sexta-feira, 3 de julho de 2015

ATACAR O LUXO É ATACAR O FUTURO PADRÃO DE VIDA DOS MAIS POBRES

Um dos efeitos benéficos da desigualdade da riqueza existente em nossa ordem social é que ela estimula vários indivíduos a produzirem ao máximo que consigam para tentar ascender ao padrão de vida dos mais ricos. Essa foi uma das principais forças-motrizes que fez com que a humanidade enriquecesse. 


O nosso nível atual de riqueza não é um fenômeno natural ou tecnológico, independente de todas as condições sociais; é, em sua totalidade, o resultado de nossas instituições sociais. Pelo fato de a desigualdade da riqueza ser permitida em nossa ordem social, pelo fato de ela estimular a que todos produzam o máximo, é que a humanidade hoje conta com toda a riqueza anual de que dispõe para consumo. 

Fosse tal incentivo destruído, fosse a desigualdade de renda abolida, a produtividade seria de tal forma reduzida, que a fatia de riqueza média recebida por cada indivíduo seria bem menor do que aquilo que hoje recebe mesmo o mais pobre. 

A desigualdade da distribuição da renda, contudo, tem ainda uma segunda função tão importante quanto: torna possível o luxo dos ricos. 

Muitas bobagens têm sido ditas e escritas sobre o luxo. Contra o consumo dos bens de luxo tem sido posta a objeção de que é injusto que alguns gozem da enorme abundância, enquanto outros estão na penúria. Este argumento parece ter algum mérito. Mas apenas aparenta tê-lo. Pois, se demonstrarmos que o consumo de bens de luxo executa uma função útil no sistema de cooperação social, este argumento será, então, invalidado. É isto, portanto, o que procuraremos demonstrar. 

Em primeiro lugar, a defesa do consumo de luxo não deve ser feita com o argumento de que esse tipo de consumo distribui dinheiro entre as pessoas. Segundo esse argumento, se os ricos não se permitissem usufruir do luxo, o pobre não teria renda. Isto é uma bobagem, pois se não houvesse o consumo de bens de luxo, o capital e o trabalho neles empregados seriam aplicados à produção de outros bens: artigos de consumo de massa, artigos necessários, e não "supérfluos". 

Portanto, para formar um conceito correto do significado social do consumo de luxo é necessário, acima de tudo, compreender que o conceito de luxo é inteiramente relativo. 

Luxo consiste em um modo de vida de alguém que se coloca em total contraste com o da grande massa de seus contemporâneos. O conceito de luxo é, por conseguinte, essencialmente histórico. 

Muitas das coisas que nos parecem constituir necessidades hoje em dia foram, em algum momento do passado, consideradas coisas de luxo. Quando, na Idade Média, uma senhora da aristocracia bizantina, casada com um doge veneziano, em vez de utilizar seus próprios dedos para se alimentar, fazia uso de um objeto de ouro que poderia ser considerado um precursor do garfo, os venezianos o considerariam um luxo ímpio, e considerariam muito justo se essa senhora fosse acometida de uma terrível doença. Isto seria, assim supunham, uma punição bem merecida, vinda de Deus, por esta extravagância antinatural. 

Em meados do século XIX, considerava-se um luxo ter um banheiro dentro de casa, mesmo na Inglaterra. Hoje, a casa de todo trabalhador inglês, do melhor tipo, contém um. Ao final do século XIX, não havia automóveis; no início do século XX, a posse de um desses veículos era sinal de um modo de vida particularmente luxuoso. Hoje, até um operário possui o seu. Este é o curso da história econômica. 

O luxo de hoje é a necessidade de amanhã. Cada avanço, primeiro, surge como um luxo de poucos ricos, para, daí a pouco, tornar-se uma necessidade por todos julgada indispensável. O consumo de luxo dá à indústria o estímulo para descobrir e introduzir novas coisas. É um dos fatores dinâmicos da nossa economia. A ele devemos as progressivas inovações, por meio das quais o padrão de vida de todos os estratos da população se tem elevado gradativamente. 

Ainda no final do século XIX, Jean-Gabriel de Tarde (1843-1904), o grande sociólogo francês, abordou o problema da popularização dos itens de luxo. Uma inovação industrial, disse ele, adentra o mercado para atender exclusivamente às extravagâncias de uma pequena elite; porém, com tempo, passo a passo, tal produto finalmente vai se tornando uma necessidade até que, no final, se torna um item massificado e indispensável para todos. Aquilo que antes era apenas um bem supérfluo de luxo passa a ser, com o tempo, uma necessidade.

A história da tecnologia e do comércio fornece inúmeros exemplos que confirmam a tese de Tarde. No passado, havia um considerável intervalo de tempo entre o surgimento de algo até então completamente desconhecido e sua popularização no uso cotidiano. Algumas vezes, passavam-se vários séculos até que uma inovação se tornasse amplamente aceita por todos — ao menos dentro da órbita da civilização ocidental. Pense na lenta popularização do uso de garfos, sabonetes, lenços, papeis higiênicos e inúmeras outras variedades de coisas.

Desde seus primórdios, o capitalismo demonstrou uma tendência de ir encurtando esse intervalo de tempo, até ele finalmente ser eliminado quase que por completo. Tal fenômeno não é uma característica meramente acidental da produção capitalista; trata-se de algo inerente à sua própria natureza. A essência do capitalismo é a produção em larga escala para a satisfação dos desejos das massas. Sua característica distintiva é a produção em massa feita pelas grandes empresas. 

Para o grande capital, não há a opção de produzir apenas quantias limitadas de bens que irão satisfazer apenas a uma pequena elite. Quanto maior uma empresa se torna, mais rapidamente e de maneira mais massificada ela possibilita às pessoas o acesso aos novos êxitos da tecnologia.

Séculos se passaram até que o garfo deixasse de ser um utensílio utilizado apenas por homens efeminados e se transformasse em um instrumento de uso universal. Antes visto meramente como um brinquedo de ricos ociosos, o automóvel levou mais de 20 anos para se tornar um meio de transporte utilizado universalmente. Já as meias de nylon, ao menos nos EUA, se transformaram em artigo de uso diário de todas as mulheres em pouco mais de dois ou três anos após sua invenção. 

E praticamente não houve nenhum período de tempo em que o usufruto de inovações como a televisão ou produtos da indústria de comida congelada fosse restrito a uma pequena minoria.

Os discípulos de Marx sempre se mostraram muito ávidos para descrever em seus livros os "inenarráveis horrores do capitalismo", os quais, como seu mestre havia prognosticado, resultam "de maneira tão inexorável como uma lei da natureza" no progressivo empobrecimento das "massas". O preconceito anticapitalista deles impedia que percebessem o fato de que o capitalismo tende, com o auxílio da produção em larga escala, a eliminar o notável contraste que há entre o modo de vida de uma elite afortunada e o modo de vida de todo o resto da população de um país.

A maioria de nós não tem qualquer simpatia pelo rico ocioso, que passa sua vida gozando os prazeres, sem ter trabalho algum. Mas até mesmo este cumpre uma função na vida do organismo social: dá um exemplo de luxo que faz despertar, na multidão, a consciência de novas necessidades, e dá à indústria um incentivo para satisfazê-las. 

Havia um tempo em que somente os ricos podiam se dar ao luxo de visitar países estrangeiros. O poeta Friedrich Schiller nunca viu as montanhas suíças que tornou célebres em sua peça William Tell, embora fizessem fronteira com sua terra natal, situada na Suábia. Goethe não conheceu Paris, nem Viena, nem Londres. 

Hoje, milhares de pessoas viajam por toda parte e, em breve, milhões farão o mesmo. 

O abismo que separava o homem que podia viajar de carruagem e o homem que ficava em casa porque não tinha o dinheiro para a passagem foi reduzido à diferença entre viajar de avião e viajar de ônibus.

Originalmente escrito no início da década de 1950


Por: Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

quinta-feira, 2 de julho de 2015

MOSCOU E O NAZISMO INTERNACIONAL

A atual inexplicável aliança entre comunistas e nazistas na América do Sul é melhor compreendida como um jogo complexo que remonta à penetração do Terceiro Reich por agentes soviéticos durante a guerra.


Alexander Dugin, o teórico geopolítico russo e conselheiro do presidente Putin, tem dito que o século XX foi o “século da ideologia”. Foi um século no qual, como predisse Nietzsche, ideias (e ideologias) guerrearam umas contra as outras. As três facções em guerra foram, em ordem de aparição: liberalismo (da esquerda e da direita), comunismo (assim como a social-democracia) e fascismo (incluindo o nacional-socialismo de Hitler). Estas três ideologias combateram-se mutuamente até “a morte, criando, em essência, toda a dramática e sangrenta história política do século XX”. De acordo com Dugin, o liberalismo veio a vencer no final do século XX. Ainda que vitórias deste tipo raramente sejam permanentes. Na verdade, Dugin diz-nos que o liberalismo já se desintegrou na “pós-modernidade”. Dugin argumenta que, com seu foco no indivíduo, o liberalismo conduziu à globalização, e globalização significa que o homem é “libertado de sua adesão a uma comunidade” e de qualquer identidade coletiva...” Isto aconteceu porque a massa de seres humanos, “compreendida inteiramente por indivíduos, é atraída em direção à universalidade e busca tornar-se global e unificada”. Mesmo agora este ímpeto em direção à globalização coincide com a glorificação da liberdade total “e a independência do indivíduo de qualquer tipo de limite, incluindo razão, moralidade, identidade... disciplina, e assim por diante”. O resultado, diz Dugin, é o “Fim da História” de Francis Fukuyama. Mas não nos enganemos, explica Dugin. A história não termina realmente. O que realmente aconteceu, na verdade, é que a realização do triunfo do liberalismo tem sido o desastre da humanidade. É um desastre para o indivíduo, devido ao indivíduo ter perdido seu ancoradouro. É um desastre para a liberdade, porque agora estamos sob “a tirania das maiorias”. É um desastre para nossa economia, porque a espoliação é o princípio emergente do mercado. E aqueles que desejam preservar sua identidade racial, nacional ou religiosa são apontados como inimigos pelo politicamente correto tão iludido como desumano.

