domingo, 8 de novembro de 2015

ANIMAIS POLÍTICOS

1. Durante anos, colegas estrangeiros perguntavam-me por que motivo Portugal não era a Grécia. Falo de política, não de geografia.


Portugal, tal como a Grécia, precisou de ajuda financeira quando esteve perto da falência em 2011. Portugal, tal como a Grécia, impôs um pesado pacote de austeridade sobre os nativos, com brutal aumento de impostos e cortes de rendimentos.

Apesar de tudo isso, como explicar a sobrevivência política dos dois partidos centrais do regime –o Partido Socialista (PS) e o Partido Social-Democrata (PSD) –quando na Grécia o Pasok e os conservadores da Nova Democracia eram devorados por forças extremistas como o Syriza e os neonazis do Aurora Dourada?

Não é fácil responder à questão. Mas havia hipóteses. Para começar, e ao contrário do que pensavam os meus colegas, Portugal já tem partidos extremistas que defendem a saída do país da zona do euro e a nacionalização da economia ao melhor estilo soviético.

O Partido Comunista, por exemplo, faz parte da mobília democrática portuguesa e nas eleições gerais de domingo conseguiu uns respeitáveis 8,3%. Além do velhinho PCP, Portugal também tem o seu Syriza: o Bloco de Esquerda, que até suplantou o PC, conseguiu 10,2%.

Mas era um fato que a maioria da população continuava a votar no PS e no PSD nas eleições locais e europeias. A única certeza que existia era que em novas eleições legislativas o atual governo (uma coalização do PSD com os democratas-cristãos do CDS) seria punido exemplarmente pela austeridade e o PS retornaria ao poder. O contrário disso seria uma surpresa para os analistas e caso único em toda a Europa.

Pois bem: o caso único aconteceu. Depois de quatro anos de austeridade, o governo foi reeleito. Sem maioria absoluta dos deputados no Parlamento, é certo. Mas com uma vitória.

Uma primeira explicação para o fato seria dizer que o país, hoje, está melhor do que em 2011: já sem a tutela do FMI e da União Europeia, com crescimento econômico tímido (1,6% neste ano) e o desemprego a baixar lentamente (está nos 12%), há em Portugal, apesar dos sacrifícios, uma sensação de missão cumprida que os eleitores premiaram nas urnas.

Mas a vitória do governo também se explica pelos erros do Partido Socialista. Primeiro, ao não assumir claramente as suas responsabilidades na governança do país quando foi preciso pedir ajuda externa; e ao preferir, em plena campanha, um discurso violento e radical, estilo Syriza, que os portugueses rejeitaram. E rejeitaram por quê?

Regresso ao início: porque Portugal não é a Grécia. Ou, melhor dizendo, depois de 48 anos de ditadura, há um consenso silencioso de que o "caminho da Europa" é a única forma de evitar a pobreza e até novas tentações autoritárias.

Talvez por isso as eleições de domingo atribuíram 38,5% dos votos à coalização de governo e 32,4% aos socialistas. No fundo, é como se os potugueses dissessem: não queremos extremismos; queremos entendimentos.

A dúvida que resta é saber se haverá entendimento.

2. A jornalista inglesa Elizabeth Day entrevistou o ator Matt Damon. A páginas tantas, a jornalista perguntou a Matt Damon se ele achava que atores gays tinham dificuldades em assumir publicamente a sua homossexualidade.

Damon, que pelos vistos é hétero, respondeu que um ator, independentemente das suas preferências íntimas, deveria revelar o menos possível sobre a sua vida privada. Isso permite-lhe representar vários papéis com outra versatilidade.

Foi o que bastou para que o submundo das "redes sociais" reescrevesse as palavras do ator: Damon tinha defendido que todos os atores gays deveriam viver escondidos no armário e –quem sabe?– terem uma boneca inflável para comparecer às festas de Hollywood sem espantar os cavalos.

A jornalista, em artigo para o jornal "The Guardian", mostra espanto com a polêmica. Mas não há necessidade de tanto espanto. Em sociedades verdadeiramente livres, a vida sexual de uma pessoa adulta deveria ser um fato sem nenhuma relevância social ou moral.

Infelizmente, as patrulhas das "políticas de identidade" mudaram o jogo e passaram a exigir "transparência absoluta". Como se a vida de terceiros fosse propriedade coletiva.

Curiosamente, não parece ter ocorrido a estas novas inquisições sexuais que a exigência em saber tudo é tão totalitária como a exigência de esconder tudo.
Por: João Pereira Coutinho  Publicado na Folha de SP

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