quinta-feira, 25 de setembro de 2014

'SIGA O DINHEIRO"!

A estagnação da economia é um reflexo da crise internacional. Mesmo assim, o povo tem emprego e renda. "Os políticos não podem trabalhar focados em PIB, inflação, deficit público ou câmbio." Não é urgente reajustar preços de energia ou combustíveis. 


O "modelo da década de 90" gerava desemprego. As críticas ao governo partem de empresários rancorosos "da Faria Lima". "Não podemos continuar esse Fla-Flu político estimulado por São Paulo." 

Os diagnósticos de Murilo Ferreira, presidente da Vale (Folha, 7/9), repetem, linha por linha, o discurso da campanha de Dilma. Há um problema com o jornalismo: na ficha sobre o executivo e a empresa, o leitor não fica sabendo que o entrevistado é "Fla" (ou, metáfora mais apropriada, "Flu").

A Vale só foi privatizada no universo fantasioso do direito empresarial. Seu controle acionário é exercido por fundos de pensão de estatais e pelo BNDES. No mapa de projetos financiados pelo BNDES em território brasileiro, aparecem cerca de R$ 20 bilhões destinados à Vale. 

Um novo financiamento, para o Complexo Carajás, elevará o total a mais de R$ 26 bilhões. 

O governo tem ações especiais, as golden share, que conferem direito de veto nas decisões estratégicas da empresa. Ferreira é o interventor informal do governo na Vale, alçado à presidência em operação articulada entre o BNDES e os fundos de pensão, que derrubaram Roger Agnelli. Quando ele move os lábios, quem fala é Lula.

O capitalismo de Estado brasileiro, restaurado e atualizado nos três mandatos do lulismo, circula nas entrelinhas de um jornalismo cada vez mais timorato. A Vale é uma das joias da coroa. Seus negócios globais, espalhados por mais de 30 países, foram impulsionados pela diplomacia presidencial de Lula. 

Suas alianças com empresas transnacionais amparam-se na certeza de que, em circunstâncias adversas, o BNDES (isto é, os títulos de dívida do Tesouro) socializará os prejuízos. 

No dia da primeira posse de Lula, em 2003, pagava-se R$ 97 por uma ação da empresa; hoje, ela vale menos de R$ 30 (atenção, Ferreira: o colapso começou bem antes da crise internacional, seu bode expiatório preferido).

A história política recente do capitalismo de Estado brasileiro pode ser narrada como um romance policial ou como um conto eleitoral. 

No primeiro registro, a escritura depende da vontade da Polícia Federal de seguir até o fim as pistas da Operação Lava Jato, remontando a teia que liga os partidos (PT, PMDB e PP) à Petrobras e às empreiteiras mencionadas pela contadora do doleiro Youssef (OAS, Mendes Júnior e Camargo Corrêa). 

No segundo, o texto está à disposição do público, sob a forma do quadro de financiadores legais de campanha. As empreiteiras lideram de longe as doações e distribuíram 65% dos recursos para Dilma. 

A OAS, segunda maior doadora singular, direcionou 85% do dinheiro para a presidente-candidata. O maior financiador é o Grupo JBS, do agronegócio, que recebeu R$ 4,8 bilhões do BNDES e "devolveu" para Dilma cerca de R$ 20 milhões, ou 65% de suas doações.

Rui Falcão, o presidente do PT, anunciou os novos rumos da campanha de Dilma, que tenta colar os rótulos de "antinacionalista" e "privatista" à candidatura de Marina, trocando o nome do inimigo público nos versos antigos, desengavetados para Aécio. 

É preciso traduzir o significado do conceito de "nação" na narrativa lulopetista. No fim, para eles, nação é a tela de interesses entrelaçados das grandes empresas associadas ao Estado. 

Do ponto de vista da pessoa jurídica, Brasil significa Vale, OAS, Odebrecht, JBS e similares. Do ponto de vista da pessoa física, é Lula e um cortejo de coadjuvantes maiores ou menores, alguns relacionados nos depoimentos do delator Paulo Roberto Costa.

P.S.: Cerqueira Leite pensa que fé é fundamentalismo e insulto é argumento. Os deuses roubaram-lhe a razão. 
Por Demétrio Magnoli Publicado na Folha de SP

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