Aqui Dugin parece estar ecoando James Burnham, que uma vez explicou que o liberalismo era “a ideologia do suicídio do Ocidente”. O liberalismo destrói, como argumentou Joseph Schumpeter, sua própria “sustentação iliberal”. O livro de Dugin, The Fourth Political Theory (A Quarta Teoria Política), do qual a estratégia russa agora depende, é na verdade uma versão atualizada de uma velha fórmula estratégica que uma vez tomou forma sob o Pacto Molotov-Ribbentrop. É uma tentativa de reviver e combinar as ideologias fracassadas do comunismo e do fascismo para uma batalha final. Pela união de todos os comunistas e fascistas (fascistas islâmicos inclusive) no momento do mais forte impulso suicida do liberalismo, Dugin e seus chefes russos esperam construir uma coalizão global sem precedentes. Vale lembrar que Dugin não inventou esta “nova” abordagem totalitária, porque seus elementos estavam presentes no pensamento e planejamento soviético antes que Dugin nascesse. Stalin estava usando a Quarta Teoria Política em agosto de 1939, quando enviou as delegações britânica e francesa embaladas a fim de assinar um pacto com Hitler.

Relata-se que Stalin muitas vezes disse, em perfeita seriedade, “eu poderia ter conquistado o mundo com Hitler”. Por que ele disse isso? Porque os nazistas souberam como mobilizar o apoio público para sua causa e os comunistas não. O ministro da Propaganda nazista Joseph Goebells uma vez avisou que a força bruta era insuficiente. Ele disse: “é melhor fazer com que as pessoas te amem”. Esta inversão do dictum maquiavélico, de que é melhor ser temido que amado, foi a robusta adaptação nazista. O nazismo não dizia respeito apenas ao ódio. Dizia respeito também ao amor – amor ao Führer, amor à Pátria, etc... É o que fez Hitler tão perigoso. Ele podia levar pessoas a amar coisas, e morrer por coisas, e também a matar. Em 1940, quando Stalin conspirou para apunhalar Hitler pelas costas, ele cometeu o erro de subestimar os nazistas. Os desastres militares soviéticos subsequentes, que ocorreram no verão e outono de 1941, foram sem precedentes na história da guerra.

Os sucessores de Stalin tiveram anos para reconhecer a fragilidade de seu próprio sistema e as vantagens do sistema de Hitler. Portanto, não deveríamos estranhar que o bloco comunista começasse a experimentar aspectos do nacional-socialismo tempos atrás. Pela preservação de certas tradições, e através do apelo ao nacionalismo, as pessoas podem ser motivadas a lutar – e isto é o que Dugin está tentando explorar com sua Quarta Teoria Política. O renascimento do nazismo (em forma alterada) e o florescimento do antissemitismo tem sido antecipado por Moscou há muito tempo, e Dugin tem flertado com este renascimento. Afinal, o pêndulo político balança para frente e para trás entre os extremos. Por três gerações temos ouvido sobre o Holocausto e a perversidade de Hitler. Em resposta a isto, os analistas russos desconfiam ver o triunfo da negação do Holocausto e deificação de Hitler através de um deslocamento contrário na opinião da massa.

Dugin não se aproximou dos nacionalistas brancos e proto-nazistas da Europa pelo sincero desejo de ajudar a causa deles – não mais que Stalin aliou-se a Hitler em 1939 porque concordava com o Mein Kampf. Dugin é cauteloso, e evita a adoção direta de racismo explícito. Ele diz que racismo real é o racismo americano. E então, seu encorajamento aos nacionalistas brancos e nacional-socialistas tem sido muito dissimulado, e bastante indireto. Seu propósito era e é golpear o sistema de livre mercado liberal no Ocidente conseguindo que todas as forças anti liberais oponham-se ao capitalismo americano e, por padrão, apoiem Moscou. Era uma vez, os nazistas eram um poder em ascensão e sua energia foi aproveitada por Stalin para atacar o Ocidente. Hoje Moscou vê outra onda se aproximando, e uma vez mais espera aproveitar o poder da onda – tão perigoso quanto ele possa ser.

Muitos anos atrás, a sempre perspicaz Claire Berlinski escreveu Menace in Europe (Ameaça na Europa). Ela percebeu, em um nível psicológico muito profundo, que o antissemitismo e o nazismo nunca morreram. Estes impulsos apenas tornaram-se adormecidos, e podiam reaparecer no futuro. A “desnazificação” da Alemanha no pós-guerra portanto, apenas parecia ter sido bem sucedida. Com a mistura de multiculturalismo, defesa do homossexualismo, feminismo etc..., a Europa tem sido servida de um coquetel que parece concebido para uma coisa: a saber, reviver um novo tipo de nazismo. Adicione a imigração muçulmana a esta “poção de bruxa” e o que temos? Temos uma reação nacionalista branca.

Alexander Dugin e seus chefes no Kremlin estão observando a Europa. Eles sabem que o liberalismo será responsabilizado. E isto é tão importante que eles demonstram abertura à Frente Nacional na França e ao Golden Dawn na Grécia. E por que não deveriam? Estas organizações foram alvos de infiltração e manipulação por agentes russos há muito tempo. Aqui é onde isto ajuda a conhecer a história real de fascistas e nazistas na Europa. Estes não são verdadeiros anti-comunistas, mas têm sido satélites potenciais do comunismo há décadas. Há, de fato, na história da Segunda Guerra, uma massa de questões não examinadas e movimentos mal compreendidos conectados a isto. Mesmo os fatos mais simples a respeito desta guerra têm sido mal compreendidos. E Moscou gostaria de manter desta maneira, preservando a todo custo nossas falsas suposições.

Tomemos um evento simples da guerra que mostra quão indiferente nossos melhores historiadores têm sido. Incontáveis livros têm sido escritos a respeito da morte de Hitler, mas nenhum tem feito as perguntas certas. É bem conhecido que a União Soviética ocultou todas as sólidas evidências da morte de Hitler do restante do mundo. O que os historiadores têm tido o sentido de perguntar? Na verdade, o próprio Stalin encorajou o rumor de que Hitler escapou de Berlim em Abril de 1945. Mais recentemente os russos apresentaram um esqueleto de mulher como sendo o de Hitler, com uma perfuração por bala no lugar errado. Por que eles fizeram isto? É muito simples. De um ponto de vista estratégico, o mito da sobrevivência de Hitler foi estrategicamente útil a Moscou e, como veremos, isto tem a ver com o fato de Moscou ter adquirido controle da Internacional Nazista antes do fim da guerra. Pete Bagley, um antigo oficial da CIA com acesso a documentos da KGB, escreveu: 

“O fato repugnante é que... a KGB secretamente infiltrou o êxodo nazista da Alemanha (em 1945), tomou controle de uma ou mais organizações de exílio nazista, e manipulou-as numa clássica operação “falsa bandeira”, como ferramenta despercebida em sua Guerra Fria contra o Ocidente”. 

Em Spymaster (pag. 145), Bagley nos conta de uma reunião clandestina próxima a Viena entre oficiais da KGB e o antigo chefe da Gestapo Heinrich Mueller em 1945. De acordo com a informação de Bagley, Mueller teria sido pego pelos Soviéticos ao fim da guerra, “mas ao invés de puni-lo como o pior dos criminosos de guerra”, escreveu Bagley, “eles o tomaram para o trabalho clandestino e moveram-no para a América do Sul”.

Aqueles que estão interessados nos desenvolvimentos recentes na América do Sul deveriam ter especial interesse nisto. A atual inexplicável aliança entre comunistas e nazistas na América do Sul é melhor compreendida como um jogo complexo que remonta à penetração do Terceiro Reich por agentes soviéticos durante a guerra. Para compreender a profundidade destas penetrações, é útil examinar o testemunho do chefe da agência de inteligência, Walter Schellenberg, cabeça da inteligência estrangeira (Ausland – SD) de 1941 a 1945. De acordo com Schellenberg, após a derrota do Sexto Exército em Stalingrado veio à existência dentro da hierarquia nazista uma poderosa “facção oriental”. Estes eram nazistas que sabiam que a guerra estava perdida, e que decidiram começar a trabalhar secretamente para a União Soviética como meio de assegurar a sobrevivência futura. Um dos mais proeminentes destes vira-casacas, do ponto de vantagem de Schellenberg, foi o braço direito de Hitler e chefe do partido Martin Bormann. Outro foi o chefe da Gestapo Heinrich Mueller, que pode ter trabalhado para Moscou desde 1937. Schellenberg escreveu: 

“Minha primeira suspeita séria sobre a sinceridade do trabalho de Mueller contra a Rússia foi despertada numa longa conversa que tive com ele na primavera de 1943..., imaginei porquê era tão tarde, que ele tinha estado bebendo, quando disse que queria conversar comigo”. 

Schellenberg não bebia, e era um rival burocrático de Muller. No início da “conversa”, Mueller lembrou a Schellenberg que a influência soviética não existia apenas dentro da classe trabalhadora isoladamente. Era também forte entre pessoas educadas. Mueller então disse: “vejo nisso um inevitável desenvolvimento histórico de nossa era, particularmente quando se considera a “anarquia” espiritual de nossa cultura ocidental, na qual incluo a ideologia do Terceiro Reich”.

Schellenberg foi tomado de surpresa. “Mueller estava 'falando como um livro'”. E Mueller supostamente não lia livros. Mas a próxima declaração de Mueller foi ainda mais surpreendente, porque foi traiçoeira. “O nacional-socialismo”, disse Mueller, 

“não é nada mais que um tipo de esterco neste deserto espiritual (da Europa Ocidental). Em contraste com isto, vê-se na Rússia uma revolução mundial, espiritual e material, unificada e inflexível, que oferece um tipo de carga elétrica positiva ao negativismo do ocidente”. 

Como Schellenberg explicou: 

“sentei-me aquela noite em frente a Mueller num cismar profundo. Aqui estava o homem que tinha conduzido o mais implacável e brutal esforço contra o comunismo em todas as suas formas, o homem que em sua investigação da Orquestra Vermelha não tinha deixado pedra sobre pedra para descobrir as últimas ramificações daquela conspiração. Que mudança!”

