segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

ATÉ A RECESSÃO É DE QUALIDADE INFERIOR

Não se pode confiar nem na recessão, pelo menos naquela made in Brazil. Recessões decentes são em geral acompanhadas de inflação em queda e contas externas em recuperação. O caso brasileiro é especial. Os preços ao consumidor sobem 10%, enquanto o desemprego atinge 9% da força de trabalho, a renda real das famílias diminui, o crédito se torna mais difícil e o produto interno bruto (PIB) encolhe 3,5%, segundo as estimativas correntes. Só uma parte do script convencional parece estar sendo cumprida. O superávit comercial de US$ 14,21 bilhões acumulado no ano, até a primeira semana de dezembro, é o sinal mais vistoso da melhora do balanço de pagamentos.


No ano passado, no mesmo período, o saldo havia sido um déficit de US$ 3,95 bilhões, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Pelo menos as contas externas parecem refletir um efeito benigno da recessão. O mercado projeta para este ano um superávit de US$ 15 bilhões na conta de mercadorias. A última estimativa do Banco Central (BC), baseada em critério um pouco diferente, é de um saldo positivo de US$ 12 bilhões, com enorme recuperação, portanto, em relação ao resultado de 2014, quando o déficit chegou a US$ 6,53 bilhões.

Ainda pelas contas do BC, o déficit em conta corrente passará de US$ 104,08 bilhões no ano passado para um buraco muito menor, estimado em US$ 65 bilhões. A melhora, se confirmada, resultará tanto do superávit na conta de mercadorias quanto da redução do déficit em serviços e rendas. A tudo isso se acrescenta uma boa notícia: o investimento direto, o tipo mais seguro e mais produtivo de financiamento externo, será suficiente, de novo, para cobrir o rombo das transações correntes. Mas esse ajuste das contas externas será, de fato, um dado tão positivo?

Nem tanto. Recessões tendem a reduzir a demanda de bens importados e os gastos no exterior, até porque são frequentemente acompanhadas de uma desvalorização da moeda nacional. Mas também resultam, com frequência, em aumento de exportações. Diante da retração do mercado interno, empresários tendem a buscar negócios no exterior e nisso são ajudados, muitas vezes, pelo câmbio. A desvalorização de sua moeda barateia os produtos nacionais no mercado externo e encarece os importados. No caso brasileiro, só uma parte do roteiro se confirmou.

De janeiro até a primeira semana de dezembro, o valor exportado, US$ 177,39 bilhões, foi 14,9% menor que o de um ano antes. A conta só ficou superavitária porque o gasto com a importação de mercadorias diminuiu muito mais. A despesa com a importação, US$ 163,18 bilhões, foi 27,3% menor que a de igual período de 2014, pela média dos dias úteis. Como é normal, a recessão derrubou a procura de produtos estrangeiros, mas a exportação também diminuiu, embora em menor proporção.

A redução do valor exportado é explicável por dois fatores. O primeiro é a queda dos preços internacionais dos produtos básicos, em parte associada à diminuição do crescimento da economia chinesa. Apesar disso, as vendas de commodities ainda sustentaram o saldo comercial. O segundo fator é o mais preocupante. A indústria brasileira, mesmo em dificuldades no mercado interno, foi incapaz, de modo geral, de encontrar uma compensação nas vendas ao exterior.

Com algumas exceções, os produtores brasileiros de manufaturados vêm perdendo competitividade há anos. Os custos cresceram, a infraestrutura continua muito deficiente e a produtividade recuou. A alta do dólar pode ter trazido algum alento aos exportadores, mas insuficiente para compensar os entraves à competição. Industriais se queixaram, durante anos, do câmbio valorizado e, portanto, prejudicial a seus negócios. Mas pouco se fez, em termos políticos e empresariais, para cuidar de fatores muito mais importantes, a longo prazo, como a tributação irracional, a baixa qualidade da mão de obra, a burocracia excessiva, a insegurança jurídica e o acesso limitado a mercados externos e às cadeias internacionais de valor.

Este ponto, especialmente importante, remete à diplomacia comercial terceiro-mundista em vigor desde 2003 e ao revigoramento de uma política industrial abandonada, há muito, nas economias mais dinâmicas do mundo emergente. Muitos empresários se acomodaram facilmente, é claro, num ambiente marcado pelo protecionismo e pela pouca ambição quanto a acordos internacionais de comércio. 

A incapacidade de aproveitar a depreciação cambial para competir no mercado externo é explicável, em parte, pela acomodação, durante tanto tempo, num ambiente de confortável mediocridade. Quem se aproveitou das políticas de conteúdo nacional teve ainda menos motivação para se mexer e investir em produtividade e inovação.

Recessões, em outros países, são com frequência o custo imediato de políticas de ajuste das contas fiscais e do balanço de pagamentos. Isso já ocorreu também no Brasil. Desta vez, a promessa de arrumação fiscal só apareceu quando a economia já estava em recessão e a base tributária, por causa da contração dos negócios, era insuficiente para alimentar um Tesouro depredado. Não se produz de um dia para outro um desastre como o brasileiro: uma combinação especial de contas públicas estropiadas, economia retraída, inflação muito alta e ajuste externo conseguido só à custa da redução da corrente de comércio. No País, até a recessão é desarranjada e de qualidade inferior.

A retração dos negócios deve continuar em 2016, os juros ainda podem subir e o compromisso de austeridade fiscal continua incerto. Outras agências podem seguir a Standard & Poor’s e rebaixar o crédito do Brasil ao nível especulativo. Mas a prioridade da presidente é evitar o impeachment – possível punição de apenas alguns dos desmandos fiscais. Com ela ou sem ela, o conserto será demorado e doloroso.
Por: ROLF KUNTZ, Jornalista.    Publicado no Estadão

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

EUA: PORTE DE ARMAS CRESCE 178% EM 7 ANOS; CRIMINALIDADE DESPENCA

"Mais permissões [para porte de armas] significa que está ficando mais difícil para os criminosos atacarem as vítimas".
De 2007 até o presente momento, o número de americanos com licença para portar armas cresceu 178% (fonte, página 9).


Só no ano passado, foram emitidas mais de 1,7 milhão de novas licenças, um crescimento de 15,4% num único ano — o maior já registrado —, totalizando 12,8 milhões de autorizações de porte de armas (fonte, página 6).

Essa estatística despertou a preocupação de diversas organizações desarmamentistas, que temiam que as armas elevassem as taxas de homicídio no país.

Mas o que os dados recentes revelaram foi justamente o contrário: ao mesmo tempo em que o número de cidadãos armados cresceu, a taxa de crimes violentos despencou no país inteiro.

Segundo estatísticas oficiais do governo, citadas neste estudo do Centro de Pesquisa para a Prevenção de Crimes, a taxa de crimes violentos caiu 25% no período e a taxa de homicídios por 100 mil habitantes saiu dos 5,6 para os 4,2, apesar do crescimento massivo do porte de armas. Os números são os mais baixosdesde 1957, quando a taxa de homicídios atingiu 4,0 por 100 mil habitantes.

Um dado interessante encontrado pelos pesquisadores foi o de que as mulheres estão se armando mais do que os homens: entre 2007 e 2014, o número de mulheres com porte de arma cresceu 270%, enquanto entre os homens o número foi elevado em 156% (fonte, página 10).

Além das mulheres, a população negra também está se armando mais. Uma análise, citada no estudo, revelou que entre 2012 e 2014, o grupo que mais mudou de opinião em relação aos benefícios do armamento foram os negros (fonte, página 14).

De acordo com a pesquisa, conduzida pelo Pew Research Center, a proporção de afro-americanos que responderam que armas contribuem mais para a autodefesa do que para crimes saltou dos 29% para 54% — um crescimento de 86% —, no sentido contrário do estereótipo de que armamentistas são, em geral, brancos. Além de terem se tornado mais favoráveis, a população negra também tirou mais licenças para porte de armas (fonte, página 10).

"Mais permissões [para porte de armas] significa que está ficando mais difícil para os criminosos atacarem as vítimas", afirma John Lott, autor do estudo. "A composição de pessoas que estão ganhando as novas permissões também está mudando. Estamos vendo um grande aumento entre minorias e mulheres tirando essa autorização. Ter esses grupos mais armados contribui muito para reduzir a criminalidade."

Para Lott, além da visão da população sobre o armamento ter mudado, outro fator que contribuiu para o crescimento do número de licenças para porte de armas foi a redução do custo dessas licenças, que varia de estado para estado.

