: 59,6% entre aqueles com 15 a 17 anos de idade, atingindo 76,9% entre as pessoas de 25 a 29 anos de idade”.

Os jornais quase derramaram lágrimas, acreditando, como o IBGE, que estavam diante da discriminação de gênero. Ocorre que tinham pelo menos um filho: 30% das mulheres de 15 a 17 anos de idade; 51,6% daquelas de 18 a 24 anos e 74,1% daquelas de 25 a 29 anos. Isso explica o alto porcentual de mulheres que não trabalham nem estudam nessa fase da vida. Em sua maioria, elas fazem opção preferencial pelo filho por uma questão de bom senso, recorrendo ao conceito de vantagens comparativas ainda que intuitivamente. De que adianta trabalhar fora e gastar quase todo o salário com uma babá para cuidar do filho? Ou negligenciar o rebento para frequentar uma escola de alta periculosidade, que mal consegue formar analfabetos funcionais? A despeito do feminismo, muitas mulheres querem ser mães. No México, 77% das jovens mexicanas nem estudam nem trabalham fora, preferindo criar família.

Mais grave do que não trabalhar nem estudar para cuidar do filho é não trabalhar e fingir que estuda apenas para eternizar uma esmola estatal. Mas não é o que pensa o IBGE, que replica em seus estudos o pensamento hegemônico nas universidades. A “Síntese dos Indicadores Sociais 2013” foi produzida à luz da Emenda Consti-tucional nº 65, que transformou em crianças jovens maiores de 18 anos e resultou no Estatuto da Juventude, uma lei que considera totalmente dependentes da família, do Estado e da sociedade marmanjos de até 29 anos de idade. Daí a explícita preocupação da pesquisa do IBGE com os adultos que se enquadram nessa faixa etária. Como o artigo 227 da Constituição, transformado pela Emenda 65, igualou os jovens adultos às crianças de colo, a geração “nem-nem” criada pelo IBGE deixa de ser uma questão de vadiagem para se tornar um problema do Estado e da sociedade – transformados pela Constituição em babás de marmanjos. 
Publicado no Jornal Opção.
Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

CONVERSA VENCIDA

Muito pouca gente deve lembrar de alguma ocasião em que se falou tanto de dois internos do sistema penitenciário nacional como se fala agora de José Dirceu e José Genoino. Os dois magnatas estavam abaixo só de Deus, no PT ─ é natural, assim, que sua condenação no STF por crime de corrupção tenha rendido uma montanha de assuntos para a imprensa, os cidadãos que se manifestam pela internet e todo brasileiro que tem, ou acha que tem, algo a comentar sobre política. Genoino teve ou não um começo de infarto na prisão da Papuda, em Brasília, em razão do qual foi removido para um hospital? Aliás, existe mesmo isso ─ “começo de infarto”? O que José Dirceu tem no currículo profissional que justificasse sua contratação por 20 000 reais por mês para gerir um hotel quatro-estrelas de Brasília ─ emprego do qual acabou desistindo? Haveria alguma relação entre o convite, necessário para que Dirceu possa cumprir sua pena em regime semiaberto, e o dono do hotel, um íntimo amigo do governo petista e próspero beneficiário de concessões de rádio? Por que o PT chama Genoino e Dirceu de “presos políticos”, mas não diz uma palavra sobre á condenação da banqueira Kátia Rabello ou de Marcos Valério, por exemplo, que receberam penas de prisão muito mais pesadas? A presidente Dilma Rousseff ficou contrariada, mesmo, com o tratamento diferenciado que os dois têm recebido na Papuda? Se Genoino é um homem inocente, por que renunciou, na semana passada, a seu mandato de deputado ─ estava achando que iria ser cassado pelo plenário?

Muita conversa, como se vê. Mas será que valeria mesmo a pena falar tanto assim desse assunto? Parece, num exame um pouco mais atento, que se está queimando muita vela para pouco santo. Começando por Genoino, por exemplo, logo se vê que a viga mestra do debate é o fato de que ele não se beneficiou financeiramente em nada com as traficâncias do mensalão ─ é um homem honrado e não enriqueceu no governo. Estaria provada, já aí, a injustiça da sua condenação. Mas os usuários desse tipo de argumento se recusam a aceitar uma realidade óbvia: nunca esteve em julgamento, em sete anos de processo, a integridade pessoal de Genoino. O que se julgou foi outra coisa: se ele violou ou não os artigos 288 e 333 do Código Penal brasileiro, que punem os crimes de formação de quadrilha e de corrupção ativa. Da mesma forma, os movimentos pró-Genoino ─ e ele próprio, ao levantar o punho esquerdo para os fotógrafos no momento da prisão, como se estivesse liderando um ato político ─ passaram a sustentar que o ex-líder está preso só porque foi presidente do PT. É o contrário dos fatos: Genoino está preso porque assinou cheques que serviram de base para uma vasta operação de fraude bancária. É a sua assinatura, e de ninguém mais, que está lá.

Gasta-se muito latim, também, com lembranças sobre o passado do chefe petista, como se ele fosse um herói da história brasileira recente. Mas, quando se sai da biografia e se vai ver a obra, o que aparece? Na vida como ela é aparece um cidadão que achou possível derrubar o governo do Brasil sem combinar nada com os 90 milhões de brasileiros da época, reunindo meia dúzia de seguidores mal armados, mal treinados e mal comandados num dos cantos mais remotos do território nacional ─ o fundão do Araguaia, onde se limitou, o tempo todo, a ficar fugindo da tropa, até seu grupo ser liquidado e ele próprio ser preso. O objetivo do seu movimento, para completar, era criar uma ditadura no Brasil, em substituição ao regime militar; nada mais distante da realidade do que a fantasia espalhada hoje segundo a qual Genoino foi um combatente da democracia e da liberdade no Brasil.

Dirceu, que também é discutido como um homem importantíssimo, não tem valor maior. Com 67 anos de idade e uns 45 de militância, passou a vida inteira fazendo tudo para chegar ao poder, por qualquer meio que fosse ─ e quando enfim chegou lá, com a vitória de Lula na eleição presidencial de 2002, mal conseguiu ficar dois anos no governo. Que gênio político é esse? Pior: na vida real, ninguém prejudicou tanto a Dirceu quanto o homem que ele tem servido há décadas: o ex-presidente Lula, que o demitiu do seu ministério já em 2005 e sepultou a sua carreira, sem jamais ter dito uma palavra para explicar por que fez isso. Não foi o ministro Joaquim Barbosa nem a “direita” que botaram Dirceu na rua ─ foi Lula. Se o mensalão não existiu e Dirceu não fez nada de errado, por que o ex-presidente lhe deu esse tiro na testa? Mistério.

Já venceu, para Genoino e Dirceu, o prazo de validade. Publicado na edição impressa de VEJA  Por: J. R. GUZZO  Do site: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/

O ACORDE DISSONANTE


O sociólogo convertido em político aos 48 anos tinha tudo para dar errado como candidato a qualquer coisa. Tal suspeita vira certeza com a leitura das revelações de Fernando Henrique Cardoso no livro escrito em parceria com o jornalista americano Brian Winter. A versão em português de O improvável Presidente do Brasil justifica o título com a exposição de traços de temperamento, marcas de nascença, heranças genéticas e outras particularidades que, se favoreceram a trajetória vitoriosa do professor admirado em muitos sotaques, pareciam condenar ao fiasco o político aprendiz. E reafirma que a chegada de FHC ao Palácio do Planalto em 1994 foi muito mais surpreendente que o triunfo de Lula ou sua substituição por Dilma Rousseff.

O grande viveiro de cabeças baldias tem tudo a ver com o ex-operário sem compromisso com a verdade (e o plural) ou com a mulher que fala dilmês (e não diz coisa com coisa). Assombrosa, portanto, é a constatação de que um intelectual puro-sangue foi autorizado pelo voto a reinar, durante oito anos, num país em que a palavra elite deixou de designar o que há de melhor num grupo social para tomar-se estigma. Foi Fernando Henrique o acorde dissonante na ópera do absurdo composta pelos que o antecederam e retomada por seus sucessores. Vistos de perto, os presidentes brasileiros exibem muito mais semelhanças que diferenças. Se estivessem vivos, todos seriam parceiros na base aliada. Menos Fernando Henrique Cardoso, informam os paradoxos que fizeram dele uma figura sem similares.

No país do futebol e do Carnaval, ele jamais calçou um par de chuteiras e não vestiu fantasias nem mesmo quando criança. Na terra dos extrovertidos patológicos, que na campanha se engalfinham com um eleitor desconhecido a cada metro e derramam lágrimas de esguicho na vitória ou na derrota, ele nunca foi além de tapinhas nas costas e chorou menos que Clint Eastwood. No Brasil dos analfabetos sem cura, que instalam e mantêm no poder populistas iletrados, dedicou a maior parte da vida a ensinar, pesquisar, ler, escrever e, sobretudo, pensar. “Como poderia um professor de sociologia, paulista (embora nascido no Rio), “elitista”, “sem carisma” e “arrogante” derrotar um homem como Lula?”, perguntava-se.