Que mudança, de fato! Mueller estava provavelmente fazendo a mesma exposição de recrutamento a outros altos oficiais nazistas. E quem ousaria denunciá-lo? Ele era o cabeça da Gestapo! Ele podia negar a conversa, ou dizer que estava testando a lealdade do interlocutor. Schellenberg estava assombrado. “Você sabe, Schellenberg”, disse Mueller, 

“isto é realmente estúpido, esta coisa entre nós. No início pensei que nos daríamos bem em nossa relação pessoal e profissional, mas não aconteceu. Você tem muitas vantagens sobre mim. Meus pais eram pobres, eu me fiz sozinho. Eu era um detetive de polícia, comecei nas batidas e aprendi na dura escola do trabalho ordinário da polícia. Agora, você é um homem educado. É um advogado, possui retaguarda cultural, você viajou. Em outras palavras, você impôs-se facilmente num sistema petrificado de tradição conservadora. Pegue, por exemplo, homens como aqueles da Orquestra Vermelha – Schulze-Boynsen ou Harnack – você sabe, eles eram intelectuais, mas de um tipo inteiramente diferente. Eles eram intelectuais puros, revolucionários progressistas, sempre procurando por uma solução final. Eles nunca se atolaram em meias medidas. E eles morreram acreditando ainda naquela solução. Há muitas concessões no nacional-socialismo para que ele ofereça uma fé como aquela, mas o comunismo espiritual pode”.

Durante sua declaração, Mueller também referiu-se a Martin Bormann como um homem “que sabe o quer”. Previamente, Mueller tinha se referido a Bormann como nada mais que um criminoso. Schellenberg estava ficando nervoso, enquanto Mueller virava um conhaque atrás do outro descrevendo a decadência do ocidente nos termos mais rudes. Schellenberg percebeu que Mueller deveria possuir informações comprometedoras de todos os altos líderes nazistas. Tendo escutas telefônicas por toda parte, Mueller conhecia os segredos sujos de todos. A apreensão de Schellenberg cresceu até que ele pensou: 

“O que Mueller deseja, este homem que estava tão cheio de rancor e ódio, repentinamente 'falando como um livro'?” Para quebrar o monólogo Schellenberg recorreu ao humor: “Certo camarada Mueller, vamos todos começar a dizer “Heil Stalin!” agora mesmo, e nosso pequeno líder Mueller se tornará o cabeça da NKVD”.

Mueller então olhou para Schellenberg com um lampejo malevolente em seus olhos. “Isso seria bom”, ele disse, “e você realmente estaria no grande salto, você e seus amigos burgueses conservadores”. O grande salto, é claro, referia-se a lançar-se do cadafalso com uma corda no pescoço. Schellenberg concluiu que Mueller era um agente soviético. O conceito de Estado e de indivíduo do chefe da Gestapo, raciocinou Schllenberg, “desde o início não tinha sido nem germânico nem nacional-socialista, mas na verdade comunista. Quem sabe quantas pessoas ele influenciou e atraiu, naquela época, para a “facção oriental”?

E então devemos ver o reavivamento recente das ideias nazistas, do antissemitismo, do nacionalismo branco - da tão propalada Nova Direita Europeia e da Nova Direita Norte-americana – como um possível coadjuvante do poder russo. Pois neste fenômeno não estamos apenas lidando com o reavivamento nazista. Podemos estar lidando com uma operação russa de “falsa bandeira” com enorme e inexplorado potencial terrorista. Há a possibilidade, é claro, de que este “movimento” escape dos russos. Mas então devemos considerar o significado do Pacto Ribbentrop-Molotov de 1939. O que quer que tenha sido, o nazismo foi inimigo da América e da liberdade no mesmo sentido que o é o fundamentalismo islâmico. Quando Alexander Dugin propõe sua Quarta Teoria Política, ele está propondo nada menos que a combinação de todas as forças anti-americanas num punho fechado.
Por: Jefrey Nyquist http://jrnyquist.com Do site: http://www.midiasemmascara.org/

Tradução: Flávio Ghetti





quarta-feira, 1 de julho de 2015

ESTAMOS EM CRISE

A crise chegou para todas as pessoas que querem ganhar a mesma coisa fazendo o que fazem há mais de 30 anos. A audiência da novela caiu. A rede Globo diz que está em crise. Como chama a crise da Globo? Netflix!


As vendas de carros caíram. A Ford e a GM dizem que estão em crise. Como chama a crise das montadoras? Bicicleta e metrô!

As vendas do McLixo caíram. O McLixo diz que está em crise. Como chama a crise do McLixo? Franquia de Japonês!

A taxa de ocupação dos hotéis Ibis está meia boca. Como chama a crise dos hotéis? AirBNB!

As vendas nas lojas de Shopping Centers estão em crise. Como chama a crise dos shopping centers? Lojas virtuais!

As vendas nos supermercados estão em crise. Como chama a crise dos supermercados? Restaurantes!

As vendas de produtos da linha branca estão em crise. Como chama a crise de vendas de geladeiras, fogões e microondas? Bom Negócio e OLX!

As vendas de corridas de táxi estão em crise. Como chama a crise dos taxistas? UBER!

O volume de matrículas nas faculdades está minguando. Como chama a crise das faculdades? YouTube!

As vendas em lojas de acessórios para eletrônicos estão em crise. Como se chama a crise dos eletrônicos? Alibaba Express!

Enquanto a China envia pedidos de compra de relógios de pulso e vestidos de noiva para a cidade de Rio Claro com frete grátis, você cobra 30 reais do seu cliente para enviar um pedido da zona sul para a zona norte dentro da sua cidade de 50 mil habitantes!

Se VOCÊ está em crise; ou se VOCÊ é do tipo que reclama da crise; é porque você faz negócios do jeito que o seu avô fazia.

Se VOCÊ está em crise, você deve ser do tipo que CULPA o governo quando está por baixo, e se diz RESPONSÁVEL PELO SEU SUCESSO quando está por cima.

A revista Exame PME publica todos os anos a lista das 250 pequenas e médias empresas que mais crescem no Brasil. No topo da lista você não encontra bancos, seguradoras, construtoras, supermercados, ou qualquer um desses negócios mais-do-mesmo.

Você tem empresas que fabricam peças para processos de automação de máquinas agrícolas (128% de crescimento), empresas que transportam resíduos industriais perigosos (110% de crescimento), empresas que elaboram projetos de telecomunicações (81% de crescimento), empresas que fornecem plataformas elevatórias para transportar máquinas (77% de crescimento), empresas que constroem estações de tratamento de água e esgoto (51% de crescimento), empresas que transportam medicamentos de alto custo (45% de crescimento), empresas que produzem pisos de alta resistência para ambientes industriais (42% de crescimento), e muito, muito mais!

Se o mundo dos negócios para você se resume ao que acontece na Avenida Paulista ou no Itaim Bibi, ou na cabeça de quem circula pela Berrini ou Faria Lima, é claro que você vai achar que tudo está ruim. Afinal, a única coisa diferente que aconteceu na cidade de São Paulo nos últimos 20 anos foi a construção da Ponte Estaiada que atravessa o Rio Pinheiros.

O futuro do Brasil não está em São Paulo. O futuro do Brasil está na sua comunidade local. Na sua pequena cidade. Nas fábricas da sua região. Nos empresários do seu bairro. O nosso país só será INCRÍVEL quando tivermos pelo menos 1.500 pequenas e médias cidades FERVILHANDO de NOVOS NEGÓCIOS espalhadas por todas as regiões do país. E isso já está acontecendo.

Enquanto você sonha com uma carreira de advogado no escritório do Pinheiro Neto para o seu filho, alguém criou uma empresa que instala plataformas de petróleo (41% de crescimento) em Curitiba; enquanto você sonha com uma carreira de médico no Hospital Albert Einstein para o seu filho, alguém criou uma empresa de consultoria de meio ambiente e planejamento urbano (40% de crescimento) no Rio de Janeiro; enquanto você sonha com uma carreira de engenheiro para o seu filho na Odebrecht, alguém criou uma empresa que oferece serviços logísticos para bancos (249% de crescimento) em Goiânia.

Crise?

Crise o escambau!

Vivemos na era mais transformadora da história do ser humano!

Para o Banco HSBC, é claro que o mercado está em crise. Para as construtoras, é claro que o mercado está em crise. Para a FIFA, é claro que o mercado está em crise.

Para quem sempre fez negócios precisando de incentivos fiscais e favores de terceiros, é claro que o mundo está em crise.

Mas as coisas estão mudando.

As pessoas de bem contam hoje com um aliado que elas nunca imaginaram: a tecnologia.

A tecnologia é a grande polícia interplanetária que vai varrer o planeta os grandes atos de corrupção. Os sistemas de informática e tecnologia vão conectar tudo que existe e fechar as portas para a bandidagem.

A tecnologia vai reduzir a corrupção no mundo público; e principalmente, no mundo privado.

Eu treino vendedores de todas as indústrias que você pode imaginar. Tem corrupção por todos os cantos desse país. Uma das maiores preocupações dos vendedores hoje em dia é saber lidar com os milhares de clientes corruptos que só compram softwares, serviços de consultoria, espaços publicitários, serviços de gestão para as suas empresas, se os vendedores pagarem uma comissão de 15-20% para eles.

Mas as coisas estão mudando.

E se você quiser acelerar essas mudanças, faça o seguinte favor a você mesmo e a sua cidade: faça negócios com as pequenas e médias empresas locais. Faça negócios com empresas que seguramente investem 100% do seu lucro na sua cidade ou comunidade. Faça negócios com pessoas honestas.

Na próxima vez que você for ao supermercado comprar uma maçã para os seus filhos, verifique a procedência da maçã. Se a maçã veio de uma plantação da sua região, compre! Caso contrário, não compre!

Você quer mudar o mundo? Você realmente quer mudar o mundo?

Invista pelo menos 50% do seu dinheiro nas empresas da sua cidade.

Você quer melhorar a sua cidade?

Incentive o seu filho a criar uma empresa na cidade em que ele nasceu para construir as coisas que a cidade tanto precisa. Te garanto que se ele for capaz de resolver o problema da sua cidade, ele estará pronto para vender a sua criação em qualquer lugar do mundo.

Se liga!

Nessa VIDA, ou você é um agente de mudanças, ou uma vítima delas.

O que você é?

NADA MENOS QUE ISSO INTERESSA!

QUEBRA TUDO! Foi para isso que eu vim! E Você?

Autor: Ricardo Jordao Magalhaes  Do site: http://wp.clicrbs.com.br/cacaumenezes

terça-feira, 30 de junho de 2015

A VERDADEIRA TRAGÉDIA GREGA FOI O SEU GASTO PÚBLICO


A Grécia foi à bancarrota não porque, como dizem os entusiastas do novo governo eleito, pagou taxas de juros "usurárias" sobre sua dívida, mas sim porque se endividou despreocupadamente para que seus políticos pudessem gastar como se não houvesse amanhã.