Como destaca o economista, os estados que reduziram o custo dessa autorização — que varia de US$ 10 a US$ 450 (fonte, páginas 5 e 6) — ou ainda os que já praticavam preços mais baixos, tiveram maiores crescimentos no número de cidadãos negros registrando o porte.

Atualmente, 5,2% da população adulta possui licença para portar armas nos Estados Unidos (fonte, página 4). Apesar disso, em 5 estados (Alabama, Dakota do Sul, Indiana, Pensilvânia e Tennessee), a taxa de porte de armas por adulto está acima dos 10% (fonte, página 5).

O gráfico abaixo (fonte, página 5) mostra a evolução do porte de armas nos EUA em porcentagem da população adulta (eixo Y, linha contínua) e a evolução da taxa de homicídios por 100 mil habitantes (também eixo Y, pontos azuis):

Em contraste, no Brasil, apenas 0,00185% da população possui autorização para portar armas, segundo oInstituto Defesa— aqui, a UF com a maior taxa de porte de armas é a do Distrito Federal, que tem 7,2 vezes mais autorizações para porte que a média nacional.

O estudo ainda destaca que o policiamento não pode ser tomado como responsável pela queda na criminalidade: mesmo após isolar dados de policiamento per capita e de prisões, o crescimento do número de licenças para porte de armas continuou associado com a redução no número de crimes violentos e homicídios. (fonte, páginas 4 e 19)

Apesar do alto crescimento nos últimos anos, o número de licenças para porte de armas emitidas nos Estados Unidos pode diminuir nas próximas décadas, mas por uma outra razão: atualmente, em 6 estados, o ato de portar armas visíveis em público não requer nenhuma autorização. Apesar do número ainda pequeno, a cada ano mais estados se juntam a esse grupo — em 2010, 3 estados permitiam o porte sem autorização.

Maine, que no início deste mês anunciou a nova lei, foi o último estado a entrar para a lista. Com a mudança na legislação, que entra em vigor em outubro, o estado se junta ao grupo de estados mais liberais em relação ao porte de armas, ao lado de Alasca, Arizona, Wyoming, Kansas e Vermont. Além destes, outros cinco estados também possuem uma legislação similar em relação ao porte sem necessidade de autorização, embora apenas para casos especiais.

O mapa abaixo mostra a distribuição de assassinatos em massa praticados com armas de fogo (mass shootings) em cada estado americano:


Tiroteios em massa desde 2012. Fonte: Vox.com

Já este mapa mostra o número de armas de fogo por habitante.



Uma imagem vale mais que mil palavras. Os estados costeiros, por exemplo, possuem uma taxa de armas de fogo bem baixa e leis bem restritas com o porte e a posse desses artefatos. Nada disso impediu que 486 inocentes perdessem a vida entre 2000 e 2013 em assassinatos em massa praticados com armas de fogo (mass shootings) exatamente nestes estados.

Por fim, e ironicamente, o controle de armas tem um histórico racista. Nos Estados Unidos, foi usada por diversos estados como forma de evitar que os escravos revidassem os abusos de seus senhores. O medo era tão grande que até cães chegaram a ser considerados uma "arma" e sua posse por negros, proibida.

Publicado no site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.
Por: Leônidas Villeneuve é colunista do site Spotniks.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

INTIMAÇÃO

Tudo parece calculado, enfim – pelo demônio em pessoa, quem mais? -- para aprisionar a opinião pública mundial numa rede de ambigüidades e contradições paralisantes.

Até os anos 80 do século passado, programas como sex lib, feminismo, gayzismo, abortismo e liberação das drogas eram, para os governos comunistas, desvios pequeno-burgueses criados pelo imperialistas ianques para afastar a juventude da luta pelo socialismo.

Decorrida uma geração, todos esses temas foram absorvidos no discurso revolucionário e muito contribuíram para que o esquerdismo, aparentemente condenado à morte pela queda da URSS, não só sobrevivesse como se tornasse a força política dominante na Europa e nas Américas

Se isso não basta para tornar evidente a potência de autotransformação camaleônica do movimento revolucionário mundial, não sei mais quantos desenhos seria preciso esboçar no quadro negro para ilustrá-la. No entanto, pouquíssimas são as inteligências que, nas hostes liberais e conservadoras, se deram clara conta desse fenômeno e de suas conseqüências.

Mas outras mutações concomitantes, tão vastas e profundas como essa, vieram a tornar o panorama ainda mais confuso.

Cito somente quatro:

1. A invasão islâmica, a “ocupação pela imigração”, cuja realidade muitos negavam até ontem, é agora um fato patente que ameaça a segurança de todas as nações ocidentais. Ao mesmo tempo, o cristianismo vem sendo cada vez mais banido da esfera pública, só deixando aos governos, mesmo soi disant conservadores, a saída de opor, à islamização crescente, o apelo aos mesmos valores laicos “politicamente corretos” que a esquerda conseguiu impor como normas universalmente válidas. O resultado é óbvio: a invasão islâmica não cessa, mas a esquerda se afirma cada vez mais como a grande e única salvadora das democracias, que ao mesmo tempo ela solapa mediante o apoio ostensivo à imigração muçulmana em massa como alternativa “pacífica” ao terrorismo.

2. Instruído ao menos parcialmente pelo “eurasianismo” de Alexandre Duguin, o presidente russo Vladimir Putin decidiu empunhar a bandeira do cristianismo tradicional e brandi-la contra o Ocidente hedonista e agnóstico, ganhando com isso o apoio de amplas faixas de conservadores desiludidos. Desiludidos seja com o establishmentamericano, impotente para livrar-se de um bandidinho chinfrim sem documentos que já mal esconde suas simpatias islâmicas; seja com a Igreja Católica, cujo Papa se parece cada vez mais com um upgrade improvisado do sr. Leonardo Boff. Ao mesmo tempo que seduz esse público, porém, Putin vai, mediante acordos de cooperação econômica e militar, dando a maior força aos movimentos esquerdistas por toda parte, colocando os conservadores na posição desconfortável de servir a seus inimigos estratégicos em troca de um reconforto ideológico passageiro e muito provavelmente ilusório.

3. Também simultaneamente, muitos grupos capitalistas bilionários passaram a apoiar partidos e movimentos de esquerda de maneira cada vez mais ostensiva, culminando na declaração pública do sr. Bill Gates de que só o socialismo salvará o mundo. Nesse panorama, a mera defesa da economia de mercado, que até ontem era a pièce de resistance do cardápio liberal-conservador, perde todo sentido estratégico e se torna um mero pretexto para adotar, em nome da “modernidade” e da “democracia”, todo o programa sociocultural da esquerda: gayzismo, abortismo, etc. etc.

4. Por fim, esse programa foi integralmente subscrito pela ONU e se tornou obrigatório para todas as nações -- exceto as islâmicas, é claro, que assim se beneficiam duplamente da dissolução moral do Ocidente, por um lado aproveitando-se da debilitação das identidades nacionais (desprovidas cada vez mais de seus fundamentos religiosos) e arrombando portas para a entrada de novas levas de imigrantes, por outro lado oferecendo-se gentilmente como portadoras da esperança de uma possível “restauração da moralidade”.

Tudo parece calculado, enfim – pelo demônio em pessoa, quem mais? -- para aprisionar a opinião pública mundial numa rede de ambigüidades e contradições paralisantes, de modo pegá-la desprevenida, sonsa e inerme no dia em que se realizar a profecia que Carlos Drummond de Andrade enunciou nos versos da “Intimação”:

Abre em nome da lei.

Abre sem nome e lei.

Abre mesmo sem rei.

Abre sozinho ou grei.

Não, não abras; à força

de intimar-te, repara:

eu já te desventrei.

Por: Olavo de Carvalho
Publicado no Diário do Comércio.

domingo, 29 de novembro de 2015

AS QUATRO CAUSAS DA DESIGUALDADE BRASILEIRA

O texto abaixo está presente no livro Guia Politicamente Incorreto da Economia Brasileira, recém-lançado pela Editora LeYa.

Que o Brasil é um dos países com maior desigualdade social todo mundo já sabe. Passamos a juventude ouvindo isso do professor de geografia ou durante a propaganda eleitoral na TV. O que se discute um pouco menos é por que o país é assim. Qual a origem de tanta concentração de renda no Brasil?