Um marqueteiro da tribo de Duda Mendonça trataria de reconstruí-lo dos cabelos (sempre com cada fio em seu lugar) aos sapatos (muitos de cromo alemão). Em junho de 1994, com o candidato já em campanha pela Presidência, publicitários amigos tentaram aproximá-lo do que chamavam de “povão” com mudanças menos radicais. “Decidiu-se que eu devia aparecer mais em mangas de camisa e tentar mostrar mais senso de humor”, exemplifica. “Especulava-se também que talvez eu precisasse de um apelido. Alguém sugeriu FHC, mas concluímos que era muito parecido com DDT. Acabamos ficando mesmo com Fernando Henrique.” Com anêmicos 19% nas pesquisas que mantinham Lula acima de 40%, pensou em desistir. Não podia imaginar que derrotaria duas vezes, ambas no primeiro turno, o adversário invencível. Muito menos que FHC seria, ao lado de JK, uma das duas únicas siglas tombadas pelo patrimônio político nacional.

“Sempre tive muita sorte”, reconhece o beneficiário de uma extraordinária soma de acasos, ventos favoráveis, coincidências intrigantes e talento de sobra. Feliz com a vida de chanceler, foi surpreendido pelo presidente ltamar Franco com o convite para assumir o Ministério da Fazenda. Nunca entendeu as razões da escolha de um sociólogo sem intimidade com assuntos econômicos para domar a hiperinflação. Repassou a tarefa a uma equipe de especialistas que montaram o Plano Real com o expurgo dos erros que haviam cometido no Plano Cruzado. “Fui eleito pela economia”, reconhece Fernando Henrique no capítulo que narra a mais espetacular virada eleitoral desde a redemocratização do país. Mas foi reeleito por milhões de brasileiros convencidos de que a estabilidade da moeda fora apenas a maior e mais improvável proeza do presidente. Há muitas outras no livro, que é uma espécie de “Fernando Henrique Cardoso para Estrangeiros”. Não há nada que lembre a densidade informativa e a profundidade analítica do essencial A Arte da Política, coordenado pelo jornalista Ricardo Setti ─ hoje colunista da VEJA.com. “Mas nunca me referi de modo tão pessoal a certos acontecimentos”, avisa FHC. “É mais fácil, às vezes, entrar em pormenores pessoais conversando em outro idioma.” As revelações em inglês permitem conhecer melhor alguns interiores, até agora indevassados, do homem que mudou a história de um país que pedia socorro em português. Artigo de Augusto Nunes publicado na edição impressa de VEJA  Do site:  http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

O MENSALÃO É UMA MENTALIDADE


O mensalão não foi um caso de corrupção. O mensalão é uma mentalidade.
Ainda se crê que o problema do mensalão foi desvio de dinheiro público. Se as compras de voto fossem 100% com dinheiro privado, o problema persistiria: o mensalão foi um golpe ditatorial e totalitário.


Os mensaleiros tiveram suas prisões decretadas. De toda a quadrilha, apenas três petistas foram presos – José Genoino, José Dirceu e Delúbio Soares – e um quarto aparentemente fugiu para a Itália, Henrique Pizzolato, ainda mantendo um tom de pizzaiolo no imbróglio.

No presídio da Papuda, para onde Genoino e Dirceu foram enviados, uma trupe de petistas faz barraco noite e dia (não trabalham? como pagam as contas?) com brados como “Dirceu, herói do país!”.

Todos no país parecem dizer que querem acabar com a corrupção – sobretudo a corrupção dos outros. Foi criando CPIs intermináveis sobre corrupção (a maior parte delas não dando em nada) que Dirceu subiu na carreira de deputado (foi levantando um morto numa manifestação nos anos 60 que subiu na carreira de líder de turbas enfurecidas).

Henrique Pizzolato, por sinal, teve um discurso que parece 100% o discurso da “oposição” atual quando tentou ser governador do Paraná em 1990.



Contudo, mesmo que o foco seja a corrupção apenas dos rivais, há algo de novo no mensalão. Os petistas tentam agora chamar um caso de corrupção que nada tem a ver com a concentração de poder do mensalão petista de “mensalão tucano”, e tentarão eternamente doravante chamar qualquer caso de corrupção que não envolva compra de deputados nem centralismo burocrático de “mensalão”.

Há alguns anos (em contagem histórica, poucos anos) havia a figura em São Paulo do “malufista”. Aproveitando-se do mote que os apoiadores de Ademar de Barros (uma espécie de Maluf avant-les-temps) lhe atribuíam, “rouba mas faz”, os malufistas defendiam um político mesmo debaixo de uma lamaçal de corrupção.

Maluf é figura esquecida da política. O que é chamado em ideologia política como “direita” sempre o detestou, por saber que de direitista (liberal ou conservador) Maluf tem muito pouco – tanto é que debandou para o lado petista, o daqueles que só querem o poder, não importa quanto tenham de inverter o discurso para tal.


Mas depois que as denúncias de corrupção começaram a se comprovar (Maluf já foi preso com seu filho, ao menos por alguns dias), Maluf não teve mais votos suficientes nem para ser um deputado de destaque – que dirá realizar seu antigo projeto de poder de ser presidente.

Quando Paulo Maluf foi preso, não houve UM ÚNICO malufista na frente do presídio o considerando um herói ou clamando por sua inocência.

Por que a coisa mudou tanto com o PT? A verdade é simples: a mentalidade política que torna alguém petista (ou de esquerda, ou progressista) é crente na eficiência do Estado, só faltando um pouco de bom mocismo nos seus dirigentes. O Estado só age por um meio: coação, obrigando as pessoas a algo pelo monopólio força.

Quem acredita tão firmemente no PT acredita que o Estado deve controlar a sociedade para ela não ser diferente do que ele imagina – para que não haja “desigualdade”, para que as pessoas não sejam “preconceituosas”, para que não sejam “ofensivas” e para corrigir a história na base do revisionismo corretivo oficial do governo.

Para isso, é preciso que o Estado tenha poder sobre as pessoas, e é preciso ter um Estado cada vez maior controlando uma população que se torna cada vez mais obediente e igual. O destino final é retratado em livros como1984 ou A Revolução dos Bichos, de George Orwell, A Revolta de Atlas de Ayn Rand, Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, O Processo de Kafka ou O Zero e o Infinito de Arthur Koestler. O totalitarismo gerando um novo mundo de “igualdade” e anulação da individualidade e da história.

O mensalão serviu exatamente para atravessar um empecilho óbvio: numa democracia moderna, não se governa sozinho, como no totalitarismo cubano admirado por 11 em cada 10 petistas, e sim com oposição.

O plano de poder do PT é o totalitarismo da igualdade (basta ver como a palavra “desigualdade” é repetida ad nauseam em todo discurso petista).

Como todo totalitarismo, seu germe é a democracia: o PT gosta da democracia paratomar o poder, não para exercê-lo. Para tomar o poder, fez coalisão com os maiores donos do poder do país – de ACM a Collor, de Sarney a Maluf, deixando até poucas opções indigestas para a oposição ser obrigada a engolir a contragosto.

Tão logo o poder é tomado, qualquer opinião diversa entra na fila do abate. O mensalão era a mesada que se pagava a deputados da base aliada (e, portanto, não a petistas, que nãoenriqueciam no processo) para que eles votassem sempre a favor do Executivo central – ou seja, para que Lula governasse sozinho, sem precisar do Congresso, por decreto direto, como fazem seus amigos ditadores Fidel Castro, Evo Moralez, Rafael Correa, Hugo Chávez, Nicolas Maduro(que, num estágio mais avançado deste processo, já revogou os poderes da oposição venezuelana e já governa por decreto, misturando Executivo e Legislativo apenas em sua pessoa).

Portanto, é inútil a logorréia petista, de que “Genoino não enriqueceu e continua vivendo na mesma casa”. O mensalão não foi feito para enriquecer o PT, e sim para aumentar o seu poder de legislar por decreto, como mais poder do que uma ditadura.

Curiosamente, não dizem que “José Dirceu continua pobre”, sem perceber nenhuma contradição.


Nem que “Lula continua pobre”, bebendo whisky Johnny Walker Black Label, vinho Marquês de Riscal e água San Pellegrino, ou que o filho de Lula, ex-guarda de zoológico, “continua pobre” em sua nova casa.

Ou seja, o mensalão não é apenas um caso de corrupção, como era o malufismo: é uma mentalidade para tomar o poder e reconstruir a sociedade inteira através da concentração de poder em um único Executivo central. Na verdade, se o mensalão não tivesse dinheiro público (ou seja, não fosse corrupção), 99% do problema continuaria existindo. Poucos já entenderam o que foi o mensalão.