Vamos aos números.

Se levarmos em conta o valor total de juros pago pelo governo grego em relação ao estoque total de sua dívida, temos que, desde 2006, não houve nenhum ano em que a Grécia tenha pagado mais do que 4,5% de juros sobre sua dívida total. 

Isso dificilmente pode ser classificado como "usura", principalmente quando se leva em conta que a inflação de preços média na Grécia desde 2006 foi de 2%, o que significa que o estado grego jamais pagou juros reaissuperiores a 2,5% ao ano. [Nota do IMB: a título de comparação, o governo brasileiro pagar taxas superiores a 10% sobre sua dívida total, e as taxas reais sempre estiveram acima de 4,5%].

Com efeito, no ano de 2013, a Grécia pagou sobre sua dívida pública total taxas de juros nominais inferiores até mesmo às da Alemanha: em concreto, os gregos pagaram 2,28%, sendo que os alemães pagaram 2,62%.



Gráfico 1: taxa de juros média sobre a dívida pública, 2006-2013 Fonte: Eurostat

E não é só: em 2013, a Grécia foi o quarto país da zona do euro a pagar as menores taxas de juros sobre sua dívida pública:



Gráfico 2: taxa de juros média sobre a dívida pública em 2013 Fonte: Eurostat

Em que pese todo o bombardeio propagandístico sobre juros usurários contra a Grécia, ninguém deveria se surpreender com os resultados acima, pois foi em 2012 que a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI) aprovou um segundo plano de resgate para a Grécia, pelo qual o governo grego obteve condições de financiamento extremamente benéficas.

O principal culpado: o descontrole do gasto público

Antes da crise, o volume total da dívida pública grega era de 250% das receitas do governo (2,5 vezes maior). Na Alemanha, a título de comparação, esse valor era de 150%. (1,5 vez maior).

No entanto, após a crise, o valor grego pula para 350%, chegando a superar 400% (4 vezes maior) no ano de 2011. Vale notar que tanto o resgate quanto as medidas de "austeridade" começaram a ser implantados na Grécia apenas no ano de 2010, só que em 2009 o governo já tinha um volume de dívida pública totalmente descontrolado.



Gráfico 3: relação entre dívida pública e receitas do governo, 2006-2013 Fonte: Eurostat

E o que fez aumentar essa dívida pública?

Enquanto a Alemanha conseguiu manter constante, em termos reais, seu gasto público por habitante entre 1996 e 2008, a Grécia o aumentou em nada menos que 80%. 



Gráfico 4: gasto público real por habitante, 1996-2013 Fonte: Eurostat

A hipertrofia do estado grego simplesmente não possui similares na Europa, especialmente se levarmos em conta como ele se financiou: a Grécia não apenas foi um dos países que mais aumentou seu gasto público, como também foi o que recorreu com mais obsessão ao endividamento para financiá-lo.



Gráfico 5: aumento da dívida pública entre 1996 e 2008 Fonte: Eurostat

Como consequência desse enorme crescimento do endividamento (e não como consequência de altas taxas de juros), o gasto anual com os juros sobre todo esse estoque de dívida superou, até o segundo pacote de resgate, o valor de 12% das receitas do governo (em 2011, antes do resgate, o total de juros pago por ano era 17% maior do que as receitas). Compare isso à Alemanha, cujos gastos com juros se mantiveram estáveis em 6% de todas as receitas.



Gráfico 6: total de juros pagos em relação às receitas do governo, 2006-2013 Fonte: Eurostat

Vale enfatizar: o problema não foi a taxa de juros que a Grécia pagou sobre sua dívida pública, mas sim o enorme volume de sua dívida pública, o que elevou sobremaneira o valor absoluto dos juros pagos. 

Matemática básica: 50% de 10 euros são 5 euros, 1% de 1 bilhão de euros são 10 milhões de euros. Uma taxa de juros baixa não fará com que seus gastos totais com juros sejam baixos se você deve muito dinheiro.

Sendo assim, a responsabilidade pela situação financeira grega deve ser atribuída a quem gerou esse elevado volume de endividamento: os políticos gregos e todos aqueles que aplaudiam e que foram beneficiados pelas políticas de endividamento do governo (antes e depois da crise). 

O fato é que o grosso da dívida pública grega foi emitido antes que a Grécia fosse socorrida pela Troika: 90% da dívida pública grega do ano de 2010 já havia sido emitida antes de 2010. 

Nem sequer é possível culpar as políticas de suposta austeridade ("suposta" porque um governo sob austeridade genuína não pode aumentar impostos; é como dizer que um trabalhador que está praticando austeridade pode aumentar seu salário): mesmo que o governo grego tivesse sido capaz de manter o mesmo volume de receitas de 2007 (algo muito difícil em meio a uma forte recessão), o tamanho de sua dívida pública em 2011 em relação às suas receitas seria de 391% (comparado aos 403% que realmente foram, e aos 180% da Alemanha), e o peso dos juros em relação às receitas totais teria sido de 15,8% (em relação aos 17,1% que realmente foram, e aos 5,8% da Alemanha).

Portanto, é necessário honestidade: o governo da Grécia não quebrou por causa da Troika e o governo da Grécia não está financeiramente na lona por causa da Troika. O governo grego está quebrado como consequência das políticas ilustradas nos gráficos 4 e 5.

Enquanto a Alemanha estabilizou seu gasto real por habitante (isto é, descontando a inflação de preços) entre 1996 e 2007, a Grécia o aumentou em mais de 80%, e recorreu ao mero endividamento para financiar a maior parte dessa brutal expansão do seu gasto público. O governo chegou a um ponto em que simplesmente não mais consegue pagar nem mesmo as prestações dessa dívida.

A composição do gasto público grego

À luz dessa hipertrofia estatal, era óbvio que ao governo grego não restava outra solução senão cortar muito intensamente seus gastos caso quisesse sobreviver financeiramente. Mas será que mesmo isso foi feito?

O gráfico abaixo mostra a composição do gasto público grego. O gasto com educação, políticas sociais e saúde disparou de 24,6% do PIB em 2004 para 31,1% do PIB em 2012. Ou seja, não só os gastos do governo grego se concentram nos "gastos sociais", como também esta foi a rubrica que mais aumentou em termos relativos desde 1996.



Gráfico 7: composição do gasto público da Grécia, 1996-2012 Fonte: Eurostat

Sim, é verdade que, desde 2009, com as seguidas quedas do PIB, o fato de os gastos sociais terem subido em relação ao PIB não significa que eles aumentaram em termos absolutos, uma vez que o PIB vem se contraindo desde 2009. No entanto, o que isso realmente significa é que os gastos que menos foram reduzidos proporcionalmente foram justamente aqueles que mais cresceram até 2009: os gastos sociais.

Conclusão

A conclusão é fragorosa e deve servir de lição: sim, um país pode quebrar por gastar excessivamente com "políticas sociais". 

Não é questão de ideologia, mas sim de contabilidade. 

Mais ainda: para evitar essa quebra, é imprescindível que ele tenha de cortar de maneira intensa todos os gastos voltados às políticas sociais.

No entanto, longe de ter aprendido a lição e de assumir a culpa pelo próprio desastre, o novo governo grego não apenas aponta o dedo para terceiros, como ainda promete voltar a aumentar maciçamente o gasto público (estão prometendo mais benefícios sociais, energia gratuita para 300 mil gregos, e mais moradias populares).

É óbvio, portanto, que não entenderam nada.

A questão é simples: quem não pode pagar indefinidamente, não pode gastar indefinidamente. 

País nenhum.
Por: Juan Ramón Rallo, diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.  Do site: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2017

O CELULAR E A RAINHA MÁ


Recentemente, eu estava caminhando pela calçada quando vi uma mulher vindo na minha direção. O rosto dela estava colado ao celular e não estava prestando atenção para onde estava indo. Se eu não desse um passo para o lado, trombaríamos. Como secretamente sou uma pessoa má, eu parei de repente e dei meia volta. A mulher trombou nas minhas costas, derrubando seu celular. Ela percebeu que tinha trombado em alguém que não podia vê-la e que ela é quem deveria ter se desviado. Ela balbuciou um pedido de desculpas, enquanto eu gentilmente lhe disse para não se preocupar, já que hoje em dia essas coisas acontecem o tempo todo.

Eu espero que o celular da mulher tenha quebrado quando ela o derrubou e aconselho a todos aqueles que se vejam em uma situação semelhante que façam o mesmo que fiz. Sim, eu acho que usuários compulsivos de celulares deveriam ser estrangulados ao nascer, mas não é todo dia que surge um Herodes. E, mesmo se puníssemos essas pessoas na idade adulta, elas provavelmente nunca entenderiam a profundeza do abismo no qual caíram. No final, elas persistiriam em seu hábito irritante independentemente do que fizéssemos.

Estou ciente de que muito já foi escrito sobre o uso de celulares, de modo que não há muito o que possa acrescentar aqui. Mas, se pensarmos a respeito por um momento, é espantoso o fato de quase todos nós termos sido tomados pelo mesmo frenesi. Nós mal conversamos face a face hoje em dia, nem refletimos sobre assuntos importantes de vida e morte, nem mesmo olhamos para a paisagem enquanto passa pela nossa janela. Em vez disso, nós conversamos obsessivamente em nossos celulares, raramente sobre algo particularmente urgente, desperdiçando nossas vidas em um diálogo com alguém que nem mesmo vemos.

Hoje, estamos vivendo em uma era na qual, pela primeira vez, a humanidade conseguiu realizar um dos três desejos persistentes que por séculos apenas a magia podia satisfazer. O primeiro é a capacidade de voar –-não em um avião, mas com nossos próprios corpos, batendo nossos braços.

Outro é a habilidade de afetar diretamente nossos inimigos –-ou entes queridos-– ao espetar agulhas em um boneco ou proferindo palavras arcanas. E o terceiro é a capacidade de comunicação instantânea por longas distâncias. Nós sempre quisemos ter um gênio ou objeto mágico com poder de nos transportar em um estalar de dedos de Frosinone a Pamir, de Innisfree a Timbuktu, ou de Bagdá a Poughkeepsie. E agora podemos.