A resposta a essa pergunta costuma vir em tom moralizante. Culpamos a nós mesmos — a nossa história, a nossa sociedade — por irmos tão mal no ranking da igualdade. "A opressão das elites patriarcais", "a manutenção de terríveis arcaísmos", "os baixos salários pagos pelas grandes empresas" são explicações que atribuem a algum inimigo imaginário — geralmente os ricos — a culpa pela má situação dos pobres.

Na verdade, as origens da desigualdade de renda no Brasil estão muito longe das "crueldades" do capitalismo ou das maldades de uma classe social. Nem todos os motores de concentração de renda no Brasil são evitáveis — dois deles (os dois primeiros, abaixo) são até mesmo motivo de orgulho para os brasileiros.

1. O Brasil é desigual porque é livre

Se você perguntar a um sociólogo ou economista da Unicamp quais são as causas da desigualdade no Brasil, ele vai despejar automaticamente frases sobre a "a ação do livre mercado" e "a exclusão causada pelo capital". Essa visão, na verdade . . . está correta.

É claro que o capitalismo e o mercado causam desigualdade. O que os economistas chamam de mercado nada mais é do que a reunião de pessoas interessadas em trocar bens entre si. E as pessoas têm interesses, preferências e necessidades diferentes. Essa diversidade de preferências faz a renda se concentrar.

Isso fica claro num exercício de imaginação. Suponha que, de repente, todo o dinheiro do Brasil seja dividido igualmente entre todos os brasileiros. De um dia para o outro, nos tornamos um país mais igualitário que a Noruega; o coeficiente de Gini cai a zero.[1] O banqueiro Joseph Safra e o cobrador de ônibus acordam com o mesmo patrimônio.

Agora imagine que, no dia seguinte a essa revolução igualitária, surge na internet um canal de humor chamadoPorta dos Fundos. Os humoristas do Porta dos Fundos escrevem roteiros geniais; os vídeos que eles lançam logo geram comentários e milhões de visualizações. Ao clicar tantas vezes em links do Porta dos Fundos, os brasileiros dão mais dinheiro a esse grupo de humoristas que a outros, criando a desigualdade no mercado de humor pela internet. O Porta dos Fundos ficaria com a maior parte da verba destinada a canais de comédia do YouTube, sem falar nos anunciantes que, por vontade própria, decidirão usar sua parte da renda dividida igualmente entre os brasileiros para contratá-los como garotos-propaganda.

A situação inicial, em que todos os brasileiros tinham a mesma renda, terá desaparecido.

Os humoristas do Porta dos Fundos não oprimiram ninguém ao aumentar a desigualdade no país. Pelo contrário, eles tornaram a vida mais divertida e foram remunerados justamente por seu talento. Deveriam os brasileiros, para preservar a igualdade nacional, serem proibidos de assistir a tantos vídeos do Porta dos Fundos e obrigados a assistir a alguns de A Praça é Nossa? Não, os brasileiros são livres para assistir ao que quiserem, e essa liberdade concentra a renda.

Do mesmo modo, o mais comunista dos fãs de Música Popular Brasileira está disposto a pagar um bom punhado de reais para assistir a um show do Chico Buarque. Mas não iria ao show "Leandro Narloch canta os grandes sucessos de Kelly Key" nem que lhe pagassem dez reais para isso. Ao escolher pagar a uns artistas mais que a outros, o mais comunista dos apreciadores de MPB está aumentando a desigualdade no mercado da música. Deveríamos proibi-lo de tomar essa decisão?

Deveria o governo obrigar o rapaz a pagar por um show do Chico Buarque o mesmo que pagaria a mim tentando cantar "Baba, baby, baba"? Eu até gostaria, mas isso seria injusto. As pessoas são livres para tomar decisões que aumentam a desigualdade — mesmo as decisões mais absurdas e disparatadas, como pagar caro para assistir a um show do Chico Buarque.

Nesses exemplos acima, eu peguei emprestado o "argumento Wilt Chamberlain" que o filósofo Robert Nozick formulou no livro Anarquia, Estado e Utopia, de 1974. O caso é o similar: imagine que todo o dinheiro do país é dividido igualmente entre os cidadãos, e imagine que o jogador de basquete Wilt Chamberlain assina um contrato para jogar numa partida cobrando mais que os outros jogadores. Como Wilt Chamberlain é um gênio do basquete, muitas pessoas exerceriam seu livre direito de escolha e aceitariam pagar mais para assisti-lo ao vivo. A situação inicial, de igualdade total entre os cidadãos, não seria estável numa sociedade livre, pois, como Nozick arrematou, liberty upsets patterns. A liberdade perturba padrões.

A livre-iniciativa torna o Brasil e todos os países do mundo desiguais, mas ela não é suficiente para explicar por que somos campeões mundiais nessa modalidade. A concentração de renda tem causas além das forças do mercado.

2. O Brasil é desigual porque é diverso

A história do livro A Jangada de Pedra gira em torno de um episódio descomunal: o território de Portugal e Espanha se separa do resto da Europa e passa a vagar pelo oceano Atlântico. "A Península Ibérica se afastou de repente, toda por inteiro e por igual (...) abriram-se os Pireneus de cima a baixo como se um machado invisível tivesse descido das alturas", conta José Saramago.

É interessante imaginar uma continuação desse estranho fenômeno. Digamos que a Península Ibérica, pairando sobre o Atlântico, comece a atrair o território de outros países. A Dinamarca é o primeiro. A ponte que liga Copenhague à Suécia de repente se rompe; o território dinamarquês se desprende também do norte da Alemanha, atravessa o mar do Norte e encontra portugueses e espanhóis no Atlântico. Na costa oriental da África, Quênia e Tanzânia têm o mesmo destino. Os dois países se desprendem da África, contornam o cabo da Boa Esperança, sobem o Atlântico e se fundem aos três outros separatistas. Teríamos assim um novo país, que agruparia no mesmo território mais de 150 milhões de habitantes da Dinamarca, Espanha, Portugal, Quênia e Tanzânia.

Se os dinamarqueses, sempre atentos à concentração de renda, começassem a medi-la nesse novo país, constatariam estar vivendo numa sociedade muito mais desigual. Não apenas teriam, entre seus conterrâneos, quenianos e tanzanianos, alguns dos cidadãos mais pobres do mundo, como também 400 mil novos milionários espanhóis e portugueses, bem mais endinheirados que o dinamarquês médio. A taxa de desigualdade iria às alturas, ainda que fosse meio injusto lamentar esse efeito estatístico, pois sociedades obviamente diferentes haviam sido agrupadas de supetão no mesmo território. No meio desse novo país, um grupo só dos dinamarqueses continuaria tão igualitário quanto antes. E as cidades que concentrassem todos os tipos de moradores seriam as mais desiguais.

Um fenômeno como esse — não o movimento acelerado de placas tectônicas, mas a mistura de povos diversos num grande país — explica boa parte da desigualdade de renda do Brasil. Uma causa importante da desigualdade brasileira é uma das qualidades que nos dá orgulho: a mistura de povos e culturas.

O fato de tribos indígenas e imigrantes suíços donos do Burger King conviverem dentro das mesmas linhas imaginárias empurra a estatística para cima.

Se eu estiver certo, preciso provar que há uma Dinamarca incrustada no território brasileiro. Pois ela existe, fica no Rio Grande do Sul. Das quinze cidades mais igualitárias do Brasil, doze são gaúchas de origem alemã.

AS CIDADES MAIS IGUALITÁRIAS DO BRASIL

1. São José do Hortêncio (RS) 0,28

2. Botuverá (SC) 0,28

3. Alto Feliz (RS) 0,29

4. São Vendelino (RS) 0,29

5. Vale Real (RS) 0,29

6. Santa Maria do Herval (RS) 0,30

7. Tupandi (RS) 0,31

8. Campestre da Serra (RS) 0,31

9. Nova Pádua (RS) 0,32

10. Córrego Fundo (MG) 0,32

11. Santa Rosa de Lima (SC) 0,32

12. Picada Café (RS) 0,32

13. Presidente Lucena (RS) 0,32

14. Vila Flores (RS) 0,32

15. Morro Reuter (RS) 0,32

A cidade com a renda mais distribuída do país, São José do Hortêncio, tem um índice de Gini de 0,28, abaixo dos 0,29 da Dinamarca. Não houve nessas cidades nenhuma política pública de redução de desigualdade, nenhum imposto sobre fortunas ou coisa parecida. O que explica a igualdade por lá é simplesmente a semelhança entre os cidadãos. A semelhança entre os moradores explica a igualdade escandinava. Assim como os dinamarqueses, quase todos ali têm a mesma origem cultural, o mesmo nível de educação. E muitos têm origem luterana, como os dinamarqueses, o que historicamente contribuiu para a igualdade.