Não é à toa que um famoso petista, quando da visita de Yoani Sánchez ao Brasil, tentando bancar o engraçadinho, deu com a língua nos dentes: gritou “eu sou mensaleiro”, e disse que iria tomar o poder para governar por 50 anos sem parar. Mesmo assim, seus opositores ainda não entenderam a que vieram os mensaleiros (para eleger um ditador e governar por decreto, ignorando a separação de poderes).


É isso que é o projeto do PT (enquanto a oposição precisa se reinventar a cada eleição).

O que atrapalhou o plano foi que o Judiciário ficou de fora, e acreditou-se ser possível cooptá-lo tão facilmente quanto se faz com deputados (em geral menos técnicos e mais interessados apenas em roer o osso do poder).

Mesmo com um STF composto já quase em sua totalidade por indicações do PT (apenas 2 ministros não foram parar lá por causa do PT), juízes, que analisam dados e julgam processos de mil páginas (o que deputados praticamente nunca fazem) não tiveram como não rifar a cabeça dos mensaleiros – a não ser os dois de sempre e, claro, por “mera coincidência”, os últimos que apareceram logo que conseguiram enrolar o processo até a saída de Ayres Britto e Cezar Peluso, e que quis o Destino que votassem a favor dos mensaleiros.

Quando os petistas acusam Joaquim Barbosa de “traidor” e “capitão do mato”, apenas revelam a que vieram: o PT, ao contrário de qualquer outro partido no poder, não indicou juízes para o STF por competências técnicas para julgar casos, e sim para votar a favor do PT e favorecer sua concentração de poder. Um juiz que julgue, ao invés de dar a patinha (como fazem certos outros), é um juiz que atrapalha a aplicação do totalitarismo.



O Brasil não tem risco de um golpe militar, de uma “mídia golpista” que seja capaz de arranhar a imagem de algum petista (alguém duvida da reeleição de Dilma?), de uma ameaça neofascista ou nazista – mas corre o risco do totalitarismo socialista petista.

Do contrário, por que nenhum petista faz alguma crítica à ditadura cubana, e o único a se pronunciar a favor da dissidente Yoani Sánchez (na verdade, apenas para que ela tivesse direito à fala) foi a contradição ambulante Eduardo Suplicy, ser humano com tanta complexidade na mentira interior que precisa de um Machado de Assis para ser explicado, já que nossa literatura atual, totalmente pró-PT, não tem capacidade para criar personagens tão humanos?

Por que nenhum petista critica o Foro de São Paulo? Por que nenhum petista se revolta contra totalitarismos socialistas mundo afora – pelo contrário, até Luiz Gushiken, morto neste ano, eramaoísta, enquanto Tarso Genro afirma à revista extremista Caros Amigos que o PT deixou o Brasil um pouco mais perto do socialismo?

Sem o risco de ditadura vindo de lugar nenhum, o Brasil só tem um risco atual: o PT. O PT é o mal do Brasil, o mal em estado bruto, em estágio cada vez mais avançado. E o mensalão foi apenas a primeira tentativa de governar cubanamente por 50 anos. 
Do site: http://www.implicante.org/

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

TRIÊNIO PARA ESQUECER

A política de energia ficou restrita à manipulação dos preços dos combustíveis fornecidos pela Petrobras


É muito difícil encontrar na história brasileira um triênio presidencial com resultados tão pífios como o da presidente Dilma Rousseff. Desde a redemocratização de 1985, o único paralelo possível é com o triênio de Fernando Collor, que conseguiu ser pior que o da presidente. Em dois dos três anos houve recessão (1990 e 1992).

Mas Collor encontrou um país destroçado. Recebeu o governo com uma inflação anual de 1.782%, as contas públicas em situação caótica e uma absoluta desorganização econômica.

Dilma assumiu a presidência com um crescimento do PIB de 7,5%. Claro que o dado puro é enganoso. Em 2009 o país viveu uma recessão. Mas o poder de comunicação de Lula foi tão eficaz que a taxa negativa de 0,2%, deu a impressão de crescimento ao ritmo chinês — naquele ano, a China cresceu 8,7%.

No campo da ética, o triênio foi decepcionante. Nos dois primeiros anos, a presidente bem que tentou assumir um discurso moralizador. Seus epígonos até cunharam a expressão “faxineira”. Ela iria, sem desagradar a seu criador, limpar o governo de auxiliares corruptos, supostamente herdados de Lula.

Fez algumas demissões. Chegou até a entusiasmar alguns ingênuos. Logo interrompeu as ações de limpeza e, mais importante, não apurou nenhuma das denúncias que levaram às demissões dos seus auxiliares. Todos — sem exceção — continuaram livres, leves e soltos. E mais: alguns passaram a ser consultores de fornecedores do Estado. Afinal, como conheciam tão bem o caminho das pedras….

Sem carisma e liderança, restou a Dilma um instrumento poderoso: o de abrir as burras do Tesouro para seus aliados. E o fez sem qualquer constrangimento. As contas públicas foram dilaceradas e haja contabilidade criativa para dar algum ar de normalidade.

Todos os programas do seu triênio fracassaram. Nenhum deles conseguiu atingir as metas. Passou três anos e não inaugurou nenhuma obra importante como um aeroporto, um porto, uma estrada, uma usina hidrelétrica. Nada, absolutamente nada.

O método petista de justificar a incompetência sempre foi de atribuir ao antecessor a culpa pelos problemas. É construído um discurso que sataniza o passado. Mas, no caso da presidente, como atribuir ao antecessor os problemas? A saída foi identificar os velhos espectros que rondam a história brasileira: os Estados Unidos, o capitalismo internacional, o livre mercado.

A política externa diminuiu o tom panfletário, que caracterizou a gestão Celso Amorim. Mas a essência permaneceu a mesma. O sentido antiamericano — cheirando a naftalina — esteve presente em diversas ocasiões. Em termos comerciais continuamos amarrados ao Mercosul, caudatários da Argentina e, quando Chávez vivia, da Venezuela (basta recordar a suspensão do Paraguai). Insistimos numa diplomacia Sul-Sul fadada ao fracasso. No triênio não foi assinado sequer um acordo bilateral de comércio.

A política de formar grandes grupos econômicos — as empresas “campeãs nacionais” — teve um fabuloso custo para o país: 20 bilhões de reais. E o BNDES patrocinou esta farra, associado aos fundos de pensão das empresas e bancos públicos. Frente à burguesia petista, J.J. Abdalla, o famoso mau patrão, seria considerado um exemplo de honorabilidade e eficiência.

A política de energia ficou restrita à manipulação dos preços dos combustíveis fornecidos pela Petrobras. Enquanto diversos países estão alterando a matriz energética, o Brasil ficou restrito ao petróleo e apostando na exploração do pré-sal, que poderá se transformar em uma grande armadilha econômica para o futuro do país.

A desindustrialização foi evidente. Nos últimos três anos o país continuou sem uma eficaz política industrial. Permaneceu dependente da matriz exportadora neocolonial, que gerou bons saldos na balança comercial, porém desperdiçando bilhões de reais que poderiam ser agregados ao valor das mercadorias exportadas.

O Ministério da Defesa sumiu do noticiário. Celso Amorim, tão falante quando estava à frente do ministério das Relações Exteriores, é uma espécie de titular fantasma. Pior, continuamos sem política de defesa, e as Forças Armadas estão muito distante do cumprimento das suas atribuições constitucionais. Sem recursos, sem treinamento, sem equipamento — sempre aguardando o recebimento da última sucata descartada pelos europeus e americanos.

A equipe ministerial ajuda a explicar a mediocridade do governo. Quem se arriscaria citar o nome de cinco ministros? Quem é o ministro dos Portos? E o da Integração Nacional? Alguém sabe quem é o ministro da Agricultura?

A presidente recebeu o governo com 38 ministérios. Não satisfeita com o inchaço administrativo, criou mais: o da micro e pequena empresa, tão inexpressivo que sequer possui um site.

Se as realizações do triênio são pífias, é inegável a eficiência da máquina de propaganda. O DIP petista deixou seu homônimo varguista no chinelo. De uma hora para outra, segundo o governo, o Brasil passou a ter mais 20 milhões de pessoas na classe média. Como? Tal movimento é impossível de ter ocorrido em tão curto espaço de tempo e, mais importante, com uma taxa de crescimento medíocre. Mas a repetição do “feito” transformou a fantasia estatística em realidade econômica.

Dilma Rousseff encerra seu triênio governamental melancolicamente. Em 2012, o crescimento médio mundial foi de 3,2% e o dos países emergentes de 5,1%. E o Brasil? A taxa de crescimento não estava correta. A “gerentona” exigiu a revisão dos cálculos. O PIB não cresceu 0,9%. O número correto é 1%! Fantástico.