Por que as pessoas demonstraram tamanha inclinação a práticas mágicas ao longo dos séculos? Pressa. A magia promete que você possa saltar instantaneamente da causa ao efeito –-do ponto A ao ponto B-– por uma espécie de atalho, sem precisar de quaisquer etapas intermediárias. Eu pronuncio uma fórmula e mudo ferro em ouro. Eu convoco anjos e envio mensagens por eles. A fé na magia não desapareceu com o advento da ciência. Não, nosso desejo de imediatismo simplesmente foi transferido para a tecnologia. Você aperta um botão em seu celular em Roma e, em segundos, está falando com um amigo em Sydney.

Nós sabemos que a ciência e a tecnologia avançam lentamente por meio de pesquisa cuidadosa –-mas mesmo assim queremos uma cura para o câncer já, não amanhã. Assim, em vez de esperar por anos, nós depositamos nossa fé no médico guru que nos oferece uma poção milagrosa que funcione instantaneamente para curar nossos males.

O relacionamento entre nosso entusiasmo pelas conveniências tecnológicas e nossa inclinação pelo pensamento mágico é muito estreito e está atado profundamente à nossa esperança religiosa na ação rápida como um raio dos milagres. Por séculos os teólogos discutiram conosco sobre os mistérios, argumentando que são concebíveis, mas insondáveis. A fé nos milagres nos mostra o numinoso, o sagrado e o divino, que funcionam sem atraso.

Será que há uma conexão entre aqueles que prometem uma cura instantânea para o câncer, místicos como o Padre Pio, celulares e a Rainha Má de "Branca de Neve"? De certo modo há. A mulher no início da minha história estava vivendo em um universo de contos de fadas, encantada pelo celular em seu ouvido, em vez de um espelho mágico.Tradutor: George El Khouri Andolfato

UMBERTO ECO

Umberto Eco é professor de semiótica, crítico literário e romancista. É autor de "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucalt".

domingo, 28 de junho de 2015

MONOTEÍSMOS E POLITEÍSMOS


Os ventos da guerra estão soprando e não se trata de uma pequena guerra local. O risco vem de um plano fundamentalista para islamizar o mundo inteiro, e o conflito já envolve vários continentes. Na verdade, foi relatado que a ameaça do Estado Islâmico já chegou a Roma, apesar de nenhuma bandeira do grupo estar tremulando no topo da Basílica de São Pedro.

Ao que me parece, historicamente, as grandes ameaças intercontinentais sempre vieram de religiões monoteístas. Apenas cristãos e muçulmanos se envolveram em conquistas militares em nome de seu deus.

Os gregos e romanos não queriam conquistar a Pérsia ou Cartago para impor seus deuses. Eles eram movidos principalmente por metas territoriais e econômicas, e assim que encontravam deuses diferentes dos deles, eles simplesmente incorporavam essas deidades em seu panteão. Seu povo chama você de Hermes? Tudo bem, nós chamaremos você de Mercúrio e você será um de nossos deuses. Os fenícios adoravam Astarte. Mas isso não era um problema para os egípcios, que a chamaram de Ísis, ou para os gregos, para os quais ela se tornou Afrodite. Ninguém invadiu as terras fenícias para eliminar o culto a Astarte.

Os primeiros cristãos foram martirizados não por reconhecerem o deus de Israel (afinal, esse era o negócio deles), mas porque negavam a legitimidade dos outros deuses.

Não se trata das sociedades politeístas nunca terem travado guerras, mas sim que em grande parte eram conflitos tribais que não tinham nada a ver com religião ou imposição de seus deuses aos outros. Os bárbaros do norte invadiram a Europa, e os mongóis fizeram o mesmo em terras islâmicas, mas em vez de imporem seus deuses, esses povos rapidamente se converteram às religiões locais.

Quando muito, é curioso que os bárbaros do norte, ao se tornarem cristãos e construírem um império cristão, depois montaram as cruzadas no Oriente Médio para impor seu deus aos muçulmanos, apesar de, no final do dia, ambas as culturas estarem basicamente adorando ao mesmo deus.

Eu também contaria o colonialismo como guerras de conquista travadas em nome do cristianismo. Fora os interesses econômicos que sempre as justificaram, as campanhas coloniais também incluíam o projeto virtuoso de cristianização das populações conquistadas, sejam os astecas, incas ou etíopes (independentemente do fato de que a maioria dos etíopes era cristã).

Uma exceção curiosa sempre foi o monoteísmo judeu, que por sua própria natureza não impõe a conversão religiosa a outros povos. As guerras mencionadas no Velho Testamento visavam garantir uma terra para o povo escolhido, não converter outras populações ao judaísmo. E os judeus nunca incorporaram outros cultos e crenças aos seus próprios.

Certamente não quero dizer que é mais civilizado acreditar nas deidades iorubás ou nos espíritos vodu do que na Santíssima Trindade ou no Deus único cujo profeta é Maomé. Tudo o que estou dizendo é que ninguém nunca tentou conquistar o mundo em nome dos deuses da crença afro-brasileira do Candomblé. Nem a deidade Barão Samedi do vodu exigia fieis além dos limites do Caribe.

O império chinês foi um grande conquistador territorial, mas seu povo não acreditava em um único ser que criou o mundo. E a China nunca tentou disseminar suas crenças para a Europa ou a América. Poderia ser argumentado que a China atualmente está conquistando territórios economicamente, por meio da compra de empresas e ações ocidentais. Mas se o povo fora do país acredita em Jesus, Alá ou Jeová, isso não faz a menor diferença para os interesses de negócios chineses.

Talvez as ideologias seculares do nazismo e do marxismo soviético sejam equivalentes às grandes religiões monoteístas. Mas os fascistas e soviéticos nunca tentaram hipnotizar seus seguidores com qualquer tipo de deidade ou ser sobrenatural. E, de qualquer modo, suas guerras de conquista logo chegaram ao fim.

Tradução: George El Khouri Andolfato

UMBERTO ECO

Umberto Eco é professor de semiótica, crítico literário e romancista. É autor de "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucalt".

BASTA! FORA!

O único partido da História que fomentou uma revolução contra si mesmo tem a obrigação de ser coerente e desaparecer do cenário o mais breve possível


Volto a explicar, agora ponto por ponto, a catástrofe estratégica monstruosa com que o PT destruiu a si mesmo e à nação. 

1. No incipiente capitalismo brasileiro, as grandes empresas são quase sempre sócias do Estado, o único cliente que pode remunerá-las à altura dos serviços que prestam.

2. Por isso elas acabam se incorporando ao “estamento burocrático” de que falava Raymundo Faoro: o círculo dos “donos do poder”, que fazem da burocracia estatal o instrumento dócil dos seus interesses grupais, em vez da máquina administrativa impessoal e científica que ela é nas democracias normais.

3. Nesse sentido, o sistema econômico brasileiro não é capitalista nem socialista, mas sim patrimonialista, como destacaram, além do próprio Faoro, vários estudiosos de orientação liberal, entre os quais Ricardo Velez Rodriguez, Antonio Paim e o embaixador J. O. de Meira Penna.

4. Nos anos 70 do século passado os intelectuais de esquerda que sonhavam em formar um grande partido de massas tomaram conhecimento do livro de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder. Formação do Patronato Político Brasileiro, então lançado em aumentadíssima segunda edição, e entenderam que o curso normal da revolução brasileira não deveria ser propriamente anticapitalista, mas antipatrimonialista: o ponto focal do combate já não seria propriamente “o capitalismo”, e sim – com nomes variados -- o “estamento burocrático”.

5. A definição do alvo era corretíssima, mas, ao mesmo tempo, o partido, como aliás toda a esquerda nacional, estava intoxicado de gramscismo e ansioso por tomar o poder por meio dos métodos do fundador do Partido Comunista Italiano, que preconizavam a infiltração generalizada e a “ocupação de espaços” destinadas a criar a “hegemonia”, isto é o controle do imaginário popular, da cultura, de modo a fazer do partido “o poder onipresente e invisível de um imperativo categórico, de um mandamento divino”.

6. A aplicação do esquema gramscista obteve mais sucesso no Brasil do que em qualquer outro país do mundo. Por volta dos anos 80, o modo comunopetista de pensar já havia se tornado tão habitual e quase natural entre as classes falantes no país, que os liberais e conservadores, inimigos potenciais dessa corrente, abdicaram de todo discurso próprio e, para se fazer entender, tinham de falar na linguagem do adversário, reforçando-lhe a hegemonia ideológica, mesmo quando obtinham sobre ele alguma modesta vitória eleitoral em troca. Entre os anos 90 e a década seguinte, toda política “de direita” havia desaparecido do cenário público, deixando o campo livre para a concorrência exclusiva entre frações da esquerda, separadas pela disputa de cargos apenas, sem nenhuma divergência séria no terreno ideológico ou mesmo estratégico.

7. O sucesso da operação produziu sem grandes dificuldades a vitória eleitoral de Lula numa eleição presidencial na qual, como ele próprio reconheceu, todos os candidatos eram de esquerda, o que canalizava os votos quase espontaneamente na direção daquele que personificasse o esquerdismo da maneira mais consagrada e mais típica.

8. Com Lula na Presidência, intensificou-se formidavelmente a “ocupação de espaços”, fortalecendo a hegemonia ao ponto de levar ao completo aparelhamento da máquina estatal pelo comando comunopetista, que ao mesmo tempo precisava da ajuda das grandes empresas para cumprir o compromisso assumido no Foro de São Paulo, coordenação estratégica da política comunista no continente, no sentido de amparar e salvar do naufrágio os regimes e movimentos comunistas moribundos espalhados por toda parte.

9. Inevitavelmente, assim, o próprio partido governante se transformou no “estamento burocrático” que ele havia jurado destruir. E, imbuído da fé cega nos altos propósitos que alegava, atribuiu-se em nome deles o direito de trapacear e roubar em escala incomparavelmente maior que a de todos os seus antecessores, sem admitir acima de si nenhuma autoridade moral à qual devesse prestar satisfações. O próprio sr. Lula expressou esse sentimento com candura admirável, afirmando-se o mais insuperavelmente honesto dos brasileiros, ao qual ninguém teria o direito de julgar – e isso no momento em que seu partido, abalado por uma tremenda sucessão de escândalos, já era conhecido no país todo como o partido-ladrão por excelência.