"Comunidades protestantes trabalharam para difundir educação que garantiria que todos pudessem ler a Bíblia, o que tanto aumentou o nível de educação quanto diminuiu sua variação", diz o economista Edward Glaeser.

Portanto, se você procura igualdade, pense em locais onde a população é homogênea: cidades habitadas somente por sertanejos pobres ou somente por descendentes de alemães. Pessoas com a mesma origem e cultura. Caatiba, na Bahia, é tão igualitária quanto Portugal ou o Japão (Gini 0,39), pois Caatiba reúne só um tipo de moradores – famílias pobres de pequenos criadores de gado.

Em contrapartida, para achar os locais com maior desigualdade de renda, é preciso mirar nas cidades em que grupos bem diferentes moram juntos. É o caso das capitais, que atraem tanto o João Paulo Diniz, herdeiro da rede de supermercados Pão de Açúcar, quanto o ex-boia-fria que sonha em ganhar mil reais por mês como jardineiro do João Paulo Diniz.

Mesmo Florianópolis e Curitiba, as duas capitais mais igualitárias do Brasil, estão acima da média nacional de desigualdade.

No entanto, por causa da classe média expressiva, as capitais não são as campeãs nesse quesito. As cidades mais desiguais são aquelas que reúnem um pedaço da Dinamarca, outro do Quênia e só. É o caso de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, a cidade brasileira mais desigual. Com um índice de Gini de 0,80, ela supera de longe Seychelles, o país com renda mais concentrada no mundo (0,65).

O motivo? Em São Gabriel da Cachoeira há apenas dois tipos de moradores: mais de 400 tribos indígenas, que formam 74% da população e não têm renda formal, e militares, médicos e outros agentes federais muito bem pagos. De fronteira com a Venezuela e a Colômbia, São Gabriel da Cachoeira é sede de batalhões e órgãos federais de vigilância. A cidade prova, como nenhuma outra, o impacto da diversidade cultural sobre a desigualdade econômica.

"Em países particularmente igualitários, como os da Escandinávia, a população é geralmente bem-educada e a distribuição de qualificação bem compacta", afirma o economista Edward Glaeser. "Já países particularmente desiguais e em desenvolvimento, como o Brasil, são enormemente heterogêneos nos níveis de qualificação entre elites urbanas bem-educadas e trabalhadores do campo pouco educados."

Talvez a miscigenação atue ainda de outra maneira. Provavelmente por vantagens evolutivas da lealdade de grupo, as pessoas tendem a contribuir mais com quem se parece com elas ou pertence à mesma identidade coletiva. Palmeirenses ficam mais contrariados com o dinheiro público gasto no Itaquerão que os corintianos.

O economista Erzo Luttmer mostrou, em 2001, que, nos Estados Unidos, o valor dos programas de redistribuição de renda é menor nos estados onde a população é mais diversa. "Se indivíduos preferem contribuir para sua própria raça, etnia ou grupo religioso, eles optam por menos redistribuição quando membros de seu grupo constituem uma parte menor dos beneficiários", diz Luttmer. "Com o aumento da diversidade, a porção de beneficiários que pertencem a um grupo diminui em média. Então o apoio médio para redistribuição cai se a diversidade aumenta." 

Isso leva a uma conclusão impressionante. Não foi o estado de bem-estar social que possibilitou a igualdade da Dinamarca, mas o contrário: a semelhança entre os cidadãos escandinavos possibilitou o estado de bem-estar social.

Quem quer um Brasil com um índice escandinavo de igualdade precisa torcer para que algum fenômeno a la Saramago divida o país em diversos territórios. Uma alternativa é deixar de ligar tanto para a estatística de desigualdade — e desfrutar a diversidade e a miscigenação que definem o Brasil.

3. O Brasil é desigual porque as famílias pobres tinham muito mais filhos que as ricas

Um motor importante (e pouco lembrado) da desigualdade e da miséria no Brasil é a demografia.

O fato de, por um longo período, mulheres pobres terem tido mais filhos que mulheres ricas elevou a estatística da desigualdade. Nos anos 1970, a diferença era enorme: cada mulher pouco escolarizada tinha, em média, 4,5 filhos a mais que as escolarizadas. Em 2005, o motor tem uma potência menor (diferença de 1,6), mas continua ligado.

"Os pobres não apenas têm menores salários que os ricos, mas também dividem esse salário entre mais indivíduos, resultando em maior desigualdade de renda per capita", dizem os economistas Ricardo Hausmann e Miguel Székely em um estudo sobre fecundidade e desigualdade na América Latina.

Trata-se de simples aritmética. A renda per capita, como diz o nome, é calculada pelo número de cabeças. Um casal que ganha 1.400 reais e tem três filhos resulta numa renda per capita de 280 reais. Se o mesmo casal tivesse cinco filhos, a renda per capita cairia para 200 reais.

Isso, é claro, se o casal continuar ganhando 1.400 reais. Infelizmente, há muitas chances de a renda diminuir com o aumento da família. Filhos exigem tempo — tempo que os pais poderiam gastar trabalhando. Mais filhos significam menos chances (sobretudo entre as mães) para trabalhar e ganhar dinheiro. Esse efeito é maior em mulheres com salário baixo, que têm menor custo de oportunidade (ou seja, perdem pouco se decidirem largar o trabalho para ficar em casa cuidando das crianças).

Além disso, mais filhos significam mais gastos — e menos dinheiro para investir na educação de cada um. "O número de filhos que um casal decide ter possui forte relação com o nível de educação que os pais conseguirão fornecer aos filhos", dizem Hausmann e Szekely. Cada criança começará a vida com uma parte menor da renda dos pais e com menor escolaridade. Um estudo de 2014 mostra que até 40% da queda da desigualdade de renda são explicados pela queda na desigualdade de escolaridade.

Fica ainda pior. Crianças com pouca escolaridade, quando crescerem, vão concorrer no mercado por vagas de pouca qualificação, aumentando a oferta de trabalhadores não qualificados. Uma vez que salários, assim como qualquer preço, são definidos pela oferta e procura, o salário de pessoas não qualificadas vai cair, aumentando a diferença de renda entre pouco e muito qualificadas. O maior número de filhos ainda resulta em uma poupança menor — e um país com menos economias tem menos capacidade de investimento.

Por outro lado, se você tem menos filhos, pode investir mais na educação de cada um deles, quem sabe pagar um intercâmbio para a Inglaterra quando o rapaz chegar à adolescência. Se menos jovens bem qualificados aparecem no mercado, cai a oferta de empregados para vagas mais qualificadas; devido à oferta e à procura, o salário nessas áreas sobe. Em 1973, o economista Carlos Langoni mostrou que, se a economia cresce muito rápido, a baixa educação dos cidadãos se torna um motor potente de desigualdade. Com muitas empresas à procura de funcionários, os poucos candidatos qualificados viram uma mercadoria tão escassa quanto casa de praia durante a temporada. O salário deles sobe muito mais que o dos menos educados, aumentando a desigualdade.

Resumindo: pobres, em geral, dividem a renda com mais indivíduos e educam menos os filhos, contribuindo para oferta maior (e menores salários) de trabalhadores pouco qualificados; ricos dividem a renda com menos filhos e conseguem dar uma melhor educação a eles, contribuindo para não aumentar a oferta (e garantindo maiores salários) de pessoas bem qualificadas.

O poder dessa máquina de desigualdade já foi calculado. Em 2010, 45,2% dos brasileiros eram donos de apenas 10% da renda do país, enquanto 5,9% dos brasileiros ficavam com 40% da renda.

Como seriam esses números se a fecundidade de 1980 tivesse permanecido estável até 2010? Teríamos mais pobres dividindo os mesmos 10% e menos ricos desfrutando os 40% da renda nacional. "Se a natalidade não tivesse caído, as proporções comparáveis seriam de 62% e 4,1%, respectivamente", diz a pesquisadora Ana Amélia Camarano, do Ipea.



O demógrafo Jerônimo Muniz, da UFMG, tem estudos similares. Ele calculou o que aconteceria com a desigualdade social no Brasil entre 1990 e 2000 se todas as variáveis, com exceção da demografia, ficassem constantes. Em 1990, a diferença de fecundidade entre mulheres pobres e ricas era bem menor que nas décadas anteriores, mas ainda existia. "Se a demografia fosse o único componente do cálculo, a proporção de pobres aumentaria 28% entre 1990 e 2000. Isso corresponderia a 42% da população. Já a desigualdade seria até 40% maior", diz Muniz.