Por: MARCO ANTONIO VILLA Publicado originalmente no site: http://www.marcovilla.com.br/

CAINDO PELAS TABELAS

O Brasil também não tem tido boas notícias em relação às suas universidades. Recentemente, deixou de ter representante entre as 200 melhores do mundo no Ranking Mundial de Universidades 2013-2014, divulgado pela consultoria britânica Times Higher Education (THE). Em 2012, a USP figurava como a única brasileira, na 158ª posição, mas este ano caiu para a 226ª colocação.

Além disso, há apenas quatro universidades brasileiras entre as cem melhores dos principais países emergentes, classificação feita pela primeira vez pela mesma THE. As quatro brasileiras citadas são a USP, que ficou em 11 lugar, Unicamp em 24º lugar, a UFRJ em 60º e a Unesp em 87º. A China lidera a classificação com 23 universidades na lista --quatro delas entre as dez melhores.

Para o sociólogo Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a política de ensino superior do governo federal tem se concentrado no acesso, sem se preocupar com a qualidade, e sem admitir que diferentes instituições podem ter papéis distintos - umas dando cursos de qualidade adequada para grandes números, outras trabalhando na ponta da excelência. 

Segundo ele, a China, mas também a Índia e Coréia, da mesma maneira que a Alemanha e outros países europeus, decidiram identificar suas melhores instituições e investir nelas para transformá-las em instituições de padrão internacional. “Isto é feito não somente colocando mais recursos, mas exigindo que elas mostrem padrões elevados de desempenho em ensino e pesquisa”.

Para tal, precisam ter autonomia e flexibilidade para administrar recursos e, sobretudo, para ter políticas de gestão de talento, o que significa buscar ativamente, em todo o mundo, pessoas de alta competência e pagar o que se paga a estas pessoas no mercado internacional, ou pelo menos acima do que pagaria o mercado privado em seu país.

Schwartzman lembra que no Brasil, essa flexibilidade tem sido impossível, “porque nossas universidades são repartições públicas geridas burocraticamente e submetidas a políticas de salários isonômicos”. Além disso, as universidades “estão submetidas a pressões populistas como as de eleições diretas, etc., que são incompatíveis como uma gestão mais forte e voltada para o desempenho e a excelência”, ressalva. 

Como o setor público não conseguiu crescer neste modelo, o setor privado ocupou o espaço, e hoje atende a mais de 70% da matrícula, “dando uma educação de qualidade precária”, lamenta Schwartzman.

Para Arnaldo Niskier, ex-secretário de educação no Rio, não há muito o que comemorar no ensino superior: “Já deveríamos estar com 10 milhões de alunos,, mas não chegamos ainda a 7, mesmo contando com o 1 milhão de inscritos na promissora educação à distância”. Para ele, “é mais que evidente o envelhecimento do nosso modelo educacional. Currículos ultrapassados, professores despreparados, recursos insuficientes, falta de vontade política nesse setor estrategicamente fundamental para o crescimento do país”.

Mozart Ramos Neves, do Instituto Ayrton Senna, acha que uma das razões da queda de nossas universidades é “o baixo nível de internacionalização”, que teria que ser ampliada aumentando a dupla titulação no seu cotidiano e a mobilidade acadêmica de professores e alunos. “Nossos currículos são muito verticalizados e burocratizados, o que impede muitas vezes a dupla titulação e o reconhecimento de estudos fora do país. Nossos alunos e professores têm uma baixa capacidade para se comunicar em inglês, seria necessário oferecer disciplinas bilíngües”.

Ele acha que o programa Ciência sem Fronteiras é uma importante iniciativa no campo da internacionalização, “mas é preciso ter um planejamento na volta de nossos alunos, ou seja, de como vamos aproveitá-los estrategicamente para o desenvolvimento do país”. Mozart Ramos Neves lembra que atualmente, nos Estados Unidos há 100 mil chineses estudando nas melhores universidades e já sabem o que vão fazer no retorno ao país. Nós temos apenas 9 mil brasileiros.

“Seria estratégico para nossas universidades abrirem escritórios em locais de desenvolvimento em C&T e Inovação, como nas regiões de Harvard e Stanford”, o que ele chama de “ter antenas para o futuro”. As universidades precisariam também se submeter às avaliações internacionais.

Ele lembra que a Universidade Federal de Pernambuco fez isso há quinze anos, ao ser avaliada pela Associação de Reitores da Europa e pela Middle States Association – USA, e assim conseguiu chegar entre as dez melhores universidades do Brasil – a única do Norte e Nordeste. (Amanhã, mais sugestões) Por: Merval Pereira

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O EIXO OAB-PT-STF

OAB, STF e PT resolveram se juntar contra a democracia. O tribunal está prestes a declarar inconstitucional a doação de empresas para campanhas eleitorais, aprovada em 1993, e a restringir a de pessoas físicas. Se acontecer, o primeiro e óbvio efeito será o aumento brutal do caixa dois. O sistema político voltará à clandestinidade da qual havia parcialmente saído há 20 anos e que resultou, por exemplo, no Collorgate. Essa "conspiração dos éticos" de calça curta chega a ser asquerosa. Trata-se de um truque vulgar na América Latina bolivarianizada. Na região, não se dão mais golpes com tanques, mas com leis. Usa-se a democracia para solapá-la. E o Judiciário tem sido peça fundamental da delinquência política.

Se o financiamento não pode ser privado, terá de ser público. O STF, que não foi eleito para legislar, definirá que o Congresso é livre para fazer a escolha única. O "novo constitucionalismo" é só bolivarianismo com sotaque praieiro. Engana trouxas com seu jeitinho beagle de ser. Um rottweiler do estado democrático e de direito logo reage. O PT já havia tentado extinguir as doações privadas. Não deu certo. Agora a OAB, que pede a inconstitucionalidade da atual lei, serve-lhe de instrumento para o golpe togado, no tapetão. O que o partido tem com isso? Explica-se.

Numa argumentação confusa, preconceituosa, Luiz Fux, o relator, vituperou contra a participação do dinheiro privado em eleições. Ele acha que o capitalismo distorce a democracia, cantilena repetida por outros. Falta-lhes bibliografia para constatar que, felizmente, a democracia é que distorceu o capitalismo. Fux sustenta que partidos com mais financiamento privado têm mais votos. Toma o efeito como causa: quem tem mais votos é que tem mais financiamento privado. Sob a lei atual, uma legenda com então seis anos de existência, o PSDB, venceu a eleição presidencial de 1994 e se reelegeu em 1998. Em 2002, perdeu para uma outra, nascida nanica em 1980: o PT. Está em seu terceiro mandato.

A consequência natural do acolhimento da ADI é o financiamento público. Os petistas apresentarão uma emenda popular com esse conteúdo. É operação casada com a OAB. Como distribuir o dinheiro? Ou o critério seria o tamanho da bancada na Câmara ou o número de votos na eleição anterior. O principal beneficiado seria o PT. Uma vantagem presente e transitória seria transformada em ativo permanente.

Sindicatos, movimentos sociais e ONGs já atuam como cabos eleitorais do PT, e a massiva propaganda institucional é mera campanha eleitoral disfarçada. O partido quer agora que a supremacia alcançada ao longo de 20 anos de financiamento privado impeça seus adversários de tentar o mesmo caminho. Eles se tornariam reféns do status alcançado pelo petismo.

Há um aspecto adicional: partidos que têm de se financiar na sociedade obrigam-se a dialogar, a estabelecer pactos, a modular a ação segundo os valores da comunidade que pretendem governar. Se o dinheiro é garantido por um cartório, amplia-se o espaço do seu arbítrio, não o de sua independência.

Fux atribuiu até a ainda pequena presença de mulheres na política ao financiamento privado. Sei. O capital é feio, sujo, malvado e machista. É um caso de falácia lógica, sintetizada na expressão latina "post hoc ergo propter hoc" - ou: "depois disso, logo, por causa disso". Dilma é presidente "apesar do capital" ou "por causa do capital"? Nem uma coisa nem outra. As duas conclusões são estúpidas. De resto, de 1994 a esta data, na vigência do financiamento privado, o número de mulheres na política aumentou. Por causa dele ou apesar dele?

P.S. - "Você já elogiou o STF e agora ataca." Desculpem este modo de ser: quando gosto, digo "sim"; quando não, "não". Parece exótico?

Por: Reinaldo Azevedo Folha de SP

MORAL DA HISTÓRIA

Hoje vou contar uns casos para você. Aproximam-se o Natal e o Ano-Novo, e sempre pensamos o que poderia ser diferente no Brasil. Eu, diferentemente daqueles que creem em modas como "consciência política" (para mim isso é uma coisa tão real quanto carma), espero que um dia o Brasil se livre de sua inhaca de ser um país no qual quem dá emprego é visto como bandido. Porque, ao contrário do que diz a moçada da "justiça social" (carma...), quem dá emprego é quem faz verdadeira justiça social.