10. Assim, não apenas o PT fortaleceu o patrimonialismo, como frisou o cientista político Ricardo Velez Rodriguez, mas se transformou ele próprio na encarnação mais pura e aparentemente mais indestrutível do poder patrimonialista, soldando numa liga indissolúvel a ilimitada pretensão esquerdista ao monopólio da autoridade moral, os anseios do movimento comunista continental, os interesses de grandes grupos industriais e bancários, o aparato cultural amestrado (mídia, show business, universidades) e, last not least, o instinto de sobrevivência da classe política praticamente inteira.

11. Tal foi o resultado da síntese macabra que denominei faoro-gramscismo -- a tentativa de realizar por meio da estratégia de Antonio Gramsci a revolução antipatrimonialista preconizada por Raymundo Faoro: na medida em que, ao mesmo tempo, instigava o ódio popular ao “estamento burocrático” e, por meio da “ocupação de espaços”, se transfigurava ele próprio no inimigo odiado, personificando-o com traços repugnantes aumentados até o nível do absurdo e do inimaginável, o PT acabou por atrair contra si próprio, em escala ampliada, a hostilidade justa e compreensível da população aos “donos do poder”, aos príncipes coroados do Estado cleptocrático.

"NÓS ENCONTRAMOS O INIMIGO E ELE SOMOS NÓS", DIZ O PERSONAGEM POGO, CRIADO POR WALT KELLY(1913-1973)

12. Ao longo do processo, a “ocupação de espaços” reduziu o sistema de ensino e o conjunto das instituições de cultura a instrumentos para a formação da militância e a repressão ao livre debate de ideias, destruindo implacavelmente a alta cultura no país e, na mesma medida, estupidificando a opinião pública para desarmar sua capacidade crítica. Ao mesmo tempo, no desejo de agradar a vários “movimentos de minorias” enxertados no Brasil por organismos internacionais, o governo petista fez tudo o que podia para desmantelar o sistema dos valores mais caros à maioria da população, contribuindo para espalhar a confusão moral, a anomia e a criminalidade, esta última particularmente favorecida por legislações que não se inspiravam propriamente em Antonio Gramsci, mas numa fonte mais remota do pensamento esquerdista, a apologia do Lumpenproletariat como classe revolucionária, muito em voga nos anos 60 do século XX.

O Brasil que o PT criou é feio, miserável, repugnante, tormentoso e absolutamente insustentável. Cumprida a sua missão histórica de encarnar, personificar e amplificar o mal que denunciava, o único partido da História que fomentou uma revolução contra si mesmo tem a obrigação de ser coerente e desaparecer do cenário o mais breve possível.

Por isso a mensagem que o povo lhe envia nas ruas, nos panelaços, nas vaias e nas sondagens de opinião é hoje a mesma que, em circunstâncias muito menos deprimentes e muito menos alarmantes, surpreendeu o desastrado e atônito presidente João Goulart em 1964:

- Basta! Fora!
Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio

segunda-feira, 22 de junho de 2015

"DONOS DA FAIXA DA ESQUERDA"

É assim que se acaba com os “donos da faixa da esquerda”… nos EUA

O ódio aos chamados “donos da esquerda” é universal. Tão universal que mereceu o capítulo 2 do livro “O Colesterol do Trânsito” como um dos maiores entraves ao trânsito livre nas estradas. No Canadá, os policiais se encarregam de tirar quem anda devagar na faixa da esquerda, atrapalhando o trânsito e semeando a insegurança. Nos EUA, a polícia também começou a fazer isso — na maior parte de seus Estados, pelo menos.

Indiana é o mais recente Estado a mandar quem empata a esquerda encostar o carro e assinar uma multinha. Dos 50 estados americanos, 38 têm leis que impedem o motorista de ficar moscando na faixa rápida/de ultrapassagem. Em 5 dos Estados americanos, as multas podem passar de US$ 1.000.

O deputado estadual Declan O’Scanlon, de Nova Jersey, é um dos defensores de leis mais duras no Estado para punir os “donos da esquerda”. Segundo ele, trata-se de uma questão de segurança no trânsito, já que quem trava a esquerda provoca a chamada road rage — ou a “fúria sobre rodas” como chamamos no FlatOut —, além de colaborar indiretamente para a ocorrência de acidentes. “As faixas da esquerda são para ultrapassagens. Não é uma infração leve. Quando um carro fica ali as pessoas mudam de faixa com mais frequência ou até mesmo ultrapassam pela direita, que é quando os acidentes mais graves acontecem”, disse o congressista ao programa Wink News. Eis um parlamentar com noção de trânsito.

No Brasil, também há um artigo do Código de Trânsito Brasileiro, o 62, que estabelece a velocidade mínima em que se pode rodar em qualquer via. Ela não pode ser inferior a metade da velocidade máxima permitida. Se você considerar que é possível que alguém rode a apenas 60 km/h em uma estrada cuja velocidade máxima é de 120 km/h, já começará a entender que o artigo 62 ficou ultrapassado. Mas será ainda pior porque o CTB não traz nenhuma recomendação ou punição para baixa velocidade na faixa da esquerda.

O que o código fala a respeito dela se limita ao artigo 30, inciso I, que diz que o condutor na faixa da esquerda, quando notar que alguém quer ultrapassá-lo, deve cair para a faixa da direita, e o artigo 198, que determina que quem não ceder a ultrapassagem incorrerá em infração média, punível com quatro pontos na carteira e R$ 85,13 de multa. Já viu alguém tomar multa por isso? Nós também não.

Na legislação brasileira, o inciso IV do artigo 29 do CTB estabelece que a faixa da esquerda, quando existe, deve servir “à ultrapassagem e ao deslocamento dos veículos de maior velocidade”, ficando a direita reservada “ao deslocamento dos veículos mais lentos e de maior porte, quando não houver faixa especial a eles destinada”. Mas não fala o que seria a “maior velocidade”. Portanto, alguém pode rodar nela a 60 km/h em uma estrada com limite de 120 km/h. Legalmente. Pode até ser permitido, mas não é prudente. Só deveriam estar na esquerda carros próximos da velocidade máxima permitida e a lei não faz nenhuma menção a isso. Se ainda tivéssemos um sistema de emissão de carteiras de motorista à prova de fraude, e essa postagem do Facebook, da página Não Foi Acidente, mostra que não é bem assim, ainda teríamos de pedir para que ele fosse eficiente e realmente ensinasse as pessoas a dirigir. Mas nem isso temos.

Os principais responsáveis pela fiscalização são os policiais rodoviários, nos EUA. Quantos policiais você já viu abordando quem anda devagar na esquerda, por aqui? Ou mesmo fiscalizando quem anda abaixo da velocidade mínima? Que policiais brasileiros têm as ferramentas necessárias para fazer essa fiscalização, a começar pelos carros que usam?

Empatar a faixa da esquerda, como o deputado americano colocou muito bem, é fator de risco aos demais motoristas. Quem vem rápido tem de frear subitamente. Ou tem de desviar para a direita para não bater.

Tem quem nem queira se estressar, pedindo passagem toda hora na esquerda, e simplesmente pega a faixa mais livre à direita para rodar na velocidade que deseja. Tem quem abuse e voe na direita, ameaçando quem quer rodar sem pressa. E é à direita que estão as entradas e saídas da estrada, aumentando o perigo de uma colisão.

Não adianta andar na velocidade máxima permitida na esquerda e bancar o fiscal de faixa. A lei determina que é preciso dar passagem a quem vem mais rápido mesmo que acima da velocidade máxima da via. Se a faixa da direita estiver livre, é lá que se deve estar, deixando a esquerda tão desocupada quanto possível. Enquanto o Estado não providencia carros dignos e radares para um contingente suficiente de policiais, um sistema de habilitação que verdadeiramente habilite e uma legislação em sintonia com o que há de mais moderno em matéria de trânsito, só podemos contar uns com os outros. Será que podemos? 
Por: GUSTAVO HENRIQUE RUFFO
Do site: http://www.flatout.com.br/e-assim-que-se-acaba-com-os-donos-da-faixa-da-esquerda-nos-eua/




sexta-feira, 19 de junho de 2015

QUANDO APRENDERÃO?

Chegamos a uma situação em que mesmo dois milhões de brasileiros clamando nas ruas e 90% da população exigindo nas pesquisas o fim do império petista são impotentes para remover de seus postos os delinquentes que se apossaram do país


Excetuadas algumas frustrações e desencantos banais que não vêm ao caso, só guardo uma única tristeza na alma: a de não sido ouvido numa época em que ainda havia tempo de bloquear a ascensão comunopetista e impedir que o Brasil mergulhasse no lodaçal em que vai afundando hoje em dia.

Não vai nisso o menor ressentimento pessoal. A indiferença à mensagem quase nunca implicou hostilidade ou desprezo ao mensageiro. Sempre fui muito bem recebido em toda parte. As pessoas me ouviam, aplaudiam e, com ares de amável ceticismo, prometiam pensar no assunto.

Ficaram pensando até agora. Nada fizeram.

Semana após semana os acontecimentos foram se avolumando exatamente como eu havia previsto, e ainda assim até os melhores entre os meus ouvintes continuaram acreditando que tudo passaria com o tempo, que nada de mau sucederia que não viesse a ser corrigido automaticamente pela mágica do mero rodízio eleitoral.

Isso era impossível, protestava eu. Onze anos atrás escrevi:

“Quem quer que, a esta altura, ainda sonhe em ‘vencer o PT’, seja nas próximas eleições, seja ao longo das décadas vindouras, deve ser considerado in limine um bobão incurável, indigno de atenção.

“O PT, como digo há anos, não veio para alternar-se no poder com outros partidos -- muito menos com os da ‘direita’ -- segundo o rodízio normal do sistema constitucional-democrático. Ele veio para destruir esse sistema, para soterrá-lo para sempre nas brumas do passado, trocando-o por algo que os próprios petistas não sabem muito bem o que há de ser, mas a respeito do qual têm uma certeza: seja o que for, será definitivo e irrevogável.

“Não haverá retorno. O Brasil em que vivemos é, já, o ‘novo Brasil’ prometido pelo PT, e não tem a menor perspectiva de virar outra coisa a médio ou longo prazo, exceto se forçado a isso pela vontade divina ou por mudanças imprevisíveis do quadro internacional.”