Por causa da estabilidade da moeda e o crescimento (ainda que pequeno) da economia, houve um movimento modesto na direção contrária: a pobreza caiu 9% entre 1990 e 2000.

Estaria eu culpando a vítima ao dizer que as mulheres de classe baixa são responsáveis pela alta desigualdade do Brasil? Nunca me esqueço de uma vizinha da minha mãe que pagava menos de um salário mínimo para a empregada e não se cansava de dizer que os pobres eram pobres porque nada faziam além de ter filhos. Não: culpa não é um conceito que funciona bem em economia. Os pobres provavelmente ficaram presos numa armadilha: sem dinheiro e informação, tiveram muitos filhos, o que os deixou com ainda menos dinheiro e informação.

Não é correto culpar os pobres nem os ricos pela desigualdade. Basta entender que é a demografia, e não tanto a opressão das grandes empresas e do capitalismo, que explica boa parte da concentração de renda no Brasil.[2]

4. O Brasil é desigual porque o estado esculhamba o país

Uma opinião comum nas discussões sobre economia é que, se o governo deixar, as grandes corporações vão avançar sobre os pequenos empresários e os ricos concentrarão toda a renda do país.

Não, é o contrário.

Grandes empresas recorrem a políticos para se tornarem monopólios. Empresários já estabelecidos em um negóciopressionam o governo para aumentar regras e exigências, dificultando a vida de possíveis concorrentes. Leis urbanísticas protegem o patrimônio dos ricos contra a desvalorização. E os brasileiros de classe A são quem mais recebe dinheiro público.

Quem diz isso é um cara de esquerda, o economista Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de 2001. No livro O Preço da Desigualdade, Stiglitz dedica todo um capítulo sobre ações do governo que deixam os pobres mais pobres e os ricos mais ricos. Seu principal alvo é o rent-seeking — a arte de conseguir benefícios e privilégios não pelo mercado, mas pela política.

"O rent-seeking tem várias formas: transferências ocultas ou abertas de subsídios do governo, leis que tornam o mercado menos competitivo, leniência com as leis de proteção da competição, e regras que permitem às corporações tirar vantagem dos outros ou transferir custos para a sociedade".

Stiglitz diz que a América Latina é rica em privilégio a grandes empresas — e ele está certíssimo. Dos casos recentes da política brasileira, o exemplo mais bem-acabado é o da Braskem, a maior petroquímica brasileira. A Braskem é a única fabricante nacional de diversas resinas plásticas usadas na fabricação de brinquedos, embalagens, cadeiras de plástico, carpetes, seringas, peças de carros e eletrodomésticos, tubos, canos — enfim, de quase tudo. Na média mundial, o imposto de importação de resinas é de 7%. No Brasil, era de 14%, mas em 2012 a presidente Dilma elevou a taxa para 20%.

Na época, o aumento causou revolta, pois reverberaria em toda a cadeia de produtos plásticos made in Brazil. "A iniciativa beneficiará somente um monopólio instalado no país, o da Braskem, prejudicando toda uma cadeia produtiva e, o que é mais grave, os consumidores pagarão a conta", escreveu José Ricardo Roriz Coelho, então presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico. 

Com os concorrentes estrangeiros fora do páreo, a Braskem pôde cobrar mais pelas resinas que vendia a 12 mil fábricas brasileiras. Entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2014, o aumento dos produtos da empresa foi de 27,6%. Agora, adivinha quem controla a Braskem? Nada menos que a Odebrecht, empresa envolvida até a alma em escândalos de corrupção e propinas para o partido no poder.

Durante a operação Lava Jato, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Yousseff disseram que a Braskem pagava propina em troca maiores lucros em contratos com a Petrobras.

Outros motores estatais de desigualdade não são tão fáceis de perceber. As leis urbanísticas, por exemplo. Em muitas cidades brasileiras, a prefeitura impõe um limite de área construída em relação à área do terreno. É por isso que o Brasil não tem prédios com mais de cem andares, como em qualquer lugar civilizado. A regulação urbanística cria uma escassez artificial de espaço urbano, empurrando o preço para cima.

Esse fenômeno não é exclusividade do Brasil. Leis que dificultam a construção de prédios aumentam o preço dos imóveis em 800% na cidade de Londres e em 300% nas metrópoles Paris e Milão.

A principal tese do francês Thomas Piketty, autor de O Capital no Século 21, é que o retorno sobre o capital vem crescendo em relação ao retorno sobre o trabalho. Está valendo mais a pena viver de renda que do trabalho. Por que isso acontece? Para o norte-americano Matthew Rognlie, estudante de economia de 26 anos que virou o anti-Piketty, as leis de zoneamento são um dos motivos. "Quem está preocupado com a distribuição de renda precisa ficar atento aos custos de moradia", escreveu ele. Com a escassez artificial de espaço, quem tem imóveis fica ainda mais rico, enquanto os que estão lutando para comprar um imóvel precisam contrair uma dívida maior para realizar o sonho da casa própria. O de cima sobe e o de baixo desce, como dizia aquele axé da banda As Meninas.

Há ainda a inflação. Quando as notas de real se desvalorizam, ricos correm para aplicações bancárias atreladas ao reajuste dos preços. Quanto mais dinheiro, melhor a proteção, já que investimentos de grande volume costumam ser remunerados com taxas melhores. Já os pobres não conseguem se proteger tão bem. Alguns não se protegem nada: 55 milhões de brasileiros nem sequer têm uma simples caderneta de poupança. Quando o governo descuida da estabilidade da moeda, atinge em cheio os mais pobres.

O leitor já deve estar assustado com o poder do governo de concentrar a renda — e olha que ainda nem chegamos ao principal motor de desigualdade do Brasil. É este aqui: a aposentadoria integral de funcionários públicos e as pensões especiais. Um estudo recente e enfático sobre isso é "Gasto Público, Tributos e Desigualdade de Renda no Brasil", de Marcelo Medeiros e Pedro Souza, pesquisadores do Ipea [comentado aqui]. Eles analisaram todas as movimentações financeiras do governo brasileiro e calcularam o impacto de cada tipo de transação no coeficiente de Gini brasileiro. A conclusão é de assustar:



Cerca de um terço da desigualdade total pode ser diretamente relacionado às transferências de renda e aos pagamentos feitos pelo Estado aos indivíduos e às famílias, mesmo depois de considerarmos os efeitos progressivos dos tributos diretos e das contribuições.

Como é possível o estado aumentar a desigualdade se toda hora vemos na TV o Bolsa Família e outras ações públicas de assistência aos pobres? A resposta é que, ao mesmo tempo em que propagandeia a transferência de dinheiro para os pobres, o governo brasileiro mantém Bolsas Famílias ao contrário: programas que tiram dos pobres para dar aos ricos e ao governo.

A famosa foto da desigualdade social esconde uma excelente notícia



Não há livro didático ou reportagem sobre concentração de renda que não exiba a foto da favela de Paraisópolis ao lado de um prédio de apartamentos de luxo no Morumbi, em São Paulo. A foto ilustra, como nenhuma outra, o fato de tantos terem tão pouco e tão poucos terem tanto. Mas esconde, na verdade, uma excelente notícia.

Quando jornalistas ou autores de provas do ENEM escolhem a foto de Paraisópolis para retratar a desigualdade social, costumar comparar a riqueza dos apartamentos com a miséria da favela. No entanto, a comparação mais adequada é a dos moradores da favela hoje e no passado, antes de se mudarem para a metrópole. Não foram os moradores dos apartamentos do Morumbi que criaram a miséria de Paraisópolis — pelo contrário, eles ajudaram a diminuí-la, e muitos deles próprios são netos ou bisnetos de gente miserável.

"A pobreza urbana não deveria ser comparada à riqueza urbana", diz o economista Edward Glaeser, professor de Harvard e o mais celebrado especialista em economia das cidades. "As favelas do Rio de Janeiro parecem terríveis se comparadas a bairros prósperos de Chicago, mas os índices de pobreza no Rio são bem menores que no interior do Nordeste brasileiro."

Quem mora em Paraisópolis vive muito melhor do que se houvesse permanecido no sertão nordestino, nas lavouras de boias-frias do Paraná ou entre os escombros do Haiti. Não importa se a miséria está mais aparente ou mais próxima; o principal é que, para os miseráveis, ela tenha diminuído.