Imaginem uma jovem empresária cheia de vida e fé no seu negócio. Isso aconteceu alguns anos atrás, hoje ela se transformou numa cética com relação ao valor da atividade do pequeno e médio empresário brasileiro, porque acha que só ingênuo e mal informado dá emprego no Brasil.

Um dia sua loja de produtos finos foi assaltada em plena luz do dia. Ela e sua sócia tiveram suas vidas ameaçadas. Vários talões de cheques da empresa roubados do cofre. Não tinha muito dinheiro em "cash", por sorte.

Na sequência, se inicia a via crúcis para cancelar os talões e fazer o BO. Horas em delegacias com funcionários que complicavam as coisas com clara intenção de, quem sabe, garantir um "extra".

Alguns dias depois, a dona de um pequeno restaurante fora de São Paulo liga para elas dizendo que um grupo grande de homens havia passado um cheque de sua empresa como pagamento de uma festa que eles tinham dado no restaurante dela. Nossa jovem empresária, prontamente, informa à mulher que a loja tinha sido assaltada, que esses talões estavam cancelados e que tinha a documentação necessária para comprovar o relato, e, portanto, sentia muito, mas o cheque não tinha qualquer valor.

Claro que a dona do pequeno restaurante não quis saber e "pôs elas no pau". Foram obrigadas a depositar em juízo. Quando da audiência, após apresentar toda a documentação, o juiz decidiu que sim, elas deveriam pagar o cheque.

Quando questionado em sua decisão (já que elas tinham sido vítimas de um assalto!), o juiz as ameaçou dizendo que, caso não aceitassem a decisão, o processo se alongaria e sairia mais caro para elas. Ao ser indagado acerca da injustiça que ele cometia ao obrigá-las a pagar por um gasto que não fizeram, o juiz soltou a pérola de costume: "As senhoras são ricas, podem pagar por isso".

Eis o juiz fazendo caridade com a grana alheia. Comunista gosta de distribuir o dinheiro dos outros. No Brasil, muitos juízes acham que devem fazer (in)justiça social com as próprias mãos.
Moral da história: as empresárias foram roubadas duas vezes, uma pelos ladrões, outra pelo Estado.

Outro caso. Funcionário rouba o patrão. Ele demite o funcionário por justa causa. Abre processo na Justiça comum contra o funcionário. O juiz do trabalho decide que o patrão deve pagar "todos os direitos trabalhistas" do funcionário sob alegação de que uma coisa é roubar, outra é ser demitido. Risadas? Claro, o juiz do trabalho argumentou que as duas Justiças "não se comunicam" e que os direitos trabalhistas são inquestionáveis.

A questão é: afinal, roubar não seria causa suficiente para você demitir alguém? O problema é que cá nestas terras demitir é crime. O Brasil é mesmo o fim da picada.
Moral da história: o empresário foi roubado duas vezes, uma pelo funcionário ladrão, outra pelo Estado.

Mais um. Jovem empresário de uma cidade em outro Estado faz uma reforma na fachada de sua loja. Fica muito bonita. Dias depois, roubam quase tudo dessa fachada.

No Brasil, tudo é roubável. A fachada fica destruída. Passados poucos dias, aparece aquele cara chamado "fiscal da prefeitura". O "amigo" avisa ao empresário que vai lhe passar uma bela multa, a não ser que ele seja razoável. O jovem empresário, munido da fé comum daqueles que creem que escândalos com fiscais é coisa rara, argumenta e apresenta documentação provando a destruição criminosa e o roubo. Não adianta, o "representante do bem público", leia-se, o fiscal, lhe apresenta uma multa enorme.

Moral da história: o jovem empresário foi roubado duas vezes, uma pelo ladrão, outra pelo Estado. Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

ABSOLUTISMO MODERNO

Tudo, em tese, “em nome do povo”. Plebiscitos sobre o “casamento gay”, contudo, normalmente levam à sua proibição, como acaba de acontecer na Croácia.

A legislação já perdeu quase completamente a relação com a realidade, e a suposta representatividade dos políticos não engana mais ninguém.

Um rei absolutista podia dizer “o Estado sou eu”. O poder de que dispunha, contudo, era muito menor que o de um político atual; afinal, o Estado era bem menor. O que sucedeu o absolutismo, em que o rei era o Estado – e, portanto, tinha a cabeça sempre em perigo –, foi a dita democracia representativa, em que todo o poder emanaria do povo, e em seu nome é sempre exercido, aumentado e abusado, quase sem risco, por sucessivos espertalhões. Um absolutismo sem a responsabilidade, um absolutismo moderno, que só faz crescer em poder.

No século passado, essa concentração excessiva de poder deu a Hitler o controle da Alemanha e facultou-lhe assassinar em massa os que o Estado – em nome do “povo alemão”, esta abstração – considerasse subumanos. Já em nossos tempos, a truculência dos poderosos negou a humanidade de bebês na barriga da mãe, liberando o aborto em muitos países, e vem agora atacando ainda de outras formas seu maior inimigo, a instituição familiar. A família, com sua hierarquia natural e sua capacidade de reprodução e primeira educação da prole, é o último baluarte contra o autoritarismo antinatural, e os poderosos sabem disso. Uma mãe zangada, com um chinelo na mão, manda mais que qualquer presidente. Daí a insistência de tantos poderosos em fazer com que a população seja submetida a um discurso antifamília na escola, na mídia e onde mais for possível. Daí a insistência deles em fazer do matrimônio uma mera coabitação sexuada.

E tudo, em tese, “em nome do povo”. Plebiscitos sobre o “casamento gay”, contudo, normalmente levam à sua proibição, como acaba de acontecer na Croácia. Quando ele ganha, apesar das fortunas gastas em propaganda a seu favor, é por poucos pontos. Ora, a própria ideia de um plebiscito propondo a modificação de uma instituição de direito natural já é absurda: não faz nenhum sentido aprovar por plebiscito a possibilidade de “casar” duas pessoas do mesmo sexo, como não faria sentido querer que um plebiscito determinasse que os pais passassem a ser filhos e os filhos passassem a ser pais. Mas não importa: o que os poderosos querem é enfraquecer a família e concentrar ainda mais seu poder.

O limite desta concentração, todavia, já foi atingido. A legislação já perdeu quase completamente a relação com a realidade, e a suposta representatividade dos políticos não engana mais ninguém. A mera realidade, no entanto, não os demove; podemos esperar leis cada vez mais loucas, tentando desesperadamente dar-lhes mais poder. Afinal, é tudo “em nome do povo”.

Por: Carlos Ramalhete,  professor.

Publicado no jornal Gazeta do Povo.

ILHA BRASIL

"É agora ou nunca: está em jogo a própria causa do multilateralismo", alertou Roberto Azevêdo, o diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), na abertura da conferência ministerial de Bali. Dias depois, consumou-se o desastre. Com o colapso da Rodada Doha, deflagrada há 12 anos, o multilateralismo globalista cede lugar aos acordos regionais, enquanto a OMC é reduzida à condição de ente vestigial: um tribunal de contenciosos comerciais. O fracasso atinge em cheio o Brasil, evidenciando uma sequência de erros de política externa causados pela subordinação do interesse nacional ao imperativo da ideologia.

Não faltaram alertas. A Rodada Doha experimentou uma implosão inicial na conferência de Cancún, em 2003, e sucessivas desilusões, entre 2006 e 2008. Ao longo do percurso, floresceram como alternativa os tratados bilaterais de livre comércio (TLCs), mas o Brasil preferiu ignorá-los. México, Chile, Colômbia e Peru engajaram-se na negociação de TLCs com os EUA e a União Europeia (UE) --e formaram a Aliança do Pacífico. O Mercosul, pelo contrário, revelou escasso interesse em concluir um acordo com a UE, cujos ensaios surgiram antes ainda do início da Rodada Doha. A opção pelo multilateralismo, pretexto permanente do Itamaraty, disfarçou a transformação regressiva sofrida pelo Mercosul.

"O Mercosul, ou o reformamos ou também se acabará", conclamou Hugo Chávez em 2006, antes de concluir: "Vamos enterrar nossos mortos, irmãos!". O "novo Mercosul", um diretório político tripartite, emergiu com o ingresso da Venezuela. A reinvenção implicou o abandono do regionalismo aberto do Mercosul original e a absorção paulatina dos cacos da Aliança Bolivariana das Américas. Subordinado aos dogmas do chavismo e do kirchnerismo, o bloco do Cone Sul tornou-se um obstáculo intransponível para a negociação de acordos comerciais. Certeiro, o presidente uruguaio José Mujica acusou a "política insular" da Argentina de estar "arruinando o Mercosul".