Continuava:

“É deplorável ter de insistir numa coisa tão evidente, mas uma estratégia de escala continental, escorada numa rede global de organizações e no completo domínio da atmosfera cultural não pode ser enfrentada por meio de resistências locais, de espertezas provincianas, de críticas pontuais a erros econômico-administrativos ou da aposta louca nas brigas internas da facção dominante, que só a revigoram. A desproporção de forças, aí, é tão brutal, tão avassaladora, que não vale nem mais a pena insistir no assunto.”

Isso foi em 2004 (leia aqui).

Hoje até as crianças sabem que o establishment brasileiro – a administração pública, três quartos do Congresso, o STF, o sistema judiciário praticamente inteiro, a justiça eleitoral, a educação desde o primário até a universidade, a CNBB, parte considerável da “grande mídia” e um punhado de mega-empresas – se reduziu a uma máquina dócil e bem azeitada para amparar as tramas do PT, assessorar e acobertar os seus crimes, ajudá-lo na realização dos planos do Foro de São Paulo e na instauração da Pátria Grande comunista dos sonhos dos irmãos Castro e de Nicolás Maduro.

Chegamos finalmente a uma situação em que mesmo dois milhões de brasileiros clamando nas ruas, multidões xingando Lula e Dilma por toda parte e 90% da população exigindo nas pesquisas de opinião o fim do império petista são impotentes para remover de seus postos os delinquentes que se apossaram do país e dele fizeram um bordel de luxo para os poucos, um favelão para os demais.

Na melhor das hipóteses, ela mesma remota e dificultosa, conseguirão obter do Congresso, como prêmio de consolação pela legitimação de eleições notoriamente fraudulentas, um miserável impeachment presidencial, medida simbólica que bem pode deixar intacto o restante do sistema comunocleptocrático instalado em Brasília.

Quer isso dizer que minhas previsões de 2004 fossem proféticas? Que nada. Estavam é atrasadíssimas. Em 1993, no livro A Nova Era e a Revolução Cultural, eu já havia exposto o plano praticamente inteiro do PT para a dominação do país. O livro não foi ignorado. Vendeu uma edição inteira no dia do lançamento, outra nas semanas seguintes. A terceira esgotou-se, a quarta (Vide Editorial, 2014) já está no fim. Foi lido e guardado na estante, bem longe da possibilidade de inspirar qualquer ação, mesmo tímida.

Em 1989, em conferência na Casa do Estudante no Brasil, sob o título “O fim do ciclo nacionalista”, eu já equacionava o drama de um país cuja cultura se formara sob o signo do nacionalismo e da busca da identidade (o “senso da nacionalidade” de que falava Machado de Assis) e ao qual coubera o destino infeliz de começar a projetar-se no cenário do mundo justamente numa época em que a tendência geral é dissolver as soberanias nacionais e absorvê-las em conglomerados regionais que vão tentando aplanar o caminho para a ambição utópica mas persistente de um governo mundial.

Ao ver hoje a marcha triunfante da Pátria Grande, que o povo odeia mas da qual não sabe como se livrar, pergunto-me por que, de tantos intelectuais, políticos e militares que me ouviram na ocasião (pois repeti a conferência em vários lugares), nenhum entendeu que, naquele momento, a inventividade, a audácia criadora, em vez da acomodação preguiçosa no culto beócio da “estabilidade das nossas instituições”, eram uma questão de sobrevivência, não de livre escolha?

Por que tantas pessoas aparentemente inteligentes, em vez de vasculhar os livros e documentos a que eu me referia, preferiram crer na lenga-lenga anestésica da TV Globo e da Folha, para cujos porta-vozes eu era apenas um alarmista histérico, um “saudosista da Guerra Fria”, ou, como disse textualmente o sr. Otavio Frias Filho, um açoitador de cavalos mortos?

Quem, hoje, exceto o alucinado Marco Antonio Villa, que ama tanto a chacota que a atrai toda para si, seria ainda louco de negar que praticamente tudo o que expliquei e previ ao longo dos anos era no mínimo o que havia de mais próximo à verdade, enquanto em volta os luminares, os bem-pensantes, os senhores doutores, os consultores pagos a peso de ouro, só repetiam chavões soporíferos tipo “Lula mudou”, “o socialismo morreu”, “as nossas instituições são sólidas” etc. etc.?

Aos poucos, porém, fui notando que as mudanças históricas que eu descrevia -- e que as inteligências mais vigorosas da platéia não negavam, mas nas quais nada viam além de uma caminhada brilhante em direção a “mais democracia” – traziam, em si mesmas, a causa da incompreensão com que minhas palavras eram recebidas.

Comecei a documentar esse aspecto do processo em O Imbecil Coletivo, de 1995: estrangulada pela “ocupação de espaços” gramsciana, onde o critério do prestígio intelectual e artístico passava a ser uma carteirinha do PT ou do PSOL, a alta cultura no Brasil agonizava.

As inteligências definhavam a olhos vistos, tornando impossível um debate sério sobre o que quer que fosse e substituindo tudo por uma linguagem de clichês na qual nada se podia dizer que já não tivesse sido dito mil vezes.

A juventude, nascida já no meio da debacle, não podia ver nela nada de anormal, por lhe faltar a escala comparativa. Acomodava-se à degradação confortavelmente, prazerosamente, embriagada pela promessa de deleites sensuais espetaculares sob a proteção do Estado-babá.

Mas, para quem tinha sido criado na época em que os debates culturais e políticos eram conduzidos por leões como um Otto Maria Carpeaux, um Álvaro Lins, um Nicolas Boer, um Julio de Mesquita Filho, um Antônio Olinto, um Mário Ferreira dos Santos, um Vilem Flusser, ver de repente o cenário intelectual ocupado inteiramente por micos-leões-dourados tipo Emir Sader, Marilena Chauí, Renato Janine Ribeiro, Vladimir Safatle, Gilberto Felisberto de Vasconcelos, Luís Fernando Veríssimo e tutti quanti era algo que prenunciava, para esta parte do mundo, uma idade das trevas.

Analisado à luz da regra de Hugo von Hoffmanstal, de que “nada está na política de um país que não esteja primeiro na sua literatura”, o Brasil do futuro que se vislumbrava nos debates públicos dos anos 90 era exatamente o que temos hoje: um vácuo sangrento, um Nada crescente e invencível que tudo devora.

Documentei o fenômeno em linguagem satírica, que a evolução posterior dos acontecimentos veio a tornar inadequada à medida que o ridículo e o grotesco, passando da esfera das idéias à dos atos e das leis, afirmaram o poder da sua autoridade incontrastável e se consolidaram nas formas monstruosas do deprimente, do abjeto, do indescritivelmente vergonhoso. Daquilo que não pode ser satirizado porque, como diria Karl Kraus, já ultrapassou as fronteiras da sátira.

Não posso repassar mentalmente esse trajeto sem que me volte à memória o refrão de uma velha canção folclórica americana: “Oh, when will they ever learn?”
Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio

domingo, 14 de junho de 2015

FIM DE CONVERSA

Noam Chomsky passou por Portugal e, nas entrevistas de praxe, defendeu as ideias de praxe: o Ocidente pode horrorizar-se com o terrorismo islamita. Mas não será o Ocidente, e em particular os Estados Unidos, o maior terrorista que existe? Por que motivo não condenamos os crimes do império americano com o mesmo vigor com que descemos o pau sobre os fanáticos jihadistas?

A melhor forma de responder a essas perguntas passa por ler uma espantosa troca de argumentos entre Noam Chomsky e o neurocientista Sam Harris, agora tornada pública.

Esse duelo está disponível no site de Harris (www.samharris.org) e, com a imparcialidade possível (mentira: não há imparcialidade nenhuma), estou com Harris: o problema de Chomsky, nas suas comparações entre o terrorismo islamita e atos de violência bélica cometidos por Washington, está na incapacidade para distinguir diferentes tipos de violência e até comportamentos humanos que justificam essa violência.

Senão, vejamos: para Chomsky, as sanções econômicas que os Estados Unidos fizeram recair sobre o Iraque de Saddam Hussein foram responsáveis pela morte de meio milhão de crianças; e, como exemplo suplementar, o bombardeamento sobre uma fábrica de produtos farmacêuticos no Sudão levou à morte de milhares de pessoas, que morreram de doenças facilmente tratáveis com os medicamentos certos (tuberculose, malária etc.).

Sam Harris aceita uma das premissas de Chomsky: a guerra é um negócio brutal. E não há nenhum motivo para ficarmos nas sanções ao Iraque ou nos bombardeamentos ao Sudão. Olhamos para a história dos Estados Unidos e que vemos nós?

Matança de índios. Escravidão. Bombardeamentos criminosos no Camboja e, acrescento eu, na Guerra do Vietnã. Por outras palavras: só um fanático acredita que existe um governo, qualquer que ele seja, que detém a verdade, só a verdade, nada mais que a verdade.

O problema, porém, é que a moralidade dos atos de um governo depende da intenção com que esse governo os comete. Para Sam Harris, quando Bill Clinton ordenou o bombardeamento da fábrica sudanesa de Al-Shifa, o objetivo de Washington não era matar milhares de seres humanos com malária ou tuberculose.

O objetivo, compreensível e até louvável, era neutralizar uma fábrica que Clinton acreditava (erradamente) que servia para a produção de armamento químico para a Al Qaeda.

E existe uma diferença moral significativa entre atacar para eliminar um mal objetivo, mesmo que esse ataque seja um erro "a posteriori", e atacar em massa para infligir o maior dano possível a pessoas inocentes "a priori". Quem não entende essa diferença tem a bússola moral avariada.

Mas existe ainda uma segunda diferença entre a violência antiterrorista do Ocidente e os atos de terrorismo cometidos contra o Ocidente. E essa diferença está na reação dos seus autores.

Quando se ataca um complexo químico que é apenas uma fábrica de medicamentos, não há festejos nem proclamações de vitória. Há, isso sim, sentimentos de vergonha e, em certos casos, investigação criminal (como sucedeu, por exemplo, com os abusos americanos na prisão de Abu Ghraib).

O mesmo não sucede quando o único objetivo é derrubar Torres Gêmeas que não se confundem com nenhum complexo químico, biológico ou militar. No primeiro caso, mata-se por engano. No segundo, mata-se por instinto desumano.

Noam Chomsky responde a Sam Harris. E depois de afirmar (sem provas) que Clinton sabia que Al-Shifa era simplesmente uma fábrica de medicamentos, Chomsky tenta mostrar que a "política das boas intenções" é sempre ambígua em qualquer discussão ética. E dá um exemplo: aos seus olhos, Hitler tinha boas intenções quando liderou a máquina nazista no Holocausto.