Como arremata o economista Glaeser: "A pobreza urbana não deveria envergonhar as cidades. As cidades não criam pobres. Elas atraem pobres. Elas atraem pobres justamente porque fornecem o que eles mais precisam — oportunidade econômica."


[1] Índice mais usado para medir a desigualdade, o coeficiente de Gini vai de 0 (igualdade total) a 1 (desigualdade total).

[2] Não estou, aqui, defendendo que as famílias tenham menos filhos. Bom mesmo seria se o crescimento de economia e da produtividade fosse maior que o da população brasileira. Como isso não aconteceu, a natalidade se tornou uma máquina de pobreza e desigualdade no país.

Por: Leandro Narloch, jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, e do Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo, além de ser co-autor, junto com o jornalista Duda Teixeira, do Guia Politicamente Incorreto da América Latina, todos na lista dos livros mais vendidos do país desde que foram lançados.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

NA EUROPA, A ESQUERDA DESCOBRIU QUE O "ALMOÇO GRÁTIS" SERÁ PAGO POR ELA


Ao mesmo tempo, isso é apenas o início da crise, pois as condições que estão estimulando as pessoas a fugirem de seus respectivos países só irão piorar. E a União Européia, com países que possuem os maiores e mais bem equipados sistemas assistencialistas do mundo, parece estar estupefata e impotente perante tudo isso — politicamente, moralmente e administrativamente. 

Essa paralisia cria um significativo risco para a União Européia. Ninguém acredita seriamente que os países-membros — particularmente Itália e Grécia, os dois países mais afetados — possam superar, por conta própria, os desafios de longo prazo gerados pela imigração em larga escala. 

Por outro lado, vários países-membros rejeitam um esforço comum europeu, postura essa que ameaça acelerar a erosão da solidariedade dentro da União Européia e reforça a atual tendência rumo à desintegração — Joschka Fischer

Joschka Fischer foi Ministro das Relações Exteriores e vice-chanceler da Alemanha de 1998 a 2005, no governo do social-democrata Gerhard Schröder. Posteriormente, ele fundou o Partido Verde alemão. Ou seja, ele costumava estar dentro do sistema; hoje, ele está nas franjas. 

No trecho acima, ele está descrevendo o colapso da União Europeia. Ele está também descrevendo o colapso dos estados assistencialistas europeus do pós-guerra. 

Ambos os arranjos estão condenados. Ao longo dos próximos anos, a Europa será atingida por milhões de imigrantes oriundos de países arrasados do Oriente Médio. Estes imigrantes irão — como já fazem na França — tirar proveito de todo o sistema assistencialista em voga na Europa, da educação gratuita à saúde gratuita. Eles tenderão a ser mão-de-obra de baixa produtividade e incapazes de falar os idiomas locais. Terão baixa educação formal e viverão segregados em seus guetos, com suas antenas parabólicas apontadas para as redes do Oriente Médio. Já é assim na França há décadas. Será assim em toda a Europa. 

O tsunami de imigração em massa ainda não atingiu a Europa. Atingirá na próxima primavera européia (a partir de abril de 2016). Milhões já chegaram até a Europa. Outros milhões farão essa mudança enquanto ainda for fácil. As cercas de arame farpado foram colocadas apenas pela Hungria e pela Croácia. Mas a tendência é que, na próxima primavera européia, elas se intensifiquem. 

O governo da Polônia já anunciou que não aceitará mais imigrantes. O governo da República Tcheca está indo pelo mesmo caminho

Os cidadãos europeus sempre pensaram que seriam os únicos beneficiados das generosas políticas assistencialistas de seus respectivos países, as quais são sustentadas pela tributação dos ricos. Agora, repentinamente, eles descobriram que eles se tornaram "os ricos", e terão de sustentar as massas de imigrantes. A consequência disso é que seus estados assistencialistas irão falir sob o peso de imigrantes oriundos de estados falidos. 

Tudo parecia tão fácil após a Segunda Guerra Mundial... Apenas vote nas políticas social-democratas e você usufruirá segurança econômica por toda a sua vida, devidamente financiada pelos impostos sobre os mais ricos. E então, surpresa! O jogo virou, os beneficiados repentinamente se tornaram "os ricos", e serão devidamente tributados para sustentar os milhões que estão chegando para reivindicar esse "direito ao assistencialismo". 

Esses imigrantes, que não pagam impostos, têm várias bocas para alimentar, vários corpos para abrigar, e jovens mentes para educar. Eles não conseguirão certificados e licenças profissionais nas esclerosadas burocracias européias. Eles não conseguirão fazer parte dos sindicatos em uma Europa que já é dominada por guildas mercantilistas. 

Porém, sendo progressistas, a maioria dos europeus não exigirá que estes imigrantes se alimentem por conta própria, se eduquem por conta própria, e paguem sozinhos por suas moradias. Isso seria uma intolerável e inaceitável demonstração de thatcherismo. Consequentemente, seus governos irão incorrer em maciços déficits orçamentários para arcar com tudo isso, e tudo devidamente financiado pelo Banco Central Europeu. 

A Europa não é apenas consumida por sindicatos; ela também é consumida pela culpa. Seus cidadãos sempre acreditaram na promessa de votar para receber políticas assistencialistas. Dentro de 25 anos, eles não mais serão a maioria desses votos. Os filhos dos imigrantes serão os votos decisivos. Pode até ocorrer em menos de 25 anos. 

Os estados assistencialistas europeus já estavam rumo ao colapso em decorrência de passivos futuros (gerados pelo estado de bem-estar social) para os quais não havia uma equivalente quantidade de receitas programas (algo que, contabilmente, é chamado de "passivo a descoberto"). Com as imigrações em massa, esse processo será acelerado. 

O que um esquerdista irá fazer contra tudo isso? Coerentemente, nada. A esquerda sempre proclamou acreditar no "socialismo democrático", também chamado de democracia econômica. Agora eles receberão aquilo que sempre proclamaram defender, e em grandes doses. Eles apenas nunca imaginaram que seriam eles que arcariam com a fatura; sempre imaginaram que eles seriam os beneficiários da fatura. A esquerda sempre se viu como sendo o lado ativo do assalto perpetrado pelas urnas; repentinamente, descobriu que estaria do lado passivo do furto. 

As lamúrias estão apenas começando. "Isso simplesmente não é justo!". É verdade, não é justo. Mas é o sistema que vocês próprios criaram. 

Fischer termina sua coluna dizendo que: 

No longo prazo, os estrategistas políticos terão de explicar aos seus eleitores que é impossível usufruir, simultaneamente, prosperidade econômica, um alto nível de seguridade social, e uma população em que pensionistas geram um crescente fardo sobre os economicamente ativos. Para que tal sistema seja mantido, a força de trabalho européia terá de crescer continuamente, e esse é justamente um motivo pelo qual os europeus deveriam parar de tratar os imigrantes como uma ameaça e começar a vê-los como uma oportunidade. 

Em uma economia de livre mercado, na qual cada pessoa, por meio do seu trabalho, provê a si própria, esse raciocínio é perfeitamente verdadeiro. Já em um estado assistencialista esclerosado, burocrático e dominado por sindicatos, são as multidões que abocanham a maior fatia do espólio. 

Isso seria uma vitória do "eu avisei" dos teóricos anti-assistencialismo em uma escala jamais vista no Ocidente, embora já vivenciadas pela URSS e pela China comunista. 

Ludwig von Mises passou 60 anos de sua vida alertando para isso. A esquerda não quis escutar. 

As ruas das cidades européias estão se tornando abarrotadas de imigrantes desempregados. Eles adquiriram o direito de ter três refeições gratuitas por dia (e, alguns casos, chegam a receber dinheiro vivo tão logo chegam ao país). Quem irá dizer a eles que "chega"? Quando? Utilizando qual argumento? 

Esse é o início do fim daquilo que passou a ser chamado de "política da culpa e da comiseração". Ao contrário do que previu Karl Marx, a "revolução vermelha" jamais varrerá a Europa. O que varrerá a Europa serão as "contas no vermelho". 

Será fascinante assistir a tudo isso . . . a uma distância segura. 


Por: Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seuwebsite. Do site: http://www.mises.org.br/

domingo, 8 de novembro de 2015

ANIMAIS POLÍTICOS

1. Durante anos, colegas estrangeiros perguntavam-me por que motivo Portugal não era a Grécia. Falo de política, não de geografia.