Faz mais de três anos que Vera Thorstensen avisou, quando deixava a missão brasileira em Genebra: "a dinâmica atual do comércio internacional não está mais na OMC e sim nos acordos regionais". De lá para cá, os EUA engataram as negociações dos mega-acordos da Parceria Transpacífica (TPP), com as grandes economias asiáticas (exceto a China), e da Parceria Transatlântica (TTIP), com a UE. Se concluídos, os dois acordos transcontinentais deslocarão para o seu interior o processo de formulação de normas de comércio e investimentos, completando o esvaziamento da OMC. Os países da Aliança do Pacífico ocuparam lugares no trem dos mega-acordos; o Brasil ficou na plataforma, segurando um guarda-chuva para a Argentina e a Venezuela.

"Se a dinâmica é fazer acordos regionais, o Brasil deveria estar negociando não só no eixo Sul-Sul, mas no eixo Norte-Sul", sugeriu Thorstensen. O problema é que, sob Lula e Dilma, a expressão "eixo Norte-Sul" converteu-se numa abominação doutrinária para a política externa brasileira. Agora, assustado com as consequências da obstinação ideológica, o Itamaraty ajoelha-se diante de Cristina Kirchner implorando por um consenso improvável que não feche todas as portas do Mercosul ao acordo com a UE.

O mito da Ilha-Brasil ganhou corpo no século 19. Invocando as aventuras dos bandeirantes, o Império do Brasil sustentou a ideia de que o território nacional constitui uma "ilha" na América do Sul, delimitada por fronteiras naturais que estariam apoiadas no traçado das redes hidrográficas. A noção da Ilha-Continente nutriu o nacionalismo imperial, forneceu um alicerce mítico para a manutenção da unidade territorial e ofereceu argumentos utilizados nas negociações de limites com os países vizinhos. Hoje, ressurge na forma de uma muralha anacrônica que nos isola dos fluxos da globalização.

Por: Demétrio Magnoli Folha de SP

domingo, 15 de dezembro de 2013

DIREITA JÁ!

Atentemos para o país que está à volta da Papuda, ou acabaremos reféns daquele Nosferatu, o morto-vivo que insiste em roubar nosso vigor, nosso tempo e o espaço do colunista. Por mim, ele trabalharia é no "Hotel Califórnia", o da lendária música dos Eagles, onde se pode entrar, mas não sair. Mas nada de certos aromas densos... Quem não conhece a canção tem agora a chance. Essa é do baú. Coisa de velho, meninos! Adiante.

O autor destas mal traçadas ficará feliz se estiver errado. Avalia que a presidente Dilma Rousseff vai se reeleger no ano que vem. Como não vê vantagem em confundir seu gosto pessoal (não votará nela de jeito nenhum!) com os fatos, escreve o que acha. A razão de seu realismo, nunca de seu desencanto, é que não acredita em candidatura de oposição sem valores de oposição.

Segundo pesquisa Datafolha, publicada por esta Folha no domingo, no cenário mais provável, se a disputa fosse hoje, Dilma seria reeleita no primeiro turno, com 47% dos votos. Aécio Neves ficaria em segundo, com 19%. Em terceiro, viria Eduardo Campos, com 11%. Há, como sempre, tempo o bastante para o inesperado, mas ele é insuficiente para plasmar uma nova esperança.

Que nova esperança? Em todo o mundo democrático, pobre ou rico, partidos da direita democrática, mais conservadores ou menos, disputam o poder e são bem-sucedidos. Depois de algum tempo, perdem para os "progressistas", que serão apeados mais adiante. A democracia não é finalista. Seu fim é uma economia dos meios. É modorrenta e fria. Política quente resulta em guilhotina, linchamento, suicídio, paredão ou condenação ao atraso eterno. A democracia é o regime dos homens aborrecidos. Também é coisa de velho. Por que nós a queremos? Para mantê-la.

O Brasil insiste em ser a exceção. A elite intelectual e a imprensa não sabem ou fingem não saber --pouco importa se é burrice ou má-fé-- a diferença entre direita democrática e extrema direita. Sufocam o debate com sua ignorância bem-intencionada, com sua má-fé ignorante e, às vezes, até com seu humor iletrado.

Extrema-esquerda e esquerda divergem nos métodos, não na ambição de subordinar a sociedade a um ente de razão que, num primeiro momento, a domine e, depois, a substitua, pouco importando se pensam num partido ou num conselho de sábios. Já a extrema direita é o avesso da direita democrática; a diferença é de essência, não de grau, como já demonstrou Olavo de Carvalho. Isso é história, não opinião. Procurem os respectivos manifestos dos vários fascismos do século passado. Seu verdadeiro inimigo é o liberalismo, não o comunismo, no qual os fascistas sempre reconheceram o queixo de papai... "Direita", no entanto, virou palavrão no Brasil. Na academia, o liberalismo é tratado como sinônimo de exclusão social.

Ocorre que a maioria da população, já evidenciou o Datafolha, se identifica mais com valores ditos de "direita" do que de "esquerda". Mas inexistem por aqui os republicanos, os conservadores ou os democratas-cristãos. As referências de progresso social e político de alguns dos nossos intelectuais não são os EUA, a Grã-Bretanha ou a Alemanha, mas a Venezuela, o Equador e Cuba.

Há muito tempo a oposição é prisioneira dessa falácia e não só evita o confronto de valores como aceita que o PT seja o seu juiz ideológico. Ao disputar o poder, perde-se num administrativismo etéreo. Alguns cronistas, achando que a rendição é insuficiente, recomendam-lhe que vá ainda mais para a esquerda e tente tomar do PT a bandeira do distributivismo da pobreza. Seria seu último suspiro.

"Você reclama do quê? O modelo funciona!" Quem dera! Teríamos ao menos uma escola melhor do que a do Cazaquistão. Mas ela é pior.
Direita já! Em nome do futuro. Por: Reinaldo Azevedo Folha de SP

REPÚBLICA SOCIALISTA DO BRASIL

Goebbels disse: “Aqui eu decido quem é e quem não é judeu”.


Beria disse: “Aqui eu decido quem é e quem não é inimigo do povo”.

As frases de líderes socialistas históricos estão sendo aplicadas em larga escala no Brasil. Aqui o governo e os movimentos sociais de esquerda decidem quem é negro, quem é racista, quem é gay, quem é pobre, quem é honesto, quem pode ser criticado e quem está acima de qualquer crítica.

Após a prisão dos mensaleiros, foi aberta a temporada de vingança na República Socialista do Brasil. As ações do ministro da Justiça estão aí e não me deixam mentir. Mas isso é apenas o começo, meus sete amigos leitores. Em breve, os dossiês contra os supostos inimigos do povo tendem a se multiplicar. No passado tivemos a ditadura militar; agora temos a ditadura militante.

A maior vítima de ataques racistas hoje no Brasil atende pelo nome de Joaquim Barbosa. Onde estão os militantes que não saem em defesa do ministro chamado de “capitão do mato” e “negro traidor”? Ora, a resposta é muito simples: Joaquim não fez o que a esquerda esperava dele. Quer ser ministro do Supremo, tudo bem. Mas condenar petistas já é demais!

Muito se falou nos últimos dias sobre a escravidão no Brasil. As melhores reflexões sobre essa vergonha nacional foram feitas pelo grande líder abolicionista Joaquim Nabuco. Que tal se no próximo Dia da Consciência Negra discutíssemos a obra de Nabuco nas escolas, nos jornais, nas empresas, nas redes sociais? Se o fizessem, as pessoas descobririam que o movimento abolicionista nasceu na Inglaterra, primeira pátria do capitalismo. Existe uma conexão direta entre a liberdade pessoal e a liberdade de empreender. Comparar o comércio de produtos com o comércio de pessoas, como fazem os militantes contemporâneos, é uma falácia típica de diretório acadêmico.

Nos debates sobre o assunto, o que mais me espanta é o silêncio em torno daquele que foi o maior regime de escravidão em todos os tempos: o comunismo. Nabuco, que morreu em 1910, jamais poderia imaginar que a escravidão voltaria com toda a força nos regimes totalitários criados a partir de 1917. O melhor produto criado pelo socialismo foi o tenebroso automóvel Lada; o pior produto foram 100 milhões de cadáveres.

Para compreender a íntima conexão entre socialismo e escravismo, basta ler Animal Farm, de George Orwell (traduzido no Brasil como A Revolução dos Bichos). É espantosa a similaridade com o que está acontecendo em nosso país. Encerro com uma frase do livro que serve para definir a mentalidade governante: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”.