O argumento é débil e obviamente desonesto: não é possível comparar um ditador que tem como objetivo exterminar um povo inocente; e um político ocidental que procura neutralizar organizações terroristas que matam inocentes.

Não existem sociedades perfeitas. Não existem governos perfeitos. Mas se o leitor joga na mesma sacola Clinton e Bin Laden, Bush e Hitler, não há espaço para nenhuma conversa racional. Essa, aliás, foi a conclusão de Harris depois de tentar falar com Chomsky: o silêncio final entre ambos é o silêncio de um abismo. 
Por: João pereira Coutinha Publicado na Folha de SP

sábado, 13 de junho de 2015

CRETINICES GRAMSCIANAS (II)

A teoria da hegemonia ultrapassa os últimos limites da vigarice razoável e tenta nos fazer engolir como realidade universal e constante algo que é uma impossibilidade material pura e simples

A teoria embutida no espaço entre o fato e a generalização que Gramsci dela extrai é a própria teoria gramsciana da hegemonia, segundo a qual a cultura reinante em qualquer época ou lugar é o instrumento pelo qual a classe dominante impõe sua ditadura mental a toda a população.

Interpor uma teoria entre os fatos e a conclusão, em vez de esperar que a própria acumulação de fatos sugira a conclusão, já é trapaça suficiente para desmoralizar qualquer teorizador.

Mas a teoria da hegemonia ultrapassa os últimos limites da vigarice razoável e tenta nos fazer engolir como realidade universal e constante algo que é uma impossibilidade material pura e simples.

Essa impossibilidade já estava presente na teoria marxista da “ideologia de classe”, da qual a “hegemonia” gramsciana é um prolongamento.

Se cada classe tem uma ideologia que é a expressão idealizada dos seus interesses materiais, então, das duas uma: ou cada um dos seus membros está atrelado de uma vez para sempre à ideologia da sua classe como se fosse uma segunda natureza; ou, ao contrário, pode abjurar dela e aderir à ideologia de outra classe, como fez, ou acreditava fazer, o próprio Karl Marx.

Só que neste caso não há mais conexão orgânica entre classe e ideologia; tudo se torna uma questão de livre escolha e não há mais “ideologia de classe” nenhuma, só a ideologia que cada indivíduo, livremente, atribui à sua classe ou a uma outra qualquer, conforme a interpretação que faça dos interesses desta ou daquela.

Gramsci agrava formidavelmente a situação ao declarar que quem produz a ideologia não são propriamente os membros de cada classe, mas sim os “intelectuais” que a representam sem ter de pertencer necessariamente a ela.

Esses representantes são “intelectuais orgânicos” da burguesia e do proletariado. Mas, se o são sem precisar ser eles próprios burgueses ou proletários, a conexão entre eles e a classe que representam não pode ser “orgânica” de maneira nenhuma e sim matéria de livre escolha, nada impedindo que um intelectual passe, ideologicamente, da “burguesia” para o “proletariado” (como Georg Lukács) ou vice-versa (Eric Hoffer, por exemplo).

Ademais, quem infunde nos intelectuais a “ideologia de classe”? Para que o burguês adestrasse intelectuais na ideologia burguesa seria preciso que ele, na condição de mestre, a dominasse melhor que os discípulos: esse burguês seria, então, um superintelectual, um intelectual dos intelectuais, o maître à penser da intelectualidade, reduzindo-a à condição de mera repetidora do discurso aprendido.

Mutatis mutandis, e piorando ainda mais as coisas, os “intelectuais orgânicos” do proletariado se tornariam meninos de escola operária, tomando lições de dialética hegeliana e materialismo histórico com professores pedreiros e ferramenteiros.

Essas situações caricaturais não existem na realidade, no mínimo porque o próprio Gramsci nos assegura que quem cria as ideologias das classes não são as próprias classes, e sim os intelectuais.

Nem poderia ser de outra forma. No mínimo a transposição de interesses materiais numa linguagem de valores, ideias e teorias requer um considerável treinamento especializado nas áreas de filosofia e ciências humanas, que nem um capitalista nem um operário poderiam adquirir nas horas vagas. (Sob esse aspecto é interessante comparar o gramscismo com a teoria da “violência simbólica” de Pierre Bourdieu, outro ídolo, ainda que menorzinho, da intelectualidade esquerdista; (leia aqui e aqui).

Mas, então, nem a ideologia proletária é proletária nem a burguesa é burguesa: são ambas puras criações de intelectuais, que as atribuem a esta ou àquela classe, sem precisar consultá-las, conforme interpretem livremente os “interesses” de cada uma. Não é coincidência, pois, que Karl Marx já tivesse descrito a “ideologia proletária” inteira antes de ter visto de perto um único proletário.

Na melhor das hipóteses, o burguês e o proletário se tornam “tipos ideais” que existem apenas na cabeça do intelectual para fins de comparação com personagens reais que só se parecem com eles de maneira longínqua e esquemática.

Gramsci não admite explicitamente essa conclusão inevitável da sua teoria, mas, como quem não quer nada, extrai dela uma consequência prática que, para o bom entendedor, já denuncia a falácia da construção inteira.

Quem cria as ideologias de classe? Os intelectuais. Quem, com base nela, cria a hegemonia, o controle geral do pensável e do impensável? Os intelectuais. Quem lidera a revolução? Os intelectuais. Quem assume o poder por meio da revolução? Os intelectuais.

Burgueses e proletários são, no fim das contas, apenas os emblemas dos times em jogo. É de espantar que no paraíso burguês os burgueses sejam esfolados com impostos, induzidos a financiar filmes e shows que os demonizam e a contribuir com rios de dinheiro para organizações esquerdistas que prometem matá-los?

É de espantar que no paraíso proletário os proletários sejam submetidos a condições de trabalho escravo, privados do direito de greve, removidos de um lugar para outro sem poder reclamar, policiados vinte e quatro horas por dia e obrigados a entoar cânticos de glória ao Supremo Intelectual e Guia dos Povos?

Tudo não passa, então, de uma disputa de poder entre dois grupos de intelectuais, cada um defendendo os interesses que atribui a uma classe à qual não tem de pertencer e que na maior parte dos casos não foi consultada a respeito.

O que é líquido e certo, embora Gramsci não o diga, é que os intelectuais orgânicos “da burguesia” não pretendem tomar o lugar dela; quem o pretende são os outros, os “intelectuais proletários”.

Nunca se viu um escritor apologista do capitalismo ansioso para deixar de lado seus afazeres intelectuais e tornar-se industrial ou especulador da bolsa. Em contrapartida, nenhum, absolutamente nenhum “intelectual proletário” que eu conheça planeja fazer a revolução proletária para depois continuar vivendo modestamente das suas funções de professor, jornalista ou pesquisador científico.

Tomar o poder e exercê-lo na máxima medida das suas possibilidades é a essência e missão da intelectualidade revolucionária. O que ela quer não é assumir o lugar da intelectualidade direitista, mas o da burguesia.

Isso torna evidente que, na maior parte dos casos, ela disputa o poder com um grupo que não o detém nem o deseja. Basta isso para explicar a inermidade estrutural da intelectualidade conservadora e liberal ante o avanço esquerdista.

É algo que não tem nada a ver com superioridade ou inferioridade intelectuais, mas com desejo ou falta de desejo de poder. Quando o sr. Lula sentenciou que seus inimigos “não tinham perspectiva de poder”, acertou na mosca.

Para completar a fantasia com um toque de alucinação, Gramsci admite que nem todos os intelectuais participam conscientemente da “luta de classes”. Alguns – em geral a maioria deles – são indiferentes à política e se satisfazem com suas ocupações filosóficas, científicas ou artísticas, sem se preocupar em saber quem isso vai favorecer nas próximas eleições.

A esse grupo Gramsci denomina “intelectuais tradicionais”, acrescentando que são neutros e apolíticos só em imaginação, por falsa consciência; na verdade são servos inconscientes do status quo tanto quanto os intelectuais orgânicos “burgueses”.

Ou seja: os “intelectuais proletários” estão em perpétua disputa de poder não somente com intelectuais orgânicos burgueses que não aspiram ao poder, mas com toda uma comunidade intelectual que não quer nem saber da existência dessa disputa.

A consequência disso, do ponto de vista cognitivo, é devastadora: o intelectual esquerdista explica toda a sociedade como uma projeção inversa dos seus próprios valores e metas, pouco lhe importando a auto explicação que os demais grupos e indivíduos tenham a apresentar.

Para ele, a sociedade, a história, a existência humana inteira giram em torno do seu objetivo grupal, da sua luta pelo poder, que no seu entender move todo o restante como o cão abana a cauda. Ele, em suma, é o fator ativo, o criador da História, a única realidade efetiva: todo o resto da humanidade são sombras que se mexem à sua voz de comando.

É uma visão horrivelmente autocêntrica, solipsista, psicótica mesmo, que se espalha com facilidade entre estudantes universitários pelo simples fato de que é a mais reconfortante compensação neurótica do seu justo sentimento de inutilidade social.

***

Não é só na esquerda militante que o pensamento de Gramsci inocula o seu veneno alienador e estupidificante. Chego a pensar que basta admirá-lo um pouquinho, suspender o juízo crítico por uns instantes, para que algo do besteirol gramsciano entre e permaneça para sempre.

Por ocasião de um de seus últimos chiliques anti-olavéticos, cuja razão de ser escapa ao entendimento humano, o sr. Marco Antônio Villa, na ânsia doida de exaltar tudo o que critico, chegou a proclamar que a subsistência da democracia na Itália do pós-guerra foi obra do gramscismo imperante no Partido Comunista Italiano.

É com certeza a coisa mais burra que já saiu da boca de um pretenso historiador. Raiva descontrolada é vexame na certa. O regime democrático só sobreviveu na Itália graças à derrota acachapante que, contra todas as previsões iluminadas, a Democracia Cristã de Alcide De Gasperi, mobilizando o apoio de toda a população católica na primeira eleição geral realizada após a queda do fascismo, impôs em 18 de abril de 1948 ao Front Popular comunista, que desde então foi saindo do cenário político, por etapas sucessivas, para a lata de lixo da História.

Se o sr. Villa quiser alguma bibliografia sobre o assunto, posso lhe fornecer, mas só se ele pedir com jeito.
Por Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comercio