Portugal, tal como a Grécia, precisou de ajuda financeira quando esteve perto da falência em 2011. Portugal, tal como a Grécia, impôs um pesado pacote de austeridade sobre os nativos, com brutal aumento de impostos e cortes de rendimentos.

Apesar de tudo isso, como explicar a sobrevivência política dos dois partidos centrais do regime –o Partido Socialista (PS) e o Partido Social-Democrata (PSD) –quando na Grécia o Pasok e os conservadores da Nova Democracia eram devorados por forças extremistas como o Syriza e os neonazis do Aurora Dourada?

Não é fácil responder à questão. Mas havia hipóteses. Para começar, e ao contrário do que pensavam os meus colegas, Portugal já tem partidos extremistas que defendem a saída do país da zona do euro e a nacionalização da economia ao melhor estilo soviético.

O Partido Comunista, por exemplo, faz parte da mobília democrática portuguesa e nas eleições gerais de domingo conseguiu uns respeitáveis 8,3%. Além do velhinho PCP, Portugal também tem o seu Syriza: o Bloco de Esquerda, que até suplantou o PC, conseguiu 10,2%.

Mas era um fato que a maioria da população continuava a votar no PS e no PSD nas eleições locais e europeias. A única certeza que existia era que em novas eleições legislativas o atual governo (uma coalização do PSD com os democratas-cristãos do CDS) seria punido exemplarmente pela austeridade e o PS retornaria ao poder. O contrário disso seria uma surpresa para os analistas e caso único em toda a Europa.

Pois bem: o caso único aconteceu. Depois de quatro anos de austeridade, o governo foi reeleito. Sem maioria absoluta dos deputados no Parlamento, é certo. Mas com uma vitória.

Uma primeira explicação para o fato seria dizer que o país, hoje, está melhor do que em 2011: já sem a tutela do FMI e da União Europeia, com crescimento econômico tímido (1,6% neste ano) e o desemprego a baixar lentamente (está nos 12%), há em Portugal, apesar dos sacrifícios, uma sensação de missão cumprida que os eleitores premiaram nas urnas.

Mas a vitória do governo também se explica pelos erros do Partido Socialista. Primeiro, ao não assumir claramente as suas responsabilidades na governança do país quando foi preciso pedir ajuda externa; e ao preferir, em plena campanha, um discurso violento e radical, estilo Syriza, que os portugueses rejeitaram. E rejeitaram por quê?

Regresso ao início: porque Portugal não é a Grécia. Ou, melhor dizendo, depois de 48 anos de ditadura, há um consenso silencioso de que o "caminho da Europa" é a única forma de evitar a pobreza e até novas tentações autoritárias.

Talvez por isso as eleições de domingo atribuíram 38,5% dos votos à coalização de governo e 32,4% aos socialistas. No fundo, é como se os potugueses dissessem: não queremos extremismos; queremos entendimentos.

A dúvida que resta é saber se haverá entendimento.

2. A jornalista inglesa Elizabeth Day entrevistou o ator Matt Damon. A páginas tantas, a jornalista perguntou a Matt Damon se ele achava que atores gays tinham dificuldades em assumir publicamente a sua homossexualidade.

Damon, que pelos vistos é hétero, respondeu que um ator, independentemente das suas preferências íntimas, deveria revelar o menos possível sobre a sua vida privada. Isso permite-lhe representar vários papéis com outra versatilidade.

Foi o que bastou para que o submundo das "redes sociais" reescrevesse as palavras do ator: Damon tinha defendido que todos os atores gays deveriam viver escondidos no armário e –quem sabe?– terem uma boneca inflável para comparecer às festas de Hollywood sem espantar os cavalos.

A jornalista, em artigo para o jornal "The Guardian", mostra espanto com a polêmica. Mas não há necessidade de tanto espanto. Em sociedades verdadeiramente livres, a vida sexual de uma pessoa adulta deveria ser um fato sem nenhuma relevância social ou moral.

Infelizmente, as patrulhas das "políticas de identidade" mudaram o jogo e passaram a exigir "transparência absoluta". Como se a vida de terceiros fosse propriedade coletiva.

Curiosamente, não parece ter ocorrido a estas novas inquisições sexuais que a exigência em saber tudo é tão totalitária como a exigência de esconder tudo.
Por: João Pereira Coutinho  Publicado na Folha de SP

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A EDUCAÇÃO ESTATAL - E COMO ELA SERIA EM UM LIVRE MERCADO

N. do T.: o artigo a seguir foi adaptado para a realidade brasileira


O-ministro-da-Educação Aloízio Mercadante

Eis o burocrata responsável pela educação dos seus filhos

De todos os passos que foram dados rumo ao caminho da servidão, qual foi o pior?

Em minha opinião, foi o de permitir que o estado educasse nossos filhos, seja diretamente por meio de escolas públicas, seja indiretamente por meio de escolas privadas reguladas integralmente pelo Ministério da Educação.

Dado que a educação que nossos filhos recebem é toda controlada por funcionários públicos, que operam dentro das normas estabelecidas por um sistema estatal, não é surpresa nenhuma que nossos filhos cresçam acreditando que:

— o estado é um árbitro justo, imparcial, amoroso e caritativo, ao contrário de empreendedores privados, que agem somente em interesse próprio;

— programas governamentais realmente entregam aquilo que prometem e, sem eles, as pessoas estariam em situação muito pior;

— sem a saúde e a educação públicas, e sem programas de assistência social do governo, todos morreríamos doentes ainda muito jovens, seríamos analfabetos e as ruas estariam repletas de pessoas passando fome; e

— o estado é o país, e é nosso dever patriótico apoiar toda e qualquer política idiota que o governo decida implementar.

A educação é um desastre. Se você não acredita em mim, pergunte aos próprios políticos. Todo ano de eleição eles aparecem para nos contar como a educação está terrível — crianças que não conseguem ler em idade já avançada, violência nas salas de aula, professores incapacitados e mal pagos, infraestrutura precária e aos pedaços, drogas sendo vendidas dentro das escolas, salas de aula com excesso de alunos etc.

É claro que todos os políticos têm na ponta da língua soluções que irão sanar todos estes problemas. Porém, mesmo depois de eleitos, e de implementarem suas soluções, eles sempre voltam nas eleições seguintes dizendo como a situação da educação continua terrível.

A política e as escolas públicas

A primeira coisa que precisa ser entendida a respeito das escolas públicas é que elas não são instituições educacionais. Elas são agências políticas — logo, são controladas pelo grupo que tenha mais influência política. E isto exclui você e eu.

Não é de se estranhar, portanto, que suas políticas de ensino e de funcionamento sejam ditadas pelos sindicatos dos professores e dos funcionários, bem como pelas fantasias utópicas das universidades nas quais esses professores se formaram. Não existe um sistema de recompensas ou de incentivos para inovações. Mesmo os professores mais bem intencionados não têm oportunidades para utilizar métodos originais, lógicos e sensatos para resolver problemas rotineiros. Não há nenhuma chance de se recompensar aqueles que demonstram um desempenho superior. É a burocracia quem comanda tudo, e a ela todos devem ser submissos.

Para piorar, as escolas públicas acabam ensinando muitas coisas que iriam deixar os pais apavorados — isto se os pais soubessem exatamente o que se passa nas escolas. Orientação sexual e "kit-gay" são apenas a ponta do iceberg. Os alunos são ensinados a atormentar seus pais para que eles reciclem lixo, para que fechem a torneira do chuveiro enquanto estiverem se ensaboando durante o banho, e para que adotem inúmeros outros rituais da nova religião ambientalista. Literatura clássica quase nunca é mencionada. Quando o é, é apenas para mostrar como as pessoas já foram ignorantes e insensíveis, e não para mostrar aos alunos a complexidade da vida e a riqueza do idioma.

Tempo e recursos parece haver de sobra para ensinar as crianças a se conformarem com a ideologia e o pensamento politicamente correto da moda. Porém, se os pais reclamam que seus filhos não estão aprendendo ciências, português, história e matemática, os políticos respondem que está faltando dinheiro, os professores respondem que são mal pagos e vários "agentes sociais" dizem que a nova metodologia de ensino, com maior ênfase na 'consciência social do aluno', é bastante superior ao velho e reacionário método clássico de educação. E, no final, todos se unem para concluir que o grande problema realmente é o governo, que destina pouco dinheiro para a educação — logo, novos impostos são necessários.