Por: Paulo Briguet é jornalista. Publicado no jornal Gazeta do Povo.

sábado, 14 de dezembro de 2013

POR QUE A ECONOMIA NÃO É UM JOGO DE SOMA ZERO

Apesar de toda a ampla literatura disponível, ainda há pessoas que genuinamente acreditam que a economia é um jogo de soma zero, isto é, que para algumas pessoas ganharem outras têm necessariamente de perder. Tais pessoas acreditam que a economia seria uma espécie de bolo, cujo tamanho é fixo e representa toda a riqueza disponível. Sendo assim, cada indivíduo que se apossa de uma fatia está na realidade retirando esta fatia da boca de outro indivíduo. A verdade, no entanto, é que este bolo de riqueza não tem um tamanho fixo; ao contrário, ele cresce de maneira tal que há cada vez mais quantidade disponível para todos.

O fundador da Escola Austríaca de economia, Carl Menger, deixou claro que, para que uma coisa possa ser considerada um bem econômico, quatro circunstâncias devem ser observadas: 1) deve existir uma necessidade humana; 2) a coisa em questão deve ser capaz de satisfazer essa necessidade humana; 3) o indivíduo deve conhecer a adequabilidade da coisa em satisfazer sua necessidade; e 4) o indivíduo deve usufruir poder de disposição sobre esta coisa.

Tendo em mente estas quatro circunstâncias às quais o austríaco condicionou a existência de bens econômicos, podemos deduzir por que a economia não é um jogo de soma zero na qual toda a riqueza possível já se encontra dada de antemão.

Em primeiro lugar, a imensa maioria das coisas, na forma como se encontram em seu estado natural, não nos permite satisfazer nossas necessidades. Por mais que toda a matéria já exista e esteja disponível na natureza, ela não nos foi dada de uma forma que nos permita satisfazermos nossas necessidades. A matéria tem de ser trabalhada e transformada por meio do trabalho e de investimentos. A madeira das árvores deve ser cortada e processada para a fabricação de abrigos dentro dos quais iremos morar; as terras têm de ser aradas e cultivadas para que possamos colher alimentos que irão saciar nossa fome; o ferro e o alumínio têm de ser extraídos das minas para que seja possível a fabricação de aviões que irão nos transportar de um ponto do globo a outro. Só é possível criar riquezas quando transformamos coisas (que não satisfazem diretamente nossos desejos) em bens (que satisfazem). É por isso que recursos minerais que estão no subsolo não configuram riqueza por si só. Eles têm antes de ser transformados. E isso só irá ocorrer com investimentos maciços, mão-de-obra capacitada e tecnologia avançada.

Em segundo lugar, a incapacidade dos objetos em seu estado natural em satisfazer diretamente nossas necessidades advém do fato de que nem sequer conhecemos todas as suas combinações e usos possíveis. A tecnologia, que é a arte de combinar e ordenar a matéria para que ela gere o resultado desejado, também não nos vem dada; antes, ela deve ser descoberta por meio da investigação e da experimentação, duas atividades que, por sua vez, requerem o uso de outros bens econômicos. Em outras palavras, dado que não somos oniscientes, não apenas temos de criar bens econômicos a partir das coisas que nos circundam, como também temos de descobrir informações acerca de como transformar essas coisas em bens econômicos — informações que, por si só, constituem uma nova fonte de riqueza.

Terceiro e último, por mais adequado que seja um bem em satisfazer nossas necessidades, ele será totalmente inútil se não o tivermos ao nosso alcance. A natureza pode ter sido generosa em nos agraciar com rios caudalosos por todo o planeta; no entanto, estes rios não proporcionarão nenhum serviço àquele indivíduo que se encontra no meio do deserto. Em outras palavras, não apenas temos de produzir os bens, como também temos de saber distribuí-los aos seus usuários finais. 

Em nossos sistemas econômicos, produção e distribuição andam de mãos dadas: com o intuito de maximizar nossa eficiência na fabricação de bens econômicos, cada um de nós se especializa em produzir um ou dois bens econômicos no máximo, mesmo que necessitemos de uma grande variedade deles para satisfazer nossas mais diversas necessidades — ou seja, somos produtores especializados e, ao mesmo tempo, consumidores generalizados.

Demandamos os mais amplos e variados bens econômicos e, em troca, podemos apenas ofertar nossa extremamente limitada e específica especialização. E, ainda assim, as trocas ocorrem. Portanto, a maneira de termos acesso aos mais diversos bens econômicos é oferecendo em troca nossa extremamente limitada oferta de bens. E isso ocorre por meio das trocas comerciais.

O problema é que, desde Aristóteles, a humanidade acredita que as trocas comerciais ocorrem somente entre bens com igualdade de valor. Se o bem A é trocado pelo bem B, então necessariamente o valor de A deveria ser igual ao valor de B. Consequentemente, nenhuma troca comercial poderia gerar valor, e sim apenas redistribuí-lo. A interpretação alternativa (a de que o valor de A seria superior ao de B, ou vice-versa) seria ainda mais desalentadora, pois implicaria que, em toda e qualquer transação, um lado ganharia à custa do outro (ele entregaria algo com um valor objetivo maior em troca de algo com um valor objetivo menor).

No entanto, graças a Carl Menger, que popularizou a descoberta de que o valor dos bens não é objetivo mas simsubjetivo, a realidade se comprova totalmente distinta: em toda e qualquer transação comercial, cada lado atribui àquele bem que está recebendo um valor subjetivo maior do que àquele bem que está dando em troca. Afinal, se não fosse assim — se você não valorizasse mais aquilo que está recebendo do que aquilo que está dando em troca —, a transação simplesmente não ocorreria. Em decorrência deste fato, conclui-se que os indivíduos geram riqueza ao simplesmente trocarem bens econômicos. Ao fazerem isso, eles estão recorrendo a um meio (trocas comerciais) para chegar àqueles fins que lhes são mais valiosos.

Em definitivo, a economia não é um jogo de soma zero, uma vez que durante todo o processo de produção de bens e serviços estamos gerando riqueza: seja quando investigamos como converter coisas em bens, quando de fato convertemos as coisas em bens, e quando distribuímos os bens por meio das trocas comerciais.

Ao contrário do que supõem os socialistas — que toda a riqueza já está criada e dada, e que é necessário apenas redistribuí-la —, o livre mercado é o único arranjo no qual os indivíduos podem se organizar de modo a incrementar ao máximo possível a oferta de bens e serviços, os quais iremos utilizar para satisfazer de maneira contínua nossos mais variados fins.

A economia, portanto, não é um jogo de soma zero, mas sim um jogo de saldo positivo e expansivo — a menos que o estado entre em cena e se aposse destes ganhos. 

O bolo não está dado e não possui tamanho fixo. Ao contrário, ele cresce e permite fatias cada vez maiores para todos — exceto se o estado entrar em cena e gulosamente abocanhar uma grande fatia.

Por: Juan Ramón Rallo é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

AUSÊNCIA DE PUDOR

A prisão dos condenados do mensalão está, literalmente, virando um pastelão. Montou-se toda uma encenação como se os hoje condenados, devendo cumprir com suas respectivas penas, não tivessem tido direito à defesa e fossem vítimas de uma imaginária conspiração das "elites" ou da "mídia", eterno bode expiatório dos que almejam o controle total do poder.

Há duas ordens de questões envolvidas: uma de ordem, digamos, "humanitária", se quisermos ser benevolentes, e outra de ordem propriamente institucional, que diz respeito ao ataque que vêm sofrendo o Supremo Tribunal Federal (STF) e, em particular, o seu presidente.

A primeira é visível no caso do ainda deputado José Genoino, apresentado como uma "vítima" e, conforme as circunstâncias, como um lutador da liberdade no período mais "obscuro" do regime militar. Esta última consideração, aliás, não resiste a uma análise mais elementar dos fatos, pois a guerrilha do Araguaia foi uma tentativa maoista de estabelecer no País o totalitarismo comunista.

As suas avaliações médicas - feitas por duas juntas, uma composta por especialistas da Universidade de Brasília, a pedido do STF, e outra por médicos da Câmara dos Deputados - tiveram como resultado que seu estado não é de cardiopatia grave, merecendo, como qualquer pessoa em sua condição, cuidados especiais. Ao contrário do que chegou a anunciar o seu advogado, não estaria tendo um "infarto". Há um evidente superdimensionamento da doença com o intuito de criar um constrangimento político ao presidente Joaquim Barbosa.

Há, contudo, algo bem mais grave aqui. O que o PT está reivindicando para José Genoino e para os seus outros presos (não se fala de outros "companheiros", como membros de outros partidos, banqueiros, empresários e publicitários) é um tratamento privilegiado, típico das elites. O discurso de Lula caracteriza-se por ser contra as "elites", o seu comportamento e de seu partido, porém, é o de que a elite petista é diferente dos demais cidadãos.