A questão é: teria como as coisas realmente serem diferentes? Nesse atual arranjo, sem estarem submetidos a uma pressão competitiva, sem estarem sujeitos à concorrência, as pessoas que realmente estão no controle das escolas públicas — os burocratas sindicalizados — estão livres para saciar seus desejos mais indômitos de doutrinar as crianças para que elas sejam cidadãos exemplares da Nova Ordem. Em um sistema como este, os bons professores não têm a menor chance — nem o estímulo — de fazer a diferença.

Público vs. Privado

O problema não são professores despreparados. O problema não é a falta de recursos ou a falta de participação dos pais.

O problema é que as escolas são administradas pelo governo.

Podemos ver isso claramente ao comparar a educação pública com a indústria de computadores — um dos ramos menos regulados em todo o mundo.

— A educação está sob o comando de políticos e burocratas, gente que jamais irá enfrentar pessoalmente as consequências de suas próprias medidas, por mais que arruínem a educação de nossos filhos. E assim, os custos da educação vão ficando cada vez maiores, ano após ano, ao mesmo tempo em que a qualidade e a utilidade decrescem velozmente.

— A produção de computadores, notebooks e afins está sob o comando de empreendedores, pessoas que visam ao lucro e que, por isso mesmo, têm de estar sempre encontrando novas maneiras de nos satisfazer, produzindo cada vez mais com cada vez menos — caso contrário, perderão o que investiram e irão à falência. E assim, computadores, notebooks e demais apetrechos tecnológicos vão ficando cada vez mais baratos, ano após ano (ou mês após mês), ao mesmo tempo em que sua qualidade e utilidade aumentam velozmente.

Ao contrário das empresas de tecnologia, as escolas públicas são organizações monopolistas isoladas da concorrência — e inteiramente sustentadas pela coerção do governo. Um sistema de vouchers para as escolas privadas, nos moldes defendidos por alguns liberais genuínos, não tornaria as escolas públicas mais competitivas simplesmente porque as escolas do governo não precisam competir. (Em nível universitário, já temos os exemplos práticos do ProUni e do Fies, que nada mais é do que uma variância desse esquema de vouchers. O único resultado foi piorar a educação das universidades particulares que recebem esse subsídio, pois agora elas não mais têm de competir por novos alunos; o governo já garante a receita.)

Não importa quantos alunos as escolas públicas percam para as escolas privadas e para aqueles heróis que, à revelia do governo, praticam ensino doméstico; o fato é que as escolas públicas ainda obtêm seus recursos por meio da força — e quanto maiores os seus fracassos, mais eles são utilizados como desculpa para se exigir ainda mais recursos.

Dado que o governo possui livre acesso a um recurso que empresas privadas não têm — o dinheiro dos pagadores de impostos —, ele consegue oferecer seus serviços "gratuitamente". Eles não são realmente gratuitos, é claro; no contexto estatal, "gratuito" significa que todas as pessoas pagam pelo serviço, queiram elas ou não.

Infelizmente, isso que irei dizer agora não é compreendido por todos, mas enquanto o governo puder tributar os cidadãos para lhes fornecer serviços educacionais a preço marginal zero, todo um serviço educacional privado que poderia existir jamais é criado. Não deixa de ser irônico constatar essa contradição: ao mesmo tempo em que o governo vigilantemente pune empresas que praticam "concorrência predatória" (leia-se: fornecem produtos e serviços a preços baixos), ele próprio incorre nessa prática — só que de maneira totalmente coerciva, pois o faz com o dinheiro que confisca da população — no serviço educacional.

Inversão de papéis

Suponhamos que o governo tenha estatizado a indústria de computadores tão logo ela surgiu (tudo para o "bem do povo", claro). Não é difícil imaginarmos como ela seria hoje:

— Um computador pessoal custaria alguns milhões de reais e seria maior que uma casa;

— Ele provavelmente seria capaz de realizar operações de soma e subtração, porém os funcionários públicos iriam nos explicar por que é cientificamente impossível uma máquina destas realizar multiplicações e divisões;

— O custo de um computador subiria continuamente, e cada modelo novo seria pior e mais caro que o do ano anterior;

— Haveria grupos de interesse organizados tentando fazer com que o governo produzisse computadores com DOS, e outros grupos exigindo interface gráfica. Haveria intensos debates sobre se os computadores fornecidos pelo governo deveriam poder acessar sites religiosos ou não.

O lado positivo seria que todos os computadores viriam com um software que ensinaria às crianças como manusear uma camisinha.

Por outro lado...

Agora vamos supor o contrário, que a educação fosse organizada de acordo com a indústria de computadores — formada por empresas privadas concorrendo em um mercado sem barreiras à entrada, livres de todos os tipos de regulamentações, que não estivessem sujeitas a matérias obrigatórias ou a comissões políticas. Em suma, por empresas que simplesmente tivessem de competir pela preferência dos pais.

Como as escolas seriam? Parece-me óbvio que:

— O custo da educação cairia ano após ano, com as empresas encontrando maneiras de fornecer educação de qualidade a custos cada vez menores. E todo o dinheiro que você gasta hoje para pagar pelas escolas públicas por meio de impostos ficaria integralmente com você, para gastar como achar melhor.

— A concorrência faria com que as escolas tivessem de melhorar ano após ano. Não dá para fazer previsões, mas é bem possível que as crianças precisassem passar apenas 3 horas por dia na escola para receber uma educação muito superior do que a obtida hoje nas escolas controladas pelo governo.

— As escolas seriam tão mais estimulantes, que as crianças poderiam perfeitamente querer passar várias horas por dia explorando o mundo da matemática, da história, da geografia, da literatura, da redação ou de qualquer outro tema que tenha despertado sua imaginação.

— Dado que não haveria nenhum Ministério da Educação impondo um determinado tipo de currículo para todo o país, não veríamos mais as brigas amargas sobre os conteúdos ministrados, sobre a necessidade ou não de se ensinar religião, "sensibilidade social" e educação sexual; não haveria problemas com a imposição estatal de "kit-gay" ou com a aceitação ou não de professores homossexuais. Se uma escola quisesse se especializar exclusivamente em esportes, por exemplo, caberia aos pais decidir se querem ou não que seus filhos estudem ali. A liberdade definiria as escolhas. Não mais haveria as centenas de controvérsias que vemos na educação atual, completamente controlada pelos burocratas do Ministério da Educação. Se você não gosta do que a escola do seu filho está ensinando, você simplesmente vai atrás de outra melhor — do mesmo jeito que vai atrás de um supermercado que tenha o que você quer.

— Haveria dezenas de opções disponíveis para você — escolas mais severas, escolas com disciplinas especiais, como música e cinema, escolas alternativas e até mesmo escolas que ofereçam um ensino completo sobre o funcionamento do livre mercado e do empreendedorismo, o que iria ajudar seu filho a obter uma vida mais confortável quando crescesse, além de poupar seu cérebro de infecções marxistas. Algumas escolas poderiam perfeitamente criar um currículo personalizado baseando-se em suas expectativas e nas capacidades de seu filho, ao passo que outras ofereceriam uma educação mais simples a um custo menor para aqueles que precisam economizar.

Temos de agradecer aos céus pelo fato de que nossos computadores e demais aparelhos eletrônicos não são fornecidos pelo estado. Mas também nunca podemos nos esquecer de como a educação poderia ser muito melhor, mais dinâmica e estimulante, se ela fosse tão livre do estado quanto é a indústria tecnológica.

Não há nada de específico na educação que nos faça duvidar de que o mercado poderia fornecê-la. Assim como qualquer produto ou serviço, a educação é uma combinação de terra, trabalho e capital direcionados a um objetivo claro: a instrução de assuntos acadêmicos e relacionados, os quais são demandados por uma classe de consumidores, majoritariamente pais.

O argumento de que uma educação de alta qualidade seria intrinsecamente cara para uma fatia significativa da população não se sustenta. Um livre mercado que consegue saturar a sociedade com telefones celulares, geladeiras, fornos microondas, televisões da alta definição, computadores, tablets e máquinas de lavar certamente pode produzir educação de alta qualidade para as massas. O segredo é a liberdade de empreendimento.

Imagine um mundo em que os impostos para a educação deixassem de existir, em que a liberdade conduzisse a educação de seus filhos e você pudesse escolher uma escola para eles da mesma maneira que escolhe qual artefato eletrônico quer comprar.

Isso é querer demais?
Por: Harry Browne , o falecido autor de Por que o Governo Não Funciona e de vários outros livros, foi candidato à presidência dos EUA pelo Partido Libertário nas eleições de 1996 e 2000.
Tradução de Leandro Augusto Gomes Roque Do site: http://www.mises.org.br