A contradição é flagrante. O Partido dos Trabalhadores não está preocupado com os outros "trabalhadores", mormente negros, pardos e de baixa renda, que vicejam nas prisões brasileiras. Quantos destes precisam de prisão domiciliar? E quantos necessitam de tratamento médico adequado? Silêncio total!

A questão chegou ao paroxismo quando, nas visitas, os horários e os dias estipulados não foram minimamente observados, como se petistas presos não devessem seguir as mesmas regras de outros condenados. Mulheres, mães e irmãs comuns esperando em longas filas, desde a madrugada, reclamaram precisamente dos privilégios. O Ministério Público Federal, em Brasília, chegou a exigir isonomia de tratamento. Ou seja, a tão proclamada ideia da igualdade não vale para as lideranças petistas, a nova elite.

A situação chega a ser hilária. Pessoas de altas responsabilidades governamentais e lideranças partidárias acabam de "descobrir" que as condições de prisão no Brasil são "sub-humanas". Ora, de súbito, tiveram uma crise de humanismo. Eis a grande descoberta após 11 anos de governo petista. O partido ficou muito mal na foto, revelando um indiscutível traço elitista.

A segunda concerne ao processo em curso de deslegitimação do presidente Joaquim Barbosa e, por extensão, do Poder Judiciário. Enquanto o julgamento do mensalão não era definitivo, contentavam-se as lideranças petistas em dizer que as decisões seriam respeitadas. No momento em que o partido foi contrariado, seus dirigentes não hesitam em enveredar por um caminho de instabilização institucional e de negação do Estado de Direito. Há até mesmo ameaças de processos contra o ministro Joaquim Barbosa, exibindo um partido alheio ao respeito pelas instituições.

Aliás, o PT não se entende nem consigo mesmo. Segundo o seu estatuto, dirigentes partidários condenados em última instância deveriam ser expulsos do partido, não mais correspondendo às regras, de fundo moral, que deveriam reger a vida partidária. O que está acontecendo? Ninguém mais se refere aos estatutos, todos se comportam em solidariedade aos detentos, como se houvesse a figura única dos "criminosos do bem", os que emprestam seus serviços ao partido, empregando todo e qualquer meio.

Nesse sentido, não deixa de ser curiosa a defesa do deputado José Genoino de que seria um homem sem patrimônio, que levaria uma vida modesta, não tendo enriquecido com a política. A mensagem implícita consiste em absolver qualquer desvio de recursos públicos, porque feito em nome do "valor maior" do partido. Logo, o desvio de recursos públicos, o caixa 2, a compra de parlamentares e a corrupção são atividades lícitas sempre e quando forem para o "bem" do PT. Padrões morais universais, referências republicanas e de bem comum, entre outras formas de vida política, são considerados como secundários e irrelevantes, pois acima de todas as instituições está o partido. A corrupção partidária seria, portanto, muito bem-vinda.

As retóricas dos "presos políticos" e do "regime de exceção" situam-se, precisamente, num comportamento político de instabilização institucional. As chances de sucesso são praticamente inexistentes, além de a própria presidente Dilma Rousseff ter-se distanciado desses arroubos ideológicos.

O Brasil vive um de seus mais sólidos momentos de estabilidade democrática, mostrando a vitalidade do País e a plena vigência da Constituição de 1988, rigorosamente respeitada. A prova adicional disso é o fato de o próprio PT governar o País por dois mandatos de Lula e um de Dilma, esta disputando a reeleição com possibilidade de vitória. Falar de perseguição e exceção revela apenas falta absoluta de bom senso. A piada de salão de Delúbio Soares não tem graça na prisão.

A democracia não é um instrumento que esteja a serviço de um partido qualquer, por mais "virtuoso" que ele se queira representar. O "Bem" da República está situado acima do "bem próprio" partidário, uma lição elementar que, infelizmente, não foi ainda bem aprendida.

Por: DENIS LERRER ROSENFIELD - O Estado de S.Paulo  PROFESSOR DE FILOSOFIA

NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A SANTA MÁFIA

Dia após dia a história se desenrola. Nestes quase doze anos de governo petista me vem à mente uma definição de Raymond Queneau: “a história é a ciência da infelicidade dos homens”. Não que tenhamos tido uma história edificante, mas me refiro à sordidez, à imoralidade, à corrupção galopante, ao teatro de mentiras e, especialmente ao escândalo descortinado pela máfia do mensalão, considerada santa pelos próprios mafiosos.

Entretanto, contra tudo e contra todos, numa luta insana para fazer justiça, pela primeira vez em nossa história a cúpula do mais poderoso partido foi parar na cadeia. Esse feito inédito se deveu à tenacidade, à coragem e à competência de um cidadão de origem humilde, negro que nunca recorreu a cotas, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa. Insultado por petistas hidrófobos, que têm como tática desqualificar e intimidar quem não reza por sua cartilha, o ministro Barbosa já entrou para a história com honra e gloria, ao contrário dos péssimos exemplos que se veem, a começar pelo ex-presidente Lula da Silva que melhor seria ser chamado de presidente, pois é quem manda e desmanda na sua grei mafiosa como poderoso chefão beneficiário de todos os vícios detectados pelo STF.

Infelizmente, o ministro Barroso recém-chegado ao STF abriu caminho para os embargos infringentes, chicanas protelatórias ao infinito com intuito de livrar a máfia de suas penas. E o ministro Celso Mello votou a favor dos tais embargos possibilitando a José Dirceu que já foi chamado de chefe da quadrilha, a José Genoíno o moribundo do ano e a Delúbio Soares autor de famosa piada de salão, o regime semiaberto em vez do fechado. Ano que vem a situação do trio pode melhorar bastante, uma vez que o próximo presidente do STF será o ministro Lewandowski. Quanto aos auxiliares de Dirceu, da base aliada ou ligados ao seu gerente do mensalão, Marcos Valério, deverão mofar na cadeia.

Escapou em fuga rocambolesca, escafedendo-se para a Itália, Henrique Pizzolato, também pertencente à “família”. Homem forte de Lula da Silva no Banco do Brasil e exímio autor de dossiês falsos contra inimigos, função comum a petistas aloprados, deve estar seguro junto à Berlusconi como aqui está o inimputável Cesare Battisti, assassino e terrorista italiano protegido de Lula da Silva.

Como aparecerão nos futuros livros de história as fotos de Dirceu e Genoíno de punho erguido, simbolizando o comunismo? Serão considerados heróis ou cínicos a rir debochadamente dos eleitores que não se cansam de eleger bandidos para representá-los? Se a história for escrita por intelectuais petistas prostituídos à causa a dupla vai ficar bem na foto.

Privilégios na prisão, revoada de parlamentares companheiros à Papuda para prestar solidariedade aos seus iguais, apoio total do PT aos pobrezinhos dos condenados, presos políticos do seu próprio partido e julgados injustamente por juízes indicados por seus presidentes, lamúrias sem fim e a surrada tese da vitimização e da culpa das elites e da mídia, no momento é bastante para santificar a máfia do mensalão.

Destaque-se José Dirceu que já arrumou emprego num hotel da elite em Brasília, o St. Peter, graças à amizade com o dono, companheiro que já foi devidamente beneficiado pelo governo em agradecimento ao favor prestado à “família”. Assim, no luxo e no conforto o chefe da quadrilha vai ser “gerente administrativo” com salário de R$ 22.000,00 e poderá continuar a fazer lobby, quem sabe na suíte presidencial.

Á exemplo dos paraguaios que boicotaram a entrada de senadores em shoppings, restaurantes, postos de gasolina e táxis por não terem suspenso a imunidade de um de seus pares, Victor Bocato, acusado de falcatruas, ninguém deveria mais se hospedar no tal hotel. Mas no Brasil isso seria querer muito.

Menos afortunado Genoíno não obteve o que queria com a encenação mambembe de infarto, os constantes chiliques, a nauseante choradeira. Médicos da Universidade de Brasília e da Câmara atestaram que ele não sofre de cardiopatia grave. Mas, enquanto Genoíno choraminga deputados solidários se articulam para evitar sua cassação. De fato, a bancada da Papuda tende a aumentar.

Enquanto a história vai acontecendo Dilma Rousseff segue em vertiginosa campanha fazendo o diabo, como disse que faria. Pesquisa do Ibope mostra que se a eleição fosse hoje ela ganharia em primeiro turno. Talvez, ganhe mesmo em 2014. Os eleitores estão otimistas, contentes com a inadimplência, realizados com a inflação alta, maravilhados com os juros que voltaram aos dois dígitos. Lula da Silva dirá que mesmo depois de quase 12 anos de governo petista tudo é culpa do Fernando Henrique. Como não existe oposição todos acreditarão piamente e os homens farão história buscando alegremente no voto sua infelicidade.

Por: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.

Publicado em 28/11/2013 no blog www.maluvibar.blogspot.com.br